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Guia do Projeto Consultório de Rua - Observatório Brasileiro de ...

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<strong>Guia</strong> <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>


PRESIDENTA DA REPÚBLICADilma RousseffVICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICAMichel TemerMINISTRO DA JUSTIÇAJosé Eduar<strong>do</strong> Car<strong>do</strong>zoSECRETÁRIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGASPaulina <strong>do</strong> Carmo Arruda Vieira Duarte


<strong>Guia</strong> <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>SALVADOR-BA2012


O conteú<strong>do</strong> intelectual <strong>do</strong>s textos é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sorganiza<strong>do</strong>res e não expressa, necessariamente, a posição daSecretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas (SENAD) e/ou daUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia (UFBA).VENDA PROIBIDA. To<strong>do</strong>s os direitos <strong>de</strong>sta edição sãoreserva<strong>do</strong>s à Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas(SENAD). Nenhuma parte <strong>de</strong>ste material po<strong>de</strong>rá ser reproduzida,transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, porfotocópia e outros, sem autorização, por escrito, da SecretariaNacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas.Direitos exclusivos para esta edição:Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas Sobre DrogasEsplanada <strong>do</strong>s MinistériosMinistério da JustiçaBloco T, Anexo II, Sala 205Brasília-DF, CEP70064-900Tiragem: 6.200 exemplaresEQUIPE EDITORIALOrganiza<strong>do</strong>resANTONIO NERY FILHO,ANDRÉA LEITE RIBEIRO VALÉRIO,LUIZ FELIPE MONTEIRODireção <strong>de</strong> ArteJOSÉ ANTONIO SAJAConcepção Gráfica efolha <strong>de</strong> guardaLUZIA CRISTINA G.GOMES<strong>Projeto</strong> GráficoWASHINGTON FALCÃOEditoraçãoSUELEN TITORevisãoELAINE CRISTINA OLIVEIRA SOUSAFotografiaADENOR GONDIMCatalogação na publicação - Ana Rita Cor<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> CRB / 1049G943<strong>Guia</strong> <strong>do</strong> projeto consultório <strong>de</strong> rua / organiza<strong>do</strong>res: Antonio Nery Filho, Andréa Leite Ribeiro Valério,Luiz Felipe Monteiro. – Brasília: SENAD; Salva<strong>do</strong>r: CETAD, 2011.160 p.ISBN 978-85-60662-66-11 . Drogas - Abuso - Bahia. 2. Consultório <strong>de</strong> rua - Bahia.. 3. Crianças e adultos - Uso <strong>de</strong>drogas. 4. A<strong>do</strong>lescentes - Uso <strong>de</strong> drogas. 5. I<strong>do</strong>sos - Uso <strong>de</strong> drogas. 6. Política social. I. NeryFilho, Antonio. II. Valério, Andréa Leite Ribeiro. III. Monteiro, Luiz Felipe. IV. Brasil. SecretariaNacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas. V. Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Terapia <strong>do</strong> Abuso <strong>de</strong> Drogas.VI. Título.CDD - 362.293CDU - 615.099


SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGASSUPERVISÃO TÉCNICA E CIENTÍFICAPaulina <strong>do</strong> Carmo Arruda Vieira DuarteDIRETORA DE ARTICULAÇÃO E COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS SOBRE DROGASCarla DalboscoCOORDENADOR GERAL DE POLÍTICAS DE PREVENÇÃO, TRATAMENTO E REINSERÇÃO SOCIALAl<strong>do</strong> da Costa Azeve<strong>do</strong>ASSESSORA TÉCNICACintia Tângari WazirCOLABORADORESCONSULTÓRIO DE RUA DE SALVADORAdriana Munford, Adriana Prates Sacramento - Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>raAmanda Marques <strong>do</strong>s Santos - Supervisora, América Carolina Brandão <strong>de</strong> Melo SodréAnselmo <strong>de</strong> Lima Chaves, Licia Cristiane <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> <strong>de</strong> Jesus LeonyRicar<strong>do</strong> Caian <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça Farias Santos, Rizia Maria <strong>do</strong>s Santos EustaquioLucas Camões Batista Souza, Luceny Vilela <strong>do</strong>s SantosLuiz Carlos Fernan<strong>de</strong>s Vidal, Ione Silva <strong>do</strong>s SantosJucélia Ferreira <strong>de</strong> Jesus, Manoel <strong>do</strong>s Santos FilhoCONSULTÓRIO DE RUA/SAÚDE (DE CARA) NA RUAAline Soares <strong>do</strong>s Santos, Patrícia von Flach - SupervisoraMabel Dias Jansen da Silva - Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra, Rosangela Soares BoarettoDaniela Duarte Lima, Jamile Soares <strong>do</strong>s SantosLívia Graziela Moreira Ribeiro, Juracy <strong>do</strong> Amor Car<strong>do</strong>so FilhoJosemar Carvalho <strong>de</strong> JesusCONSULTÓRIO DE RUA DE LAURO DE FREITASFernanda <strong>de</strong> Ataí<strong>de</strong> da Mota, Flávia Maria <strong>de</strong> Souza Nogueira - Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>raDaphne Oliveira Soares, Eliete Teles <strong>do</strong>s SantosManoel Almerin<strong>do</strong> Almeida Lopes, Rebeca Rebolça SilveiraJoão Sampaio Martins - Supervisor, Luiz Felipe Monteiro - SupervisorLeandro Anselmo <strong>de</strong> Deus, Rejane Cristina Vinhas SilveiraCONSULTÓRIO DE RUA DE CAMAÇARIAlba Teixeira Borges - Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra, Joevane Araujo BarbosaSueli Santos <strong>de</strong> Oliveira, Patrícia Rachel Gonçalves - SupervisoraLuiana Lima Fernan<strong>de</strong>s, Bibiane da Rosa SimonEudal<strong>do</strong> Freitas Medra<strong>do</strong>, Jenival Alves PereiraSilvana França da Cruz


SUMÁRIONota <strong>do</strong>s organiza<strong>do</strong>resApresentação09Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre drogas 11PARTE I Olhares Cruza<strong>do</strong>s: a invisibilida<strong>de</strong> e o olhar <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> 13Introdução: da Invisibilida<strong>de</strong> ao olhar <strong>do</strong> consultório <strong>de</strong> rua 14O cenário e seus atores sociais 16Genealogia <strong>do</strong> consultório <strong>de</strong> rua: <strong>do</strong> banco <strong>de</strong> rua à primeira equipe 24Consultório <strong>de</strong> rua: <strong>de</strong>finição e objetivos 31Princípios e diretrizes <strong>de</strong> uma prática 341.Princípios éticos 352.Diretrizes técnicas 37PARTE II Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: referenciais para uma prática 45Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e as Re<strong>de</strong>s Sociais e <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> 46Recursos materiais 48Rotina <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> 52Quatro referenciais para uma prática 59a.Equipe 60a.b.Território 72a.c.População 73a.d.Estratégias <strong>de</strong> atuação 74Avaliação <strong>do</strong> trabalho 76PARTE IIIRelato <strong>de</strong> Experiência: implantação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> 79Introdu ç ão 80Relato <strong>de</strong> Experiência Equipe Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong> r 82Relato <strong>de</strong> Experiência Equipe Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>/Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> cara) na <strong>Rua</strong> 93Relato <strong>de</strong> Experiência Equipe Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitas 110Relato <strong>de</strong> Experiência Equipe Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Camaçari 125Relato sobre as experiências <strong>de</strong> supervisão das equipes 134Anexo I 148Referencias Bibliográficas 152Recursos Comunitários 157


NOTA DOS ORGANIZADORESEste <strong>Guia</strong> foi escrito a muitas mãos e vidas: mãos<strong>do</strong>s muitos técnicos que ao longo <strong>de</strong> vinte eseis anos contribuíram, dia a dia, para o que sereconhece, hoje, como “a prática <strong>do</strong> CETAD”,marcada pelo respeito à liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> usuário erespeito ao sofrimento das famílias. Uns e outrossão acolhi<strong>do</strong>s no Centro na perspectiva <strong>de</strong> aliviaro sofrimento e na esperança <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem, juntos,construírem pontes que conduzam a novaspossibilida<strong>de</strong>s. Nem sempre isto é possível.Muitas crianças e a<strong>do</strong>lescentes per<strong>de</strong>ram,precocemente, suas vidas, quer nos aci<strong>de</strong>ntesocasiona<strong>do</strong>s pelo uso quer pela violênciaassociada ao tráfico. Assim é, também, a vida.Contu<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s os que inventaram as diversaspráticas <strong>do</strong> CETAD/UFBA não se ren<strong>de</strong>ram à misériae exclusão social em razão das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s efalta <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s para to<strong>do</strong>s.Foto Andréa LeiteAssim, este trabalho é <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> aos queconstruíram e ainda constroem o CETAD/UFBAcom seu trabalho e aos que a eles confiaramseus males, na surpresa <strong>do</strong> encontro que possatransformá-los.Prof. Antonio Nery FilhoI<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> no ano <strong>de</strong> 1995OS ORGANIZADORES9


APRESENTAÇÃO SENADA Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas (Senad), <strong>do</strong> Ministério da Justiça, é o órgão responsável pelaarticulação das ações políticas nas áreas <strong>de</strong> prevenção <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas, atenção, tratamento e reinserçãosocial <strong>de</strong> usuários e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Cabe à SENAD assessorar, acompanhar e avaliar a implantação da PolíticaNacional sobre Drogas (PNAD) e da Política Nacional sobre o Álcool (PNA). Essa missão exige um esforçoconjunto, no qual to<strong>do</strong>s os agentes, governamentais ou não governamentais, po<strong>de</strong>m contribuir muito.Muitas iniciativas no Brasil para prevenção, tratamento e reinserção social <strong>de</strong> usuários e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>álcool, crack e outras drogas merecem <strong>de</strong>staque. A Senad tem i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> boas práticas, investi<strong>do</strong> nasistematização <strong>de</strong>ssas meto<strong>do</strong>logias e capacitação <strong>de</strong> equipes multidisciplinares nos municípios com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> disseminar experiências exitosas. É nesse contexto que se insere a disseminação <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelo Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Terapia <strong>do</strong> Abuso <strong>de</strong> Drogas (CETAD) da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ralda Bahia (UFBA). O Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é reconheci<strong>do</strong> pela SENAD como uma prática bem sucedida <strong>de</strong>atenção, prevenção e redução <strong>de</strong> danos associa<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> drogas por crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovensem situação <strong>de</strong> rua. As principais características a serem <strong>de</strong>stacadas nessa meto<strong>do</strong>logia é a abordagemao usuário no local on<strong>de</strong> ele se encontra, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração suas condições <strong>de</strong> vida, facilitan<strong>do</strong>o seu acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>do</strong> município, oferecen<strong>do</strong> assistência multi e interdisciplinar, cidadania edignida<strong>de</strong>.Imbuída pelo espírito <strong>de</strong> cooperação e responsabilida<strong>de</strong> compartilhada, a Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticassobre Drogas <strong>de</strong>seja que esse projeto se fortaleça nos municípios brasileiros e que, a parceria entregoverno, socieda<strong>de</strong> e re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços locais renda bons frutos, permitin<strong>do</strong> que experiências semelhantesse multipliquem e se consoli<strong>de</strong>m em to<strong>do</strong> nosso país.Bom trabalho!Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas11


GUIA DO PROJETO CONSULTÓRIO DE RUAOLHARES CRUZADOS:A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE I


INTRODUÇÃO: DA INVISIBILIDADE AO OLHAR DOCONSULTÓRIO DE RUAOConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é uma iniciativa <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>pessoas que vivem em situação <strong>de</strong> rua, expostas ao uso <strong>de</strong>substâncias psicoativas. Essa é a premissa básica <strong>do</strong> trabalho esurge da constatação das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e assistência social por parte <strong>de</strong>ssa população, que inclui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criançase a<strong>do</strong>lescentes a adultos e i<strong>do</strong>sos. Outro aspecto que corrobora essapremissa é a comprovação <strong>do</strong>s riscos sociais e à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>correntes<strong>do</strong> uso diversifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> drogas, fato marcante entre a população emsituação <strong>de</strong> rua. Tais aspectos ganham ainda maior relevância casocoloquemos em pauta a questão da invisibilida<strong>de</strong> social relacionada àpopulação em situação <strong>de</strong> rua.A invisibilida<strong>de</strong> social é um termo utiliza<strong>do</strong> para a compreensãodas formas <strong>de</strong> reconhecimento que a socieda<strong>de</strong> realiza perante<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s grupos sociais. Refere-se às crenças amplamentemarcadas por um estigma acerca <strong>de</strong> um grupo social específico. Essascrenças geram como consequência uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> indiferença e,com isso, reforçam um processo <strong>de</strong> exclusão (SOARES; BILL; ATHAYDE,2005).A população em situação <strong>de</strong> rua não foge à marca da invisibilida<strong>de</strong>social, especialmente pelos preconceitos associa<strong>do</strong>s a essas pessoas.Sabe-se que elas existem, mas é como não tivessem um rosto, umai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria, uma história <strong>de</strong> vida. São reconhecidas por meiodas nomeações: “mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua”; “meninos <strong>de</strong> rua”, como seapenas o fato <strong>de</strong> morar na rua lhe conce<strong>de</strong>ssem, <strong>de</strong> antemão, umai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> já constituída. Os “mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua” sequer constituemum grupo social propriamente dito. A nomenclatura acaba por forçara i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> um grupo coeso, bem <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>. Em verda<strong>de</strong>,são pessoas das mais variadas ida<strong>de</strong>s e origens, que fazem da rua oseu lugar <strong>de</strong> moradia e subsistência.


Se há um ponto em comum entre essa pluralida<strong>de</strong>vista nas ruas, po<strong>de</strong>-se localizar na questão da exclusãosocial, que diz respeito não apenas à dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>acesso pleno aos bens da cidadania (saú<strong>de</strong>, moradia,educação, trabalho). A condição <strong>de</strong> exclusão social é,fundamentalmente, reflexo <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como a socieda<strong>de</strong>reconhece tais pessoas: um reconhecimento marca<strong>do</strong>intensamente pelos estigmas da marginalida<strong>de</strong>, dacriminalida<strong>de</strong> e da miséria.A crença <strong>de</strong> que são pessoas à margem da socieda<strong>de</strong>,reforça a invisibilida<strong>de</strong> social. Percebe-se, <strong>de</strong>ssa forma,a constituição <strong>de</strong> pelos menos três posicionamentospor parte da socieda<strong>de</strong>: uma postura <strong>de</strong> indiferença, <strong>de</strong>hostilida<strong>de</strong> ou puramente assistencialista. Em nenhuma<strong>de</strong>ssas posturas verifica-se o reconhecimento <strong>de</strong>ssaspessoas para além <strong>do</strong>s estigmas sociais; são posturasque reforçam a condição <strong>de</strong> exclusão social da populaçãoem situação <strong>de</strong> rua.A consequência para aqueles que vivem nos parques,nos becos escuros, embaixo das marquises é asensação <strong>de</strong> serem estrangeiros no seu próprio país eisso é, para muitos, uma condição <strong>de</strong> vida insuportável.O que se verifica nesse contexto social, especialmenteno uso abusivo <strong>de</strong> substâncias psicoativas e nos atos<strong>de</strong> violência, como roubos e furtos, é uma tentativa <strong>de</strong>lidar com essa invisibilida<strong>de</strong> social. Seja através <strong>de</strong> umentorpecimento que os afasta temporariamente <strong>do</strong>esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> consciência, seja através <strong>do</strong>s atos violentosque convocam a socieda<strong>de</strong> a tomar providências, o quetais pessoas buscam é um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> cortar a <strong>do</strong>r <strong>de</strong> serignora<strong>do</strong>, <strong>de</strong> ser invisível. A história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> muitosque estão em situação <strong>de</strong> rua é marcada por uma série<strong>de</strong> conflitos familiares que geram uma fragilização <strong>do</strong>sseus laços sociais (HUTZ; KOLLER, 1997).É a partir <strong>de</strong>ssa compreensão que o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>oferece atenção à saú<strong>de</strong> das pessoas em situação <strong>de</strong>rua. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um olhar diferencia<strong>do</strong> quepreten<strong>de</strong> ir além <strong>do</strong>s estigmas, e reconhecer cada pessoaa ser atendida, em sua particularida<strong>de</strong>. Um olhar que seafasta da visão assistencialista apoiada na pieda<strong>de</strong> ousalvacionista que vê, na saída das ruas, a única possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> preservação da vida. O olhar <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>recai sobre a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada pessoa, por cumprir umdireito garanti<strong>do</strong> pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral – o acesso aserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Parte-se <strong>do</strong> pressuposto que o reconhecimento <strong>do</strong> outro,em sua singularida<strong>de</strong>, é a condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>estabelecimento <strong>de</strong> um vínculo <strong>de</strong> cada um com a equipe.Vínculo que, por sua vez, é o meio através <strong>do</strong> qual serãopossíveis as intervenções em saú<strong>de</strong> e em assistênciasocial, as orientações sobre o autocuida<strong>do</strong>, a redução <strong>de</strong>danos e a prevenção <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças contagiosas. Um vínculoque respeita a particularida<strong>de</strong> da vida <strong>de</strong> cada um e abrepossibilida<strong>de</strong> para que a própria pessoa em situação <strong>de</strong>rua reconheça o seu valor como cidadão, sua dignida<strong>de</strong>humana, e que tem um futuro. Esse reconhecimento feitopor cada um através <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é o que permiteo favorecimento <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s no autocuida<strong>do</strong>com relação à saú<strong>de</strong> e uma reflexão sobre os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>uso <strong>de</strong> drogas com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir riscos e danos.Por meio <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> criam-senovas perspectivas para a atenção da pessoa para comsua saú<strong>de</strong>, em seus aspectos biológicos, psicológicos esociais.15


O CENÁRIO E SEUS ATORES SOCIAIS16


Uma vez que o campo <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> tem como alvo oatendimento especializa<strong>do</strong> em saú<strong>de</strong> àpopulação em situação <strong>de</strong> rua, exposta a usosvaria<strong>do</strong>s <strong>de</strong> substâncias psicoativas, cabe traçar umpanorama <strong>de</strong> seus perfis, bem como apresentarda<strong>do</strong>s socio<strong>de</strong>mográficos, a fim <strong>de</strong> caracterizar ocenário no qual se inserem os atores sociais para osquais o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> dirige sua atenção.Primeiramente, há que se <strong>de</strong>stacar a apropriação<strong>do</strong>s espaços da rua como um lugar <strong>de</strong> sobrevivênciae moradia, como um fenômeno social existente<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o perío<strong>do</strong> da Revolução Industrial. Trata-se<strong>de</strong> um acontecimento eminentemente urbano ecorrespon<strong>de</strong>nte ao crescimento das cida<strong>de</strong>s, atravésda economia <strong>de</strong> capital e <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> aumentopopulacional.O crescimento urbano, <strong>de</strong>corrente da implantaçãodas gran<strong>de</strong>s indústrias e da expansão <strong>do</strong> comércio,traz com ele conseqüências, por vezes maléficas,para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma parte da populaçãoque não tem acesso aos meios <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> bense serviços, especialmente, pela falta <strong>de</strong> emprego e<strong>de</strong> acesso qualifica<strong>do</strong> à educação, saú<strong>de</strong> e moradia(CASTEL, 1997).Na história <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s noBrasil, tradicionalmente, a rua era ocupada por mendigos,hippies, egressos <strong>do</strong> sistema penitenciário e porta<strong>do</strong>res<strong>de</strong> transtornos mentais aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s pelas famílias e/ou egressos <strong>de</strong> hospitais psiquiátricos. Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o final <strong>do</strong> século XX, o espaço da rua passa também aser ocupa<strong>do</strong> por sem-teto, <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s crônicos,imigrantes <strong>de</strong> outros esta<strong>do</strong>s e, especialmente, criançase a<strong>do</strong>lescentes com histórias <strong>de</strong> ruptura e conflito comos laços familiares (HUTZ; KOLLER, 1997).Em comum, esse contingente populacional traz a marca<strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> representações sociais associadas,principalmente, à marginalida<strong>de</strong>, à criminalida<strong>de</strong>, àignorância e ao consumo <strong>de</strong> álcool e outras drogas.A resultante <strong>de</strong>ssas representações amplamentedifundidas e assentidas por gran<strong>de</strong> parte da socieda<strong>de</strong>é a estigmatização, cuja <strong>de</strong>nominação comum atesta ocaráter <strong>de</strong> exclusão social: “eles são mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua”...“são meninos <strong>de</strong> rua”.Ainda que a expressão “exclusão social” seja marcadapela ambiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s, seu uso é pertinentepara a compreensão da realida<strong>de</strong> vivida por aquelesem situação <strong>de</strong> rua, pois <strong>de</strong>nota a extrema dificulda<strong>de</strong>da socieda<strong>de</strong> em reconhecer a dignida<strong>de</strong> humana e acidadania <strong>do</strong>s que fazem da rua o seu habitat.O estigma “<strong>de</strong> rua” recobre tal população <strong>de</strong>representações pejorativas que, por sua vez, paramuitos, afastam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão sobre os<strong>de</strong>terminantes afetivos, sociais e econômicos envolvi<strong>do</strong>sno contexto <strong>de</strong> vida da população em situação <strong>de</strong> rua.Mesmo que a presença da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social eeconômica e da insistência <strong>do</strong>s estigmas sejamfatores reforça<strong>do</strong>res para a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>muitos indivíduos em situação <strong>de</strong> rua, não se17


po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o fato <strong>de</strong> que a ida para a ruae a consequente permanência, se faz medianteuma apropriação <strong>do</strong> espaço da rua. Tratam-se <strong>do</strong>ssenti<strong>do</strong>s e das funções ocupadas pela rua, paracada um que faz <strong>de</strong>la o seu meio <strong>de</strong> sobrevivênciae moradia. Estar na rua implica fazer <strong>de</strong>la lugar<strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> um espaço físico e, também,ocupação <strong>de</strong> um espaço simbólico ao conferiroutras significações à rua, tida como um espaçoda esfera pública. Muito <strong>do</strong> que é feito no âmbitopriva<strong>do</strong> passa a ser realiza<strong>do</strong> no território público,na rua.A apropriação da rua é um processo heterogêneo,vincula<strong>do</strong> à história pregressa <strong>de</strong> cada um e aosfatores <strong>de</strong> proteção e subsistência encontra<strong>do</strong>s narua. Ressaltar esse aspecto é importante para afastara i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que são vítimas sociais, comumenteassociada a essa população. Tal noção, apesar <strong>de</strong>uma relativa pertinência é mantene<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> umaperspectiva, eminentemente assistencialista faceàs pessoas em questão.As visões estigmatizantes da socieda<strong>de</strong> civil, e também <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,sobre a população em situação <strong>de</strong> rua costumavam restringir-se àspulsões assistencialistas, paternalistas, autoritárias e <strong>de</strong> “higienizaçãosocial”. Essas perspectivas não po<strong>de</strong>riam dar conta <strong>do</strong> complexoprocesso <strong>de</strong> reinserção <strong>de</strong>stas pessoas nas lógicas da família, <strong>do</strong>trabalho, da moradia, da saú<strong>de</strong> e das tantas outras esferas <strong>de</strong> queestão apartadas. (BRASIL, 2008, p. 4)Feitas essas consi<strong>de</strong>rações, é importante <strong>de</strong>finir osconceitos <strong>de</strong> rua e <strong>de</strong> população em situação <strong>de</strong> rua nosquais nossa prática se apoia para o <strong>de</strong>senvolvimentoda experiência <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.Com relação à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> rua, compreen<strong>de</strong>-se, emum senti<strong>do</strong> amplo, os espaços públicos como praças,parques, vias <strong>de</strong> trânsito, calçadas, canteiros, praias ebeiras <strong>de</strong> rio, bem como espaços priva<strong>do</strong>s como prédios,<strong>de</strong>pósitos e galpões aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s, terrenos baldios,espaços das marquises <strong>de</strong> prédios e estabelecimentoscomerciais.A rua po<strong>de</strong> se constituir num abrigo para os que, sem recursos,<strong>do</strong>rmem circunstancialmente em logra<strong>do</strong>uros públicos oupo<strong>de</strong> indicar uma situação na qual a rua representa seu habitat,propriamente dito, on<strong>de</strong> encontra-se estabelecida uma intricadare<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações. O que unifica essas situações e permite <strong>de</strong>signaros que a vivenciam como populações <strong>de</strong> rua é o fato <strong>de</strong> que, ten<strong>do</strong>condições <strong>de</strong> vida extremamente precárias, circunstancialmenteou permanentemente, utilizam a rua como abrigo ou moradia.(BRASIL, 2008, p. 8)A rua é, para além <strong>de</strong> suas vicissitu<strong>de</strong>s, um espaçopúblico e ao mesmo tempo um espaço priva<strong>do</strong>.As ativida<strong>de</strong>s como higiene pessoal, alimentação,vida sexual e <strong>de</strong>scanso noturno, tidas comoessencialmente privadas na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, sãovividas cotidianamente pela população citada emmeio à exposição e à falta <strong>de</strong> fronteiras da rua.Compreen<strong>de</strong>-se, portanto, a apropriação da rua comoexpressão <strong>de</strong> aspectos subjetivos <strong>de</strong> cada indivíduo, on<strong>de</strong>muitos construirão seus referenciais <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sobrevivência e <strong>de</strong> relação com o outro. Assim, noções18


