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Envelhecimento, terceira idade e consumo cultural - UFRB

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ENVELHECIMENTO, TERCEIRA IDADE E CONSUMO CULTURAL Cássio Luiz Aragão Matos Aluno especial do Programa Multidisciplinar de pós-­‐graduação (mestrado), em Cultura e Sociedade pela Univers<strong>idade</strong> Federal da Bahia (UFBA). RESUMO E-­‐mail: cassioaragaofisio@gmail.com As mudanças demográficas apresentam o Brasil como um país que envelhece. A discussão sobre o envelhecimento populacional começa a emergir em várias áreas do conhecimento. Neste artigo propomos analisar o envelhecimento populacional no Brasil, a <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> como uma forma de invenção de <strong>consumo</strong>, e o culto ao corpo como uma das dimensões dos estilos de vida, construídos através do <strong>consumo</strong> <strong>cultural</strong>, nas sociedades contemporâneas. Neste sentido, busca-­‐se compreender como o culto ao corpo se tornou prolongamento da vida e negação da condição de velhice. Palavras-­‐Chave: corpo 1 . <strong>Envelhecimento</strong>; <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong>; <strong>consumo</strong> <strong>cultural</strong>; culto ao 1 – <strong>Envelhecimento</strong> no Brasil Na última década, muitos acontecimentos contribuíram para que a discussão sobre o idoso chegasse à sociedade e aos meios de comunicação. Porém, esse tema ainda é muito limitado, principalmente nos centros acadêmicos, onde pouco se pesquisa sobre esse tema, comparando com o amplo campo de pesquisa com foco na mulher, criança, adolescente, negro, gay etc. As mudanças demográficas apresentam o Brasil como um país que envelhece, o Brasil tinha 21.736 pessoas com 60 anos ou mais em 2009, no período de 1999 a 2009, o peso relativo dos idosos no conjunto da população


passou de 9,1% para 11,3%, sendo que dos mais de 21 milhões de idosos existentes no Brasil, 44,2% são homens e 55,8% são mulheres (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). Em notícia publicada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 09 de outubro de 2009, superamos a população idosa de vários países Europeus, como a França, Inglaterra e a Itália. A esperança de vida ao nascer no Brasil era, em 2008, de 73 anos de <strong>idade</strong>. Entre 1998 e 2008, esse indicador cresceu 3,3 anos, com as mulheres em situação bem mais favorável que as dos homens (aumento de 73,6 anos para 76,8 anos, no caso das mulheres, e 65,9 para 69,3 anos, para os homens). Nesse ritmo de avanço, em 2050, ao nascer, os Brasileiros terão uma expectativa de vida 81 anos, mesma taxa verificada atualmente entre os Japoneses, o povo com a maior longev<strong>idade</strong> do mundo (IBGE, 2010). O Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003, é considerada idosa a pessoa com <strong>idade</strong> igual ou superior a 60 anos. A continua queda da taxa de nascimentos e o aumento da expectativa de vida têm ampliado o peso dos adultos na população, criando um fenômeno demográfico muito favorável ao país. Para justificar tal fato, os Brasileiros na faixa etária mais ativa, entre 15 e 64 anos, já são dois terços da população total, número inédito na história Brasileira. Até 2040, teremos mais de 30 milhões de pessoas nessa faixa de <strong>idade</strong> produtiva. Com a tendência de queda da fecund<strong>idade</strong>, o Brasil deverá alcançar o máximo de 264 milhões de habitantes em 2062 e daí em diante a população entrará em declínio. Assim, nessa direção, com menos dependentes, sobrarão mais recursos para que as famílias aumentem seu nível de <strong>consumo</strong>, investimento, favorecendo negócios dos mais diferentes setores. O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial que traz repercussões de grande impacto no campo social, político e econômico. Isso justifica a inclusão desse tema na pauta do poder público e da sociedade civil. 2 -­‐ Velho, Idoso ou Terceira Idade A abordagem sobre a temática do envelhecimento, inclui, necessariamente, a análise dos aspectos culturais, políticos e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas simbólicos que permeam a história das sociedades. Entende-­‐se que o envelhecimento é um processo vitalício e que os padrões de vida que promovem um envelhecimento com saúde são formados no princípio da vida. Porém, vale salientar


