<strong>OS</strong> <strong>PENSADORES</strong>Numa nota <strong>de</strong> pé <strong>de</strong> página, Albert diz: "Habermas citaneste contexto a indicação <strong>de</strong> Adorno à inverificabilida<strong>de</strong> da<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> todo fenômeno social em relação à 'totalida<strong>de</strong>'.Esta citação provém <strong>de</strong> um contexto em que Adorno,remetendo-se a Hegel, afirma que a refutação é frutífera apenascomo crítica imanente; para tanto, ver Adorno, Sobre aLógica das Ciências Sociais. Ao mesmo tempo, o sentido dasconsi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Popper acerca da verificação crítica é transformado,mediante 'reflexão continuada', quase em seu oposto.Parece-me que a inverificabilida<strong>de</strong> do citado pensamento<strong>de</strong> Adorno se vincula <strong>de</strong> início essencialmente ao fato <strong>de</strong>que nem o conceito <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> utilizado nem o tipo <strong>de</strong><strong>de</strong>pendência referido é orientado a um esclarecimento, pormo<strong>de</strong>sto que seja. Possivelmente nada mais há por trás doque a idéia <strong>de</strong> que <strong>de</strong> algum modo tudo se relaciona comtudo. Até que ponto, a partir <strong>de</strong> uma tal idéia, se po<strong>de</strong> obteruma vantagem metodológica para alguma concepção, é oque precisa ainda ser comprovado. Meros exorcismos verbaisda totalida<strong>de</strong> não são suficientes. 1 Contudo, a "inverificabilida<strong>de</strong>"não consiste em que, para o recurso à totalida<strong>de</strong>, nãopossa ser referida uma razão plausível, mas em que a totalida<strong>de</strong>não é fática como o são os fenômenos sociais singularesaos quais se limita o critério <strong>de</strong> verificabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Albert.À objeção <strong>de</strong> que por trás do conceito <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> nadamais existe do que a trivialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que tudo se relacionacom tudo, há que replicar que a má abstração <strong>de</strong>sta proposiçãonão constitui apenas um produto débil do pensamento,mas o teor básico da socieda<strong>de</strong>: o da troca. Na sua realizaçãouniversal, e não apenas na explicação científica do mesmo,é que se abstrai objetivamente; prescin<strong>de</strong>-se da constituiçãoqualitativa dos produtores e dos consumidores, do modo <strong>de</strong>produção, e até mesmo da necessida<strong>de</strong>, que é satisfeita secundariamentepelo mecanismo social. A humanida<strong>de</strong> con-1 I<strong>de</strong>m, ibid., p. 207, nota 26.— 124 —
ADORNOvertida em clientela, sujeito das necessida<strong>de</strong>s, é ainda, além<strong>de</strong> todas as representações ingênuas, preformada socialmentenão apenas pela situação técnica das forças produtivas, masigualmente pelas relações econômicas em que estas funcionam.O caráter abstrato do valor <strong>de</strong> troca está vinculado apriori à <strong>de</strong>nominação do universal sobre o particular, da socieda<strong>de</strong>sobre seus membros coatos. Ele não é socialmenteneutro, como simula a logicida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> redução asingularida<strong>de</strong>s, tais como o tempo <strong>de</strong> trabalho social médio.Através da redução dos homens a agentes e portadores datroca <strong>de</strong> mercadorias, realiza-se a dominação dos homenspelos homens. A conexão total configura-se concretamentena medida em que todos são obrigados a se submeter à leiabstrata da troca, sob pena <strong>de</strong> sucumbirem, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> serem ou não subjetivamente conduzidos por um "afã <strong>de</strong>lucro". 1 A diferença entre a visão dialética da totalida<strong>de</strong>, ea positivista, se aguça justamente porque o conceito dialético<strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> preten<strong>de</strong> ser "objetivo", isto é, ser aplicável aqualquer constatação social singular, enquanto as teorias <strong>de</strong>sistemas positivistas tencionam somente, pela escolha <strong>de</strong> categoriaso mais gerais possível, reunir constatações sem contradiçãoem um contínuo lógico, sem reconhecer os conceitosestruturais superiores como condição dos estados <strong>de</strong> coisaspor eles subsumidos. Ao <strong>de</strong>negrir este conceito <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>como retrocesso mitológico e pré-científico, o positivismo,em infatigável luta contra a mitologia, mitologiza a ciência.Seu caráter instrumental, quer dizer, sua orientação em direçãoao primado <strong>de</strong> métodos disponíveis, em vez <strong>de</strong> à coisae seu interesse, inibe consi<strong>de</strong>rações que afetam tanto o procedimentocientífico como o seu objeto. O cerne da críticaao positivismo consiste em que este se fecha à experiênciada totalida<strong>de</strong> cegamente dominante, tanto quanto à estimulanteesperança <strong>de</strong> que finalmente haverá uma mudança, sa-1 Adorno, vocábulo Socieda<strong>de</strong>, loc. cit., coluna 639.— 125 —
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