<strong>de</strong> limite, <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> conduta, <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>acolhimento são constituídas em meio à fragmentação,transitorieda<strong>de</strong> e vulnerabilida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>finem osmovimentos, os sons e o tempo da rua. Na rua o temponão para, não porque existe um futuro pela frente, masporque há uma constante presença <strong>do</strong> presente.Sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> população em situação <strong>de</strong> rua, utiliza-se atrazida pelo Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Social e Combate àFome (MDS):A população em situação <strong>de</strong> rua é um grupo populacionalheterogêneo, constituí<strong>do</strong> por pessoas que possuem em comuma garantia <strong>de</strong> sobrevivência, por meio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s produtivas<strong>de</strong>senvolvidas nas ruas, os vínculos familiares interrompi<strong>do</strong>s oufragiliza<strong>do</strong>s e a não referência <strong>de</strong> moradia regular. (BRASIL, 2006,p. 24)Cabe ressaltar que a partir <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>finição, o públicoalvo<strong>de</strong> atendimento <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> éconstituí<strong>do</strong> por crianças, a<strong>do</strong>lescentes e adultos emsituação <strong>de</strong> rua com incidência <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas.Duas pesquisas realizadas ao longo da últimadécada trazem da<strong>do</strong>s importantes sobre os perfissocio<strong>de</strong>mográficos da população em situação <strong>de</strong>rua, tanto entre adultos quanto entre crianças ea<strong>do</strong>lescentes, e contribuem para uma compreensãomais precisa sobre quem são as pessoas em situação<strong>de</strong> rua <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s centros urbanos <strong>do</strong> Brasil naatualida<strong>de</strong>. A primeira é o Levantamento Nacionalsobre o uso <strong>de</strong> Drogas entre Crianças e A<strong>do</strong>lescentesem Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nas 27 Capitais Brasileiras, umainiciativa da Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobreDrogas, em parceria com o Centro <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong>Informações sobre Drogas Psicotrópicas, publica<strong>do</strong>em 2003; e a Pesquisa Nacional sobre a populaçãoem Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, realizada pelo Ministério <strong>do</strong>Desenvolvimento Social e Combate à Fome, publicadaem 2009.Serão apresenta<strong>do</strong>s os da<strong>do</strong>s da Pesquisa Nacionalsobre a População em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e os <strong>do</strong>Levantamento Nacional sobre o Uso <strong>de</strong> Drogasentre Crianças e A<strong>do</strong>lescentes em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>,seguin<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> discussão sobre os aspectos sociaise psicológicos associa<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas por essa população. Na apresentação<strong>de</strong> ambas as pesquisas, serão consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>srelativos ao sexo, ida<strong>de</strong>, anos em situação <strong>de</strong> rua,educação, situação familiar, motivos para a situação<strong>de</strong> rua e on<strong>de</strong> costuma <strong>do</strong>rmir.A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> contou com uma amostra <strong>de</strong> 31.922 pessoasem situação <strong>de</strong> rua, ten<strong>do</strong> restringi<strong>do</strong> a coleta <strong>de</strong>da<strong>do</strong>s entre indivíduos com ida<strong>de</strong> superior a 18 anos,em 71 cida<strong>de</strong>s com população absoluta superior a300.000 habitantes.Com relação ao sexo, a Pesquisa Nacional sobrePopulação em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> (BRASIL, 2009)constatou que 82% da população era <strong>do</strong> sexomasculino e 18% <strong>do</strong> sexo feminino. Entre os homens,15,3% encontravam-se entre 18 e 25 anos e 53,4%19


estão entre a faixa etária <strong>do</strong>s 26 aos 45 anos. Entre asmulheres, 21,17% estavam entre 18 e 25 anos e 54%entre 26 e 45 anos.Sobre o nível educacional da população pesquisada,74% sabiam ler e escrever, sen<strong>do</strong> que 17,1% não<strong>do</strong>minavam a escrita e 8,3% sabiam apenas escrever opróprio nome, 48,4% não concluíram o primeiro grau e3,2% chegaram a concluir o ensino médio.Os da<strong>do</strong>s concernentes às características <strong>de</strong> on<strong>de</strong>costumavam <strong>do</strong>rmir revelou que gran<strong>de</strong> parte dapopulação, 69,9%, <strong>do</strong>rmia propriamente na rua, emlocais como espaços <strong>de</strong> marquises <strong>de</strong> lojas e prédios,on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem se proteger <strong>do</strong> frio e mesmo daviolência. Dos entrevista<strong>do</strong>s, 22,1% costumavam <strong>do</strong>rmirem albergues, abrigos ou outras instituições e indicavama violência como fator para evitar <strong>do</strong>rmir na rua. Quan<strong>do</strong>pergunta<strong>do</strong>s sobre há quanto tempo estavam emsituação <strong>de</strong> rua, 48,4% respon<strong>de</strong>ram estar há mais <strong>de</strong><strong>do</strong>is anos <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> na rua ou em albergue.Quanto à questão relacionada à situação familiar, ficouevi<strong>de</strong>nte o quão frágil é o laço entre a população emsituação <strong>de</strong> rua e sua família <strong>de</strong> origem: “a maioria <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s, 51,9%, possui algum parente resi<strong>de</strong>nte nacida<strong>de</strong> em que se encontra, mas há que se consi<strong>de</strong>rartambém que 38,9% <strong>de</strong>les não mantêm contato com osparentes.” (BRASIL, 2009, p. 92).Os da<strong>do</strong>s referentes à relação das pessoas em situação<strong>de</strong> rua com os seus familiares (po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser essesfamiliares mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua ou não) privilegiam as razõesporque passaram a viver e morar na rua. Três fatoressão os mais prevalentes entre a população adulta. Dosentrevista<strong>do</strong>s, 35,5 localizaram no seu problema comálcool e outras drogas o motivo para a situação <strong>de</strong> rua,29,8% i<strong>de</strong>ntificaram o <strong>de</strong>semprego como razão principale 29,1% citaram as <strong>de</strong>savenças com pai, mãe e irmãoscomo causa associada à situação <strong>de</strong> rua.O uso da droga compõe parte relevante <strong>de</strong> um quadromarca<strong>do</strong> por histórias <strong>de</strong> ruptura com os laços sociaise afetivos, levan<strong>do</strong> à exclusão e à estigmatização:“O consumo abusivo <strong>de</strong> álcool e, em menor escala efrequência, <strong>de</strong> outras drogas, parece fazer parte <strong>do</strong>necessário ‘processo <strong>de</strong> anestesia’ para a permanênciadas pessoas em situação <strong>de</strong> rua.” (BRASIL, 2009, p. 112).Esse da<strong>do</strong> indica a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão sobre afunção psicossocial <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas entre a populaçãosupracitada.De acor<strong>do</strong> com a Pesquisa Nacional sobre Populaçãoem Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> (BRASIL, 2009), 70,9% das pessoasexercem algum tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> remunerada, aindaque <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> informal. Desse percentual <strong>de</strong>stacamseas seguintes ocupações: 27,5% trabalham comocata<strong>do</strong>res <strong>de</strong> materiais recicláveis, 14,1% ganhamdinheiro na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “flanelinha”, 6,3% naconstrução civil, 4,2% na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> limpeza e 3,1%como carrega<strong>do</strong>res ou estiva<strong>do</strong>res.Uma vez realizada a apresentação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s relativosà pesquisa com o público adulto (maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoitoanos), veremos os da<strong>do</strong>s da pesquisa feita com opúblico específico <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes até 1820


anos. Trata-se <strong>do</strong> Levantamento Nacional sobre o Uso<strong>de</strong> Drogas entre Crianças e A<strong>do</strong>lescentes em Situação<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nas 27 Capitais Brasileiras, uma iniciativa daSecretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas, emparceria com o Centro <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Informações sobreDrogas Psicotrópicas, e é fruto <strong>de</strong> uma continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas pelo CEBRID que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1987,empreen<strong>de</strong> levantamentos socio<strong>de</strong>mográficos sobrepopulação específica <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes emsituação <strong>de</strong> rua e sua relação com o uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas.O Levantamento foi realiza<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 2003 eentrevistou 2.807 crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação<strong>de</strong> rua, apresentan<strong>do</strong> os seguintes da<strong>do</strong>s: 75,5% <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s eram <strong>do</strong> sexo masculino e 24,5% <strong>do</strong>sexo feminino. Os da<strong>do</strong>s referentes à faixa etária foramdividi<strong>do</strong>s da seguinte maneira: 14,9% <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>stinham entre 10 e 11 anos; 37,3% tinham entre 12 e 14anos e 47,6%, entre 15 e 18 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.Segun<strong>do</strong> o Levantamento Nacional sobre o Uso <strong>de</strong>Drogas entre Crianças e A<strong>do</strong>lescentes em Situação<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nas 27 Capitais Brasileiras (2004), 68,8% <strong>do</strong>sentrevista<strong>do</strong>s, apesar <strong>de</strong> passar boa parte <strong>do</strong> dia na rua,moravam com a família. O restante <strong>do</strong> percentual, 31,2%,representava os indivíduos que não moravam com afamília e ficavam na rua sozinhos ou em companhia <strong>do</strong>s“irmãos <strong>de</strong> rua”.A distinção entre aqueles que moram ou não com afamília é importante para <strong>de</strong>sfazer a representaçãosocial que os consi<strong>de</strong>ram “menores aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s”.Designar a população <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentesque fazem da rua seu habitat, moran<strong>do</strong> ou nãocom a família, através da nomenclatura “crianças ea<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua” segue o senti<strong>do</strong><strong>de</strong> abarcar a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserções possíveis nocontexto <strong>de</strong> rua.Dentre as crianças e a<strong>do</strong>lescentes que não moram coma família, constatam-se como principais motivos para asituação <strong>de</strong> rua: as relações familiares ruins envolven<strong>do</strong>conflitos e agressão (45%); diversão e liberda<strong>de</strong>encontradas na rua, falta <strong>de</strong> outra ativida<strong>de</strong> (26,2%) esustento para si e/ou família (24%).Em relação às crianças que moram com a família, osmotivos atribuí<strong>do</strong>s à situação <strong>de</strong> rua se modificamem suas proporções: 50,1% <strong>de</strong>ssa amostra específicaatribuem à diversão, à liberda<strong>de</strong> e à falta <strong>de</strong> outraativida<strong>de</strong> os motivos associa<strong>do</strong>s à situação <strong>de</strong> rua,segui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sustento para si e/ou para a família (43,9%) eacompanhar parente ou amigo (24,4%).A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriações <strong>do</strong> espaço da rua é tãosignificativa que, mesmo entre aqueles que respon<strong>de</strong>ramsobre on<strong>de</strong> costumam <strong>do</strong>rmir, encontra-se uma varieda<strong>de</strong><strong>de</strong> situações. Por exemplo, <strong>de</strong>ntre os que moram com afamília, gran<strong>de</strong> parte (83,8%) <strong>do</strong>rmem na casa <strong>de</strong> parentese amigos, e 18,7% afirmam <strong>do</strong>rmir na rua. Já os que nãomoram com a familia, 75,7% <strong>do</strong>rmem na rua e 14,9%<strong>do</strong>rmem em casa <strong>de</strong> parente(s) ou amigo(s).As respostas concernentes há quantos anos estãoem situação <strong>de</strong> rua, não estão distantes das21


verificadas pela população com ida<strong>de</strong> superiora <strong>de</strong>zoito anos. Entre os que não moram com afamília, 45% viviam na rua com tempo varian<strong>do</strong> entreum e cinco anos, 29,1% já viviam na rua há mais <strong>de</strong>cinco anos. Entre os que moram com a família, 46,1%estavam na rua entre um e cinco anos, 33,7% estavama menos <strong>de</strong> um ano e 14% estavam na rua há mais <strong>de</strong>cinco anos.Acerca das ativida<strong>de</strong>s diárias no contexto <strong>de</strong> rua,verificam-se padrões diferencia<strong>do</strong>s entre as criançase a<strong>do</strong>lescentes que moram com a família e aquelasque vivem prioritariamente na rua. Sobre ativida<strong>de</strong>sgerais, que incluem brinca<strong>de</strong>iras, diversão e andarpelas ruas, constata-se que entre aqueles que nãomoram com a família, a principal ativida<strong>de</strong> é andarpelas ruas (75,7%). Já entre os que moram com afamília, as brinca<strong>de</strong>iras e diversões respon<strong>de</strong>m por67,1% das respostas acerca das ativida<strong>de</strong>s gerais.Em relação a ativida<strong>de</strong>s produtivas, os serviçosgerais que incluem: vigilância <strong>de</strong> carros, engraxe<strong>de</strong> sapatos, limpeza <strong>de</strong> para-brisas <strong>de</strong> carros,malabarismos e distribuição <strong>de</strong> panfletos, são asativida<strong>de</strong>s mais presentes entre toda a populaçãopesquisada.Quan<strong>do</strong> pergunta<strong>do</strong>s sobre as ativida<strong>de</strong>s ilícitas,a pre<strong>do</strong>minância se encontra entre as crianças ea<strong>do</strong>lescentes que não moram com a família. Nessecaso, 36,7% afirmaram praticar furto e roubo, 7,4%entrega e venda <strong>de</strong> drogas, 8,6% fazem sexo pordinheiro e 49,5% mencionam que fazem uso <strong>de</strong>drogas ilegais.Nesse mesmo grupo os principais motivos atribuí<strong>do</strong>spara o uso atual <strong>de</strong> substâncias psicoativas foram:porque acham “legal, gostoso, diverti<strong>do</strong>” (19,8%),para esquecer a tristeza (8,9%), porque os amigosusam (8,8%), para se sentir mais solto (<strong>de</strong>sinibi<strong>do</strong>)(7,1%), para se sentir mais forte, po<strong>de</strong>roso, corajoso(5,9%), para esquecer a fome e o frio (3,7%). Deacor<strong>do</strong> com o Levantamento (2003), caso se tomecomo parâmetro <strong>de</strong> uso o último mês, verificaseque as drogas mais utilizadas são: o cigarro(44,5%), bebidas alcoólicas (43%), solventes(28,7%), maconha (25,4%) e os <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s da coca(12,6%).Contu<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> se verifica a história <strong>de</strong> uso<strong>de</strong> substâncias psicoativas entre crianças ea<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong>staca-se ofato <strong>de</strong> que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sse grupo realizou oprimeiro uso <strong>do</strong> álcool e tabaco antes <strong>de</strong> estaremem situação <strong>de</strong> rua. Ou seja, o acesso às drogasem geral é um aspecto da trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssesjovens, e não está vincula<strong>do</strong>, necessariamente, aofato <strong>de</strong> viverem em situação <strong>de</strong> rua.Os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uso e a própria eleição das drogas<strong>de</strong> consumo são <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s por diversos fatores,que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> grupo ao qual ojovem está vincula<strong>do</strong> à facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a umadroga em relação à outra e aos significa<strong>do</strong>s esensações associa<strong>do</strong>s às diferentes substâncias. OLevantamento (2003) aponta que entre aqueles quenão moram com a família 72,5% fazem uso diário<strong>de</strong> alguma substância psicoativa (incluin<strong>do</strong> álcool22


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE Ie tabaco) sem que, necessariamente, <strong>de</strong>senvolvampadrão <strong>de</strong> uso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ou intenso.Haverá sempre um contingente que fará um usoexperimental ou eventual <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Isso contribui para uma compreensão ampliada sobreo fenômeno <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas, no qual está incluídaa noção <strong>de</strong> que os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uso são <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>spela dinâmica das interações sociais e da relaçãocom o próprio corpo. Essa dinâmica, por sua vez, é<strong>de</strong>terminada pela constante interação entre fatores<strong>de</strong> risco associa<strong>do</strong>s à droga eletiva, ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> usoe aos fatores <strong>de</strong> proteção que contribuem para que ouso da droga não comprometa <strong>de</strong>finitivamente a vida<strong>do</strong>s jovens em questão.Dessa maneira, a compreensão dinâmica sobre ouso entre a população em situação <strong>de</strong> rua concebea droga para além simplesmente da busca pelassensações <strong>de</strong> entorpecimento e prazer vividasno corpo. O uso <strong>de</strong> droga possui uma função esignifica<strong>do</strong> na vida <strong>de</strong>ssas crianças e a<strong>do</strong>lescentes,tal como há uma apropriação simbólica da rua eessa passa a <strong>de</strong>sempenhar um papel importantena própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s jovens em questão. Hátambém uma apropriação simbólica acerca <strong>do</strong>uso, que cumprirá muitas vezes uma função <strong>de</strong>preservação e proteção contra contextos <strong>de</strong> vidamarca<strong>do</strong>s pela exposição a uma série <strong>de</strong> riscos, quevão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças físicas (infecções, <strong>de</strong>snutriçãoetc.), sociais (ambientes violentos e <strong>de</strong> exposição adrogas) e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m psicológica (efeitos <strong>do</strong> abuso,negligência ou exploração).Ainda que haja a existência <strong>de</strong> riscos à saú<strong>de</strong>, por meioda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>pendência, <strong>de</strong> contrair<strong>do</strong>enças e fragilizar sua inserção social, o uso da droga,em seus efeitos <strong>de</strong> entorpecimento e anestesia, produzno indivíduo um recolhimento e reserva frente a umambiente muitas vezes ameaça<strong>do</strong>r. Os autores <strong>do</strong>Levantamento Nacional sobre o uso <strong>de</strong> Drogas entreCrianças e A<strong>do</strong>lescentes em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nas 27Capitais Brasileiras <strong>de</strong>stacam esse caráter para<strong>do</strong>xal <strong>do</strong>uso:a alteração da percepção da realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> adquirir um caráter lúdico,com a vivência <strong>de</strong> momentos mágicos, sensações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e/ou euforia.Ao aliviar o enfrentamento da realida<strong>de</strong>, o uso <strong>de</strong> drogas também po<strong>de</strong>representar uma forma para<strong>do</strong>xal <strong>de</strong> preservação mental. (BRASIL, 2003,p. 32)Tais reflexões sobre o uso <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong>ixa patente que,apesar <strong>de</strong> a rua ser um local <strong>de</strong> risco para essa população,é também um local on<strong>de</strong> encontram algum tipo <strong>de</strong>compensação diante <strong>de</strong> uma trajetória <strong>de</strong> vida marcadapela fragilização <strong>do</strong>s laços familiares e das condições <strong>de</strong>educação, saú<strong>de</strong> e proteção. Portanto, é possível pensarsobre a manutenção <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssas pessoascomo uma tentativa <strong>de</strong> organização relacional com omun<strong>do</strong> e com as pessoas ao seu re<strong>do</strong>r.23


GENEALOGIA DO CONSULTÓRIO DE RUA:O BANCO DE RUA, A PRIMEIRA EQUIPE.24


Traçar uma genealogia <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>é, em outras palavras, refazer o percursohistórico da origem <strong>de</strong>sse trabalho para, comisso, compreen<strong>de</strong>r quais as condições sociais e <strong>de</strong>assistência à saú<strong>de</strong> que possibilitaram a criaçãoda estratégia <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, contamos com participação<strong>do</strong> Prof. Antonio Nery filho 1 , que, através <strong>de</strong>uma entrevista concedida à equipe editorial, nosrelatou o percurso histórico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimentoda i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> até a formação daprimeira equipe <strong>de</strong> atuação.O primeiro ponto a <strong>de</strong>stacar sobre a história <strong>do</strong>Consultório refere-se ao próprio <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong>sse trabalho. O Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, tal como oconhecemos atualmente, não surgiu pronto, mas éna verda<strong>de</strong> fruto <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> amadurecimento <strong>de</strong> umai<strong>de</strong>ia simples: oferecer atenção à saú<strong>de</strong> daquelesque não chegam aos serviços <strong>de</strong> atendimento ausuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Em entrevista, o Prof. Antonio Nery Filho nos contou quea i<strong>de</strong>ia surgiu a partir <strong>de</strong> sua visita à se<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Médicos<strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> (Mé<strong>de</strong>cins du Mon<strong>de</strong>), em Paris: 2 .A primeira vez que pensei em um trabalho <strong>de</strong>ssa natureza, foi emuma visita ao trabalho <strong>de</strong> rua <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pelos Medécins duMon<strong>de</strong> (Médicos <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>) em Paris. Em um ônibus, imaginaramum dispositivo <strong>de</strong> trabalho na rua com pessoas <strong>de</strong>svalidas, os“invisíveis” franceses: gays, prostitutas e toxicômanos, sobretu<strong>do</strong> emrazão <strong>do</strong> surgimento da SIDA/AIDS. De volta à Bahia, mantive pormuito tempo este propósito buscan<strong>do</strong> meios para torná-lo possível.Além <strong>de</strong>sse contato, outro aspecto foi <strong>de</strong>terminantepara criar assistência a essa população naBahia: o fato <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas,especialmente crianças e a<strong>do</strong>lescentes em uso<strong>de</strong> drogas e situação <strong>de</strong> rua, não chegarem aosserviços <strong>de</strong> atendimento em saú<strong>de</strong>.Nesse perío<strong>do</strong>, em 1989, o Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>se Terapia <strong>do</strong> Abuso <strong>de</strong> Drogas (CETAD) 3 ,funcionan<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985 na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r,era um <strong>do</strong>s poucos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública <strong>de</strong>atenção especializa<strong>do</strong> aos usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas e respectivos familiares. Chamava aatenção <strong>do</strong>s técnicos a dificulda<strong>de</strong> que tinham ascrianças e a<strong>do</strong>lescentes, em situação <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong>chegarem até o Centro para atendimento, quer pornão o conhecerem, quer por não terem condições1Médico, psiquiatra, funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Terapia <strong>de</strong> Drogas, na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia (1985) e i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> “Banco <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>” em 1989 (que <strong>de</strong>uorigem a sua tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong> em Sociologia e Ciências Sociais, “A vida na marginalida<strong>de</strong> ou a morte na instituição” Universida<strong>de</strong> Lyon 2 - França, 1993), e ao primeiroConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> em 1995 (Salva<strong>do</strong>r- Ba, 1995-2006), reinicia<strong>do</strong> em 2010 com o apoio da SENAD/ MJ, em Salva<strong>do</strong>r, Camaçari e Lauro <strong>de</strong> Freitas.2Funda<strong>do</strong> em 1980, na França, os Médicos <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> (Mé<strong>de</strong>cins du Mon<strong>de</strong>) é uma organização não governamental formada por profissionais da saú<strong>de</strong> que levam ajudahumanitária a populações vulneráveis na França e no mun<strong>do</strong>.3O CETAD/UFBA, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong>s clinicas em caráter ambulatorial, em especial atendimentos psiquiátricos e psicoterápicos.25


mínimas <strong>de</strong> frequentar regularmente um serviço,ou ainda pelo fato <strong>de</strong> estarem imersos em umacondição <strong>de</strong> exclusão social que dificultava oacesso à saú<strong>de</strong>.Assim, um grupo <strong>de</strong> técnicos propõe ao então Ministérioda Criança um projeto volta<strong>do</strong> para o reconhecimento eestu<strong>do</strong> <strong>de</strong> quem eram aquelas crianças e a<strong>do</strong>lescentesque não chegavam ao serviço. O projeto <strong>de</strong>nominouseBanco <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e caracterizou-se por uma observaçãoparticipante <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong>rua que se concentravam em uma praça <strong>do</strong> centro dacida<strong>de</strong>, a Praça da Pieda<strong>de</strong> 4 . O objetivo <strong>de</strong>sse projetoera conhecer o universo simbólico e afetivo <strong>de</strong>ssapopulação em condição <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, emuso <strong>de</strong> substâncias psicoativas e que não chegavamaos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, incluin<strong>do</strong> o CETAD. Sobre osresulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sse trabalho embrionário <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, o Prof. Nery Filho diz:Existiam duas categorias <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação<strong>de</strong> rua: uma “<strong>de</strong>” e outra “na” rua. Em geral falava-se <strong>de</strong> meninos<strong>de</strong> rua sem qualquer distinção entre aqueles que frequentavamas ruas e retornavam às suas casas e aqueles que se apropriavam<strong>do</strong> espaço público e ali permaneciam <strong>de</strong>finitivamente tornan<strong>do</strong> oespaço público um espaço priva<strong>do</strong>. Mesmo que tivessem família,mesmo que tivessem um lugar para on<strong>de</strong> ir, permaneciam na rua.Eles se tornavam “<strong>de</strong> rua”. E os “meninos na rua” eram meninose meninas que passavam na rua um tempo <strong>de</strong> suas vidas e queretiravam das ruas uma parte <strong>do</strong> sustento familiar. Então essesmeninos estavam nas ruas para ven<strong>de</strong>r <strong>do</strong>ces, picolés, frutas,fazer algum malabarismo nas sinaleiras e retornavam às famílias.Eles estavam na rua muito mais por uma imposição da família,<strong>do</strong> que por vonta<strong>de</strong> própria, diferentemente <strong>do</strong>s outros que nãoportavam nada à família. Estes haviam rompi<strong>do</strong> com a família,geralmente porque a casa e a família se tornavam um lugarimpossível para se viver.Os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s com o trabalho <strong>do</strong> Banco <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>entre 1989 e 1991 constituíram a base para a proposição<strong>do</strong> que veio a ser chama<strong>do</strong>, mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> e expressão que, além <strong>de</strong> conferir uma conotação <strong>de</strong>movimento <strong>de</strong> um consultório que sai da sala e vai paraa rua, esten<strong>de</strong> também o campo <strong>de</strong> atuação da equipeque vai à rua. Se com o Banco <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> o objetivo inicialcentrava-se na observação participante para uma leitura<strong>do</strong> universo das crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong>rua, com o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> o objetivo passa a ser aatenção à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa população, especialmente no quese refere à associação entre vulnerabilida<strong>de</strong> social e uso<strong>de</strong> substâncias psicoativas.Por meio <strong>de</strong> uma iniciativa nascida no CETAD,parte-se para o estabelecimento <strong>de</strong> parceriasinstitucionais com órgãos governamentais, em vista<strong>do</strong> provimento <strong>do</strong>s recursos humanos e materiaispara a consolidação <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>. Desse mo<strong>do</strong>, a busca por recursos para aimplantação <strong>do</strong> projeto, focou-se exatamente noórgão <strong>do</strong> governo responsável pelos cuida<strong>do</strong>s4Participaram <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong>: Nivia Moreira Chagas, Jane Montes, Margareth Leonelli, Gey Espinheira e Antonio Nery Filho.26


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE Icom crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong> social e em conflito com a lei, quenaquele momento era a Secretaria <strong>de</strong> Trabalhoe Ação Social. Essa era a Secretaria responsávelpela administração da Fundação da Criança e <strong>do</strong>A<strong>do</strong>lescente (FUNDAC), órgão que executava apolítica <strong>de</strong> atendimento ao a<strong>do</strong>lescente em conflitocom a lei no Esta<strong>do</strong> da Bahia. A FUNDAC por suavez, recebia uma quantida<strong>de</strong> elevada <strong>de</strong> criançase a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua que cometiamalgum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito.Procurar a Secretaria <strong>de</strong> Ação Social para apresentar epropor a implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> constituiuseuma maneira <strong>de</strong> oferecer outro tipo <strong>de</strong> atençãoà população em questão, um cuida<strong>do</strong> que passavapelo olhar da saú<strong>de</strong>, em contraposição a um olharfoca<strong>do</strong> apenas na criminalida<strong>de</strong> e na marginalida<strong>de</strong>.Transcorri<strong>do</strong> certo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois das primeiraspropostas <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, em1995 inicia-se o trabalho da primeira equipe <strong>do</strong> projeto,que se esten<strong>de</strong> até 2004, por meio <strong>de</strong> convênios <strong>do</strong>CETAD com instâncias governamentais estaduais emunicipais. Naquele primeiro instante a equipe eraformada por duas psicólogas, uma assistente social,um antropólogo, um motorista e <strong>do</strong>is estagiários<strong>de</strong> Psicologia. No fragmento que segue temoscom clareza a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> que era a proposta <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e que, até hoje o fundamenta:Nós íamos encontrar essas pessoas. A lógica era a seguinte: seMaomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Se osmeninos e as meninas, os a<strong>do</strong>lescentes e os familiares excluí<strong>do</strong>snão vêm ao centro, por que não sabem, ou por que não têmdinheiro, ou por que não po<strong>de</strong>m, ou por que não querem,ou por que têm me<strong>do</strong>; porque a gente não vai até eles comotínhamos i<strong>do</strong> à Praça da Pieda<strong>de</strong>? Ten<strong>do</strong> em vista que tu<strong>do</strong> oque essas pessoas querem é um encontro com alguém que nãodiga que eles são ruins, nem bons; que eles não são malucose que a sua história tem valor; que seu conhecimento vale apena ser reconheci<strong>do</strong>; que eles não estão ali por serem idiotase que eles estão ali por uma estratégia <strong>de</strong> sobrevivência; queeles estão ali por que as famílias os colocou lá. Ir até on<strong>de</strong> estãoos que não po<strong>de</strong>m vir. Essa era a idéia. Precisávamos ir até on<strong>de</strong>eles estavam, por que eles não tinham a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vir atéon<strong>de</strong> nós estávamos.Tratava-se <strong>de</strong> dar atenção a pessoas “<strong>de</strong>” e“na” rua, em função <strong>do</strong> “consumo <strong>de</strong> drogas” e para tratar dasquestões relacionadas às drogas, à vida, à saú<strong>de</strong>, à <strong>do</strong>ença, àmorte e à sua família....Ten<strong>do</strong> como base <strong>do</strong> trabalho a posição <strong>de</strong>profissionais da Saú<strong>de</strong> oferecen<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>s à saú<strong>de</strong><strong>de</strong>ssa população, a equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>apresentava-se <strong>de</strong> uma maneira muito diferentedaquela que essas crianças e a<strong>do</strong>lescentes estavamacostuma<strong>do</strong>s a ver. Quan<strong>do</strong> algum grupo se dirigiaa eles, geralmente o faziam como até hoje severifica, pela via <strong>do</strong> assistencialismo, da religião ouda marginalização. O fato <strong>de</strong> a equipe apresentarsecom outra proposta <strong>de</strong> atenção às suas vidas eo reconhecimento <strong>de</strong> um sentin<strong>do</strong> implica<strong>do</strong> emestarem na rua favoreceram o estabelecimento<strong>do</strong> vínculo com esses profissionais. Esse vínculoconstitui a base <strong>de</strong> sustentação <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, pois é por meio <strong>de</strong>le que as27


informações sobre saú<strong>de</strong>, preservação, cuida<strong>do</strong>s<strong>de</strong> higiene, ações <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s imediatos, <strong>de</strong>redução <strong>de</strong> danos, <strong>de</strong> atendimentos psicológicos esociais ganhavam importância e reverberavam emsuas vidas.Um <strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s na entrevista <strong>do</strong> Prof. NeryFilho sobre a história da constituição <strong>de</strong>ssa primeiraequipe é a relevância <strong>do</strong>s olhares cruza<strong>do</strong>s, isto é, dacapacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong>ssa equipe <strong>de</strong>stituírem-se<strong>de</strong> suas visões sobre aquela realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminadas porsuas formações específicas, para darem lugar ao olhar<strong>do</strong> outro sobre a mesma realida<strong>de</strong>. Ou seja:...que cada um se <strong>de</strong>stituísse <strong>do</strong> seu olhar técnico e pu<strong>de</strong>sseconhecer a rua através <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> outro. Isto é, que o antropólogopu<strong>de</strong>sse olhar através <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> psicanalista, e que o psicanalistapu<strong>de</strong>sse olhar <strong>do</strong> lugar <strong>do</strong> motorista, e o motorista <strong>do</strong> lugarda assistente social, e assim por diante, numa permanente<strong>de</strong>sconstrução-reconstrução <strong>de</strong> olhares sobre um mesmo objeto...Essa proposta <strong>de</strong> “olhares cruza<strong>do</strong>s” imprimiu na equipe<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> uma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> atuaçãopermeada por um espírito <strong>de</strong> interdisciplinarida<strong>de</strong>,no qual os conhecimentos específicos têm a suaimportância <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que possam ser troca<strong>do</strong>s mutuamenteentre os membros da equipe. Essa pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>olhares é correspon<strong>de</strong>nte à pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fenômenosexperimenta<strong>do</strong>s na rua, um espaço da vida humanamarca<strong>do</strong> pelo dinamismo <strong>do</strong>s acontecimentos, pelatransversalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações, pela fragmentação dasdistinções entre o público e o priva<strong>do</strong>. Para aqueles queatuam nesse universo, a manutenção <strong>de</strong> apenas umolhar sobre essa realida<strong>de</strong> tem a mesma conotação<strong>de</strong> um fechar <strong>de</strong> olhos para o que se lhe apresenta.Por isso, o trabalho na rua pe<strong>de</strong>, necessariamente,por esse cruzamento <strong>de</strong> olhares, cruzamento <strong>de</strong>leituras sobre o fenômeno humano transcorren<strong>do</strong> nomovimento incessante das pessoas, <strong>do</strong>s carros e <strong>do</strong>sacontecimentos.Quan<strong>do</strong> um trabalho como o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> operacom as sutilezas inerentes à dinâmica da rua, é naturaladvir uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios para a equipe no senti<strong>do</strong><strong>de</strong> encontrar a melhor maneira <strong>de</strong> oferecer atençãoà população em questão e <strong>de</strong> oferecer condições <strong>de</strong>atuação nesse contexto. Uma das dificulda<strong>de</strong>s iniciaisda primeira equipe foi precisar as características dalocalização, na cida<strong>de</strong>, para a implantação <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambientes urbanos on<strong>de</strong> háuma concentração <strong>de</strong> população em situação <strong>de</strong> rua étão gran<strong>de</strong> que escolher uma área <strong>de</strong> atuação não foiuma tarefa simples. É importante salientar que a rua –on<strong>de</strong> as crianças e a<strong>do</strong>lescentes passam boa parte <strong>de</strong>suas vidas – não tem o mesmo significa<strong>do</strong> que a ruadaquele que tem sua casa, que transita durante o dia atrabalho ou a passeio, que transita para chegar a algumlugar. A rua das crianças e a<strong>do</strong>lescentes que nela vivempossui outra qualida<strong>de</strong>, e isso traz consequências parao trabalho da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Nestetrecho da entrevista, fica clara essa peculiarida<strong>de</strong> darua das crianças e a<strong>do</strong>lescentes, bem como da outrarua para a equipe:a rua não tem limite, quer dizer, na rua tu<strong>do</strong> é possível, na rua tu<strong>do</strong>expan<strong>de</strong>. A rua não é o universo da instituição fechada, na rua to<strong>do</strong>s28