que fatores sócio-­‐culturais definem o olhar que a sociedade tem sobre os idosos e o tipo de relação que ela estabelece com esse segmento populacional. O envelhecimento (processo), a velhice (fase da vida) e o velho ou idoso (resultado final) constituem um conjunto cujos componentes estão intimamente relacionados. Netto (2002) afirma: O envelhecimento é conceituado como um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam perda da capac<strong>idade</strong> de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabil<strong>idade</strong> e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-­‐lo à morte (NETTO, 2002). Há, ademais, a compreensão de que o processo de envelhecimento representa uma época sombria, decrépita, repleta de temores da morte, de acometimento de doenças, que culmina com o isolamento do indivíduo dos processos de socialização, em sua fase final (PALÁCIOS, 2007). Já a velhice, que é a última fase do ciclo da vida, as quais são caracterizadas por redução da capac<strong>idade</strong> funcional, calvície e redução da capac<strong>idade</strong> de trabalho e resistência, entre outras, associam-­‐se à perda dos papéis sociais, solidão e perdas psicológicas, motoras e afetivas (NETT0, 2002). Percebe-­‐se que diversas análises, prevalece a visão do envelhecimento no seu aspecto biológico e suas conseqüências no nível individual. Diversos autores já exploraram esse assunto nessa perspectiva. Podemos verificar algumas formas de compreensão da velhice no contexto brasileiro. A velhice é entendida como momento de perdas, decrepitude, inutil<strong>idade</strong>. Discorrendo a respeito das sociedades e as imagens construídas pelas mídias em relação aos velhos, Simone de Beauvior (1990), relata que, nas sociedades ocidentais, a velhice foi e continua sendo ligada a uma imagem estereotipada. Em nossa sociedade a velhice também tende a ser vista como um período dramático, associada à pobreza e invalidez (BEAUVIOR, 1990). A visão de De Mais (2000), é bastante interessante sobre este processo. O autor enfatiza que a velhice se reduz aos últimos dois ou três anos que precedem a morte, que geralmente são marcados por inabil<strong>idade</strong> física e psíquica. A argumentação que o


autor apresenta nesse sentido assinala uma forma diferenciada e particular de identificar a velhice. DE MAIS (2002) afirma: Basta observar a progressão das despesas médicas e farmacêuticas: no último ano de vida, nós gastamos uma quantia equivalente a que tínhamos gasto durante toda a vida até aquele momento. E o último mês custa tanto quanto o último ano inteirinho. Portanto, a velhice é calculada não a partir do ano de nascimento, mas tendo como referência a morte (DE MAIS, 2000). Para efeito legal, idoso é a denominação oficial de todos os indivíduos que tenham 60 anos de <strong>idade</strong> ou mais. Esse é o critério adotado para fins de censo demográfico, utilizado também pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e pelas Políticas Sociais (PS) que focalizam o envelhecimento, como exemplo, cita-­‐se a Política Nacional do Idoso (PNI). Já o termo Terceira Idade surgiu na França, a partir de 1962, em virtude da introdução de uma política de integração social da velhice visando à transformação da imagem das pessoas envelhecidas. Até então, o tratamento da velhice era pautado na exclusão social, tendo o asilo como seu principal símbolo. Terceira Idade é uma expressão que recentemente e com muita rapidez popularizou-­‐se no vocabulário brasileiro. Seu uso corrente entre os pesquisadores interessados no estudo da velhice não é explicado pela referência a uma <strong>idade</strong> cronológica precisa, mas por ser essa uma forma de tratamento das pessoas de mais <strong>idade</strong>. Tal categoria não adquiriu ainda uma conotação depreciativa. A invenção da <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> é compreendida como fruto crescente de socialização da gestão da velhice, durante muito tempo considerada como própria da esfera privada e familiar, uma questão de previdência individual ou de associações filantrópicas, ela se transformou numa questão pública 2004). (DEBERT, O numeral ordinal <strong>terceira</strong> nos remete a uma compreensão de sucessibil<strong>idade</strong>, ou seja, à existência de fases anteriores: a primeira e a segunda <strong>idade</strong>s. A <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> é postulada como o ponto culminante de uma linha abstrata, convencionalmente instituída como condutora da vida. Estaria posicionada subsequentemente a uma segunda <strong>idade</strong>, que compreende a matur<strong>idade</strong>, e uma primeira <strong>idade</strong>, que compreende a infância. Ainda que aponte para a etapa final da vida, a nomenclatura


<strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> faz desaparecer a alusão direta a vocábulos tão semanticamente marcados, como velhice, senil<strong>idade</strong> e envelhecimento (PALÁCIOS, 2007). A nova real<strong>idade</strong> demográfica do Brasil leva à criação de um grupo denominado Terceira Idade, caracterizado por produzir uma imagem positiva do envelhecimento. Pesquisas sobre idosos mostram, também, que espaços estão sendo criados e ocupados rapidamente pela população de meia <strong>idade</strong> para que novas experiências de envelhecimento possam ser vividas coletivamente. Exemplos disto é a criação de instituições como Univers<strong>idade</strong>s da Terceira Idade, spas, grupos de dança de salão, viagens turísticas, grupos recreativos, academias de educação física, de pilates e de hidroginástica, lojas de roupas e de cosméticos, espaços de saúde é beleza, programas e revistas especializadas na mídia voltados para este segmento que já encontram-­‐se no mercado para atender e esse público específico. Entretanto, tratar a velhice no Brasil não é tarefa fácil. Os gerontólogos traçaram o perfil do idoso como vítima privilegiada da miséria, mas os velhos pesquisados e apresentados pelos meios de comunicação são seres ativos, lúcidos, participantes, prontos para viverem um dos momentos mais felizes de suas vidas, nos quais o único dever é a realização pessoal. Em um país em que os direitos básicos do cidadão são tão desrespeitados, a universalização do direito à aposentadoria, mesmo não sendo mais que um salário mínimo, significou uma conquista importante social (DEBERT, 2004). A imagem de uma velhice gratificante surpreende os gerontólogos , que propõe ações pra beneficiar os mais fragilizados, mas não é esse o perfil dos velhos mobilizados, quer pelos programas de Terceira Idade, quer pelos meios de comunicação. Da mesma forma, crescentemente consultados pela mídia, os gerontológos são chamados a indicar formas de prevenção da velhice e é sobretudo nestas condições de experts no combate ao envelhecimento que ganham reconhecimento e notoriedade pública. As novas imagens do envelhecimento são, sem dúvida, expressão de um contexto marcado por mudanças sociais, políticas e culturais, que redefinem esses indivíduos na sociedade contemporânea. A boa aparência, o bom relacionamento sexual e afetivo deixam de depender de qual<strong>idade</strong>s fixas que as pessoas podem possuir ou não, e se transformam em algo que deve ser conquistado a partir de um esforço pessoal.