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE Ipassam, na rua to<strong>do</strong>s falam, na rua tu<strong>do</strong> é possível, a rua é umlugar mágico, a rua é um lugar <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> morte. E a equipe vaipara o mun<strong>do</strong> da rua, diferente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da instituição; bastanteconheci<strong>do</strong>. O mun<strong>do</strong> da rua era <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>. E ainda, a equipe vaipara rua para olhá-la sob a perspectiva <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> outro, através <strong>do</strong>olhar <strong>do</strong> outro.Fica claro como o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> implica uma constante reflexão sobrea equipe e sobre a população-alvo, mesmo ten<strong>do</strong> osreferenciais para a prática e os objetivos estabeleci<strong>do</strong>s,a meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> intervenção na rua foi algo construí<strong>do</strong>mediante o contato com a população. As intervençõeseram previamente concebidas pela equipe, poréma maneira como eram feitas foram <strong>de</strong>lineadas pelocontato com a população. Levar uma estratégiaantecipadamente pronta e fechada não correspondiaà realida<strong>de</strong> da dinâmica da população em questão eda própria rua. Essa meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> atuação é vista, <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> especial, quan<strong>do</strong> se trata da questão da redução<strong>de</strong> danos.Haja vista a educação sobre <strong>do</strong>enças sexualmentetransmissíveis, a distribuição <strong>de</strong> preservativos e ainformação acerca <strong>do</strong>s riscos associa<strong>do</strong>s ao mo<strong>do</strong><strong>de</strong> uso <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas drogas serem intervençõesno campo da redução <strong>de</strong> danos, essas não sãocompreendidas como o objetivo final <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong>Consultório.As intervenções em redução <strong>de</strong> danos compõem oenre<strong>do</strong> <strong>de</strong> intervenções com a população, que temcomo centro a ênfase no vínculo com a equipe. Essevínculo diz respeito ao posicionamento ético da equipefrente a tal população. Um posicionamento que visa umencontro privilegia<strong>do</strong> com cada um <strong>de</strong>les. Um encontroque possibilite que se sintam reconheci<strong>do</strong>s para além <strong>do</strong>sestigmas pelos quais estão marca<strong>do</strong>s, conforme trechocita<strong>do</strong> abaixo pelo Prof. Nery FilhoNós reconhecemos que, <strong>de</strong>ntre as práticas <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, seincluía a <strong>de</strong> reduzir danos, mas nós não estávamos na dimensão daredução <strong>de</strong> danos no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> um programa que estava ali parareduzir danos, como uma máquina <strong>de</strong> reduzir danos. Nós éramos umamáquina <strong>de</strong> encontrar pessoas, <strong>de</strong> assistir essas pessoas, <strong>de</strong> construiruma história. A espinha <strong>do</strong>rsal <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é trabalhar na ruareconhecen<strong>do</strong> a rua como um lugar <strong>de</strong> vida e não, necessariamente, ouexclusivamente, um lugar <strong>de</strong> morte, reconhecen<strong>do</strong> o saber das pessoasque nós encontramos na rua.Consi<strong>de</strong>rações como essas esclarecem a dimensão daatenção que o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenharcom uma população exposta à vulnerabilida<strong>de</strong> física esocial que inclui, sobretu<strong>do</strong>, o estigma sobre quem são.Para além das condições concretas <strong>de</strong> escassez<strong>de</strong> recursos financeiros e materiais, bem como dafragmentação social por um rompimento ou abalodas relações com os cuida<strong>do</strong>res, essas criançase a<strong>do</strong>lescentes são marcadas pelos estigmas damarginalida<strong>de</strong> e da droga. São formas <strong>de</strong> seremi<strong>de</strong>ntificadas na socieda<strong>de</strong> que produzem, comoconsequência, uma exclusão maior. Por esse motivo, ocampo <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> Consultório, antes <strong>de</strong> ser o <strong>do</strong>scuida<strong>do</strong>s imediatos para os <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>s, é um campoon<strong>de</strong> se confere um olhar para além <strong>do</strong>s estigmas.29


Trata-se da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um encontro que favoreçaessa população <strong>de</strong> se ver reconhecida pelo que são,na dignida<strong>de</strong> que possuem por estarem vivas, e porterem, <strong>de</strong>ssa maneira, possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> existir menosexpostas a situações e sofrimentos que aproximamda morte. Percebe-se que o trabalho alcançou seusobjetivos quan<strong>do</strong>, por meio das intervenções <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, abre-se no horizonte <strong>de</strong>ssaspessoas uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se verem reconhecidas<strong>de</strong> outro mo<strong>do</strong>:Quan<strong>do</strong> o consultório <strong>de</strong> rua vai à rua, e algumas pessoas dizem:‘vocês nunca mais vieram aqui’; ‘vocês estão fazen<strong>do</strong> falta’; ‘euestava esperan<strong>do</strong> vocêschegarem’, essas frases dizem que alguém não tinha um interlocutor,passou a ter, e reconhece esse interlocutor. Então, eu só posso dizerque uma coisa tem valor para outra, quan<strong>do</strong> a outra diz: ‘que bomque você veio’, ‘que pena que você faltou’. O que é fundamentalmesmo é você ouvir <strong>de</strong> alguém lá na rua, <strong>de</strong>svali<strong>do</strong>, sem futuro - eudiria, que não tem nem passa<strong>do</strong>, nem futuro, só o presente - e essapessoa diz: ‘que bom que você veio’, ‘que pena que você faltou.Ao colocarmos em perspectiva a dimensão<strong>de</strong>sse encontro privilegia<strong>do</strong> – favorece<strong>do</strong>r <strong>do</strong>estabelecimento <strong>de</strong> um vínculo da população coma equipe –, as intervenções em saú<strong>de</strong> e na atençãopsicossocial passam a ter uma consequênciareal em suas vidas. A retirada <strong>de</strong> uma carteira<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> para aquele que não a possui, oencaminhamento para algum serviço público <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> para o tratamento <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença, a distribuição<strong>de</strong> preservativos e <strong>de</strong> informações sobre o contágio<strong>de</strong> <strong>do</strong>enças sexualmente transmissíveis, <strong>de</strong>ntreoutras, são apenas alguns exemplos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> que têm uma repercussãoem suas vidas por serem <strong>de</strong>sempenhadas pelostécnicos com quem têm uma vinculação afetiva,muito diferente <strong>de</strong> uma vinculação eminentementeburocrática ou rotineira.Esse caráter que a atuação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>imprimiu ao trabalho que <strong>de</strong>senvolve <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oseu nascimento até hoje é <strong>de</strong>stacada na seguintefrase:O uso <strong>de</strong> drogas não é um ato <strong>de</strong> morte, é um mo<strong>do</strong> <strong>do</strong> sujeitoreduzir a <strong>do</strong>r. Quan<strong>do</strong> se chega lá com essa possibilida<strong>de</strong>,reconhece-se que o sujeito usa drogas, não para morrer, maspara viver”.Aqui, o Prof. Antonio Nery <strong>de</strong>ixa claro a concepçãosobre o uso <strong>de</strong> drogas por tal população. Trata-se<strong>de</strong> uma leitura que reconhece no ato <strong>de</strong> se drogar,um ato humano porta<strong>do</strong>r <strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> na vida<strong>de</strong>ssas pessoas. Desse mo<strong>do</strong>, a conduta da equipeperante o uso da droga é uma conduta que levaem consi<strong>de</strong>ração os senti<strong>do</strong>s associa<strong>do</strong>s à droga,senti<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s à história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cadaum e ao contexto <strong>de</strong> vida atual. Esse é o olhar quemarca o trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.30


CONSULTÓRIO DE RUA: DEFINIÇÃO E OBJETIVOS


Opercurso realiza<strong>do</strong> até o momento, no qualfoi caracterizada a população em situação <strong>de</strong>rua e a história <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> permitiu<strong>de</strong>stacar questões sobre as condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ssaspessoas e das <strong>de</strong>ficiências quanto ao acesso a requisitosbásicos para o pleno exercício da cidadania.Dentre as <strong>de</strong>ficiências vividas por essa população, adificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceso aos recursos <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>tem um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, retrato da condição <strong>de</strong>exclusão social que, para além da precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>serviços em saú<strong>de</strong>, é visto <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> especial no estigma<strong>de</strong> muitos profissionais que atuam em ambulatórios,hospitais e em postos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.O Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, como estratégia <strong>de</strong> atençãoà saú<strong>de</strong> realizada no próprio local on<strong>de</strong> vive apopulação <strong>de</strong> rua, é uma iniciativa que estabeleceum paradigma diversifica<strong>do</strong> nos cuida<strong>do</strong>s à saú<strong>de</strong>global <strong>de</strong>ssas pessoas, amplamente expostas asituações <strong>de</strong> “risco <strong>de</strong> vida”.Compreen<strong>de</strong>-se aqui “riscos <strong>de</strong> vida” comoqualquer ação <strong>do</strong> indivíduo ou exposição a umambiente que implique a possibilida<strong>de</strong> da perdada vida ou o comprometimento significativo dasfaculda<strong>de</strong>s vitais. Desse mo<strong>do</strong>, localizam-se comofatores <strong>de</strong> risco nessa população: a violência, a<strong>de</strong>snutrição, o contágio <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças sexualmente32


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE Itransmissíveis e outras <strong>do</strong>enças contagiosas e opróprio uso diário <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Dessa forma, qualquer intervenção em saú<strong>de</strong> comessa população <strong>de</strong>ve, necessariamente, focar suasintervenções e seu olhar nesses fatores <strong>de</strong> risco àvida, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> favorecer novas possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> lidar com tais aspectos <strong>de</strong> suas vidas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> areduzir o sofrimento e o próprio risco à vida.Nesse senti<strong>do</strong>, o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nasce na perspectiva<strong>de</strong> uma atenção à saú<strong>de</strong>, em especial paraos riscos associa<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> álcool e outras drogase aos riscos relaciona<strong>do</strong>s ao contágio <strong>de</strong> <strong>do</strong>ençassexualmente transmissíveis. Perspectiva que,por sua vez, está alinhada com as premissas constitucionais<strong>de</strong> nosso país. No artigo 196 da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral (1988), a saú<strong>de</strong> está posta comoum direito universal e está vinculada à redução <strong>do</strong>sriscos à vida:A saú<strong>de</strong> é direito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, garanti<strong>do</strong> mediantepolíticas sociais e econômicas que visem à redução<strong>do</strong> risco <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença e <strong>de</strong> outros agravos e ao acesso universaligualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção erecuperação.dizem respeito à interação <strong>do</strong> indivíduo consigoe com o meio espacial, cultural e social no qualestá inseri<strong>do</strong>. A escolha por uma atenção à saú<strong>de</strong>em seu aspecto biopsicossocial segue, necessariamente,a complexida<strong>de</strong> envolvida com os sofrimentosvivi<strong>do</strong>s no contexto da vida na rua.O Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> vale-se, portanto, <strong>de</strong> estratégiasque visem a promoção da saú<strong>de</strong>, da cidadaniae da dignida<strong>de</strong> humana e <strong>de</strong>fine-se como um dispositivoclínico <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> biopsicossocial<strong>de</strong> pessoas em situação <strong>de</strong> rua, expostas a riscos<strong>de</strong> vida relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substâncias psicoativase ao contágio <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças sexualmente transmissíveis.Sua atuação conta com um veículo adapta<strong>do</strong> eequipa<strong>do</strong> para as finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervenção narua nas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento psicológico,atendimento em assistência social, cuida<strong>do</strong>s imediatosà saú<strong>de</strong>, redução <strong>de</strong> riscos e danos associa<strong>do</strong>sao uso <strong>de</strong> álcool e outras drogas, educação para asaú<strong>de</strong> e higiene, ativida<strong>de</strong>s lúdicas, oficinas criativas,prevenção <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças sexualmente transmissíveise outras <strong>do</strong>enças contagiosas e encaminhamentopara a re<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.A atenção à saú<strong>de</strong>, tal como sustentada pelo Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, vai além <strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s imediatosao corpo físico e amplia-se para uma atenção aosaspectos biopsicossociais <strong>do</strong> indivíduo. Os riscosà vida menciona<strong>do</strong>s anteriormente não tratam apenasda ocorrência ou não <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença orgânica,33


PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DE UMA PRÁTICA34


Estabelecer princípios e diretrizes <strong>de</strong> umaprática como o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> pressupõea compreensão <strong>de</strong> não tratar-se <strong>de</strong> umtrabalho mecânico e burocrático, com base apenasem protocolos <strong>de</strong> atuação.Recorrer a uma reflexão <strong>do</strong>s princípios éticose diretrizes técnicas respaldam o trabalho <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e são prova <strong>do</strong> reconhecimentodas sutilezas implicadas em uma atuação emsaú<strong>de</strong> fora <strong>do</strong>s muros institucionais e comuma população envolta a fragilida<strong>de</strong>s sociais,econômicas e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Quanto mais claros estão os princípios ediretrizes que governam a prática, maiores serãoas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lidar com situações queextrapolam o habitual. O trabalho <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> apenas reforça essa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoiarsenos princípios, pois no contexto <strong>de</strong> rua ohabitual muitas vezes é a surpresa e o inespera<strong>do</strong>relaciona<strong>do</strong> à velocida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s acontecimentos,à fragmentação <strong>do</strong>s limites entre o público e opriva<strong>do</strong>, e ao próprio contato com as pessoas quefazem da rua o seu habitat.Os pressupostos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> estãocompreendi<strong>do</strong>s em duas categorias: princípioséticos, que dizem respeito às questões maisamplas sobre o posicionamento da equipe frenteà especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho; e as diretrizestécnicas, que recaem mais diretamente à práticacotidiana da equipe.1. PRINCÍPIOS ÉTICOSOs princípios éticos aqui expostos respaldam o trabalho<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> na medida em que explicitampremissas e valores que não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong>s;caso contrário, invalida qualquer intervenção técnica porparte da equipe. Trata-se <strong>de</strong> três prerrogativas relativas auma compreensão sobre a posição ética <strong>do</strong> profissionalfrente à sua conduta e a conduta <strong>do</strong> outro.Esses princípios éticos não visam esgotar aspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conduta ética no Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.Têm como objetivo constituírem-se como referênciasclaras para a garantia <strong>do</strong>s valores da dignida<strong>de</strong>humana, da responsabilida<strong>de</strong> e da liberda<strong>de</strong>.A<strong>de</strong>mais, é importante salientar que os profissionais<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> são também regi<strong>do</strong>s peloscódigos <strong>de</strong> ética <strong>de</strong> suas respectivas profissões. Dessaforma, os códigos <strong>de</strong> ética profissionais tambémpassam a compor o conjunto <strong>de</strong> princípios éticos <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.Os princípios éticos que sustentam o trabalho <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> são:• Toda conduta humana é porta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>significação pessoalPostular a premissa <strong>de</strong> que toda conduta humana éporta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> significação tem uma implicação ética,pois afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações <strong>do</strong>gmáticase unilaterais sobre os fenômenos humanos como o35


uso abusivo <strong>de</strong> drogas, a marginalida<strong>de</strong> e a própriasituação <strong>de</strong> rua. Tradicionalmente, esses fenômenossão interpreta<strong>do</strong>s pela socieda<strong>de</strong> sem levar emconsi<strong>de</strong>ração as significações pessoais relativas aofato <strong>de</strong> drogar-se, morar na rua e cometer crimes.A consequência é a progressiva estigmatização<strong>de</strong>sses atos que encobre as <strong>de</strong>terminações sociaise pessoais envolvidas nessas práticas.Partir <strong>do</strong> pressuposto que toda conduta humana,seja ela qual for, respon<strong>de</strong> por uma significaçãopessoal é a condição para po<strong>de</strong>r reconhecer taisatos para além <strong>do</strong> estigma, na sua particularida<strong>de</strong>(VAISBERG, 2004). Quan<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong>s em suaparticularida<strong>de</strong>, abre-se, portanto, a possibilida<strong>de</strong><strong>do</strong> estabelecimento <strong>do</strong> vínculo entre o usuárioe o profissional e, assim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umautocuida<strong>do</strong>, uma preservação <strong>do</strong>s efeitos nocivosrelaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substância psicoativa.• Respeito ao sofrimento e ao ethos humanoO respeito ao sofrimento e ao ethos humano éconsequência <strong>do</strong> princípio da significação dascondutas humanas. Tomar o respeito ao sofrimentoe ao ethos humano como princípio ético é,primeiramente, estar atento às razões pessoaisimplicadas nos atos e nas circunstâncias <strong>de</strong> vida<strong>de</strong> qualquer pessoa. Ou seja, trata-se <strong>de</strong> levar emconsi<strong>de</strong>ração as significações pessoais <strong>de</strong> alguémperante o que faz, antes <strong>de</strong> propor qualquerintervenção com essa pessoa. Refere-se, portanto,a uma atitu<strong>de</strong> reflexiva diante da conduta <strong>do</strong> outroe, em seguida, uma postura reflexiva perante aprópria conduta.A referência à palavra ethos, <strong>de</strong> origem grega,é importante. Ethos é uma das raízes da palavraética e diz respeito à morada <strong>do</strong>s homens (SAFRA,2004). Morada entendida não apenas comoo lugar on<strong>de</strong> alguém vive, mas também aosvalores e significações <strong>do</strong>s costumes e hábitos <strong>de</strong>alguém ou algum grupo. Respeitar o sofrimentoe o ethos humano é consi<strong>de</strong>rar e estar atento àssignificações <strong>do</strong> outro em relação ao que faz e aon<strong>de</strong> vive.Realizar qualquer intervenção médica, psicológica,social e/ou lúdica com alguém sem antes consi<strong>de</strong>raras significações pessoais envolvidas nas práticas <strong>de</strong>sseoutro é posicionar-se <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a supor previamente oque é melhor para o outro. Esse aspecto ganha maiorrelevância quan<strong>do</strong> é a equipe multidisciplinar quemvai até os “pacientes”. Se, <strong>de</strong> antemão, pressupõe-seque a vida na rua é algo essencialmente ruim, e queas pessoas que aí vivem <strong>de</strong>veriam querer voltar paraas suas casas, a postura <strong>do</strong> profissional só levará emconsi<strong>de</strong>ração o que pretensamente pensa conhecersobre a vida <strong>do</strong> outro.Como visto anteriormente sobre o contexto <strong>de</strong> vidada população em situação <strong>de</strong> rua, muitos escolhemviver na rua como forma <strong>de</strong> lidar com uma história <strong>de</strong>vida marcada por conflitos familiares e dificulda<strong>de</strong>sfinanceiras. A situação <strong>de</strong> rua está associada àapropriação <strong>do</strong> espaço da rua, essa apropriação é36


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE Ifeita por meio <strong>de</strong> significações pessoais que cadaum faz com o espaço que escolhe para viver.O mesmo vale para a questão <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas entrea população. Se há um uso abusivo <strong>de</strong> substânciaspsicoativas, sejam elas lícitas ou ilícitas, não ésimplesmente porque conferem uma sensação <strong>de</strong>entorpecimento e anestesia. Se há uma busca quaseincessante por essas sensações é porque o uso dasdrogas ocupa alguma significação em suas vidas.Buscar compreen<strong>de</strong>r essas significações e manteruma postura distante <strong>de</strong> um posicionamento moral epreconceituoso sobre o indivíduo são requisitos parauma abordagem ética e técnica sobre os casos <strong>de</strong> usoabusivo <strong>de</strong> drogas.• Responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atosA responsabilida<strong>de</strong> como princípio ético <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> arremata o aspecto reflexivopresente nos outros princípios <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>santeriormente. Sustentar a responsabilida<strong>de</strong> pelosatos é a condição para uma equipe apresentar-secomprometida com a sua prática. A responsabilida<strong>de</strong>como princípio ético é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>rpelas próprias ações; pressupõe, portanto, queas mesmas se apoiem em razões ou motivos.Respon<strong>de</strong>r pelas ações é também refletir sobre asrazões implicadas nos atos.Tal princípio se aplica tanto à equipe, com relação aoseu próprio trabalho, quanto ao usuário <strong>de</strong> droga,perante o seu ato, por exemplo. Compreen<strong>de</strong>ra conduta humana pela perspectiva daresponsabilida<strong>de</strong> permite uma abordagem com ousuário que possibilite a ele respon<strong>de</strong>r pelos seusatos e, com isso, refletir sobre suas razões, a fim <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidir – com mais proprieda<strong>de</strong> – como lidarcom os danos associa<strong>do</strong>s ao uso abusivo <strong>de</strong> álcoolou droga. A responsabilida<strong>de</strong> como princípio éticoafasta-se <strong>de</strong> uma perspectiva assistencialista que visao resgate <strong>do</strong> outro sem que esse se responsabilizepor sua mudança.2.DIRETRIZES TÉCNICASDiferente <strong>do</strong>s princípios éticos que respon<strong>de</strong>m porquestões mais amplas e reflexivas sobre a prática, asdiretrizes técnicas <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> estabelecemparâmetros conceituais claros para o estabelecimento<strong>do</strong> trabalho da equipe.São diretrizes que caracterizam a especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong>trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e apresentam-se <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> indissociável <strong>do</strong>s princípios éticos expostos acima.As diretrizes técnicas são:• Oferta programadaA oferta programada diz respeito ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>proposição <strong>de</strong> atendimento à população e apresentasecomo uma resposta ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atendimentoem saú<strong>de</strong> no qual é o paciente quem vai em busca <strong>do</strong>serviço. Nesse mo<strong>de</strong>lo tradicional, trata-se a <strong>de</strong>mandaespontânea, e tem origem na clínica médica, on<strong>de</strong> aassistência em saú<strong>de</strong> estava amplamente atrelada37


ao hospital e à figura <strong>do</strong> médico, como principaisvetores para o tratamento. Contu<strong>do</strong>, o crescimentodas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s e o aumento populacionalsão fatores que comprometem a sustentação <strong>do</strong>mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda espontânea.A oferta programada surge como um mo<strong>de</strong>lo quepropõe a antecipação <strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s em saú<strong>de</strong>,com base em pesquisas epi<strong>de</strong>miológicas e sociais.Trata-se <strong>de</strong> localizar a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> tratamentoantes que essa chegue aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,constantemente lota<strong>do</strong>s (OLIVEIRA, 2009).No que tange o trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>, a oferta programada é uma das diretrizes<strong>de</strong> sustentação <strong>do</strong> trabalho. A proposição <strong>do</strong>Consultório surge exatamente da constatação<strong>de</strong> que gran<strong>de</strong> parte da população em situação<strong>de</strong> rua não possui pleno acesso aos serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. Tal fato supõe uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> atenção àsaú<strong>de</strong> nessa população que é localizada por meio<strong>do</strong> mapeamento e da pesquisa <strong>de</strong> campo, on<strong>de</strong>são estuda<strong>do</strong>s o perfil populacional <strong>de</strong> regiões dacida<strong>de</strong> com concentração <strong>de</strong> pessoas em situação<strong>de</strong> rua.O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> oferta programada, tal comosustenta<strong>do</strong> pelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, está emconsonância com os princípios – <strong>do</strong> Sistema Único<strong>de</strong> Sáu<strong>de</strong> (SUS) – da universalida<strong>de</strong> e equida<strong>de</strong>.Trata-se <strong>de</strong> uma proposta que amplia o acesso àsaú<strong>de</strong> universal e igualitário, especialmente paraaqueles expostos a maiores riscos à vida.38


OLHARES CRUZADOS: A INVISIBILIDADE E O OLHAR DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE I• Territorialida<strong>de</strong>O pressuposto técnico da territorialida<strong>de</strong> é um sucedâneo<strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> respeito ao ethos humano. Aqui a noção<strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> se confun<strong>de</strong> com a noção <strong>de</strong> ethos,quan<strong>do</strong> ambas apontam para os aspectos físicos,espaciais, culturais, valorativos e simbólicos <strong>do</strong> lugaron<strong>de</strong> se vive.A consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>sses aspectos na escolha das áreas <strong>de</strong>atuação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é o que permite que aequipe alcance a população alvo, sem violar os códigosda rua, sem violar as significações atreladas à ocupação<strong>do</strong> espaço da rua. Na prática, isso se refere a uma atençãoao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> abordagem da equipe, aos seus horários <strong>de</strong>chegada e saída e ao contato com os informantes dacomunida<strong>de</strong> da área <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>..Finalmente, a atenção no aspecto da territorialida<strong>de</strong>permite à equipe explorar as possibilida<strong>de</strong>s físicas <strong>do</strong> local<strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> Consultório, bem como a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> articulação com a re<strong>de</strong> social informal <strong>do</strong> local parao fortalecimento e <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Como se percebe, a territorialida<strong>de</strong>está intrinsecamente relacionada com o princípio daoferta programada.• Redução <strong>de</strong> Riscos e DanosA estratégia redutora <strong>de</strong> riscos e danos se apoia,primeiramente, na constatação da carência <strong>de</strong> acessoaos serviços da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> por parte da populaçãoem situação <strong>de</strong> rua. Esse fato configura-se como umaspecto que aumenta os riscos <strong>de</strong>ssas pessoas emcontrair alguma <strong>do</strong>ença ou agravo físico, sem po<strong>de</strong>rter um acompanhamento necessário para o alívio <strong>do</strong>ssintomas.Quan<strong>do</strong> verificamos os comprometimentos sociais efísicos relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas, osriscos à saú<strong>de</strong> tornam-se ainda maiores, especialmentepor tratar-se <strong>de</strong> pessoas expostas, frequentemente,a situações <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, ferimentos e<strong>de</strong>snutrição, por exemplo.Nesses casos, a reunião <strong>de</strong> condições <strong>de</strong>sfavoráveisdificulta ainda mais a procura por serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ecolocam tais pessoas em uma situação na qual se vêemmais necessitadas da droga para po<strong>de</strong>rem enfrentar suacondição <strong>de</strong> vida.São casos em que a pessoa não está em condições <strong>de</strong>abster-se <strong>do</strong> uso da droga, seja porque não quer, sejapor que não suportaria viver sem o uso da substância.Contu<strong>do</strong>, isso não impe<strong>de</strong> que essas pessoas possamcontar com ações <strong>de</strong> autocuida<strong>do</strong> e controle quevisem a diminuição da incidência <strong>do</strong>s efeitos nocivosà saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas. Tais ações <strong>de</strong>autocuida<strong>do</strong> e controle a respeito <strong>do</strong> uso da drogaconstituem o que <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> riscose danos (OLIVEIRA, 2009).Tomar a redução <strong>de</strong> riscos e danos como pressupostopara uma prática é colocar-se em uma postura perantea população-alvo <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> afavorecer que essas pessoas <strong>de</strong>senvolvam as ações <strong>de</strong>39


autocuida<strong>do</strong>, controle e proteção a respeito <strong>do</strong>s riscossociais e danos à saú<strong>de</strong> relaciona<strong>do</strong>s ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> usodas drogas. Com isso, abre-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> própriousuário <strong>de</strong>senvolver uma atenção sobre sua saú<strong>de</strong> físicae mental.Na prática, a redução <strong>de</strong> riscos e danos é uma ofertafeita pela equipe aos usuários para que possam seapropriar <strong>do</strong>s efeitos <strong>de</strong> suas próprias ações e, comisso, se protejam e cui<strong>de</strong>m-se mais apropriadamente.Isso é realiza<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> orientações acerca <strong>do</strong>sriscos sociais a que po<strong>de</strong>m estar expostos no momento<strong>do</strong> uso, orientações sobre mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> uso menosperigosos, sobre ações a serem tomadas após o usoda substância, além <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> preservativos,seguida <strong>de</strong> instruções sobre mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> uso e orientaçõessobre <strong>do</strong>enças contagiosas e <strong>do</strong>enças sexualmentetransmissíveis.A consequência <strong>do</strong> autocuida<strong>do</strong> relativo aos riscos edanos relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> droga se manifesta no<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma maior responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>usuário perante o uso e às situações a que se expõe. Aperspectiva <strong>de</strong> uma maior responsabilida<strong>de</strong> sobre si abrecaminho para a busca <strong>de</strong> tratamento e acompanhamentoque po<strong>de</strong> começar pelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e esten<strong>de</strong>rsepara a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.• Interdisciplinarida<strong>de</strong>A interdisciplinarida<strong>de</strong> como diretriz para o trabalho<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> surge da própria complexida<strong>de</strong>40


<strong>de</strong> aspectos sociais e pessoais que marcam ascondições <strong>de</strong> vida da população em situação <strong>de</strong>rua. A caracterização <strong>de</strong>ssa população revelou ajustaposição <strong>do</strong>s vários fatores que participam paraa manutenção da situação <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong>ntre os quaispo<strong>de</strong>m ser cita<strong>do</strong>s: a história <strong>de</strong> vida marcada poralgum conflito familiar, as dificulda<strong>de</strong>s econômicas<strong>de</strong> inserção no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho, as <strong>de</strong>ficiênciasquanto ao acesso à saú<strong>de</strong> e a educação, aestigmatização social da própria socieda<strong>de</strong>, ouso <strong>de</strong> substâncias psicoativas, bem como ascaracterísticas <strong>de</strong> fragmentação da própria rua.Percebe-se, <strong>de</strong>ssa maneira, que a varieda<strong>de</strong><strong>de</strong> fatores implica<strong>do</strong>s na situação <strong>de</strong> rua pe<strong>de</strong>,necessariamente, um olhar por parte da equipe<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> que contemple essacomplexida<strong>de</strong>. Uma única perspectiva teóricanunca seria suficiente para a compreensão <strong>de</strong>ssarealida<strong>de</strong> nem para a sustentação <strong>de</strong> um trabalhoefetivo com a referida população. É por essarazão que o trabalho <strong>do</strong> Consultório se apoia noparadigma da interdisciplinarida<strong>de</strong>.A interdisciplinarida<strong>de</strong> no Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>é uma permanente cooperação <strong>do</strong>s diferentesprofissionais na atuação <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> Consultório.. Essa cooperação ocorre <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>prático na participação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s na discussãosobre as ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidas, naatenção permanente <strong>de</strong> cada membro da equipeno trabalho <strong>do</strong> colega na situação <strong>de</strong> rua, naconstrução conjunta <strong>de</strong> soluções para impasses e<strong>de</strong>safios da prática cotidiana <strong>do</strong> trabalho em rua.A contribuição <strong>de</strong> cada profissional <strong>de</strong> um campoespecífico <strong>do</strong> saber é a garantia <strong>de</strong> um olhar euma intervenção plural em um contexto <strong>de</strong> vidapleno <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong>s mais diversos tipos. Ainterdisciplinarida<strong>de</strong>, portanto, estimula umapostura solidária entre os membros da equipee uma participação ativa <strong>de</strong> cada membro nosprocessos <strong>de</strong>cisórios que envolvem o trabalho.Como consequência, tal postura favorece umaresponsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s membros não apenas sobreo que fazem individualmente, mas também <strong>do</strong> quea equipe faz conjuntamente.Isso quer dizer que a atuação da equipe,constituída por uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionaiscomo enfermeiros, psicólogos, assistentes sociaise educa<strong>do</strong>res sociais, está alicerçada na integração<strong>do</strong>s distintos saberes, a fim <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r tanto pelosobjetivos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> como tambémpelos <strong>de</strong>safios e impasses provoca<strong>do</strong>s por umaprática tão específica quanto é a <strong>do</strong> atendimentono contexto <strong>de</strong> rua.41


GUIA DO PROJETO CONSULTÓRIO DE RUACONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE II45


1. APRESENTAÇÃOConsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o trabalho <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> ser replica<strong>do</strong> em outras localida<strong>de</strong>s e por outrasequipes, enten<strong>de</strong>-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover informaçõesnortea<strong>do</strong>ras para a implantação <strong>do</strong> projeto. Assim, esse módulotem por objetivo fornecer orientações técnicas aos profissionaise instituições sobre as etapas <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>ssa meto<strong>do</strong>logia<strong>de</strong>senvolvida pelo CETAD/UFBA, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r/BA.Após ter uma compreensão <strong>do</strong>s fundamentos teóricos quenorteiam o projeto, o leitor terá, nesse capítulo, informaçõessobre o processo <strong>de</strong> formação da equipe, as características <strong>de</strong>sua estrutura, bem como formas <strong>de</strong> acompanhamento e gestão<strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que possibilitem um estu<strong>do</strong> sobre o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>do</strong> trabalho.Vale ressaltar que as diretrizes aqui contidas, <strong>de</strong>verão serimplementadas levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>adaptações <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o perfil da localida<strong>de</strong> em que o <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> será implanta<strong>do</strong>, bem como as característicassocioeconômicas e culturais da região.2. CONSULTÓRIO DE RUA E AS REDES SOCIAIS E DE SAÚDETen<strong>do</strong> como princípio o fato <strong>de</strong> que o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> aten<strong>de</strong>a usuários <strong>de</strong> drogas lícitas e ilícitas, em especial crianças,a<strong>do</strong>lescentes e adultos jovens que se encontram em situação <strong>de</strong>risco e vulnerabilida<strong>de</strong> social e à saú<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> seus direitos sociais,culturais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> viola<strong>do</strong>s, a meto<strong>do</strong>logia ora apresentadapropõe uma nova forma <strong>de</strong> abordagem ao usuário, fora <strong>do</strong>s locais<strong>de</strong> tratamento habituais; sejam as salas <strong>de</strong> ambulatório, sejam asclínicas ou as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> internação.46


Trabalhan<strong>do</strong> na perspectiva da inclusão social daquelesque estão em situação <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à ausência<strong>de</strong> acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços básicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> esociais, o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> busca resgatar essas re<strong>de</strong>s,compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que são compostas por pessoase instituições para que, assim, os atendi<strong>do</strong>s peloConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> possam assumir a sua posição <strong>de</strong>cidadãos agentes das suas próprias vidas.Para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> inclusão social énecessária a construção <strong>de</strong> uma articulação <strong>do</strong>s atoresenvolvi<strong>do</strong>s no processo por meio <strong>do</strong> diálogo e <strong>do</strong>respeito às singularida<strong>de</strong>s. Para a Trck (2002), <strong>de</strong>vemosconsi<strong>de</strong>rar a existência <strong>de</strong> <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>: a re<strong>de</strong>interna e a re<strong>de</strong> social. Na re<strong>de</strong> interna os profissionais<strong>de</strong> uma mesma instituição fortalecem as relações ese articulam entre si através <strong>do</strong> diálogo, <strong>do</strong> respeito e<strong>do</strong> comprometimento, exercitan<strong>do</strong> a flexibilida<strong>de</strong> e acapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar conhecimento, viabilizan<strong>do</strong>a construção <strong>de</strong> uma práxis interdisciplinar. A autoraconcebe re<strong>de</strong> social como uma política <strong>de</strong> atendimentoque apresenta uma lógica que traz uma forma diferente<strong>de</strong> atuação, com o objetivo <strong>de</strong> favorecer a populaçãopara a qual <strong>de</strong>senvolve ações, atendimento qualifica<strong>do</strong>e integra<strong>do</strong>, com base na “responsabilida<strong>de</strong> coletiva dasocieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> suas instituições, governamentais ounão (...)” (Truck, 2002, p. 23).Diante <strong>do</strong> exposto, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> tem como base as açõescomunitárias através <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sócio assistenciais,visan<strong>do</strong> alcançar os aspectos biopsicossocial aopúblico-alvo, cuja articulação a partir <strong>de</strong>sta re<strong>de</strong> é <strong>de</strong>fundamental relevância, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> esta se constituircomo propicia<strong>do</strong>ra da reinserção <strong>do</strong>s atendi<strong>do</strong>s.Assim, consi<strong>de</strong>ra-se que a ação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>,47


apesar <strong>de</strong> ser uma ativida<strong>de</strong> autônoma, está inserida noâmbito da re<strong>de</strong> social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> município.Observaseem estu<strong>do</strong>s empíricos e na prática <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> na Bahia, que as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> educaçãoe social, em especial, estão pouco preparadas para realizaro acolhimento e o atendimento a pessoas que possuemuma forma <strong>de</strong> se portar no mun<strong>do</strong> diferente daquelasque a socieda<strong>de</strong> impõe como padrão.Aliada a essa questão, existe o preconceito e oestigma cria<strong>do</strong>s em torno <strong>do</strong> sujeito usuário <strong>de</strong> drogas,principalmente as ilícitas, influencian<strong>do</strong> no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>tratamento dispensa<strong>do</strong> a eles, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o fato <strong>de</strong>que a cidadania e seus direitos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da condiçãosocial na qual se encontram.A dificulda<strong>de</strong> das pessoas para acessar os serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e sociais justifica plenamente a existência <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> que, in<strong>do</strong> aos locais <strong>de</strong> permanência<strong>do</strong>s usuários, reconhece os limites impostos pelascircunstâncias e trabalha na construção <strong>de</strong> estratégiasenvolven<strong>do</strong> os diversos setores sociais. Assim, em umaposição <strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> para trocar e compartilhar novosconhecimentos, o projeto sempre inicia as suas ativida<strong>de</strong>scom o reconhecimento da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social existenteno local (unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferentes níveis <strong>de</strong> atençãoe complexida<strong>de</strong>, instituições sociais governamentais enão governamentais, unida<strong>de</strong>s educacionais etc.)3. RECURSOS MATERIAISConsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a equipe vai até a rua para osatendimentos, é necessário pensar na estrutura básica para


que seja possível realizar as intervenções, atendimentos,encaminhamentos e oficinas no local em que estão.Em geral, os locais em que o público-alvo se concentraoferecem higiene precária e poucos espaços <strong>de</strong>suporte, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> necessário o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>estratégias sociais e materiais, como veremos.Apesar <strong>do</strong>s recursos materiais serem importantes,vale ressaltar que o mais valioso instrumento <strong>de</strong>intervenção <strong>do</strong> projeto consiste no favorecimento<strong>do</strong> encontro entre os profissionais da saú<strong>de</strong> e osusuários <strong>de</strong> Substância Psicoativas (SPAs) em situação<strong>de</strong> rua, que o professor Antonio Nery Filho nomeia,respectivamente, <strong>de</strong> “incluí<strong>do</strong>s visíveis” e “excluí<strong>do</strong>sinvisíveis”. Assim, qualquer dispositivo utiliza<strong>do</strong> ésecundário a esse encontro e <strong>de</strong>ve servir apenas <strong>de</strong>apoio para o favorecimento das relações interpessoais(transferenciais), a exemplo da música, oficinas lúdicase/ou artísticas. Os objetos servem como apoio aoencontro e não como condição para o encontro.O consultório <strong>do</strong>s profissionais que aten<strong>de</strong>m na ruaé o veículo. Esse <strong>de</strong>ve ser <strong>do</strong> tipo van, adapta<strong>do</strong>internamente, ten<strong>do</strong> em vista o transporte da equipe,a guarda <strong>de</strong> objetos pessoais, <strong>de</strong> instrumentos,<strong>de</strong> material informativo e preventivo (seringas,preservativos, material para curativos etc.), conformefotos que serão apresentadas no <strong>de</strong>correr.A seguir, apresentaremos, <strong>de</strong> forma sintética,os instrumentos/materiais necessários paraimplantação e <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>:


1. Material permanente:ESPECIFICAÇÃOOBSERVAÇÕESCarro tipo van ou furgãoComputa<strong>do</strong>r com leitor <strong>de</strong> DVDMicro SystemCâmera DigitalMesa (01) e ca<strong>de</strong>ira <strong>do</strong>brável (02)<strong>Projeto</strong>rCom capacida<strong>de</strong> mínima para 10 passageiros.Para rodar o programa <strong>de</strong> acompanhamento <strong>do</strong> projeto, suporte digital à equipe e paraa exibição <strong>de</strong> filmes no campo.Para apresentações musicais.Para registros das ativida<strong>de</strong>s.Para os locais mais <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> suporte.Para a exibição <strong>de</strong> filmes.2. Fardamento da equipeESPECIFICAÇÃOOBSERVAÇÕESCamisa <strong>do</strong>s profissionaisBolsa com alça tiracoloA camisa <strong>de</strong>verá ter o logotipo <strong>do</strong> projeto em local visível e o(s) nome(s) da(s) instituição(ões)apoia<strong>do</strong>ra(s).Deverá ter o logotipo <strong>do</strong> projeto e <strong>de</strong>ve oferecer espaço para a colocação <strong>de</strong> canetas, diário <strong>de</strong>campo, pranchetas, preservativos e material informativo.Diário <strong>de</strong> campoCracháNo diário <strong>de</strong> campo o profissional registra da<strong>do</strong>s importantes para posteriores atendimentos e/ou encaminhamentos <strong>de</strong> casos, além <strong>de</strong> impressões sobre o dia. Nele também são registra<strong>do</strong>scontatos com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social local.I<strong>de</strong>ntificação individual <strong>do</strong>s técnicos, fundamental para a sua circulação na área.50


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE II3.Material InformativoESPECIFICAÇÃOOBSERVAÇÕESFol<strong>de</strong>rs(1) Institucional, com informações sobre o projeto, para o trabalho com a re<strong>de</strong> e <strong>de</strong> formação<strong>de</strong> profissionais. (2) Técnicos, com informações sobre prevenção, cuida<strong>do</strong> com a saú<strong>de</strong>,redução <strong>de</strong> danos e sobre a re<strong>de</strong>, para ser trabalha<strong>do</strong> junto aos usuários.Banner em lona, com ponteirabastão e corda para pendurar.Para ser utiliza<strong>do</strong> como suporte didático e i<strong>de</strong>ntificação da área <strong>de</strong> atendimento quan<strong>do</strong> da realizaçãoda intervenção.4.Materiais <strong>de</strong> campoESPECIFICAÇÃOOBSERVAÇÃOMaterial <strong>de</strong> papelaria (cartolina, papel metro, papel crepom, tesoura, cola, tintaguache, pincel, fita a<strong>de</strong>siva, argila, lápis <strong>de</strong> cor, hidrocor, lápis, caneta, grampea<strong>do</strong>r,borracha, folha <strong>de</strong> oficio).Materiais médicos e <strong>de</strong> enfermagem (algodão, swab, estetoscópio, tensiômetro,termômetro, glicosímetro, material para curativo etc.)Jogos e brinque<strong>do</strong>s (jogos <strong>de</strong> memória, tabuleiro, cartas, educativos, fantoche)Materiais a serem utiliza<strong>do</strong>s em oficinas eatendimentos individuais, quan<strong>do</strong> necessários.Necessários para as intervenções médicas e <strong>de</strong>enfermagemMateriais a serem utiliza<strong>do</strong>s em oficinas eatendimentos individuais com o objetivo <strong>de</strong>formar vínculo, entreter, discutir e trabalhar limites,potencialida<strong>de</strong>s, concentração etc.Instrumentos musicaisDe preferência aqueles da própria cultura local. EmSalva<strong>do</strong>r os instrumentos <strong>de</strong> percussão e o berimbausão muito aprecia<strong>do</strong>s pela população.51


4. ROTINA DE FUNCIONAMENTO DO CONSULTÓRIODE RUAO trabalho nas ruas é caracteriza<strong>do</strong> pelo inusita<strong>do</strong>, talcaracterística exige da equipe aptidão para lidar com asadversida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> estar apta para respon<strong>de</strong>r aoimediato. A experiência <strong>de</strong>senvolvida na Bahia permitiureconhecer uma trajetória mais ou menos constanteque <strong>de</strong>screveremos a seguir, a título <strong>de</strong> subsídio paraoutras regiões on<strong>de</strong> o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> venha a serimplanta<strong>do</strong>.É fundamental que a equipe esteja instrumentalizadateoricamente para a realização <strong>do</strong> trabalho. Assim,está disponibiliza<strong>do</strong> noOBID: (http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblioteca/<strong>do</strong>cumentos/Capacitacao/328365.pdf) oMódulo <strong>de</strong> Formação paraProfissionais <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, comtextos nortea<strong>do</strong>res <strong>de</strong>discussões sobre temasrelacionadas com a prática<strong>do</strong> trabalho, que po<strong>de</strong>mservir <strong>de</strong> apoio para arealização <strong>de</strong> seminários Capa Módulointernos e <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>estu<strong>do</strong>s que a equipe <strong>de</strong>ve realizar periodicamente.Como já foi sinaliza<strong>do</strong>, o trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> peloConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> se dá articula<strong>do</strong> com instânciaslocais: formais (unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, educacionais,sociais, religiosas etc.) ou informais (li<strong>de</strong>rançascomunitárias, curan<strong>de</strong>iras etc.).Para pensar a articulação com as re<strong>de</strong>s, é necessárioter claro que o território é forma<strong>do</strong> por pessoas einstituições que compõem a re<strong>de</strong> formal e informal,sen<strong>do</strong> necessário fazer a distinção entre as duas.Conforme Valério (2010, p. 74), as instituições legalizadase formalmente institucionalizadas, como as instituiçõesreligiosas, a re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a <strong>de</strong> educação, a <strong>de</strong>assistência social, a jurídica e a <strong>de</strong> segurança pública,por exemplo, fazem parte da re<strong>de</strong> formal. Enquantoque a re<strong>de</strong> informal é constituída por equipamentosque proporcionam a formação <strong>de</strong> laços sociais <strong>de</strong>ntroda comunida<strong>de</strong>. Essa distinção e articulação com a re<strong>de</strong>possibilita conhecer as instituições que po<strong>de</strong>m servir<strong>de</strong> suporte ao Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> (CR), apresentar aproposta <strong>do</strong> CR, <strong>de</strong>bater os princípios nortea<strong>do</strong>res<strong>do</strong> mesmo, encaminhar e discutir casos em conjuntoe, finalmente, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>sta convivênciaprofissional entre a equipe <strong>do</strong> CR e os profissionais dare<strong>de</strong>, estigmas e preconceitos relaciona<strong>do</strong>s à população<strong>de</strong> rua vão sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconstruí<strong>do</strong>s. Desta forma, toda are<strong>de</strong> compõe a retaguarda para as ações da equipe nomunicípio.No primeiro momento <strong>de</strong>ve ser realizada a i<strong>de</strong>ntificação<strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> para, em seguida, iniciarem-se os contatose encontros presenciais.A carga horária mínima sugerida para a realização <strong>do</strong>trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é <strong>de</strong> 25 horas/semanais,52


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIdistribuída em cinco turnos <strong>de</strong> trabalho da seguinteforma: um para a realização <strong>de</strong> reunião geral <strong>de</strong> equipe,um para a articulação com a re<strong>de</strong> e encaminhamentosnecessários a partir <strong>do</strong> campo e três dias <strong>de</strong> ida a campo,preferencialmente à noite. Contu<strong>do</strong>, cada equipe <strong>de</strong>veencontrar a melhor conformação para o trabalho, emrazão das circunstâncias sociais e administrativas emque se encontre.Para cada ida a campo é necessário que a equipediscuta as circunstâncias envolven<strong>do</strong> as ativida<strong>de</strong>simediatamente anteriores, o que possibilita asocialização das dificulda<strong>de</strong>s e o a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>planejamento das intervenções futuras. O mesmoocorre após a realização das ativida<strong>de</strong>s; aqui, porém, oobjetivo é avaliar e registrar as ocorrências imediatas, edirecionar as próximas ações a serem <strong>de</strong>senvolvidas.Compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que a maioria <strong>do</strong>s usuários passaparte <strong>do</strong> tempo ocupa<strong>do</strong> na busca <strong>de</strong> renda para acompra da droga, o turno sugeri<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho é ofinal da tar<strong>de</strong> e a noite. Contu<strong>do</strong>, o mesmo po<strong>de</strong>rá seradapta<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong> local, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o fluxo dapopulação. O tempo sugeri<strong>do</strong> para a realização dasativida<strong>de</strong>s no campo, por dia, é <strong>de</strong>, no mínimo, quatrohoras; porém, é a dinâmica da rua que indica se aativida<strong>de</strong> será estendida ou reduzida. Existe um temporegular, entretanto, as adversida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m fazer comque a equipe tenha que se retirar da área, a exemplo<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s repressivas realizadas por policiais ouconfronto entre traficantes. É necessário que a equipeesteja atenta para os códigos e sinais que são da<strong>do</strong>s nadinâmica da rua.REGISTRO DAS INFORMAÇÕESUma das maiores dificulda<strong>de</strong>s para o<strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é a obtenção <strong>de</strong> informações juntoao público-alvo, uma vez que os atendi<strong>do</strong>s,compreensivelmente, são <strong>de</strong>sconfia<strong>do</strong>s e por vezesmudam seus nomes, apeli<strong>do</strong>s e da<strong>do</strong>s.Para sanar o problema, foi cria<strong>do</strong> um Sistema <strong>de</strong>Cadastro <strong>de</strong> Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser um banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s das ações<strong>de</strong>senvolvidas pelo projeto. Vale ressaltar queem todas as imagens <strong>do</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>sformulários utiliza<strong>do</strong>s no projeto, encontram-se nocabeçalho o nome <strong>do</strong> correspon<strong>de</strong>nte local, que éa se<strong>de</strong> <strong>do</strong> projeto. Por exemplo, o CETAD/UFBA, é ase<strong>de</strong> da equipe <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r .Página inicial <strong>do</strong> banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s.53


O banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s foi elabora<strong>do</strong> com o apoio <strong>do</strong>sprofissionais que atuam no <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, Lauro <strong>de</strong> Freitas e Camaçarie foi construí<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma empírica, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>programa <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s Access. Nele é possível fazerconsultas <strong>de</strong> atendimentos realiza<strong>do</strong>s, registrarda<strong>do</strong>s e evoluções <strong>do</strong> campo e <strong>do</strong> usuário atendi<strong>do</strong>,imprimir formulários e relatórios <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com asnecessida<strong>de</strong>s.na medida em que as relações (transferenciais) sefortalecem. Vale ressaltar que as ativida<strong>de</strong>s burocráticas,por mais que sejam importantes, não são, em hipótesealguma, a priorida<strong>de</strong> no campo. O mais importanteé o fortalecimento <strong>do</strong>s vínculos e a realização <strong>de</strong>intervenções que visem à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s atendi<strong>do</strong>s. A seguir,apresenta-se a ficha <strong>de</strong> acolhimento <strong>do</strong>s usuários comos da<strong>do</strong>s que possibilitarão melhor compreensão <strong>do</strong>satendi<strong>do</strong>s.Tela <strong>de</strong> cadastros.O primeiro formulário utiliza<strong>do</strong> para o registro emcampo é a ficha <strong>de</strong> acolhimento. Ela é utilizada porqualquer profissional que tenha o primeiro contato como usuário no campo. Essa ficha <strong>de</strong>ve ser preenchida <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com a progressão <strong>do</strong> acolhimento, não sen<strong>do</strong> apriorida<strong>de</strong> no primeiro ou nos primeiros encontros como usuário. As informações po<strong>de</strong>rão ser completadasFormulário <strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> usuário. 154


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IINo primeiro atendimento realiza<strong>do</strong> pelos técnicos<strong>do</strong> projeto po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>encaminhamento <strong>do</strong> usuário para a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suportesocial; para isso, utiliza-se o formulário apresenta<strong>do</strong>abaixo. Vale ressaltar que essa informação tambémé inserida no banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, que será utiliza<strong>do</strong>para a realização <strong>do</strong> matriciamento <strong>do</strong> caso, ouseja, acompanhamento <strong>do</strong>s encaminha<strong>do</strong>s nasinstituições, com discussão <strong>do</strong> caso entre as partesenvolvidas, como por exemplo, encaminhamento paraa realização <strong>de</strong> pré-natal. O profissional responsávelpelo encaminhamento <strong>de</strong>verá acompanhar aassistência prestada pela unida<strong>de</strong> para a qual ousuário foi encaminha<strong>do</strong>.Além <strong>do</strong> matriciamento, em algumas situações énecessária a utilização <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s intermediários, queconsistem no encaminhamento e acompanhamento<strong>de</strong> casos para centros e serviços especializa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>à impossibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> atendimento ser realiza<strong>do</strong> pelaequipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Quan<strong>do</strong> constatadaa dificulda<strong>de</strong> <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong> se dirigir sozinho aolocal para o qual foi encaminha<strong>do</strong>, a condução <strong>de</strong>veser realizada, preferencialmente, pelo profissional <strong>de</strong>referência 5 . Muitas instituições, apesar da realização<strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> articulação com a re<strong>de</strong>, oferecemresistência e por vezes dificultam o acesso <strong>do</strong> usuárioao atendimento; assim, esse acompanhamentobusca favorecer ao usuário um acolhimento digno nainstituição à qual se dirige.Formulário <strong>de</strong> encaminhamento5Trata-se <strong>do</strong> profissional que acompanha o caso <strong>de</strong> forma mais próxima, a partir <strong>do</strong> vínculo que foi construí<strong>do</strong> entre usuário e equipe, com o objetivo <strong>de</strong>tentar garantir a conclusão <strong>do</strong> encaminhamento, facilitan<strong>do</strong> o seu <strong>de</strong>slocamento e acesso ao sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.55


REDUÇÃO DE DANOSNa dinâmica da rua a carência <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é <strong>do</strong>minante,qualquer oferta <strong>de</strong>sperta interesse. Nesse senti<strong>do</strong>,o preservativo é um importante insumo utiliza<strong>do</strong>na prevenção efetiva das DST/AIDS, na discussão<strong>do</strong>s comportamentos sexuais <strong>de</strong> risco social epara a saú<strong>de</strong>, bem como na aproximação com osusuários. No campo, to<strong>do</strong>s solicitam preservativoe se aproximam<strong>do</strong>s profissionais aoperceberem que esse estásen<strong>do</strong> distribuí<strong>do</strong>, sejafeminino ou masculino(esse último maisutiliza<strong>do</strong>). Tal distribuição<strong>de</strong>ve ser realizadapreferencialmente peloredutor <strong>de</strong> danos, queno momento da entregaorienta o atendi<strong>do</strong>para a importância <strong>do</strong>seu uso. Isso porqueos redutores <strong>de</strong> danospossuem atributos que facilitam a disseminação dainformação, bem como o favorecimento <strong>do</strong> vínculocom o usuário. Assim, foi elabora<strong>do</strong> um formuláriopara registro das intervenções redutoras <strong>de</strong> riscos edanos relacionadas com as práticas sexuais.Muitos usuários são acompanha<strong>do</strong>s pelos profissionaisna medida em que passam a frequentar regularmenteas ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. O retornoregular às ativida<strong>de</strong>s sinaliza uma continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>atendimento, bem como um fortalecimento <strong>do</strong> vínculocom a equipe, daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ntificarações que favoreçam biopsicossocialmente esseusuário. Além da escuta necessária e fundamentalpara esse acompanhamento, o técnico que realizaos atendimentos subsequentes (qualquer que sejaesse e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> ser um profissional oumais a aten<strong>de</strong>r o mesmo usuário) utiliza uma ficha<strong>de</strong> evolução. Essa ficha é individual e apresenta asprincipais questões trabalhadas com o usuário, semferir a confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> nem romper com a éticaprofissional. Trata-se <strong>de</strong> informações gerais quepossibilitem o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> caso pela equipe.Ficha <strong>de</strong> evolução <strong>do</strong> usuário.57


Várias são as ações <strong>de</strong>senvolvidas pelos técnicos nocampo e, para que seja possível avaliá-las e acompanhálasquantitativamente, foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> um formuláriopreenchi<strong>do</strong> a cada ida a campo, pelos técnicos:Mapa mensal <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s.Mapa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s mensais por técnico.Os relatórios são importantes fontes <strong>de</strong> avaliaçãoconstantes <strong>do</strong> trabalho. Eles estão disponibiliza<strong>do</strong>sno banco <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s para que seja possível o acesso aqualquer tempo, utilizan<strong>do</strong>-se das diversas variáveis, taiscomo sexo, ida<strong>de</strong>, área <strong>de</strong> intervenção etc.Vale ressaltar que cadaprofissional possui um diário<strong>de</strong> campo que é utiliza<strong>do</strong>i n d i v i d u a l m e n te p e l otécnico e cujas informaçõesnão são, necessariamente,compartilhadas, salvo emcircunstâncias indispensáveispara benefício <strong>do</strong> atendi<strong>do</strong>. Odiário serve também <strong>de</strong> basepara a alimentação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>sno programa que permite terinformações qualitativas equantitativas <strong>do</strong>s atendimentos da equipe.Diário <strong>de</strong> campo - Capa frenteOutra fonte <strong>de</strong> acompanhamento <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>do</strong> trabalho da equipe são os relatórios mensais cominformações sobre:• Articulação com instâncias governamentais(reuniões realizadas com coor<strong>de</strong>nações esecretarias <strong>de</strong> governo para o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>do</strong> trabalho no município).• Articulação com a re<strong>de</strong> e ações intersetoriais.• Mapeamento <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> intervenção (conten<strong>do</strong>pontos positivos, pontos negativos e parecersobre o local), o que permitirá avaliação acercada necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar outro local para aintervenção.Página <strong>de</strong> solicitação <strong>de</strong> relatório.• Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas no campo.58