No contexto atual o envelhecimento se transforma em um novo mercado de <strong>consumo</strong>, não há lugar para a velhice, que tende a ser vista como conseqüência de descuido pessoal, da falta de envolvimento em ativ<strong>idade</strong>s motivadoras, da adoção de formas de <strong>consumo</strong> e estilos de vida inadequados. O declínio inevitável do corpo, o corpo que não responde às demandas da vontade individual, e antes percebido como fruto de transgressões e por isso não merece piedade. Os gerontólogos têm agora, como tarefa, encorajar os indivíduos a adotarem estratégias instrumentais para combater a deterioração e a decadência (DEBERT, 2004). Os idosos considerados saudáveis e bem sucedidos tendem a aderis aos estilos de vida e à parafernália de técnicas de manutenção corporal vinculados pela mídia. Neste processo assistimos à emergência de novos estereótipos. A autora Barbosa (2004) afirma: Estilo de vida e ident<strong>idade</strong> tornaram-­‐se, portanto, opcionais. Independentemente da posição social, <strong>idade</strong> e renda “posso ser quem eu escolher”. Assim, estilo de vida no contexto da cultura do <strong>consumo</strong>, sinaliza para a individual<strong>idade</strong>, auto-­‐expressão, estilo pessoal e autoconsciente (BARBOSA, 2004). Os problemas tratados na velhice passam a ser tratados como um problema de quem não é ativo e não está envolvido em programas de rejuvenescimento e, por isso, se atinge a velhice no isolamento e na doença, é “culpa” exclusivamente dele. O caminho apontado por DEBERT (2004), para minimizar e refletir tais questões do envelhecimento seria o que a autora define como: “o processo de reprivatização da velhice”, que é o resultado de uma interlocução intensa entre gerontólogos com a mídia e com os espaços sociais criados em torno do envelhecimento. Essa interlocução obriga o discurso gerontológico a se colocar em dia com o que se faz de mais avançando em relação à velhice nos setores de ponta, em nível internacional, e a responder, ao mesmo tempo, a um conjunto de novas demandas sociais (DEBERT, 2004). 3 – Culto ao Corpo: um novo mercado de Consumo Cultural Ao longo do século XX a discussão sobre o corpo passa, no que se refere às suas dimensões culturais, por três status: o corpo representado, ou seja, o corpo


aparentemente passivo e reprimido das primeiras décadas do século e cuja descrição é sempre feita e dada pelo outro; em seguida tem-­‐se o corpo que se apresenta e se descreve diretamente, sem discursos intermediários no espaço público, reivindicando o próprio espaço de apresentação, sobretudo nas décadas do pós-­‐guerra, quando o corpo assume a condição de agente sócio-­‐histórico e transforma-­‐se em bandeira de luta, de quebra de tabus e de discurso político. Nas últimas décadas dos anos 90, este corpo incursiona rumo a outra configuração e pode ser definido com o corpo que representa, o corpo representante (FONTES, 2007). O corpo contemporâneo é o corpo apresentador de si mesmo, aparentemente a serviço de uma cultura que se pauta pelo efêmero e pelo imediato, caracterizado como porta voz de forma e não de conteúdos. Trata-­‐se do corpo reconstruído por cirurgias plásticas, implantes de substâncias químicas que busca incessantemente apagar da pele as marcas biológicas do tempo, ao mesmo tempo inscrever de forma física os sinais da corpolatria. Este corpo, é em si, o próprio espetáculo. Nos últimos anos no Brasil, o “culto ao corpo” se tornou uma preocupação geral que atinge as mais diferentes faixas etárias, classes sociais e setores da sociedade em geral. A Mídia dedica cada vez mais espaço para as nov<strong>idade</strong>s no setor de cosmético, alimentação, moda, cirurgia plástica, prótese, ativ<strong>idade</strong> física, esporte, lazer, entretenimento, e manipulação genética. A espetacularização dos corpos contemporâneos pode ser observada em várias instâncias culturais, tais como revistas, propagandas, outdoors, programas televisivos, cartazes, filmes. Pode ser vista, também, em academias, spas e tantos outros locais onde se evidenciam diferentes práticas corporais e esportivas (COUTO, 2007). Na public<strong>idade</strong>, nos programas televisivos, nos outdoors, nas revistas, modelos perfeitos surgem durante toda programação “vendendo” fórmulas de sucesso, juventude, beleza, e saúde. O que se observa são jovens, adultos, homens, mulheres cujos corpos seguem um mesmo padrão de estética: corpos esguios, músculos à mostra e abdomens moldados nas clínicas de cirurgias plásticas e academias de ginásticas espalhadas por todo o país. Nesses e em outros lugares, é possível identificar um processo educativo que produz a espetacularização tanto para quem vê, quanto de quem é ou sente-­‐se o próprio espetáculo (COUTO, 2007).


O fenômeno do “culto ao corpo” parte de um estágio em que o corpo era demonizado, escondido, fonte de vergonha e pecado e culmina com o corpo das academias e sua explosão de músculos, atingindo seu grau máximo de ilustração com a emergência e a multiplic<strong>idade</strong> das estratégias de body-­‐building, as cirurgias plásticas, os implantes e a profusão de técnicas médicas, químicas, cosméticas e de vestuário (FONTES, 2007). Vale sublinhar que Castro (2004) afirma: Culto ao corpo é aqui definido como um conjunto de práticas e cuidados -­‐ quase rituais -­‐ despendidos ao corpo, que têm como preocupação principal a maior aproximação possível de um padrão de beleza estabelecido socialmente, que coloca a pele clara, os cabelos lisos, as formas retilíneas e a magreza como ideais de corpo belo, não se resumindo, portanto, à prática de ativ<strong>idade</strong> física, mas envolvendo <strong>consumo</strong> de cosméticos, alimentos da linha diet, acessórios e outros (CASTRO, 2004 ). A roupa, o corpo, o discurso, o lazer, a comida, a bebida, o carro, entre outros, devem ser vistos como indicadores de uma individual<strong>idade</strong>, propriedade de um sujeito específico, ao invés de uma determinação de um grupo de status. Portanto os objetos e as mercadorias são utilizados como signos culturais de forma livre para produzirem efeitos expressivos em um determinado contexto (BARBOSA, 2004). A preocupação com o corpo esbelto, na contemporane<strong>idade</strong>, pode ser compreendida como algo que diz respeito à condição do indivíduo na modern<strong>idade</strong>. A segunda década do século XX foi crucial na formulação de um novo ideal físico, tendo a imagem cinematográfica interferindo significativamente nessa construção. Estudos demonstram que a mídia e a indústria da beleza são aspectos estruturantes do culto ao corpo. A primeira por mediar à temática, mantendo-­‐a sempre presente na vida cotidiana, levando ao leitor as últimas nov<strong>idade</strong>s e descobertas tecnológicas e cientificas, ditando e incorporando tendências de comportamento, que como todo traço comportamental e/ou simbólico no mundo contemporâneo só poderá deixar de existir, se contar com um universo de objetos e produtos consumíveis, não podendo ser compreendido desvinculado do mercado de <strong>consumo</strong>. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias, etc, de uma pessoa são vistos como indicadores da individual<strong>idade</strong>, do gosto (FEATHERSTONE, 1995).


O culto ao corpo é um tipo de prática <strong>cultural</strong> que se apóia em forte base material, expressa pelos impressionantes números que demonstram o desempenho do setor de 1991 a 1995, o crescimento acumulado foi de 126,6%. Enquanto quase todos os setores industriais perderam, sistematicamente, posto de trabalho, o setor de higiene, perfumaria e cosmético aumentou o nível de emprego (CASTRO, 2004). Enfim, o culto ao corpo constitui-­‐se numa forma de <strong>consumo</strong> <strong>cultural</strong>, atendendo às necess<strong>idade</strong>s mercadológicas da cultura de <strong>consumo</strong> e, simultaneamente, permitindo ao corpo ser o instrumento pelo qual o indivíduo transmite um estilo por ele construído, mediado, principalmente, pela mídia. Nesse sentido, o culto ao corpo deve ser compreendido como forma de <strong>consumo</strong> <strong>cultural</strong> e uma das dimensões dos estilos de vida dos indivíduos, a qual corresponde a outras escolhas realizadas no grande shopping de estilos que marca o mundo contemporâneo. Trata-­‐se de uma moda, e como tal coage, impondo padrões e normas, mas, paradoxalmente, permite a manifestação de um gosto pessoal, demonstrando a singular<strong>idade</strong> do indivíduo que dela se apropria e a reelabora (CASTRO, 2004 ). Partindo-­‐se do pressuposto de que o corpo no Brasil é um verdadeiro capital, é possível compreender porque as mulheres brasileiras, logo após as norte-­‐americanas, são as maiores consumidoras de cirurgia plástica de todo o mundo. São preenchimentos faciais, botox, tintura para cabelo, entre outros inúmeros procedimentos para conquistarem o corpo capital (GOLDENBERG, 2011). Como aprendemos na antropologia, a cultura brasileira veste o nosso corpo. Pode-­‐se dizer que no Brasil o corpo é muito mais importante do que a roupa. Pode-­‐se pensar neste sentido, que, além do corpo ser muito mais importante do que a roupa, ele é a verdadeira roupa: é o corpo que deve ser exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido e imitado. É o corpo que entra e saí da moda. A roupa, nesse caso, é apenas um acessório para a valorização e exposição do corpo capital. Assim, o sucesso do culto ao corpo da industria <strong>cultural</strong> e da mídia é, em essência, a negação dos efeitos do tempo e da depreciação causada pelos agentes cronológicos da anatomia. O culto ao corpo é o corpo resultante da soma de diferentes tipos de investimentos, um corpo construído ou alterado mediante práticas, métodos e