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE II• Pontos discuti<strong>do</strong>s nas reuniões <strong>de</strong> equipe.• Estu<strong>do</strong>s dirigi<strong>do</strong>s.• Participação <strong>de</strong> membros da equipe emseminários ou eventos como ouvinte oupalestrante.5. QUATRO REFERENCIAS PARA UMA PRÁTICA.O trabalho com população <strong>de</strong> jovens usuários <strong>de</strong>drogas que vivem nas ruas exige <strong>do</strong> profissional tantocapacitação técnica quanto inteligência emocional,enquanto aptidão para lidar com aspectos sociaise psicológicos. Para ser um profissional da equipe<strong>de</strong> rua é necessário ter sensibilida<strong>de</strong>, criativida<strong>de</strong> ecapacida<strong>de</strong> para estabelecer vínculos, ser acolhe<strong>do</strong>r,flexível, persistente, gostar <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios, saberlidar com frustração, bem como estar motiva<strong>do</strong>para o trabalho <strong>de</strong> rua, para além <strong>do</strong>s limites dainstituição.São características basilares para o profissional fazerparte da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: sensibilida<strong>de</strong>e cuida<strong>do</strong> com o público atendi<strong>do</strong>, ser comunicativo,ter criativida<strong>de</strong> para lidar com as adversida<strong>de</strong>s quea rua apresenta, bem como com a especificida<strong>de</strong><strong>do</strong> público atendi<strong>do</strong>, flexibilida<strong>de</strong>, compromisso,responsabilida<strong>de</strong>, respeito pela diversida<strong>de</strong> emulticulturalida<strong>de</strong>, ter ética profissional e capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> forma interdisciplinar.É fundamental que a equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>esteja interagin<strong>do</strong> e inserida em uma instituição <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> referência para o atendimento a usuários<strong>de</strong> álcool e outras drogas <strong>do</strong> município, a exemplo<strong>de</strong> um Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial Álcool e outrasDrogas (CAPSad), pois assim os técnicos po<strong>de</strong>rãoreferenciar os seus atendi<strong>do</strong>s na rua.A frustração e o sentimento <strong>de</strong> impotência sãofrequentes nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rua; entretanto, não <strong>de</strong>vemser paralisantes e sim um <strong>de</strong>safio a ser enfrenta<strong>do</strong>. Abase <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> está no vínculo<strong>de</strong> confiança que os usuários estabelecem com aequipe. O comportamento e o mo<strong>do</strong> técnico comoa equipe trabalha são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, poissignificam os códigos <strong>de</strong> aceitação e <strong>do</strong> verda<strong>de</strong>irointeresse da equipe por esses usuários.59


Contu<strong>do</strong>, a própria condição <strong>de</strong> trabalho, comprecária estrutura física, a céu aberto, sem as <strong>de</strong>vidasacomodações físicas, facilmente sobrecarregamos técnicos. Tal aspecto <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pelacoor<strong>de</strong>nação, enquanto cuida<strong>do</strong> com a equipe. Otrabalho se dá, quase sempre, em condições materiaisdifíceis. Por isso, faz parte da dinâmica <strong>do</strong> trabalho– principalmente <strong>do</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r – estar atento àequipe, fornecen<strong>do</strong> cotidianamente suporte técnico,teórico e também emocional.Para lidar com a complexida<strong>de</strong> das situaçõesenfrentadas, a equipe <strong>de</strong> profissionais das diferentesespecialida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é capacitadacontinuamente e sistematicamente. A capacitaçãocontempla o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> temas pertinentes à realida<strong>de</strong>vivenciada pela população <strong>de</strong> rua, a supervisão diretadas ativida<strong>de</strong>s que são discutidas em reuniões diárias,que antece<strong>de</strong>m a entrada em campo, além dasreuniões semanais.Enquanto referencial teórico, o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>utiliza-se <strong>do</strong>s conhecimentos sobre <strong>de</strong>senvolvimentoinfantil, sexualida<strong>de</strong>, a<strong>do</strong>lescência, <strong>de</strong>linquência eexclusão, oriun<strong>do</strong>s da antropologia, da sociologia, dapsicologia, da psicanálise e da medicina.EQUIPEIndiscutivelmente, a tecnologia mais importante <strong>do</strong>trabalho é a equipe. É através <strong>de</strong>la que os encontrosocorrem e dão lugar a muitas possibilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>a formação <strong>de</strong> vínculos até os encaminhamentospara serviços <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>. As escutasindividualizadas, oficinas, jogos, <strong>de</strong>ntre outras ativida<strong>de</strong>s,ocorrem mediante a atenção, cuida<strong>do</strong> e força <strong>de</strong> trabalhoque cada profissional emprega. O fazer profissional éfundamental para o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>projeto. Os instrumentos musicais, insumos, materiaislúdicos e <strong>de</strong> enfermagem não possuem utilida<strong>de</strong> se osprofissionais não estiverem imbuí<strong>do</strong>s da premissa <strong>de</strong>favorecer o encontro e o vínculo:O trabalho realiza<strong>do</strong> pela equipe <strong>do</strong> projeto Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> estáliga<strong>do</strong> a uma inter-relação, cujos resulta<strong>do</strong>s serão construí<strong>do</strong>s, dia adia, pelas partes envolvidas no processo, o que resguarda o respeitoà liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong> outro e, portanto, o caráter ético das intervenções.(Gonçalves e Braitenbach, p. 45, 2010).A interdisciplinarida<strong>de</strong> é a característica que marcaa equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Essa característicapermite que os profissionais transitem por outrasdisciplinas para somar o seu saber específico ao <strong>do</strong>outro profissional, para uma intervenção mais eficazjunto ao usuário. Importante salientar que esse saberespecífico que cada profissão <strong>de</strong>tém não é utiliza<strong>do</strong>como imposição para a realização <strong>de</strong> intervenção juntoao usuário. A construção <strong>de</strong>ssa intervenção é realizadaem conjunto, valorizan<strong>do</strong> o conhecimento daquelesque estão nas ruas, em uma constante relação <strong>de</strong>troca. Conforme Gonçalves e Braitenbach (2010), otrabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> pela equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> consiste em ir às ruas resgatar a dignida<strong>de</strong> através<strong>do</strong>s olhos <strong>do</strong>s que veem. Assim, a singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssameto<strong>do</strong>logia está na capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s profissionais quecompõem a equipe interdisciplinar <strong>de</strong>:60


Deslocar-se <strong>do</strong> lugar <strong>de</strong> quem olha para esse fenômeno, a partirdas condições institucionais, para o lugar <strong>de</strong> quem olha <strong>de</strong> perto,in loco, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> contexto sociocultural [...] (Gonçalves eBraitenbach, p. 44, 2010).As condições em que o trabalho <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> requerem uma equipecom profissionais capazes <strong>de</strong> estabelecer interrelaçõescom os <strong>de</strong>mais membros da equipe eque compreenda a proposta <strong>do</strong> projeto. Apesar<strong>de</strong> serem profissionais <strong>de</strong> categorias distintas, énecessário que o profissional que atua no projetotenha a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interagir com as <strong>de</strong>maisdisciplinas e se distancie <strong>do</strong> seu suposto saberpara dar lugar a uma construção conjunta na qualos olhares técnicos se cruzam. Esse procedimentoé necessário também na dinâmica cotidiana <strong>de</strong>trabalho, na qual se impõe a atenção <strong>de</strong> cada umcom seu companheiro(a) <strong>de</strong> trabalho.O respeito ao colega <strong>de</strong> trabalho, bem como àsingularida<strong>de</strong> da população usuária <strong>de</strong> drogas lícitase ilícitas, em situação <strong>de</strong> rua, são fundamentaispara o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> prevençãoou <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> danos. Para isso, os profissionais<strong>de</strong>vem valer-se <strong>do</strong>s vínculos estabeleci<strong>do</strong>s com apopulação atendida como estratégia primordial nofavorecimento <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> em saú<strong>de</strong>.As equipes são compostas <strong>de</strong> especialistas dasáreas <strong>de</strong> Psicologia, Serviço Social, Medicina,Enfermagem, por agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> com capacitação61


em redução <strong>de</strong> danos e instrutores <strong>de</strong> oficinas.A equipe mínima para realizar as intervenções écomposta por:• 01 Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> equipe• 01 Supervisor• 01 Secretária• 01 Médico(a) generalista• 01 Enfermeiro(a)• 01 Psicólogo(a)• 01 Assistente social• 01 Agente <strong>de</strong> rua (redutor <strong>de</strong> danos, oficineiro oueduca<strong>do</strong>r social, com capacitação para a práticaredutora <strong>de</strong> danos)• 01 Motorista (com capacitação para agente <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>)• Supervisor: Profissional <strong>de</strong> nível superior, comformação no campo da Saú<strong>de</strong> ou das Ciências Sociais.Entre as suas atribuições constam: (1) supervisionaras questões operativas e administrativas da equipe;(2) acompanhar a evolução <strong>do</strong> trabalho da equipe;(3) <strong>de</strong>cidir os encaminhamentos a serem da<strong>do</strong>s apartir da rua e, sempre que possível, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com aequipe; (4) coor<strong>de</strong>nar discussão <strong>de</strong> casos; (5) orientarteoricamente a equipe, fornecen<strong>do</strong> e/ou indican<strong>do</strong>bibliografia e discutin<strong>do</strong> textos; (6) fomentar aprodução escrita a partir da prática, ten<strong>do</strong> em vistapublicação e apropriação teórica da equipe. 6• Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r: Profissional <strong>de</strong> nível superior,com formação no campo da Saú<strong>de</strong> ou dasCiências sociais. Suas responsabilida<strong>de</strong>s são:(1) Coor<strong>de</strong>nar o trabalho em equipe; (2) realizararticulações com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social e comas instâncias governamentais; (3) organizar ecoor<strong>de</strong>nar reuniões semanais, pré e pós campo;(4) ir a campo periodicamente para avaliação dasativida<strong>de</strong>s; (5) elaborar relatórios mensais sobreas ativida<strong>de</strong>s; (6) gerenciar o funcionamento ea rotina da equipe.• Médico generalista e/ou Enfermeiro: Aprincipal função <strong>de</strong>sse profissional é avaliaro comprometimento físico <strong>do</strong> usuário,orientan<strong>do</strong>-o e encaminhan<strong>do</strong>-o, se necessário,para a re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, atentan<strong>do</strong> paraos aspectos psicossociais envolvi<strong>do</strong>s noprocesso. A rotina po<strong>de</strong> incluir a distribuição<strong>do</strong>s preservativos, precedida <strong>de</strong> orientaçãosobre sexo seguro e as formas <strong>de</strong> prevençãodas DST/AIDS. Frequentemente os pacientes <strong>de</strong>rua <strong>de</strong>sejam atendimento integral imediato, no6Vi<strong>de</strong> parte III. Tópico: <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> supervisor.62


local, ou têm a expectativa <strong>de</strong> que o técnicoirá intervir para facilitar seu acesso ao serviçopara o qual <strong>de</strong>va ser encaminha<strong>do</strong>. Queremassistência, mas não querem ir até o serviço,em geral por receio <strong>de</strong> não serem atendi<strong>do</strong>spor preconceito. Devi<strong>do</strong> às queixas relatadaspor usuários – e para favorecer o atendimentointegral na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> –, faz parte da rotinada equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong>senvolvera articulação com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>pública. A realização <strong>de</strong> pequenos curativostambém faz parte da rotina <strong>do</strong> médico e/ouenfermeiro, sen<strong>do</strong> uma ativida<strong>de</strong> que atrai aspessoas e propicia um momento <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>especial e <strong>de</strong> troca, pois o usuário po<strong>de</strong> falarsobre sua vida envolven<strong>do</strong> saú<strong>de</strong>, violência eexclusão. Quan<strong>do</strong> há situações clínicas que exijamprocedimentos mais complexos, são orienta<strong>do</strong>s ouauxilia<strong>do</strong>s na busca <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> emergência.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que é importante realizar orientaçõesque possibilitem melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>da população <strong>de</strong> rua, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> promoçãoda saú<strong>de</strong> também fazem parte da proposta <strong>de</strong>atendimento, embora muitas sejam as dificulda<strong>de</strong>spara sua implementação em função <strong>do</strong> alto grau<strong>de</strong> miséria em que vive a população alvo.Psicólogo:• A função <strong>do</strong> profissional <strong>de</strong> Psicologiavolta-se para a avaliação e manejo relaciona<strong>do</strong>saos aspectos subjetivos envolvi<strong>do</strong>s no uso e abuso<strong>de</strong> substâncias psicoativas (SPA’s). Ten<strong>do</strong> como asua base <strong>de</strong> trabalho a escuta qualificada, a suaintervenção visa favorecer o reconhecimento63


<strong>do</strong> próprio indivíduo quanto aos fatores <strong>de</strong>risco e <strong>de</strong> proteção a que cada um possa estarsujeito, seja no que tange o uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas, seja em relação à situação <strong>de</strong> rua.Os próprios usuários, ao saberem da existência<strong>de</strong> um psicólogo na equipe, <strong>de</strong>mandam umespaço para falar <strong>de</strong> seus problemas, o queé feito individualmente. Cabe aos psicólogos<strong>de</strong>limitarem o espaço para essa escuta,consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as circunstâncias da rua e adificulda<strong>de</strong> ou impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>.Os atendimentos po<strong>de</strong>m ser pontuais oupo<strong>de</strong>m gerar acompanhamentos <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>spelos próprios atendi<strong>do</strong>s. Vale ressaltar quena dinâmica <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> to<strong>do</strong>s osprofissionais da equipe po<strong>de</strong>m, em algummomento, ocupar esse “lugar <strong>do</strong> psicólogo”,no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ouvir, sem substituílo.Aliás, essa é a característica marcante <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: o cruzamento <strong>de</strong> olhares euma movimentação topológica <strong>do</strong>s atores, istoé, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> limites éticos, to<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m “trocar<strong>de</strong> lugar”.• Assistente Social: A oferta principal <strong>do</strong>(a)assistente social no Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é oatendimento social <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a facilitar, namedida <strong>do</strong> possível, a “<strong>de</strong>sexclusão”. Cabe aoprofissional, portanto: (1) refletir com os usuáriossobre o seu papel como elemento participativo<strong>do</strong> contexto social, favorecen<strong>do</strong> o conhecimentoou reconhecimento <strong>de</strong> seus direitos enquantopessoa; (2) <strong>de</strong>smistificar com os usuários,familiares, comunida<strong>de</strong>, re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e social,as representações sociais preconceituosas eexclu<strong>de</strong>ntes a respeito <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas e <strong>do</strong> próprio usuário; (3) estruturare fortalecer a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong> serviços<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e social, visan<strong>do</strong> favorecer a saú<strong>de</strong>integral <strong>do</strong>s usuários <strong>de</strong> álcool e outras drogas. Oatendimento social ocorrerá individualmente e/ouem grupo e visitas <strong>do</strong>miciliares serão realizadas,quan<strong>do</strong> necessárias. Os encaminhamentos maisfrequentes realiza<strong>do</strong>s pelo(a) assistente socialocorrem para serviços sociais, a exemplo <strong>de</strong>oficinas educativas para a<strong>do</strong>lescentes, abrigos oucomunida<strong>de</strong>s terapêuticas, ou encaminhamentoslegais como obtenção <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos pessoais,tais como certidão <strong>de</strong> nascimento, carteira <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, Carteira <strong>de</strong> Trabalho e PrevidênciaSocial (CTPS), reservista, título <strong>de</strong> eleitor etc.).Agente <strong>de</strong> rua:• Profissional <strong>de</strong> nível médioque po<strong>de</strong> ser das mais diversas áreas <strong>de</strong>formação, como músico, ator, agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,redutor <strong>de</strong> danos, educa<strong>do</strong>r social ou alguémda comunida<strong>de</strong> que possua uma inserçãocomunitária relevante, ou seja, engaja<strong>do</strong> emalguma ativida<strong>de</strong> social. Deve possuir habilida<strong>de</strong>spara a realização <strong>de</strong> oficinas terapêuticas e/ouartísticas, com formação na prática redutora <strong>de</strong>danos. Esse profissional <strong>de</strong>ve possuir habilida<strong>de</strong>para favorecer o vínculo e a promoção dasaú<strong>de</strong> através da arte e/ou da comunicação.Suas ativida<strong>de</strong>s envolvem a distribuição <strong>de</strong>preservativos, com a <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> uso64


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIcorreto, a orientação para a prevenção das DST/AIDS, articulação e encaminhamentos parare<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Diariamente realiza oficina <strong>de</strong>prevenção das DST/AIDS, sempre em grupo,com exposição dialogada, estimulan<strong>do</strong> aspessoas a expressarem suas dúvidas acerca<strong>do</strong> tema. Essa ativida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> sereficiente, principalmente por causa <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>em adaptar a linguagem <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a se tornaracessível à população atendida e introduzirum tom sério, e ao mesmo tempo brincalhão,quan<strong>do</strong> junto ao público mais jovem. Adistribuição <strong>de</strong> cartilhas e fol<strong>de</strong>rs reforçam asinformações.• Motorista: Uma das condições para o trabalho <strong>do</strong>motorista no Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é a capacitaçãopara práticas redutoras <strong>de</strong> danos e para atuaçãocomo agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Esse profissional <strong>de</strong>vecompreen<strong>de</strong>r que a sua atuação no projeto estaalém da condução <strong>do</strong> veículo, transporte daequipe e <strong>do</strong>s materiais <strong>de</strong> trabalho. O motoristaé <strong>de</strong> fundamental importância para a abertura<strong>de</strong> campo, por conhecer as ruas e interagir como público alvo <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> maneira singular.• Processo Seletivo: O processo seletivo <strong>do</strong>sprofissionais <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer a critérios estritamentetécnicos, fundamentais para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Os profissionais <strong>de</strong>verão serseleciona<strong>do</strong>s conforme possuam as habilida<strong>de</strong>snecessárias para atuar no campo. Recomenda-seque façam parte <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> profissionais daprefeitura e, principalmente, tenham o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver um trabalho com características tãosingulares.Antes da composição da equipe é necessário que ocoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r – previamente escolhi<strong>do</strong> – possua osfundamentos básicos que norteiam a meto<strong>do</strong>logia<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, apresenta<strong>do</strong>s na primeiraparte <strong>de</strong>ste livro, e o compreenda enquantoestratégia <strong>de</strong> intervenção para usuários <strong>de</strong> drogasem situação <strong>de</strong> rua. Antes <strong>de</strong> realizar a seleção<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais membros da equipe, o coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r<strong>de</strong>ve apropriar-se <strong>do</strong>s diversos instrumentos queorientam a ativida<strong>de</strong>.CAPACITAÇÃOA formação técnica da equipe <strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>senvolvidasob a forma <strong>de</strong> oficinas com 40 horas <strong>de</strong> duração,divididas em <strong>do</strong>is perío<strong>do</strong>s com os seguintes objetivosespecíficos:(1) Formar profissionais capacita<strong>do</strong>s para atuaçãocom população <strong>de</strong> rua; (2) contextualizar asimplicações sócio-antropológicas <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> SPA’spela população em situação <strong>de</strong> rua; (3) produzirconhecimento acerca das vicissitu<strong>de</strong>s relacionadasao atendimento <strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes ejovens adultos usuários <strong>de</strong> SPA’s; (4) discutir ospressupostos e mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> intervenção acerca <strong>do</strong>uso <strong>de</strong> SPA’s pela população em situação <strong>de</strong> rua;(5) discutir os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> inserção <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> território;65


(6) formar profissionais capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolverativida<strong>de</strong>s relacionadas com a promoção da saú<strong>de</strong><strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens adultos emsituação <strong>de</strong> rua usuárias <strong>de</strong> SPA’s; (7) discussãoe planejamento das funções <strong>do</strong>s profissionais daequipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e das estratégias <strong>de</strong>intervenção em campo.Para o primeiro momento <strong>de</strong>ssa formação, <strong>de</strong>verão/po<strong>de</strong>rão ser convida<strong>do</strong>s profissionais da re<strong>de</strong> <strong>de</strong>serviços na atenção básica (CRAS, CREAS, segurançapública), a fim <strong>de</strong> que sejam capacita<strong>do</strong>s para atuarem parceria com o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e, assim,contribuam para o fortalecimento <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong>ampliada <strong>de</strong> trabalho.O segun<strong>do</strong> momento da oficina será <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>apenas aos profissionais da equipe <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com cronograma previamenteestabeleci<strong>do</strong>.SOBRE O AUTOMÓVELO automóvel utiliza<strong>do</strong> para a realização dasativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong>ve ser <strong>do</strong> tipofurgão, adapta<strong>do</strong> para transportar a equipe e osmateriais e equipamentos, conforme sugestão:A imagem traz o local em que os técnicos sãotransporta<strong>do</strong>s. Os bancos são vaza<strong>do</strong>s para que sejapossível guardar pertences pessoais <strong>do</strong>s técnicose estão dispostos <strong>de</strong> forma que os técnicos ficamfrente a frente, favorecen<strong>do</strong> a troca <strong>de</strong> informaçõesnos trajetos, antes e após a ida a campo.66


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIProgramaçãoDISCIPLINACARGA HORÁRIATÓPICOSPor que os humanos usam drogas?2hApresentar, em uma perspectiva histórico-antropológica,o consumo <strong>de</strong> substâncias psicoativas pelos humanos,evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> sua importância e as significações que assumemna contemporaneida<strong>de</strong>.O espaço da rua.Aspectos sócio-antropológicos <strong>do</strong> uso<strong>de</strong> SPA’s no contexto <strong>de</strong> rua.Política <strong>de</strong> atenção integral aousuário <strong>de</strong> SPA’s.3h3h2hDiscutir as idiossincrasias <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> campo.A rua enquanto espaço público.Meu território: a privatização <strong>do</strong> espaço público.Meto<strong>do</strong>logias possíveis para o trabalho junto a populaçõesque vivem nos espaços da rua.Etapas para a entrada e permanência no território.A singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> sujeito no contexto da rua.A ética histórica <strong>do</strong> consumo <strong>de</strong> SPAs: a temperança gregae a temperança cristã.A mercadificação das SPA’s.A estigmatização como controlesocial.Consumo em configuração <strong>de</strong> controle social extremo.Cultura <strong>de</strong> consumo: entre a liberda<strong>de</strong> e a segurança.Aproximações etnográficas: a cultura <strong>do</strong> crack nas ruas.Reflexões finais: cultura <strong>de</strong> inclusão <strong>do</strong>s usuários lícitos e<strong>de</strong> exclusão <strong>do</strong>s ilícitos.Políticas públicas <strong>de</strong>stinadas a usuários <strong>de</strong> álcool e outrasdrogas: uma análise histórica.Legislação: Lei nº 6.368/76 e Lei nº 11.343.A atual Política Nacional sobre Drogas (BRASIL, 2005).“A Política <strong>do</strong> Ministério da Saú<strong>de</strong> para Atenção Integral ausuários <strong>de</strong> Álcool e outras Drogas”.O Esta<strong>do</strong> e a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção a usuários <strong>de</strong> álcool e outrasdrogas: (1) a saú<strong>de</strong> mental no Esta<strong>do</strong>; (2) políticas públicasna atenção integral a usuários <strong>de</strong> álcool e outras drogas:contexto atual no Esta<strong>do</strong>.67


O ECA e os cuida<strong>do</strong>s com a saú<strong>de</strong> dacriança e a<strong>do</strong>lescentes: as especificida<strong>de</strong>s.Crack: um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>pública?2h2hDiscutir as principais características e fundamentos legaisestabeleci<strong>do</strong>s pelo Estatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente(ECA, 1990) e o seu impacto na intervenção junto a criançase a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua usuárias <strong>de</strong> substânciaspsicoativas.Breve <strong>de</strong>scrição histórica da legislação brasileira voltadapara a infância e a<strong>do</strong>lescência, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>stacadas as principaisalterações conceituais e epistemológicas instauradaspelo ECA.Os direitos dispostos no ECA (em consonância com a discussãointernacional sobre os direitos das crianças): direitos<strong>de</strong> provisão, proteção e participação.As especificida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> atendimento à saú<strong>de</strong> da populaçãoinfanto-juvenil, nomeadamente aquela em situação <strong>de</strong>risco e vulnerabilida<strong>de</strong> social.Características gerais das crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação<strong>de</strong> rua: sexualida<strong>de</strong>, uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas eestratégias <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> danos.A complexida<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong> rua e <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas.Apresentação <strong>de</strong> situações-problema com <strong>de</strong>bate acerca<strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios e possibilida<strong>de</strong>s da intervenção com criançase a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua.A intervenção multiprofissional articulada com a re<strong>de</strong> sociale comunitária para a atenção integral a crianças e a<strong>do</strong>lescentesem situação <strong>de</strong> rua.O que é o crack e como ele surge na socieda<strong>de</strong> contemporânea.Aspectos históricos e contextuais que remetem á política <strong>de</strong>repressão nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, da década <strong>de</strong> 80, e o controle<strong>do</strong>s insumos químicos para produzir cocaína, favorecen<strong>do</strong>o surgimento e difusão <strong>do</strong> crack.O efeito <strong>de</strong>ssa substância no organismo.Principais situações <strong>de</strong> riscos e danos comuns aos quaisos usuários po<strong>de</strong>m estar expostos (paranoia, fissura e <strong>de</strong>pressãopós-uso).As circunstâncias sociais atreladas ao uso <strong>de</strong>stas substâncias;Análise <strong>do</strong>s usos <strong>de</strong> crack a partir da contemporaneida<strong>de</strong>(exacerbação <strong>do</strong> consumo, sofrimento frente à espera, imperativoda escolha, patologia <strong>do</strong> ato, cultura <strong>do</strong> risco etc.).Problematizar o crack como causa ou consequência <strong>de</strong>um contexto muito mais amplo <strong>do</strong> que os aspectos farmacológicos,trazen<strong>do</strong> exemplos <strong>do</strong> discurso social cria<strong>do</strong> emtorno <strong>do</strong> crack através da mídia, da polícia e da saú<strong>de</strong>.68


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIA invisibilida<strong>de</strong> social.2hIntrodução ao conceito <strong>de</strong> invisibilida<strong>de</strong> social.Discussão sobre a formação <strong>do</strong>s preconceitos e estigmasna socieda<strong>de</strong>.Consequências na socieda<strong>de</strong> da invisibilida<strong>de</strong> social emrelação a crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong> rua.Discussão <strong>do</strong>s filmes: Ônibus 174 e Última Parada 174.Clinica <strong>de</strong> rua: uma abordagempossível?4hIntrodução aos pressupostos técnicos e éticos da clínica.Introdução à clínica <strong>de</strong> Donald Winnicott: etapas <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentopsicossocial <strong>do</strong> indivíduo.Discussão sobre o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senraizamento com baseem Simone Weil.Trajetória <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação<strong>de</strong> rua.Compreensão psicológica sobre a função psíquica <strong>do</strong> uso<strong>de</strong> drogas entre crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação <strong>de</strong>rua.Desenvolvimento <strong>de</strong> estratégia <strong>de</strong> intervenção com o público-alvo<strong>do</strong> projeto.Redução <strong>de</strong> danos: teoria epressupostos.2hRedução <strong>de</strong> danos (RD): história, paradigma e estratégias.Programas <strong>de</strong> RD no Brasil (e na Bahia).RD como estratégia <strong>de</strong> Política Pública <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.Intervenção redutora <strong>de</strong> danos: trabalho <strong>de</strong> campo.Vulnerabilida<strong>de</strong> da população usuária <strong>de</strong> drogas e sua re<strong>de</strong><strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>.RD: atualida<strong>de</strong>s e tendências.Meto<strong>do</strong>logias qualitativas utilizadas pela Redução <strong>de</strong> Danos:trabalho <strong>de</strong> campo.O papel <strong>do</strong> redutor <strong>de</strong> danos.Articulação com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suportesocial para atenção integral aousuário <strong>de</strong> álcool e outras drogas.2hQuem compõe a re<strong>de</strong>.O território e suas re<strong>de</strong>s sociais.Tecen<strong>do</strong> a re<strong>de</strong>: reconhecen<strong>do</strong> o território e as re<strong>de</strong>s sociais.Articulação da re<strong>de</strong> formal e informal.Re<strong>de</strong> interna, relacional e social fragilizada.69


FORMAÇÃO ESPECÍFICA PARA A EQUIPE DO CRO trabalho da equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nocontexto <strong>de</strong> rua.4hA atuação <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> na rua.Equipe multidisciplinar e multiprofissional.Composição técnica da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.População atendida pelo CR (público, contexto, perfisetc.).O ambiente <strong>de</strong> trabalho: a rua.A intervenção e a atuação da equipe na rua. Papel <strong>do</strong>profissional, sua função, a postura <strong>de</strong> atuação, o exercícioprofissional específico, a atuação integrada e o trabalhocoletivo.O <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: comose faz?4hRelato da experiência original <strong>do</strong> projeto. Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> na Bahia, 1995-2004.Nossas diferenças: as peculiarida<strong>de</strong>s da ativida<strong>de</strong> emcada cida<strong>de</strong>.Elaboração <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> atendimentoem campo.Orientação para a utilização <strong>do</strong>sinstrumentos <strong>de</strong> acompanhamento.2h2hCultura local, regional e global para o cuida<strong>do</strong> com asaú<strong>de</strong>.Arte-educação enquanto ferramenta <strong>de</strong> fazer vinculo.Pesquisar e analisar estratégias possíveis para a atuaçãona rua, respeitan<strong>do</strong> o contexto sociocultural <strong>de</strong> implantação<strong>do</strong> CR.A dinâmica <strong>de</strong> funcionamento para a realização <strong>do</strong> atendimentoda equipe interdisciplinar.Instrumentalizar a equipe para a realização <strong>do</strong> registro earmazenamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s.Visita à área <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dasativida<strong>de</strong>s.4hVisita guiada a pontos da cida<strong>de</strong> em que se preten<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver as ativida<strong>de</strong>s.Avaliação <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> atuação.70


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIA imagem mostra o local em que os técnicos sãotransporta<strong>do</strong>s. Os bancos são vaza<strong>do</strong>s para que sejapossível guardar pertences pessoais <strong>do</strong>s técnicose estão dispostos <strong>de</strong> forma que os técnicos ficamfrente a frente, favorecen<strong>do</strong> a troca <strong>de</strong> informaçõesnos trajetos, antes e após a ida a campo.A parte traseira <strong>do</strong> veículo é projetada <strong>de</strong> forma queseja possível guardar os materiais a serem utiliza<strong>do</strong>sno campo – a partir <strong>do</strong> planejamento da equipe paraas ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> dia – e é equipada com tomadas comextensão, permitin<strong>do</strong> a utilização <strong>de</strong> equipamentoseletrônicos. Assim, o carro é “abasteci<strong>do</strong>” a cada ida acampo, com os materiais e equipamentos, com base nanecessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> dia.71


Na foto acima, os espaços vaza<strong>do</strong>s permitem otransporte <strong>de</strong> instrumentos musicais, bem como <strong>de</strong>materiais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> volume, como por exemplo caixas.Os objetos mais <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m ser guarda<strong>do</strong>s noscompartimentos superiores, também indica<strong>do</strong>s paravolumes maiores. O espaço ainda contém gavetas, emque po<strong>de</strong>m ser guardadas as pranchetas, formulários,equipamentos 7 como som, computa<strong>do</strong>r e projetor,jogos <strong>de</strong> tabuleiro, <strong>de</strong> cartas, fantoches, lápis <strong>de</strong> cor, giz<strong>de</strong> cera etc.Na lateral <strong>do</strong> veículo <strong>de</strong>verá existir um tol<strong>do</strong> que permitaa realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s mesmo em dias <strong>de</strong> chuva.TERRITÓRIOEm geral, o local on<strong>de</strong> a equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>se instala é insalubre, com baixa higiene e pequenacirculação <strong>de</strong> pessoas. Contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve concentrar osconsumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> álcool e outras drogas em situação <strong>de</strong>risco e vulnerabilida<strong>de</strong> social.Para i<strong>de</strong>ntificar esse local, é necessário que a equipecircule pela cida<strong>de</strong> em diferentes dias e horários, <strong>de</strong>posse <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong> avaliação on<strong>de</strong> sãoanota<strong>do</strong>s os pontos positivos e os pontos negativos <strong>do</strong>slocais, resultan<strong>do</strong>, daí, a escolha <strong>do</strong> local com melhorespossibilida<strong>de</strong>s para o trabalho.Em geral, os centros urbanos com concentração <strong>de</strong>pontos comerciais são os locais mais utiliza<strong>do</strong>s pelapopulação em situação <strong>de</strong> rua para se abrigar à noite,sen<strong>do</strong> recomendada a visita a esses locais. Os bairrosresi<strong>de</strong>nciais, ao contrário, raramente são locais propíciosà presença <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua usuários <strong>de</strong> drogas ounão. Recomenda-se, portanto, que a equipe conheçato<strong>do</strong>s esses locais e suas possibilida<strong>de</strong>s antes <strong>de</strong> fazer aescolha final. Sabe-se que cada cida<strong>de</strong> e região possuemcaracterísticas próprias que <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas,(como pô<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong> na Parte III), servin<strong>do</strong>-setambém <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s disponíveis nas prefeituras, secretariasestaduais, Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Social, IBGE– Instituto <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Geografia e Estatística, comoreferências importantes. Os da<strong>do</strong>s socio<strong>de</strong>mográficos<strong>de</strong>vem ser utiliza<strong>do</strong>s para a compreensão <strong>do</strong> perfil dapopulação da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se preten<strong>de</strong> instalar o <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.Vale ressaltar que, como critério para a escolha da área,é importante observar a existência <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e sociais no entorno.Assim, a base on<strong>de</strong> o veículo estacionará, <strong>de</strong>verá tercomo características:• Apresentar um mínimo <strong>de</strong> segurança para a equipe(essa segurança será dada na medida em que umtrabalho cuida<strong>do</strong>so e atencioso for realiza<strong>do</strong> na7Vale ressaltar que os equipamentos só <strong>de</strong>vem ser leva<strong>do</strong>s a campo quan<strong>do</strong> a equipe perceber que existe um mínimo <strong>de</strong> segurança e estrutura local. Ocomputa<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>do</strong> junto com o projetor <strong>de</strong> imagem para passar pequenos filmes que possibilitem discussões posteriores. Nesse caso, a projeçãopo<strong>de</strong> ser feita, por exemplo, em uma pare<strong>de</strong> <strong>do</strong> local.72


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIabertura <strong>de</strong> campo, não se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> aparatopolicial).• Permitir minimamente a interação com os que estãona rua.• Possuir iluminação que permita a realização <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong>s lúdicas, educativas e redutoras <strong>de</strong> danos.• Ser um local aberto como praças, avenidas, ruasetc.caracterizadas pela exclusão socioeconômica, comdifícil acesso a saú<strong>de</strong>, educação ou lazer. Questõesclínicas relacionadas às DSTs, tuberculose, gestação ema<strong>do</strong>lescentes e ferimentos sem os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>sfazem parte <strong>do</strong> cotidiano <strong>do</strong> público <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Muitos são porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> HIV, ou apresentamcomportamento <strong>de</strong> risco, problemas relaciona<strong>do</strong>s àprostituição infantil. Violência física e psíquica, além <strong>do</strong>envolvimento com o tráfico <strong>de</strong> drogas, são característicasque marcam os atendi<strong>do</strong>s pelo projeto. Muitos já tiverampassagem por instituições totais (instituições fechadas,que restringem a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir <strong>do</strong>s que nela estão),quer sejam <strong>de</strong>stinadas a crianças e a<strong>do</strong>lescentes, quersejam unida<strong>de</strong>s prisionais. Vale ressaltar que uma maioratenção <strong>do</strong>s técnicos <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong>ve recair sobre ascrianças e os a<strong>do</strong>lescentes, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a sua estadae/ou permanência na rua configura-se em uma situação<strong>de</strong> maior risco social e vulnerabilida<strong>de</strong>, por estarem emfase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento físico e psíquico.Assim, é importante atentar para algumasrecomendações fundamentais para as açõesfuturas:POPULAÇÃOO público-alvo <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é composto porpessoas que estão em situação <strong>de</strong> rua, <strong>de</strong> ambos os sexose <strong>de</strong> várias faixas etárias. São pessoas que se encontramem situação <strong>de</strong> extrema pobreza e vulnerabilida<strong>de</strong> social,com comprometimentos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m biopsicosocial. São• Os primeiros contatos com as pessoas <strong>de</strong>vemser realiza<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> abordagens diretas,com a apresentação <strong>do</strong>s motivos e objetivosda presença da equipe na área.• Atentar para o que irá ofertar, pois os serviços<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong>vem estar emconsonância com as carências e necessida<strong>de</strong>sda população-alvo.73


• Embora o atendimento da equipe seja <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>prioritariamente a crianças e a<strong>do</strong>lescentesusuárias <strong>de</strong> SPA’s, a assistência <strong>de</strong>ve se esten<strong>de</strong>ra to<strong>do</strong>s que estão na área.• As pessoas que estão na área no dia e horário <strong>de</strong>atuação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> não são obrigadasa estar disponível para as intervenções da equipe.Assim, <strong>de</strong>ve-se respeitar a privacida<strong>de</strong> e o espaçoocupa<strong>do</strong> pelas pessoas.• Os membros da equipe <strong>de</strong>vem estar atentos para nãoemitirem juízo <strong>de</strong> valor, atuan<strong>do</strong> sempre com posturaacolhe<strong>do</strong>ra em relação às queixas e problemasrelata<strong>do</strong>s pelos atendi<strong>do</strong>s.• Não é necessário abordar prioritariamente o temadas drogas, isso <strong>de</strong>ve acontecer <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo<strong>de</strong> trabalho. O processo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> vínculosrequer tempo e sensibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s profissionais daequipe, favorecen<strong>do</strong> oportunida<strong>de</strong>s para que osproblemas relaciona<strong>do</strong>s aos usos <strong>de</strong> álcool e outrasdrogas possam emergir.• A equipe <strong>de</strong>ve estar atenta aos códigos da áreaque frequentemente não são verbais. Assim, a“autorização” para a realização das intervenções naárea, bem como com indivíduos, acontecerá, muitasvezes, <strong>de</strong> forma subliminar.• Haven<strong>do</strong> algum problema que impeça a equipe <strong>de</strong> ira campo, os profissionais <strong>de</strong>verão encontrar um meio<strong>de</strong> informar aos lí<strong>de</strong>res <strong>do</strong>s grupos/comunida<strong>de</strong>ssobre a ausência e, se possível, os motivos.ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃOEstan<strong>do</strong> na área <strong>de</strong> atuação, os atendimentos coma população po<strong>de</strong>m se dar <strong>de</strong> forma individualizadaou através <strong>de</strong> estratégias grupais, com a utilização<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s lúdicas e oficinas que favoreçam adiscussão <strong>de</strong> temas relaciona<strong>do</strong>s a cuida<strong>do</strong>s com asaú<strong>de</strong>, prevenção e conteú<strong>do</strong>s referentes às vivências<strong>do</strong>s que estão na rua.Nomeamos <strong>de</strong> “estratégias”, os recursos quefavorecem a interação entre a equipe técnicae a população-alvo. Aquelas são <strong>de</strong>senvolvidasna medida em que a equipe se apresenta e éreconhecida tecnicamente pela população-alvo,suscitan<strong>do</strong> <strong>de</strong>mandas como encaminhamentos,orientações etc.Como já menciona<strong>do</strong>, os papéis na dinâmica <strong>de</strong>funcionamento <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> são particulares,exigin<strong>do</strong> que cada membro da equipe seja capaz <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r a rua através <strong>do</strong> outro, companheiro<strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> categoria diferente da sua sem,contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> exercer o papel que lhe é próprio.Para melhor compreensão, será trazi<strong>do</strong> um exemplo:o usuário faz vínculo com uma enfermeira e, noatendimento com essa, traz questões relacionadas àviolação <strong>de</strong> direitos sociais. No caso, será necessárioque a enfermeira seja o primeiro técnico a ouviressas queixas, favorecen<strong>do</strong> posterior contato coma assistente social. A interdisciplinarieda<strong>de</strong> éfundamental no cotidiano <strong>de</strong> trabalho.São ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas pelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>:74


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIATIVIDADEOBJETIVO/ PONDERAÇÕESPROFISSIONAL SUGERIDOPromoção da saú<strong>de</strong> (em seu aspectobiomédico e psicológico)Prevenção DST/AIDSRealizar ações <strong>de</strong> promoção da saú<strong>de</strong>, favorecen<strong>do</strong> aousuário ações diretas relacionadas à saú<strong>de</strong>.Ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida diariamente no campo, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à altaexposição <strong>do</strong>s que estão na rua a práticas sexuais <strong>de</strong>sprotegidas,o que favorece as DST. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser realizadapreferencialmente em grupos, <strong>de</strong> forma dialogada, envolven<strong>do</strong>a distribuição e orientação para a utilização correta <strong>de</strong>preservativos masculinos, femininos e lubrificantes, orientaçãopara a prevenção das DST/AIDS. Como recursos didáticos sãoutiliza<strong>do</strong>s álbuns seria<strong>do</strong>s conten<strong>do</strong> informações e ilustraçõesrelacionadas à DST – forneci<strong>do</strong> pelo Ministério da Saú<strong>de</strong>,prótese <strong>do</strong> aparelho reprodutor masculino e feminino, afim <strong>de</strong> estimular que as pessoas falem <strong>de</strong> suas dúvidas eexpressem suas questões acerca <strong>do</strong> tema. É necessário que oprofissional, ao realizar a ativida<strong>de</strong>, utilize linguagem acessívele até mesmo popular, sem per<strong>de</strong>r a serieda<strong>de</strong>, ainda queutilizan<strong>do</strong> <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras para abordá-las, promoven<strong>do</strong> assima aproximação com o tema. O ato <strong>de</strong> distribuir o preservativobusca transmitir o compromisso <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> si mesmo, aindaque sejam reconheci<strong>do</strong>s os comportamentos repetitivos <strong>de</strong><strong>de</strong>scaso e <strong>de</strong>scui<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> que lhes acontece. Junto com opreservativo, a partir da necessida<strong>de</strong>, também são distribuídascartilhas e fol<strong>de</strong>rs, como recurso para reforçar as informações.Enfermeiro, médico.Motorista, agente <strong>de</strong> rua, enfermeiro.Redução <strong>de</strong> DanosTodas as ações <strong>de</strong>senvolvidas pela equipe <strong>do</strong> CR no campo sãopermeadas por estratégias redutoras <strong>de</strong> danos, que possuema característica <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> baixa exigência e possibilitam aparticipação <strong>do</strong> usuário no processo <strong>de</strong> tratamento e naconstrução <strong>de</strong> uma via para minimizar os danos causa<strong>do</strong>s pelassubstâncias que utiliza. Conforme Valério (2010), são tecnicamente<strong>de</strong>nominadas <strong>de</strong> baixa exigência, aquelas propostas flexíveis,em que se difere das <strong>de</strong>mais pelo amplo leque <strong>de</strong> ofertas ealternativas preventivas, assistenciais, <strong>de</strong> suporte psicossocial epromoção da saú<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> como atmosfera ambientes receptivose amigáveis, e sem exigências complexas em termos <strong>de</strong> horário,frequência, estar em abstinência para ser atendi<strong>do</strong>, entre outras.As orientações são fornecidas individualmente ou em grupo.Contu<strong>do</strong>, os atendimentos individuais, nos quais são trabalhadasquestões relacionadas às perdas e danos sociais e à saú<strong>de</strong>causa<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong>s diversos usos das substâncias, favorecem asintervenções psicoterápicas e os encaminhamentos.To<strong>do</strong>s os profissionais.75


Ativida<strong>de</strong>s lúdicasAs ativida<strong>de</strong>s lúdicas são utilizadas como meio <strong>de</strong> restabelecerprimeiros contatos, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> instrumentos musicaise material lúdico/educativo, a exemplo <strong>de</strong> fantoche, jogos,etc. Essas ativida<strong>de</strong>s, por vezes tratadas pelo público-alvocomo brinca<strong>de</strong>ira, têm a função <strong>de</strong> criar a leveza para adiscussão <strong>de</strong> temas ti<strong>do</strong>s como tabu, tais como sexualida<strong>de</strong>,violência e uso <strong>de</strong> drogas, promoven<strong>do</strong> ainda a aproximaçãoda população <strong>de</strong> rua com os técnicos.Ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidas emduplas entre o agente <strong>de</strong> rua e outroprofissional da equipe.OficinasAs oficinas <strong>de</strong>vem ser propostas a partir <strong>de</strong> temas varia<strong>do</strong>sque emergem <strong>do</strong>s atendi<strong>do</strong>s, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> instrumentosmusicais e materiais lúdicos e/ou educativos.Profissional que possua habilida<strong>de</strong>sartísticas como a música e/ouativida<strong>de</strong>s manuais.Atendimento individualDas interações grupais, em geral, surgem as possibilida<strong>de</strong>spara aprofundamento <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> cunho social e/ou <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, em que o profissional, no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s atendimentos,além <strong>de</strong> fornecer a escuta solicitada, po<strong>de</strong>rá i<strong>de</strong>ntificar anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r no encaminhamento para outroprofissional da equipe ou para a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte social.Psicólogo, assistente social, enfermeiro,agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.AVALIAÇÃO DO TRABALHOComo menciona<strong>do</strong> em diversos momentos, aavaliação das ações <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> éprocessual e diária. Porém, compreen<strong>de</strong>-se como<strong>de</strong> fundamental importância que a equipe realizeanualmente avaliação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s das intervenções<strong>de</strong>senvolvidas pela equipe em cada área. Trata-se <strong>de</strong>uma avaliação <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> trabalho a partir <strong>de</strong>critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a ter sistematiza<strong>do</strong>sda<strong>do</strong>s que favoreçam o aprimoramento das ações ea superação <strong>de</strong> possíveis dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas aolongo <strong>de</strong> 12 meses consecutivos.Assim, indicamos, abaixo, 3 aspectos a serem<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s para uma avaliação <strong>do</strong> trabalho:76


CONSULTÓRIO DE RUA: REFERENCIAIS PARA UMA PRÁTICAPARTE IIOBJETIVOINDICADOR DE IMPACTOMEIO DE VERIFICAÇÃORealizar ações <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> riscose danos relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas e <strong>de</strong> prevenção<strong>de</strong> DST/AIDS.Redução <strong>de</strong> comportamentos <strong>de</strong> risco relaciona<strong>do</strong>sao uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas e <strong>de</strong> prevençãoDST/AIDS.Entrevista com os usuários.Promover o acesso das crianças,a<strong>do</strong>lescentes e adultos jovens usuários<strong>de</strong> drogas em situação <strong>de</strong> rua aosserviços <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>.Aumento <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong> usuário com sua saú<strong>de</strong>,como a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> preservativo nas práticas sexuais,preservação da higiene pessoal etc.Entrevista aberta com os usuários,utilizan<strong>do</strong> três perguntas-chaves: 1.Você percebeu se após a presença<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> na área ascrianças e a<strong>do</strong>lescentes tiveremuma atenção maior quanto àsaú<strong>de</strong>?2. Você percebeu se a presença <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> na área serviucomo referência para orientações eencaminhamentos no cuida<strong>do</strong> dasaú<strong>de</strong> das crianças e a<strong>do</strong>lescentesatendidas pela equipe?3. Você percebeu se o trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>pelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>aju<strong>do</strong>u na melhoria da saú<strong>de</strong> dascrianças e a<strong>do</strong>lescentes atendidaspela equipe?I<strong>de</strong>ntificar e contatar os serviços <strong>de</strong>assistência, a fim <strong>de</strong> promover aarticulação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoioa crianças, a<strong>do</strong>lescentes e adultosjovens usuários <strong>de</strong> drogas em situação<strong>de</strong> rua.Número <strong>de</strong> parcerias firmadas com essas instituiçõese serviços.Registro <strong>de</strong> termos <strong>de</strong> parceriaentre as instituições (mo<strong>de</strong>lo noAnexo I)77


GUIA DO PROJETO CONSULTÓRIO DE RUARELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DOCONSULTÓRIO DE RUAPARTE III79


INTRODUÇÃONeste capítulo serão apresenta<strong>do</strong>s os relatos <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong>implantação e <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>em três municípios da Bahia: Salva<strong>do</strong>r, Lauro <strong>de</strong> Freitas e Camaçari.Os relatos <strong>de</strong> experiência sobre o trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> constituemuma apresentação da prática das equipes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o processo <strong>de</strong> constituição daequipe até as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas no contexto <strong>de</strong> rua.O objetivo espera<strong>do</strong> com esses relatos visou a produção <strong>de</strong> um registro singular<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como as equipes conseguiram realizar a passagem da concepçãoteórica para a prática propriamente dita.Os relatos presentes neste livro guia foram escritos por cada equipe a partir dasupervisão realizada pela coor<strong>de</strong>nação-geral <strong>do</strong> projeto ao longo <strong>do</strong>s meses <strong>de</strong>implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.O relato <strong>de</strong> experiência seguiu uma estrutura comum elaborada pelo supervisorresponsável pelo acompanhamento da produção <strong>de</strong> cada equipe. Sua estruturafoi pensada <strong>de</strong> forma que o produto final das equipes seguisse um or<strong>de</strong>namento<strong>de</strong> temas que favorecesse, ao leitor, a compreensão <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>trabalho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início até a consolidação das práticas no contexto <strong>de</strong> rua,consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada município e a formação das equipes.Desse mo<strong>do</strong>, os relatos foram escritos com base na seguinte estrutura <strong>de</strong>tópicos:a. Formação da equipe.b. Pesquisa e mapeamento das áreas.c. Abertura <strong>de</strong> campo.d. Trabalhan<strong>do</strong> na rua.e. Avaliação <strong>do</strong> trabalho da equipe.80


O tópico relativo à formação da equipe trata daconstituição <strong>de</strong> cada equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> eapresenta as especificida<strong>de</strong>s da escolha <strong>do</strong>s profissionaise <strong>de</strong> como ocorreu o processo <strong>de</strong> formação técnicateóricaem cada município.A pesquisa e o mapeamento das áreas são constituí<strong>do</strong>spela <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como cada equipe implementouo seu processo <strong>de</strong> pesquisa para a escolha das áreas <strong>de</strong>atuação. Cada equipe relatou os <strong>de</strong>safios encontra<strong>do</strong>snesse momento inicial, anterior ao trabalho realiza<strong>do</strong>efetivamente na rua, mas <strong>de</strong> fundamental importânciapara a localização <strong>do</strong>s territórios com as característicasmais a<strong>de</strong>quadas e com a população-alvo <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.A abertura <strong>de</strong> campo diz respeito ao processo <strong>de</strong>implantação <strong>do</strong> trabalho na área <strong>de</strong> atuação escolhidaapós a pesquisa e o mapeamento. Nesse tópico, sãorelata<strong>do</strong>s os caminhos pelos quais cada equipe conseguiuestabelecer vínculos com pessoas-chave <strong>do</strong> território emque houve a apresentação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Aabertura <strong>de</strong> campo é um <strong>do</strong>s momentos fundamentais<strong>do</strong> projeto, pois é condição indispensável para que otrabalho da equipe tenha uma boa sustentação e sejaaceito pela futura clientela.O tópico Trabalhan<strong>do</strong> na área é o momento <strong>do</strong>relato <strong>de</strong> experiência on<strong>de</strong> cada equipe tem aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar quais foram os principaisrecursos utiliza<strong>do</strong>s na prática para a consecução <strong>do</strong>sobjetivos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Trata-se, portanto, <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>scrição breve da atuação da equipe duranteo perío<strong>do</strong> em que está na rua com a população-alvo,isto é, as ativida<strong>de</strong>s mais comuns e as estratégiascriadas para o trabalho com crianças, a<strong>do</strong>lescentes eadultos.Finalmente, a Avaliação <strong>do</strong> trabalho da equipe é oespaço para que cada equipe possa apresentar suasconsi<strong>de</strong>rações sobre os principais <strong>de</strong>safios encontra<strong>do</strong>sno trabalho <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>,bem como expor as principais conquistas realizadasao longo da ativida<strong>de</strong>.No acompanhamento da produção <strong>do</strong> relato <strong>de</strong> cadaequipe foi orienta<strong>do</strong> que os relatos fossem escritoscomo uma narrativa, não algo puramente <strong>de</strong>scritivo.Esse <strong>de</strong>talhe tem importância, não só por que anarrativa permite ao leitor uma leitura mais fluida,como também constitui uma via privilegiada para aapresentação da singularida<strong>de</strong> em cada registro.A compreensão teórica e a meto<strong>do</strong>lógica <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> apresentada nesse <strong>Guia</strong> é importante para quefuturas equipes possam encontrar o seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>implementar os objetivos e diretrizes <strong>de</strong>ssa tecnologia<strong>de</strong> intervenção em saú<strong>de</strong>, com repercussões sociaisa partir <strong>de</strong> referenciais éticos claros, que permitam aoConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> alcançar seus objetivos inova<strong>do</strong>res,renova<strong>do</strong>s no ânimo diário <strong>do</strong> labor <strong>de</strong> cada equipe.Os relatos <strong>de</strong> experiência das equipes <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, Lauro <strong>de</strong> Freitas e Camaçari <strong>de</strong>vemse constituir em exemplos inspira<strong>do</strong>res para novasequipes, em novos locais e novos contextos.81


RELATO DE EXPERIÊNCIA EQUIPE CONSULTÓRIO DE RUA DE SALVADOR82


COMPOSIÇÃO DA EQUIPEUm psicólogo, duas enfermeiras e umaassistente social foram os primeirosprofissionais a integrar a equipe <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r. A equipe foi constituídapor técnicos <strong>do</strong> primeiro CAPS-ad <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r,inaugura<strong>do</strong> pela Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> da Bahia, em parceria com o Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>se Terapia <strong>do</strong> Abuso <strong>de</strong> Drogas-CETAD, da Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> especialmente convidadapela Coor<strong>de</strong>nação Executiva <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong>.Para a Coor<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> foiincorporada uma cientista social e, mais adiante,alguns oficineiros, cujas especificida<strong>de</strong>s eramindispensáveis: um músico, um profissional dacapoeira e uma educa<strong>do</strong>ra social.Sobre a seleção <strong>do</strong>s oficineiros, é importantemencionar que se levou em conta o critério <strong>do</strong> gênero,haven<strong>do</strong> uma busca <strong>de</strong> equilíbrio em relação a esteaspecto, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao entendimento <strong>de</strong> que quantomaior a diversida<strong>de</strong>, maiores as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>empatia e i<strong>de</strong>ntificação das pessoas que compõem opúblico-alvo <strong>do</strong> projeto.A capoeira foi escolhida para compor o repertóriodas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> campo, por fazer parte da tradiçãoda cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> é muito praticada, especialmenteno centro histórico. Mais <strong>do</strong> que atração turísticaou folclórica, a capoeira é parte importante dacultura afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte baiana, o que aumentaa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e a<strong>de</strong>são dapopulação <strong>de</strong> rua à proposta <strong>do</strong> projeto.Quanto à música, foi escolhida por ser uma linguagemartística universal, facilitan<strong>do</strong> a a<strong>de</strong>são e abrin<strong>do</strong>possibilida<strong>de</strong>s para outras intervenções. Especificamenteem relação à música percussiva, essa, à semelhançada capoeira, também possui estreita relação com ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural da população soteropolitana, e, nessesenti<strong>do</strong>, possui o mesmo potencial.A educação social objetiva realizar uma pedagogiada cidadania e, somada a esse aspecto conceitual,foi levada em conta a experiência <strong>de</strong> trabalho compopulações em situação <strong>de</strong> rua que a profissionalagregada à equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> trazia emsua bagagem.O psicólogo, as enfermeiras e a assistente socialpertencem a categorias previstas na composição mínimada equipe, o que não ocorre em relação aos <strong>de</strong>mais, queforam escolhi<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> critérios relativos à natureza <strong>do</strong>trabalho.É espera<strong>do</strong>, por exemplo, que pela própria formação, oprofissional das ciências sociais possua um olhar amplosobre questões como o uso <strong>do</strong>s psicoativos e a relaçãosaú<strong>de</strong>/<strong>do</strong>ença visto que, <strong>de</strong> maneira geral, toda <strong>do</strong>ençapossui um componente social e <strong>de</strong>ve ser entendidatambém em relação a esse aspecto.Especialmente na área da saú<strong>de</strong> mental, os fatorescontextuais e o peso <strong>do</strong> imaginário assumem83


proporções bastante relevantes, especialmente quan<strong>do</strong>se trata <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas, por envolvera possibilida<strong>de</strong> da estigmatização. Com isso, aspectosmorais se entrelaçam e até mesmo se confun<strong>de</strong>mcom a questão da saú<strong>de</strong>, o que exige, para apropriadacompreensão <strong>do</strong> fenômeno, um contínuo exercício<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> valores, inclusive por parte <strong>do</strong>sprofissionais que compõem a equipe <strong>de</strong> atençãoao álcool e outras drogas, para ressaltar os aspectoshistóricos e sociais que permeiam a questão. Daí ajustificativa para a presença <strong>de</strong>sses profissionais nacomposição da equipe.O que se quer explicitar é que a seleção <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osprofissionais foi feita com base em critérios relevantespara a execução <strong>do</strong> trabalho na rua. Dessa forma, cabedizer que até mesmo o motorista foi escolhi<strong>do</strong> por terfeito parte da primeira edição <strong>do</strong> projeto e, por contadisso, manter ainda certa inserção em alguns locais <strong>de</strong>concentração da população- alvo, especialmente nocentro da cida<strong>de</strong>.A equipe <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r também contou com a presença<strong>de</strong> duas estagiárias <strong>de</strong> Psicologia, que contribuíram nãosomente com a sensibilida<strong>de</strong> pessoal, mas tambémcom o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aprendizagem, constituin<strong>do</strong>, assim,um estímulo a mais para a equipe.CAPACITAÇÃO CONTINUADAEm relação ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho, no primeiromomento <strong>de</strong> sua constituição, a equipe leu e discutiusobre a dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> da coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>primeiro Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, Miriam Gracie Plena, on<strong>de</strong>está relatada a experiência que aconteceu entre2000 e 2004, tempo <strong>de</strong> duração <strong>do</strong> projeto inaugural.O objetivo era enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> forma contextualizada,os pressupostos e conceitos nortea<strong>do</strong>res <strong>de</strong>ssamodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção psicossocial. Tambémfoi estabeleci<strong>do</strong> um rodízio <strong>do</strong>s profissionais paraapresentação <strong>de</strong> seminários a respeito <strong>de</strong> temáticasconsi<strong>de</strong>radas relevantes para a formação <strong>de</strong> umolhar crítico sobre a realida<strong>de</strong> que provavelmentea equipe encontraria na rua. Esses versaram sobre,por exemplo, a construção social da infância, oEstatuto da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente (ECA), uso<strong>de</strong> drogas ilícitas e imaginário social, as fases <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento infantil, proprieda<strong>de</strong>s e usos dassubstâncias psicoativas, entre outros. Em paralelo aessa ativida<strong>de</strong>, no mesmo perío<strong>do</strong>, a equipe realizouobservações em áreas <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> pessoasem situação <strong>de</strong> rua, pertencentes ao público-alvo<strong>do</strong> projeto. O que se buscava era i<strong>de</strong>ntificar “cenaspúblicas” <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas, conceitocria<strong>do</strong> pela equipe para <strong>de</strong>finir as características <strong>do</strong>local que pressupúnhamos i<strong>de</strong>al, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> queprevia a meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: aquele on<strong>de</strong> houvesse concentração <strong>de</strong>usuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas, que morassemou estivessem em situação <strong>de</strong> rua por conta <strong>de</strong>sseuso, o que configura um contexto bem diferente<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o trabalho exigiria,provavelmente, outros tipos <strong>de</strong> articulação e outrasestratégias <strong>de</strong> intervenção, talvez mais focada naprevenção/promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Ao escolher umponto <strong>de</strong> intervenção localiza<strong>do</strong> no âmbito <strong>de</strong> uma84