artifícios, que emergiram ao longo do século XX. Vale sublinhar que Courtine (1995) afirma: Todas essas técnicas de gerenciamento do corpo que floresceram no decorrer dos anos 80 são sustentadas por uma obsessão dos invólucros corporais: o desejo de obter uma tensão máxima da pele; o amor pelo liso, pelo polido, pelo fresco, pelo esbelto, pelo jovem; ansiedade frente a tudo o que na aparência pareça relaxado, franzido, machucado, amarrotado, enrugado, pesado, amolecido ou distendido; uma contestação ativa de marcas de envelhecimento no organismo (COURTINE, 1995). O culto ao corpo proporciona ao indivíduo um conjunto de práticas, hábitos, comportamentos e rituais que tem como objetivo a aproximação possível ao padrão de beleza estabelecido socialmente como o corpo idealizado. Este corpo não deve ser gordo, velho, ou com deform<strong>idade</strong>, o corpo idealizado na contemporane<strong>idade</strong>, é aquele submetido as práticas da academia, cirurgias plásticas, dietas diet, moda, etc, demonstrando assim que esse corpo é, em si mesmo, o próprio espetáculo. Com efeito, o desafio posto na atual<strong>idade</strong> é o de projetar, construir e atualizar constantemente o corpo humano pela tecnologia, fazendo com que o artificial passe a ser a nova “natureza” corporal. A busca desenfreada pela utopia do corpo perfeito faz com que muitos indivíduos desejem trocar, refazer ou reconfigurar cada parte do corpo, ou seja, as “peças” envelhecidas, cansadas ou doentes possam ser substituídas, atualizadas e potencializadas. Porém, numa sociedade que consagra o corpo como emblema de si, onde prevalece o imperativo da aparência e da juventude, mudar o corpo significa muito mais que modificar a material<strong>idade</strong> corporal, mas acima de tudo, modificar o olhar dos outros, o seu sentimento de ident<strong>idade</strong>, enfim, mudar de vida (COUTO, 2003; LE BRETON, 2003). Para alguns sujeitos, então, todo sacrifício é válido para tornar o corpo livre de sua efemer<strong>idade</strong>, da sua imperfeição. O importante nessa cultura de culto ao corpo é ostentar um corpo que seja desejado pelo outro. Apagar as marcas do envelhecimento, usar e abusar das técnicas de transformação corporal, buscar uma saúde perfeita. De acordo com (SFEZ,1996): “ser perfeito é ser completo”, sendo assim, podemos afirmar que, para cada um ter o corpo ideal na contemporane<strong>idade</strong> é usar do conjunto de práticas que abrange desde técnicas e investimentos no campo