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIcomunida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ríamos também, por exemplo,esbarrar na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa a<strong>de</strong>são <strong>do</strong>público-alvo, por conta da exposição públicapróximo da família.Essa foi a tônica inicial <strong>do</strong>s encontros entre osprofissionais, que priorizaram o investimentointelectual, ao passo que eram também realizadasreuniões para pensar sobre o <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong> trabalhona rua, naquele momento ainda em nível especulativo,já que a rua constituía apenas a projeção <strong>de</strong> fantasiase ansieda<strong>de</strong>s, o que, <strong>de</strong> forma inusitada, acaboufavorecen<strong>do</strong> a integração <strong>do</strong>s profissionais daequipe.Passa<strong>do</strong> algum tempo, em resposta às solicitaçõesfeitas à Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, à qual oprojeto está vincula<strong>do</strong>, foi disponibiliza<strong>do</strong> umveículo, com o que tornou-se possível iniciar otrabalho <strong>de</strong> construção da re<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> visitasaos dispositivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> território em queoriginalmente foi pensada a atuação, algo que, além<strong>de</strong> garantir a efetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s encaminhamentospossui uma importância relacionada ao aspectopolítico mais amplo. Ou seja, é algo relevante porsi, e não somente pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituiruma retaguarda para a intervenção. Houvetambém, nesse primeiro momento, conformeafirmação anterior, uma tímida tentativa <strong>de</strong> exploraro território, mas a disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> veículo seresumia ao dia, enquanto a previsão era realizar otrabalho interventivo à noite, o que não favorecia ovislumbre da real dimensão <strong>do</strong> trabalho.Nesse, que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como momentoinicial, o maior <strong>de</strong>safio foi manter o ânimo da equipe,face à ausência <strong>de</strong> condições para realização <strong>de</strong> todas asativida<strong>de</strong>s previstas. Como aspecto positivo, <strong>de</strong>stacamosa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar esse início para favorecer aintegração da equipe e incrementar a sua formaçãointelectual.PESQUISA E O MAPEAMENTO DAS ÁREASDes<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> projeto havia a expectativa <strong>de</strong> realizaras intervenções no distrito sanitário 8 on<strong>de</strong> está localiza<strong>do</strong>o CETAD/UFBA, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Barra-Rio Vermelho. Poresse motivo, o trabalho começou pela realização <strong>de</strong>contatos com os diversos dispositivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>cita<strong>do</strong> distrito, utilizan<strong>do</strong> inicialmente uma Kombi <strong>do</strong>CETAD, que ficou disponível para uso <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> no perío<strong>do</strong> vespertino. Mais à frente, a Prefeitura <strong>de</strong>Salva<strong>do</strong>r forneceu um veículo que também po<strong>de</strong>ria serutiliza<strong>do</strong> à noite, e assim começou a exploração noturna<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> território. O primeiro local explora<strong>do</strong> foi aBarra, um <strong>do</strong>s maiores cartões postais <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, ese<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversos eventos comemorativos na cida<strong>de</strong>.Além <strong>de</strong> uma classe média que já foi maisabastada, a Barra congrega turistas estrangeiros8A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r é mapeada pela Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> em 12 distritos sanitários.85


das mais diversas nacionalida<strong>de</strong>s. Em torno<strong>de</strong>sses, encontramos um expressivo contingente<strong>de</strong> profissionais <strong>do</strong> sexo e usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s, transitan<strong>do</strong> pelo bairroem busca <strong>de</strong> “ganhar a vida”. Porém, ao contrário<strong>do</strong> que pensávamos, não encontramos quantida<strong>de</strong>significativa <strong>de</strong> crianças e a<strong>do</strong>lescentes em situação<strong>de</strong> rua, tampouco encontramos o que <strong>de</strong>nominamoscenas públicas <strong>de</strong> uso. Apesar <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificarmos umforte movimento <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> substâncias psicoativas,o uso <strong>de</strong>ssas substâncias, ao que parece, ocorre emâmbitos priva<strong>do</strong>s, tais como quartos <strong>de</strong> hotéis, bares eresidências.Ainda na Barra, i<strong>de</strong>ntificamos um ponto interessante:um quiosque situa<strong>do</strong> em frente a uma comunida<strong>de</strong>on<strong>de</strong> sabidamente existem uso e tráfico <strong>de</strong> substânciaspsicoativas. Lá permanecemos por quatro semanasconsecutivas na tentativa <strong>de</strong> fazer vínculos, porémsem sucesso. Isso fez a equipe sair à procura <strong>de</strong> novosespaços, ainda <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mesmo distrito. Encontramosvários pontos <strong>de</strong> uso e venda, porém to<strong>do</strong>s localiza<strong>do</strong>sem comunida<strong>de</strong>s, o que configurava quadros bemdiferentes daqueles a que se propõe o <strong>Projeto</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Sen<strong>do</strong> assim, optamos por ultrapassar a áreainicialmente prevista e partimos para a exploração <strong>de</strong>pontos assisti<strong>do</strong>s pela edição anterior <strong>do</strong> projeto, comoos bairros da Pituba e Itapuã, on<strong>de</strong> encontramos, emboracom outras nuances, a mesma situação da Barra: a ruaesvaziada <strong>do</strong> nosso público-alvo.Diante <strong>de</strong> tais insucessos, buscamos informaçõesjunto a outros trabalha<strong>do</strong>res sociais, pesquisa<strong>do</strong>rese também li<strong>de</strong>ranças <strong>do</strong> movimento daspopulações <strong>de</strong> rua que indicaram o bairro <strong>do</strong>Comércio, na cida<strong>de</strong> baixa e o Centro Históricocomo focos <strong>de</strong> concentração <strong>do</strong> público-alvo <strong>do</strong>projeto. Esses eram basicamente os mesmos locaisconstantes no I Censo da População em Situação<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> em Salva<strong>do</strong>r, efetua<strong>do</strong> pela prefeitura.Colhidas as informações sobre as áreas indicadas– o que fizemos através da realização <strong>de</strong> visitasem dias e horários diferentes, realizan<strong>do</strong> contato,quan<strong>do</strong> possível, com transeuntes, mora<strong>do</strong>res ecomerciantes, para obtermos informações sobre otema <strong>de</strong> nosso interesse – construímos uma tabelana qual listamos to<strong>do</strong>s os locais visita<strong>do</strong>s, suasprincipais características, elencan<strong>do</strong> os aspectos quefavoreciam sua seleção para ponto <strong>de</strong> intervenção,assim como aqueles que <strong>de</strong>sfavoreciam a suaescolha. A partir <strong>de</strong>sse levantamento, a equipeconcluía se havia ou não a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> cadaponto para sediar o trabalho na rua. Com esseinstrumento meto<strong>do</strong>lógico extremamente simplesem mãos, buscamos investir na observaçãomassiva das áreas recomendadas, verifican<strong>do</strong> aimpossibilida<strong>de</strong> apresentada por algumas <strong>de</strong>las,<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à periculosida<strong>de</strong>, por exemplo, até que foi<strong>de</strong>finida a primeira área <strong>de</strong> intervenção: a Feira <strong>de</strong>São Joaquim, a maior feira livre da Bahia, on<strong>de</strong>, emsua parte <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>, especialmente a partir <strong>do</strong> fimda tar<strong>de</strong>, há gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong>substâncias psicoativas, além <strong>de</strong> profissionais <strong>do</strong>sexo e, até mesmo, segun<strong>do</strong> relatos, usuários <strong>de</strong>drogas injetáveis. Investimos também na abertura <strong>de</strong>um segun<strong>do</strong> campo, localiza<strong>do</strong> no Centro Histórico,86


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE III<strong>do</strong> qual <strong>de</strong>sistimos após um mês, apesar da boareceptivida<strong>de</strong> que teve o projeto. Tal <strong>de</strong>sistênciase <strong>de</strong>u por conta da mobilida<strong>de</strong> que aos poucosfoi se revelan<strong>do</strong> muito forte no local, configuran<strong>do</strong>certa indisponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s frequenta<strong>do</strong>res paraparticipar das ativida<strong>de</strong>s propostas pela equipe.Nesse momento <strong>de</strong> exploração territorial ficouparcialmente suspenso o trabalho <strong>de</strong> construçãoda re<strong>de</strong>, pois enten<strong>de</strong>mos que a escolha <strong>do</strong> localera, em parte, prece<strong>de</strong>nte a esse a esse trabalho.No entanto, após a seleção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is pontosiniciais, retomamos essa tarefa com maior afinco,posto que também fazia parte <strong>do</strong> entendimento daequipe que a importância <strong>de</strong> articular com a re<strong>de</strong>estava muito além da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituiruma retaguarda que garantisse a efetivação<strong>do</strong>s encaminhamentos feitos em campo, masrepresentava a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> favorecer orespeito aos direitos da população em situação <strong>de</strong>rua, alvo <strong>de</strong> estigmas e preconceitos, forçan<strong>do</strong>,assim, um posicionamento da re<strong>de</strong> intersetorial,na perspectiva da inclusão social.Nesse que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como segun<strong>do</strong>perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso percurso, os maiores <strong>de</strong>safiospertenceram à esfera objetiva, a exemplo da falta<strong>de</strong> veículo ou a limitação <strong>do</strong> seu uso no perío<strong>do</strong>vespertino. Outra espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio revelou-sea busca pelo local <strong>de</strong> atuação da equipe, pois foipreciso <strong>de</strong>sistir da busca por um local i<strong>de</strong>al paraa busca <strong>de</strong> um local viável <strong>de</strong>ntro das condiçõesconcretas <strong>de</strong> vida da população em questão.Nesse processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais sobrea própria rua, a equipe tornou mais aguçada suacompreensão sobre o papel político <strong>do</strong> trabalho<strong>de</strong> construção e articulação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio aonosso público-alvo.ABERTURA DE CAMPOO terceiro perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> aconteceu nos <strong>do</strong>is primeiros territóriosque sediaram a intervenção, locais que têm emcomum o fato <strong>de</strong> serem, ao mesmo tempo, belose <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>s, mas que configuraram <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>naturezas distintas, conforme será visto a seguir.FEIRA DE SÃO JOAQUIMA Feira <strong>de</strong> São Joaquim foi o primeiro campo <strong>de</strong>ssanova investida <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r.Segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da Secretaria <strong>de</strong> Turismo <strong>do</strong>Município <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, trata-se da maior feira livre<strong>do</strong> Brasil, ocupan<strong>do</strong> uma área <strong>de</strong> aproximadamente37 mil metros quadra<strong>do</strong>s, com cerca <strong>de</strong> 2 milestabelecimentos, on<strong>de</strong> trabalham cerca <strong>de</strong> 3 milfeirantes. Dentre esses, existem muitos comerciantes<strong>de</strong> artesanato e merca<strong>do</strong>rias tradicionais, o quefaz <strong>de</strong> São Joaquim, mais <strong>do</strong> que uma zona <strong>de</strong>comércio ou ponto <strong>de</strong> interesse turístico, umverda<strong>de</strong>iro símbolo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r. Apesar<strong>do</strong> trânsito incessante <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas, paramuitos, São Joaquim não constitui apenas umazona comercial, o que pô<strong>de</strong> ser comprova<strong>do</strong> pelaafirmação escutada inúmeras vezes pelos técnicos87


<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>: “sou nasci<strong>do</strong> e cria<strong>do</strong> aquina feira”. A recorrência <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> afirmaçãoreitera a existência <strong>de</strong> uma dimensão comunitáriaque está muito além da perspectiva das relaçõesfinanceiras.É nos fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong>sse complexo tão rico <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>spara os soteropolitanos que se concentra o público-alvo<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. O local é um cais semi<strong>de</strong>struí<strong>do</strong>,bastante precário em termos <strong>de</strong> higiene, ambientepropício para a contaminação por várias <strong>do</strong>enças,principalmente <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> currais <strong>de</strong>caprinos e suínos. Muitas vezes o vento levanta enormesnuvens <strong>de</strong> insalubre poeira, colan<strong>do</strong> na pele o cheiro <strong>do</strong>lugar e fazen<strong>do</strong> ar<strong>de</strong>r os olhos.A diretoria <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Feirantes franqueou a entradada equipe para realizar o trabalho na área, tambémfacilitan<strong>do</strong> o trabalho em relação a alguns aspectosobjetivos como, na medida <strong>do</strong> possível, a limpeza <strong>do</strong>sespaços e o empréstimo <strong>de</strong> algumas mesas e ca<strong>de</strong>iras.Entretanto, para se aproximar <strong>do</strong> público <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, a intermediação das li<strong>de</strong>ranças formais da feiranão constituía o melhor meio, por conta <strong>do</strong> evi<strong>de</strong>ntepreconceito em relação aos usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas. Para isso, esteve presente no local, juntocom a equipe, um redutor <strong>de</strong> danos experiente,chama<strong>do</strong> Jessé Oliveira, com longo histórico <strong>de</strong> atuaçãoem diversos pontos <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas dacida<strong>de</strong>, o qual apresentou alguns usuários aos técnicos.Inicialmente, compareciam à intervenção ospoucos adultos apresenta<strong>do</strong>s pelo menciona<strong>do</strong>redutor <strong>de</strong> danos, além <strong>de</strong> passantes eventuais,geralmente trabalha<strong>do</strong>res da feira. A distribuição <strong>de</strong>preservativos, nesse primeiro momento, foi a ativida<strong>de</strong>mais significativa, pois era por meio <strong>do</strong>s diálogosempreendi<strong>do</strong>s no momento da entrega <strong>do</strong> insumoque a equipe ia conhecen<strong>do</strong> as pessoas e se fazen<strong>do</strong>conhecer. A capoeira era outra ativida<strong>de</strong> que atraíaatenção substancial, favorecen<strong>do</strong> a construção <strong>do</strong>sprimeiros vínculos. O grupo <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes quefrequenta o local, se mostrava distante e reserva<strong>do</strong>,interagin<strong>do</strong> apenas eventualmente com algunstécnicos.As crianças, por sua vez, se aproximavam maisespontaneamente, especialmente após ooferecimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s como jogos <strong>de</strong> tabuleiroe leituras <strong>de</strong> obras infantis.Mais tar<strong>de</strong>, o comportamento <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentespo<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong> como parte <strong>de</strong> um processo<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> confiança, que durou cerca <strong>de</strong> trêsmeses, perío<strong>do</strong> no qual finalmente começaram ater acesso à equipe <strong>de</strong> forma significativa.Apesar <strong>do</strong> ambiente inóspito on<strong>de</strong> ocorre aintervenção, São Joaquim é um campo que semostra bastante produtivo, atrain<strong>do</strong> muitas pessoasem busca <strong>de</strong> preservativos e encaminhamentos paraa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e assistência social <strong>do</strong> município.Pessoas que procuravam informações gerais sobresaú<strong>de</strong> e <strong>do</strong>enças sexualmente transmissíveis, asobtinham através das oficinas realizadas pelostécnicos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e da observação88


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE III<strong>de</strong> álbuns seria<strong>do</strong>s e folhetos distribuí<strong>do</strong>s com ointuito <strong>de</strong> fomentar o autocuida<strong>do</strong> e divulgar nafeira o projeto como um to<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, énecessário ressaltar a importância da regularida<strong>de</strong>da intervenção (ter dia e horário fixos) além dacriação <strong>de</strong> estratégias para tornar a ação conhecidae atraente.Outro aspecto <strong>do</strong> trabalho é a construção da re<strong>de</strong><strong>de</strong> apoio no território, o que foi feito a partir da visita<strong>do</strong>s técnicos aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e assistência,firman<strong>do</strong> parcerias para garantir o atendimento daspessoas encaminhadas.Desse mo<strong>do</strong>, a própria permanência no campo e aconsolidação crescente da intervenção se configuramcomo avanços, assim como a cooperação dasli<strong>de</strong>ranças e <strong>de</strong> comerciantes situa<strong>do</strong>s próximos aolocal da intervenção, inclusive os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong>s bares quecongregam indivíduos em busca <strong>de</strong> lazer e alteração<strong>de</strong> consciência por meio <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> bebida alcoólica.Tornou-se <strong>de</strong>safio nesse território, então, esclarecerpara esses indivíduos que a ludicida<strong>de</strong> proposta peloConsultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> não <strong>de</strong>via ser confundida comuma proposta <strong>de</strong> animação <strong>do</strong> ambiente, situaçãoque colocava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marcar firmementeo senti<strong>do</strong> da presença <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nolocal e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s técnicos como profissionaisda saú<strong>de</strong>. Em relação ao público-alvo <strong>do</strong> projeto –crianças e a<strong>do</strong>lescentes – a conquista progressivada sua atenção compreendia um avanço, ao mesmotempo em que colocava também o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong>ampliar continuamente essa confiança.LADEIRA DA PREGUIÇAA área da Preguiça, segun<strong>do</strong> campo <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, é uma zona resi<strong>de</strong>ncial, habitada porpessoas <strong>de</strong> renda muito baixa. Por conta <strong>de</strong> sualocalização, no Centro <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, ligan<strong>do</strong> a Cida<strong>de</strong>Baixa à Cida<strong>de</strong> Alta, é também um local <strong>de</strong> fluxointenso <strong>de</strong> carros e pessoas. Seu nome remontaaos tempos da escravidão, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>-se, segun<strong>do</strong>a antropóloga Elisete Zanlorenzi (MENEZES, 2005),aos gritos <strong>de</strong> “sobe, preguiça”, lança<strong>do</strong>s das sacadas<strong>do</strong>s sobra<strong>do</strong>s para os negros que subiam a la<strong>de</strong>ira,levan<strong>do</strong> nas costas as merca<strong>do</strong>rias <strong>de</strong>sembarcadasno porto. A Preguiça possui a peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tersi<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s pontos <strong>de</strong> intervenção na primeiraedição <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, fator que favoreceua inserção no campo. Em relação a esse aspecto, omotorista, remanescente da primeira equipe foi oprincipal articula<strong>do</strong>r, contan<strong>do</strong> com o apoio <strong>de</strong> duasli<strong>de</strong>ranças comunitárias que já haviam verbaliza<strong>do</strong>,na etapa <strong>do</strong> mapeamento, o quanto <strong>de</strong>sejavam oretorno <strong>do</strong> trabalho ao território.A dinâmica <strong>do</strong> trabalho na Preguiça revelou-secompletamente diferente daquela <strong>de</strong>senvolvidaem São Joaquim. Mesmo haven<strong>do</strong> uma quantida<strong>de</strong>expressiva <strong>do</strong> público-alvo <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>circulan<strong>do</strong> pelos becos e casarões aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>sda área, a <strong>de</strong>manda que chegava aos técnicos eraa <strong>de</strong> interagir com as crianças da comunida<strong>de</strong>,que aparentemente não eram usuárias <strong>de</strong>substâncias psicoativas. No entanto, mesmo sempertencer exatamente ao público-alvo <strong>do</strong> projeto,89


a equipe consi<strong>de</strong>rou que essas crianças estão emrisco, pelo convívio cotidiano com usuários <strong>de</strong>substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, quer pelaexposição ao uso, quer pela naturalização <strong>de</strong>ssaspráticas no local on<strong>de</strong> vivem. Foi impressionante,nesse senti<strong>do</strong>, testemunhar a brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> <strong>do</strong>isgarotos <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito anos, em que um <strong>de</strong>lesdizia: “hoje eu que sou o <strong>do</strong>no da boca”.Por outro la<strong>do</strong>, como é amplamente sabi<strong>do</strong>,a aproximação com usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas é sempre lenta e processual, uma vezque, por conta <strong>de</strong> preconceitos e da violênciasofrida cotidianamente, não se <strong>de</strong>ixam acercarfacilmente. A equipe encarou como oportunoo trabalho junto às crianças da comunida<strong>de</strong>,pois, ao mesmo tempo que uma parte daequipe empreendia estratégias <strong>de</strong> prevençãocom essas crianças, outra <strong>de</strong>dicava atençãomais imediata aos usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas que estavam nas ruas, consumin<strong>do</strong>asincessantemente e corren<strong>do</strong> riscos diversospor conta disso. Essa divisão favoreceu umacompreensão da importância <strong>do</strong> trabalho<strong>de</strong> equipe coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, no qual por meio dadivisão <strong>de</strong> tarefas, os integrantes po<strong>de</strong>m atuarno mesmo território, em várias direções <strong>de</strong>trabalho simultaneamente. A cada semana foisen<strong>do</strong> possível <strong>de</strong>tectar uma evolução, mesmoque pequena, em relação à aproximação como público-alvo, mensurada através <strong>do</strong>s convitespara os técnicos se aproximarem <strong>do</strong>s locais <strong>de</strong>uso, para, por exemplo, distribuir preservativos.Em relação às crianças da comunida<strong>de</strong>, não erapossível simplesmente brincar; por isso, garantiro aspecto preventivo nas intervenções com ascrianças constituiu um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio. Primeiro,a equipe observou a dinâmica das relações entreelas, para então oferecer ativida<strong>de</strong>s corporaise lúdicas a<strong>de</strong>quadas ao contexto <strong>de</strong> interação,marcadas, no caso, por uma certa agressivida<strong>de</strong> nocontato um com o outro. A equipe também discutiusobre como abordar o tema <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> drogas,concordan<strong>do</strong> em esperar o assunto aparecer e,nessas oportunida<strong>de</strong>s, tratá-lo sempre com omáximo <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, para não reforçar estereótipostampouco promover uma positivação da imagem<strong>do</strong>s usuários em um nível que possibilitasseque fossem toma<strong>do</strong>s como mo<strong>de</strong>los. A equipeestava atenta à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir oimaginário estigmatizante em relação às drogas,mas percebia ainda a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za <strong>de</strong>ssa tarefa noâmbito da comunida<strong>de</strong> da Preguiça, haja vista que,especificamente para essas crianças, o usuário éalguém com quem convivem cotidianamente.O outro gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio foi o <strong>de</strong> conquistar aconfiança <strong>do</strong>s usuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Com o avanço <strong>do</strong> trabalho, constatamos não só oretorno contínuo das crianças à intervenção, mastambém a cooperação constante das li<strong>de</strong>ranças e<strong>de</strong> membros da comunida<strong>de</strong>. Inclusive, ao final <strong>de</strong>2010, a equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> participoujuntamente com pessoas da comunida<strong>de</strong> darealização <strong>de</strong> uma festa <strong>de</strong> Natal, por meio daqual pô<strong>de</strong> fomentar a articulação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res.90


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIOutro avanço foi a aproximação progressiva com opúblico-alvo <strong>do</strong> projeto e também com profissionais<strong>do</strong> sexo, travestis em sua maioria, que resi<strong>de</strong>m ecirculam pela localida<strong>de</strong>.TRABALHANDO NA RUAO momento da equipe atuar na rua envolve, como foi<strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>, um planejamento amplo e cuida<strong>do</strong>so.Mas existe também uma dimensão <strong>de</strong> caráter “prático”,referente ao dia a dia, a qual preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>screver.Isso não significa, porém, que haja na rotina umenfraquecimento da dimensão reflexiva, já que essa éuma condição imprescindível <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.Além <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s, supervisões, visitas institucionais,acompanhamentos e reuniões, existe uma rotina quese estrutura em torno das idas à rua que começa aindana instituição, quan<strong>do</strong> a equipe realiza uma reuniãoprévia à ida a campo. Nesse momento são pensadaspropostas <strong>de</strong> intervenção, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as percepçõese impressões da equipe sobre os dias anteriores <strong>de</strong>atuação. Esse planejamento, no entanto, não é rígi<strong>do</strong>, jáque a imprevisibilida<strong>de</strong> da rua exige flexibilida<strong>de</strong>. É combase no menciona<strong>do</strong> planejamento que é feita a seleção<strong>do</strong> material que é leva<strong>do</strong> para a utilização na rua. Entre osobjetos se incluem: o álbum seria<strong>do</strong>, jogos <strong>de</strong> tabuleiro(<strong>do</strong>minó, dama, xadrez), banner <strong>do</strong> projeto, revistas, cola,palheta <strong>de</strong> pintura, violão, berimbau, quadro branco,fantoches, materiais <strong>de</strong> beleza e uma boa quantida<strong>de</strong><strong>de</strong> preservativos, além <strong>do</strong>s indispensáveis formulários <strong>de</strong>encaminhamento, requisições e fichas <strong>de</strong> registro dasações.A equipe vai a campo semanalmente, em dia e horário<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s e lá permanece por cerca <strong>de</strong> quatro horas.Na verda<strong>de</strong>, essa é uma média, pois não há comoestabelecer um tempo exato, sen<strong>do</strong> a dinâmica da rua oque <strong>de</strong>termina esse aspecto, especialmente quan<strong>do</strong> seleva em consi<strong>de</strong>ração a quantida<strong>de</strong> e o fluxo <strong>de</strong> pessoasatendidas, variável <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com eventos como batidaspoliciais, episódios <strong>de</strong> violência ou até uma prosaicachuva. Cada campo possui <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong>correntes dassuas especificida<strong>de</strong>s, mas po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar ativida<strong>de</strong>smuito recorrentes, a exemplo das escutas 9 , distribuição<strong>de</strong> preservativos, oficinas sobre <strong>do</strong>enças sexualmentetransmissíveis e encaminhamentos para serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. A música é sempre bem recebida, assim como acapoeira, e ambas costumam promover aproximações einterações livres, a partir das quais po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brarintervenções.Na rua, os técnicos primeiramente observame cumprimentam os frequenta<strong>do</strong>res habituais<strong>do</strong> local. Em seguida se distribuem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong>com as tarefas que planejaram realizar e organizam9Sobre as escutas, tratam-se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iras entrevistas, no aqui e agora próprios <strong>do</strong> tempo da rua, on<strong>de</strong> o técnico po<strong>de</strong> estabelecer um vínculo mais individualiza<strong>do</strong>com a pessoa atendida. É um instrumento <strong>de</strong> intervenção privilegia<strong>do</strong>, pois favorece o acolhimento <strong>de</strong> cada sujeito em sua singularida<strong>de</strong>, o queoferece subsídios para uma orientação e acompanhamento particulariza<strong>do</strong> para cada situação relacionada a um sofrimento físico, psíquico e/ou social.91


os materiais <strong>de</strong> maneira que as pessoas possamvisualizá-los e ter o interesse <strong>de</strong>sperta<strong>do</strong>. Algunsprofissionais se encarregam <strong>de</strong> oferecer preservativosaos passantes, receben<strong>do</strong> sempre solicitações epedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> informações, os quais são logo atendi<strong>do</strong>sou repassa<strong>do</strong>s para outros técnicos, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com aespecificida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>manda.Em relação ao aspecto da interação da equipe, caberessaltar a conjunção <strong>do</strong>s diversos saberes, semprebuscan<strong>do</strong> exercitar a interdisciplinarida<strong>de</strong>. Assim,embora necessitem manter um compromisso com asatribuições características da sua formação original, osprofissionais não ficam presos a essa especificida<strong>de</strong>, mascompartilham e colaboram com as outras categorias.Por exemplo, a enfermeira já teve a ajuda <strong>de</strong> umapsicóloga para fazer um curativo em um mora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> ruaque sofreu uma pequena lesão na panturrilha esquerda,como também a mesma enfermeira po<strong>de</strong> ajudarum psicólogo no suporte <strong>de</strong> escuta a uma usuária,mãe <strong>de</strong> uma das crianças atendidas, que relatou estarvivencian<strong>do</strong> dificulda<strong>de</strong>s na relação com os filhos apósa separação <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>.Seja nas oficinas ou nos atendimentos individuais,os técnicos procuram manter uma comunicação,sempre atentos às sutilezas <strong>do</strong> instável contextoem que atuam. Outro aspecto a ser realça<strong>do</strong> é quea maior parte da reflexão é empreendida semprea partir da prática, <strong>do</strong> que se vive. Nesse senti<strong>do</strong>,<strong>de</strong>stacamos a importância da reunião pós-campo,na qual os técnicos compartilham suas impressões,dificulda<strong>de</strong>s e buscam soluções conjuntas paraaprimorar a prática da equipe.Falan<strong>do</strong> especificamente <strong>do</strong> trabalho na rua, acoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> equipe, que acompanha o grupo emtodas as idas à rua, lança um olhar sobre o conjunto,visan<strong>do</strong> a afinação <strong>do</strong>s profissionais e o alcance <strong>do</strong>sobjetivos <strong>do</strong> projeto. De mo<strong>do</strong> complementar, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>à natureza <strong>do</strong> trabalho e ao contexto em que atuam, acoor<strong>de</strong>nação se mantém aberta para ouvir e trabalharos me<strong>do</strong>s e dificulda<strong>de</strong>s que o trabalho na rua suscita,buscan<strong>do</strong> auxílio, sempre que necessário, na supervisãoclínica-institucional <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.AVALIAÇÃO DO TRABALHO DO CONSULTÓRIO DERUAEm relação aos <strong>de</strong>safios e avanços <strong>do</strong> trabalho na rua,os primeiros são inúmeros e se fazem presentes to<strong>do</strong>sos dias, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>-se a imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> contexto<strong>de</strong> atuação. Por esse motivo, os critérios <strong>de</strong> avaliaçãodas intervenções da equipe têm si<strong>do</strong> construí<strong>do</strong>s commuito cuida<strong>do</strong>. Outro gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio é avaliar caso acaso e trabalhar a partir das oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>tectadas,pois, a <strong>de</strong>speito da existência <strong>de</strong> uma ética que respaldao trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, não existe umafórmula pronta para cada situação. Por outro la<strong>do</strong>, um<strong>do</strong>s avanços é ter o campo constituí<strong>do</strong>, com a equipetrabalhan<strong>do</strong> e refletin<strong>do</strong> continuamente sobre suaprática, visan<strong>do</strong> consolidar e aprimorar sua atuação emcada território, ao mesmo tempo que, no passo miú<strong>do</strong><strong>de</strong> cada dia, fortalece tanto a proposta <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> quanto seus <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos políticos.92