da medicina, tanto a estética quanto a clínica, da farmacologia, por meio de oferta de compostos alimentares e vitamínicos, da alimentação, mediante a divulgação de dietas de <strong>consumo</strong> de alimentos de baixo teor calórico; culto à forma física nas academias e no ambiente doméstico e público, com o acompanhamento de preferência do personal trainer. O culto ao corpo é, então, o corpo que é resultante da soma desses diferentes tipos de investimentos. Um corpo construído ou alterado, mediante práticas, métodos e artifícios, que emergiram ou foram aperfeiçoados ao longo do século XX, e que tem na mídia o mais poderoso instrumento de divulgação e disseminação. O cenário de culto ao corpo atual é marcado pelo hedonismo em torno de uma imagem cosmetizada e fetichizada, impregnada de conotações eróticas, sexuais, sedutoras, sensoriais e sensuais. O corpo tido como desejado é um corpo de mercado, a um só tempo produto e objeto se compra e vende. Um instrumento de produção e reprodução de sentidos e ident<strong>idade</strong>s, uma vitrina móvel a ser continuadamente reformulada e copiada. Depreendemos destas observações que no cenário contemporâneo cuidar de si mesmo tornou-­‐se um valor soberano que está na ordem do dia. A exibição continua e flutuante de tipos físicos idolatra a vital<strong>idade</strong> e a jovial<strong>idade</strong>. Anuncia técnicas e métodos de remodelagem anatômica e mobiliza multidões com promessas extraordinárias exemplos de sucesso, muitos deles baseados no prolongamento da juventude, no revigoramento físico e em vida de prazeres imediatos (COUTO, 2007). Ao mesmo tempo expõe fraturas, tensões; exige o enfretamento do processo de envelhecimento. Neste processo, o sujeito percebe-­‐se finito; amplia-­‐se seu olhar numa perspectiva de outros horizontes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora este artigo não nos permita fazer afirmações categóricas, chegamos a algumas hipóteses alcançadas a partir das incursões teóricas. O percurso realizado proporcionou a chance de entendermos melhor os idosos – <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong>, grupo que é hoje tão expressivo no Brasil. Neste percurso, constatamos que o termo <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> sugere mudanças de práticas, hábitos e comportamentos de <strong>consumo</strong>.


Com efeito, no Brasil, chegar à <strong>terceira</strong> <strong>idade</strong> não representa, para todos, melhoria de qual<strong>idade</strong> de vida em seus diferentes aspectos. “O processo de reprivatização da velhice” tal como propões DEBERT, 2004, é um resultado de uma interlocução intensa de gerontólogos com a mídia e com os espaços sociais criados em torno do envelhecimento, ou seja, no contexto em que o envelhecimento se transforma em um novo mercado de <strong>consumo</strong>, não há lugar para a velhice, que tende a ser vista como consequência do descuido pessoal, da falta de envolvimento com ativ<strong>idade</strong>s motivadoras, da adoção de formas de <strong>consumo</strong> e estilos de vida inadequados. Sob a lógica do “processo de reprivatização” o culto ao corpo no Brasil chegou para ocupar um espaço significante na sociedade de <strong>consumo</strong>, da valorização e da promessa da eterna juventude, e com um eficiente catalisador de hábitos, tendências, práticas e comportamentos de <strong>consumo</strong>. No entanto, como alternativa para estes sujeitos, ancorados menos na lógica do <strong>consumo</strong>, de objetos, de produtos, e mais na possibil<strong>idade</strong> de emergência de novas possibil<strong>idade</strong>s, e outros sentidos, para existência dos sujeitos em sociedade. REFERÊNCIAS BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro, Zahar, 2004. BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Elfos Editora; Lisboa: Edições 70, 1995. BAUMAN, Zigmunt. Vida de Consumo. Bueno Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2008. BEAUVOIR, Simone. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Edit. Perspectivas AS, 1999. _____________. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. 9 ed. Rio de Janeiro, 2006. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 2 ed. São Paulo: T.A. Queiroz: Editora da Univers<strong>idade</strong> de São Paulo, 1987.


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