RELATO DE EXPERIÊNCIA EQUIPE DO CONSULTÓRIO DE RUA /SAÚDE (DE CARA) NA RUA.93<strong>Projeto</strong> consultório <strong>de</strong> rua -29-06-12.indd 93 29/6/2012 11:52:26


POR QUE O SAÚDE (DE CARA) NA RUA?No Brasil, o tráfico <strong>de</strong> substâncias psicoativasilícitas tem si<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>, historicamente,como um grave problema <strong>de</strong> segurançapública, constatação que encontra ressonâncianos diferentes setores e segmentos da socieda<strong>de</strong>.Os aspectos i<strong>de</strong>ológicos, culturais, os interesseseconômicos e políticos que inci<strong>de</strong>m sobre a questãodas drogas são diversos, crian<strong>do</strong> uma correlação <strong>de</strong>forças que <strong>de</strong>terminam a forma preconceituosa ereducionista como o tema vem sen<strong>do</strong> trata<strong>do</strong> pelasocieda<strong>de</strong> e pela mídia, que por sua vez, o aborda <strong>de</strong>forma sensacionalista, estigmatizan<strong>do</strong> os usuários erelacionan<strong>do</strong> o uso das drogas com criminalida<strong>de</strong> emorte. Importante consi<strong>de</strong>rar que a temática tem si<strong>do</strong>pouco estudada, estan<strong>do</strong> mais atrelada às questõesmorais. De forma pouco reflexiva se produz estigmassobre os usuários e se dificulta o esclarecimento sobreo assunto para a população geral.Diante <strong>de</strong>sse quadro, uma das questões que estáposta ao <strong>Projeto</strong> “Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>” é: comolevar para o espaço público o tema das drogasilícitas e convocar a participação da socieda<strong>de</strong> nasua discussão?O projeto “Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>” foi concebi<strong>do</strong>no Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Terapia <strong>do</strong> Abuso <strong>de</strong> Drogas– CETAD, serviço especializa<strong>do</strong> da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Medicina da Bahia (FMB/UFBA) 10 , e tem comoobjetivo realizar ações informativas, educativas,preventivas e <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> danos relaciona<strong>do</strong>s aouso <strong>de</strong> substâncias psicoativas junto à população<strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r. A equipe transita na cida<strong>de</strong> comoum espaço alternativo, criativo e diferencia<strong>do</strong> quepromove a possibilida<strong>de</strong> da discussão crítica <strong>do</strong>tema, <strong>de</strong>stituin<strong>do</strong> as substâncias e seus usos <strong>de</strong>imaginários equivoca<strong>do</strong>s e, principalmente, <strong>de</strong>responsabilizações únicas pela violência urbanatão evi<strong>de</strong>nte nos dias atuais. Aliás, esta é umadas características <strong>do</strong> projeto: <strong>de</strong>sconstruir o lugarcomum e confrontar o imaginário social sobre assubstâncias psicoativas lícitas e ilícitas, na tentativa<strong>de</strong> provocar modificações <strong>de</strong> pensamento ecomportamento em relação à temática.Nesse senti<strong>do</strong>, o projeto possibilita a circulaçãoda informação sobre saú<strong>de</strong> nas ruas <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r<strong>de</strong> forma dinâmica, incluin<strong>do</strong> os mais diversoslugares e recursos da comunicação e da arte,alia<strong>do</strong> a uma escuta sensível, para acolhimentoe encaminhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas da população.A ativida<strong>de</strong> envolve também a redução <strong>de</strong> riscose danos, abre espaço para discussão em umaperspectiva sócio-antropológica das substânciaspsicoativas, discute as políticas sobre drogasexistentes (proibicionistas ou não), questões10Esta ativida<strong>de</strong>, tanto quanto o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, surgiu a partir das reflexões <strong>do</strong> Prof. Antonio Nery Filho, funda<strong>do</strong>r e coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> CETAD/UFBA, sobre oconsumo <strong>de</strong> produtos psicoativos e suas vicissitu<strong>de</strong>s.94


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIsobre sexualida<strong>de</strong> e HIV/AIDS e proporcionainformação, educação e compreensão <strong>do</strong>s fatos edas circunstâncias que envolvem o uso <strong>de</strong> SPAs. Oprojeto propõe acessar novos espaços e públicosatravés <strong>de</strong> ferramentas meto<strong>do</strong>lógicas respaldadasna linguagem artística: música, performance eintervenção na cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma inova<strong>do</strong>ra.A equipe <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong> diferencia-seem sua forma <strong>de</strong> abordagem <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo original<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, por não ter que abrircampo e nele permanecer, construir vínculos,fazer encaminhamentos ou atendimentos <strong>de</strong>assistência à saú<strong>de</strong> das pessoas em situação <strong>de</strong> ruaou afixa<strong>do</strong>s naquelas áreas <strong>de</strong> atuação. A cida<strong>de</strong> esuas circunstâncias são o palco <strong>de</strong>ssa intervenção.UMA EQUIPE EM CONSTANTE “FORMAÇÃO”A equipe <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong> éconstituída por profissionais <strong>de</strong> diversas formações:a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> projeto, que é terapeutaocupacional e os <strong>de</strong>mais integrantes: duas psicólogas,um músico, uma artista plástica, uma pedagoga,uma administra<strong>do</strong>ra (com experiência no campoartístico), uma redutora <strong>de</strong> danos e um motorista.O processo <strong>de</strong> seleção consi<strong>de</strong>rou os seguintescritérios: experiência com o trabalho no território,concepção da temática a partir <strong>do</strong> referencial da saú<strong>de</strong>coletiva, conhecimento na utilização da estratégiada redução <strong>de</strong> danos consequentes <strong>do</strong> uso abusivo<strong>de</strong> substâncias psicoativas e experiências artísticasque favorecessem a interação com a comunida<strong>de</strong>.Após a seleção da equipe, foi inicia<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong>discussão/construção da meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> trabalho,com orientação e acompanhamento da supervisão,e <strong>do</strong> i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto, Prof. Antonio Nery Filho,processo permea<strong>do</strong> pela capacitação/formação <strong>do</strong>sprofissionais para a implementação <strong>do</strong> projeto. Emface da diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s componentes da equipe, foinecessário integrar os diferentes saberes e práticas,a fim <strong>de</strong> possibilitar o diálogo e a construçãoconjunta <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> trabalho. Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o primeiro momento, a formação da equipe temsi<strong>do</strong> permanente, através <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s dirigi<strong>do</strong>s,discussão <strong>de</strong> situações vividas no contexto da rua esupervisão <strong>do</strong> trabalho realizada regularmente.A dinâmica interna da equipe é permeada por umadiscussão conjunta sobre todas as ativida<strong>de</strong>s aserem <strong>de</strong>senvolvidas, seja previamente à ida à rua,como também após a realização das intervenções.Nas reuniões, houve uma preocupação constantesobre a avaliação <strong>do</strong> trabalho, seus efeitos,pontos positivos e pontos a serem aperfeiçoa<strong>do</strong>spara as próximas intervenções. Com um grupoforma<strong>do</strong> por profissionais <strong>de</strong> diversas disciplinas,inclusive para além <strong>do</strong> campo da saú<strong>de</strong>, o trabalhoexige um investimento constante no diálogo ena interação <strong>de</strong>sses técnicos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que éoferecida a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os integrantestrazerem constantemente suas observações eopiniões, amplian<strong>do</strong> as concepções sobre ostemas a serem aborda<strong>do</strong>s nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rua.Como consequência, os núcleos específicos <strong>de</strong>conhecimento se cruzam em novas trocas, novos95


olhares, crian<strong>do</strong> um campo comum, com diferentesníveis <strong>de</strong> intervenção, em que to<strong>do</strong>s participam econtribuem para o objetivo <strong>de</strong> levar informação àpopulação.Importante <strong>de</strong>stacar o processo <strong>de</strong> supervisão daequipe enquanto uma estratégia <strong>de</strong> facilitação <strong>do</strong>entendimento <strong>do</strong> grupo sobre o trabalho, o quepossibilitou que a equipe analisasse suas práticase refletisse sobre como trabalha e que resulta<strong>do</strong>spretendia alcançar. A partir da supervisão, surgiramnovas reflexões sobre os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sentir, pensar eagir, bem como novos caminhos foram trilha<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> a favorecer o reconhecimento <strong>do</strong>s limites e daspossibilida<strong>de</strong>s. Manejo <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> divergências– consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que não existe uniformida<strong>de</strong><strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e referenciais teóricos – encontros e<strong>de</strong>sencontros, insatisfações e alegrias, frustrações elágrimas ocorreram. A supervisão possibilitou que aequipe se <strong>de</strong>scobrisse por meio <strong>do</strong> trabalho.96


CONSTRUINDO O FAZER: PLANEJAR, MAPEAR, REGISTRAR97


PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADESAs ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> rua são pensadas e planejadaspelos profissionais em reuniões, com aparticipação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os integrantes. A equipetrabalha cinco turnos por semana, optan<strong>do</strong> por: (1)um turno para realização da reunião para estu<strong>do</strong>teórico e avaliação das intervenções; (2) outro turnopara a elaboração <strong>de</strong> materiais que são construí<strong>do</strong>smanualmente por to<strong>do</strong>s os integrantes, além <strong>de</strong> ensaios<strong>de</strong> algumas performances artísticas; (3) os outros três diasda semana são usa<strong>do</strong>s para intervenções em campo.Os encontros e reuniões são importantes, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>que a equipe <strong>de</strong>ve ir para a rua sincronizada, com aação pré-<strong>de</strong>finida, ainda que na rua o inespera<strong>do</strong> e oinusita<strong>do</strong> façam parte <strong>do</strong> script. Além <strong>do</strong>s ensaios, osmateriais usa<strong>do</strong>s tornam-se importantes para atrair opúblico e chamar atenção das pessoas, motivo peloqual se investiu em ornamentos e em uma estéticaatrativa para estar nas ruas.MAPEAMENTO E ESCOLHA DAS ÁREAS DEATUAÇÃOAs observações em campo fizeram com que aequipe refletisse sobre a proposta <strong>do</strong> trabalho,buscan<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong>r qual o público-alvo e aspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> inserção no campo, bem comosobre a investigação das rotinas <strong>do</strong>s possíveis locais<strong>de</strong> atuação. Ao circular pelos diversos espaçospúblicos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, os profissionaisdiscutiam possíveis intervenções e recursos materiaisque po<strong>de</strong>riam ser emprega<strong>do</strong>s na ação.A fase <strong>de</strong> observação <strong>do</strong>s espaços que prece<strong>de</strong>u a fase<strong>de</strong> intervenção foi primordial para a compreensão <strong>do</strong>projeto e contribuiu para o estabelecimento <strong>de</strong> um nortepara as atuações subsequentes. Contu<strong>do</strong>, a rua é lugarinconstante, on<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> muda: o tempo, as pessoas,as rotinas. Levar esse fato em consi<strong>de</strong>ração permitiuà equipe respeitar os movimentos característicos <strong>do</strong>lugar, pois é a rua quem dita o que acontece. Essaconstatação foi importante, uma vez que <strong>de</strong>spertou naequipe a abertura para o improviso e para a adaptaçãoàs circunstâncias inusitadas.A pesquisa <strong>de</strong> possíveis áreas <strong>de</strong> atuação teve iníciocom a observação da Praça da Pieda<strong>de</strong> 11 , localizadano Centro da Cida<strong>de</strong>, entre duas avenidas importantescomercialmente: a Avenida Joana Angélica e aAvenida Sete <strong>de</strong> Setembro. O bairro <strong>do</strong> Comércio,localiza<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> Baixa <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, também foilocal <strong>de</strong> mapeamento da equipe, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong>pela entrada e saída <strong>do</strong> Eleva<strong>do</strong>r Lacerda, referência<strong>de</strong> lugar em Salva<strong>do</strong>r, ligan<strong>do</strong> a Cida<strong>de</strong> Alta à Cida<strong>de</strong>Baixa. Passamos pelo Merca<strong>do</strong> Mo<strong>de</strong>lo e fomos atéa Praça Marechal Deo<strong>do</strong>ro (Praça da Mão), on<strong>de</strong>encontramos um comércio informal <strong>de</strong> produtos11Entre 1987 e 1989 teve lugar nesta praça a primeira “observação <strong>de</strong> lugares” <strong>do</strong> CETAD/UFBA, <strong>de</strong>nominada “Banco <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>”, <strong>de</strong> fundamental importânciapara a implantação em 1995 <strong>do</strong> “Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>” e das ativida<strong>de</strong>s redutoras <strong>de</strong> danos.98


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIvaria<strong>do</strong>s: frutas, bolsas, alguns quiosques que fazemo comércio <strong>de</strong> álcool e alimentação, com uma levemovimentação <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas, prostituição euso <strong>de</strong> substâncias psicoativas.A equipe ainda esteve na Feira <strong>de</strong> São Joaquim como objetivo <strong>de</strong> se aproximar <strong>do</strong>s ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res e da rádiolocal, a fim <strong>de</strong> estabelecer parcerias. Além <strong>de</strong>ssas áreas,foram realizadas observações no Beco da Cultura,localiza<strong>do</strong> no bairro <strong>do</strong> Nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> Amaralina, um <strong>do</strong>sbairros com maior índice <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas e violênciada Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r. O Beco da Cultura diferencia-sedas <strong>de</strong>mais localida<strong>de</strong>s por ter, em sua extensão, duasescolas estaduais e uma municipal <strong>de</strong> ensino médio,um complexo policial, além <strong>de</strong> um Centro Social Urbano(CSU) on<strong>de</strong> acontecem projetos sociais. Tal aproximação99


com locais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> estudantes mobilizoua equipe a circular por outras áreas, como a Praça <strong>do</strong>Campo Gran<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> já se tinha observa<strong>do</strong> a presença<strong>de</strong> estudantes reuni<strong>do</strong>s, às sextas-feiras no final da tar<strong>de</strong>,em rodas <strong>de</strong> conversa e também em abuso <strong>de</strong> bebidasalcoólicas e tabaco. Além <strong>de</strong>ssas áreas, a equipe tambémrealizou observações em locais com característicasparticulares e complexas, a exemplo das estações <strong>de</strong>transbor<strong>do</strong> da Lapa, Estação Iguatemi, Estação daCalçada, Estação Mussurunga, locais implica<strong>do</strong>s namobilização urbana <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, realizan<strong>do</strong>, porvezes, intervenções em alguns <strong>de</strong>sses espaços.Após esse extenso mapeamento <strong>de</strong> áreas, a equipeoptou por iniciar as ativida<strong>de</strong>s no distrito Barra-RioVermelho, pois trata-se <strong>de</strong> uma região praiana, comum público varia<strong>do</strong> <strong>de</strong> pessoas das periferias <strong>de</strong>Salva<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>s bairros nobres, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> evi<strong>de</strong>nteum gran<strong>de</strong> contraste social e uma gama <strong>de</strong> públicoque po<strong>de</strong>ria ser alcançada. Nesse distrito, <strong>do</strong>islocais receberam atenção inicial e constituíram osprimeiros pontos <strong>de</strong> intervenção da equipe, forameles: o Porto da Barra, uma das praias mais populares<strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r e a Orla <strong>do</strong> bairro Rio Vermelho queconta com uma ampla concentração <strong>de</strong> bares erestaurantes, além <strong>de</strong> ser um <strong>do</strong>s pontos turísticosda cida<strong>de</strong>.REGISTRO DIÁRIOConsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a principal característica <strong>do</strong> projeto, istoé, a gran<strong>de</strong> circulação pelos diversos espaços da cida<strong>de</strong>,bem como a aproximação com um público varia<strong>do</strong>e não especificamente consumi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> substânciaspsicoativas ilícitas, a equipe funciona como uma espécie<strong>de</strong> “observatório social ambulante”, excepcionalpossibilida<strong>de</strong> para mapear etnoantropologicamentea cida<strong>de</strong> ao longo <strong>do</strong> tempo. Observamos o que aspessoas pensam e falam sobre o uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas na cida<strong>de</strong>. Dessa forma, os registros dasativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> campo são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, nãosó para o processo <strong>de</strong> avaliação, mas também para acompreensão <strong>do</strong>s diversos aspectos relaciona<strong>do</strong>s aotema das drogas – uso, tráfico etc. Os registros foramfeitos individualmente em todas as ativida<strong>de</strong>s internas eexternas e entregues à coor<strong>de</strong>nação to<strong>do</strong>s os meses.Nesse senti<strong>do</strong>, a equipe usou a etnografia como umadas formas privilegiadas <strong>de</strong> registro, pois possibilitou aaproximação com uma realida<strong>de</strong> complexa envolven<strong>do</strong>o tema das substâncias psicoativas, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-as emsuas diversas possibilida<strong>de</strong>s e a partir <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>ssocioculturais que lhes são atribuí<strong>do</strong>s (MACRAE, 1994).As situações presenciadas nas ruas, em diferentescontextos sociais, pu<strong>de</strong>ram ser apreendidas no contatoentre a equipe e os grupos sociais sobre os quaisforam realiza<strong>do</strong>s os recortes para análise. Os registrosdas observações foram colhi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diversas formas,a partir <strong>de</strong> conversas informais, <strong>de</strong> observações e<strong>de</strong> entrevistas posteriormente analisadas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong><strong>de</strong>scritivo e interpretativo. A equipe buscou registrartodas as intervenções com equipamentos fotográficose <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o. O ví<strong>de</strong>o é uma ferramenta <strong>de</strong> extremaimportância para a <strong>do</strong>cumentação das intervençõese produção <strong>do</strong> material etnográfico. Com ele temosrelatos importantes da população e um retorno <strong>do</strong>100


trabalho apresenta<strong>do</strong>. A presença <strong>do</strong> equipamentonas intervenções causou reações diversas que forammanejadas pela equipe em cada caso, a fim <strong>de</strong> evitarqualquer constrangimento. Durante a abordagem,<strong>de</strong>ixamos claro como se daria o registro e isso foifeito <strong>de</strong> maneira cuida<strong>do</strong>sa e atenciosa. A qualquermomento, o transeunte pô<strong>de</strong> sinalizar se gostaria ounão <strong>de</strong> ser filma<strong>do</strong>.O registro em ví<strong>de</strong>o e fotografia aten<strong>de</strong> a <strong>do</strong>is objetivoscentrais. O primeiro é o <strong>de</strong> funcionar como instrumentopara entrevistas e coletas <strong>de</strong> relatos <strong>do</strong> público em geralna situação <strong>de</strong> intervenção; o segun<strong>do</strong> se inscrevecomo contrapartida das ações executadas pelosprofissionais, avalian<strong>do</strong> a intervenção em sua plenitu<strong>de</strong>bem como divulgação <strong>do</strong> trabalho para outros gruposprofissionais através <strong>do</strong> audiovisual.Os diários <strong>de</strong> campo também se constituíram emimportantes fontes <strong>de</strong> registro. Esses diários foramusa<strong>do</strong>s com o intuito <strong>de</strong> que cada integrante observassee comentasse as ativida<strong>de</strong>s e impressões, sen<strong>do</strong> feitauma avaliação das mesmas.TRABALHANDO NA RUAA equipe <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong> diferencia-se emsua abordagem <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> por:(1) não se fixar a uma <strong>de</strong>terminada área <strong>de</strong> atuação; (2)por não ter como estratégia <strong>de</strong> intervenção a construção<strong>de</strong> vínculos terapêuticos, no senti<strong>do</strong> clínico, com aspessoas atendidas; (3) por não focar suas ativida<strong>de</strong>sem atendimentos assistenciais e em saú<strong>de</strong> volta<strong>do</strong>s101


para pessoas em situação <strong>de</strong> rua. O Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara)na <strong>Rua</strong> tem como público-alvo a(o) cidadã(o) que – nãonecessariamente – faz uso <strong>de</strong> substâncias psicoativasilícitas. Na atuação na rua, a equipe oferece um espaçopara inserir esse(a) cidadão(a) nas discussões <strong>de</strong> temasrelaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas. A ênfaseestá na informação e <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> questões pertinentesa to<strong>do</strong>s no que tange a cuida<strong>do</strong>s com a saú<strong>de</strong> e oconsumo <strong>de</strong> drogas; daí <strong>de</strong>corre a utilização da estratégiada redução <strong>de</strong> danos operada pela equipe.Quan<strong>do</strong> a equipe vai às ruas, é possível notar umagran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões e riqueza nas discussões.As pessoas querem se posicionar sobre um tema quemobiliza a socieda<strong>de</strong> contemporânea, e a utilização <strong>de</strong>uma estética com humor e diversão mostrou-se umacombinação eficaz para abordagem com o público.O trabalho na rua construí<strong>do</strong> conjuntamente pelosprofissionais busca imprimir um caráter dinâmico e visível.Muitas vezes a equipe vai a locais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação<strong>de</strong> pessoas, on<strong>de</strong> a mobilização para o trabalho ocorrea partir da capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> grupo em chamar à atençãopara as intervenções. Por se tratar <strong>de</strong> um tema <strong>de</strong>nso ecarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> estigmas, a equipe tem utiliza<strong>do</strong> estratégiaslúdicas, alcançan<strong>do</strong> o público através <strong>de</strong> uma estéticaque atrai os olhares e <strong>de</strong>sperta o interesse.Uma das principais estratégias utilizadas foi aapropriação <strong>de</strong> algumas linguagens artísticas,consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que por meio da arte e <strong>do</strong> lúdicoa aproximação com o público é facilitada, assimcomo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação leve sobre102


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIassunto geralmente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pesa<strong>do</strong>. Uma dasmeto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong>stacadas é a intervenção urbana– trata-se <strong>do</strong> termo utiliza<strong>do</strong> para <strong>de</strong>signar osmovimentos artísticos relaciona<strong>do</strong>s às intervençõesvisuais realizadas em espaços públicos. Essa éuma linguagem interessante para a abordagem <strong>do</strong>público, pois dá a oportunida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho emequipe, horizontalmente, construin<strong>do</strong> e pensan<strong>do</strong>formas <strong>de</strong> intervir, <strong>de</strong> compor e interagir no que acida<strong>de</strong> tem <strong>de</strong> material e imaterial.Para esse trabalho foram cria<strong>do</strong>s estandartes, formato jácaracterístico <strong>de</strong> manifestações e intervenções públicas.Esse material foi construí<strong>do</strong> com papel, através <strong>de</strong> oficinasrealizadas com a equipe, aplican<strong>do</strong> a papietagem (técnicaque utiliza papel para a confecção <strong>de</strong> máscaras, objetosetc.). Nos estandartes foram colocadas frases referentesao trabalho e realizadas intervenções em vários lugarescomo: estações, praças, áreas <strong>de</strong> transbor<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>ntreoutros. Não foram raras as situações em que pessoas seaproximaram para relatar sua história ou <strong>de</strong> familiares quesofrem, ou sofreram por uso ou abuso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas. Nessas circunstâncias, a escuta atenta esensível foi um recurso utiliza<strong>do</strong> e, quan<strong>do</strong> necessário, foirealiza<strong>do</strong> o encaminhamento para instituições da re<strong>de</strong> <strong>de</strong>atenção à saú<strong>de</strong>.Nas conversas com as pessoas nas ruas, explicitaramsediferentes posicionamentos em relação à discussãosobre drogas, com isso, a equipe procurou oferecerda<strong>do</strong>s e instigá-las a buscar mais informações sobreo tema. Foi disponibiliza<strong>do</strong> o en<strong>de</strong>reço eletrônico <strong>de</strong>sites oficiais 12 para que as pessoas pu<strong>de</strong>ssem construirseu próprio mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar a questão, não ten<strong>do</strong>somente como fontes a mídia e o senso comum. Oprincípio básico <strong>do</strong> projeto é fomentar o direito àinformação e à cidadania, contribuin<strong>do</strong> para efetivar econcretizar os princípios <strong>do</strong> SUS, especialmente os dauniversalização <strong>do</strong> acesso e da participação popular.Foi possível observar que as <strong>de</strong>mandas <strong>do</strong> público sediferenciam, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da ida<strong>de</strong>. Nos jovens verificasea necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir sobre o tema, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>que são indica<strong>do</strong>s para esse público espaços on<strong>de</strong>po<strong>de</strong>m participar, como uma forma <strong>de</strong> incentivá-losao exercício da cidadania. Entre adultos, é possívelnotar uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> posicionamentos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar sobre o tema, às vezes comcerta agressivida<strong>de</strong>, estereótipos, mitos e tabus, atéuma abertura para o diálogo e a <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong>s direitoshumanos. Com to<strong>do</strong>s os públicos, o objetivo foi abriro diálogo e levar informação para ser discutida,<strong>de</strong> forma isenta, possibilitan<strong>do</strong> que as pessoasconstruam suas próprias opiniões. Também sediscutiu e divulgou a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> atenção àsaú<strong>de</strong>, e mais especificamente os serviços volta<strong>do</strong>saos usuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas, explican<strong>do</strong>seus diferentes mo<strong>de</strong>los/propostas <strong>de</strong> atenção.12Observatório <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Informações Sobre Droga - OBID (www.obid.senad.gov.br) e Observatório Baiano Sobre Substâncias Psicoativas - CETAD Observa(www.ceta<strong>do</strong>bserva.ufba.br).103


As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> na rua foram iniciadascom informações sobre uso <strong>de</strong> preservativo eprevenção à DST/AIDS. Informar sobre uso correto<strong>do</strong> preservativo foi uma forma <strong>de</strong> começar ostrabalhos na rua sem ir diretamente ao tema dasdrogas. Essa também foi uma forma <strong>do</strong> grupo seexperimentar, enquanto equipe, no que se refereàs suas possibilida<strong>de</strong>s na prática. Como exemplo,é possível citar a intervenção <strong>de</strong>senvolvida emuma praia bastante movimentada da cida<strong>de</strong>,por uma redutora <strong>de</strong> danos, on<strong>de</strong> foi possível,através <strong>de</strong> encenação divertida, mostrar aosbanhistas como usar camisinha <strong>de</strong> forma corretaao tempo em que essas eram distribuídas. Nessescontatos mais próximos, discutia-se sobre o uso<strong>de</strong> substâncias psicoativas e o trabalho, obten<strong>do</strong> aatenção <strong>do</strong> público com humor; alguns banhistasse aproximavam para comentar sobre a ativida<strong>de</strong>e fazer perguntas. Uma jovem veio tirar dúvidas,dizen<strong>do</strong> não saber se era possível fazer uso <strong>de</strong> <strong>do</strong>ispreservativos ao mesmo tempo.Após algumas experimentações em campoinforman<strong>do</strong> sobre a camisinha, a equipe <strong>de</strong>cidiuiniciar intervenções sobre as drogas. Inicialmenteo objetivo foi provocar o imaginário social acercadas substâncias psicoativas lícitas e ilícitas.Preten<strong>de</strong>u-se, com isso, levar à discussão aproibição <strong>de</strong> algumas drogas e liberação <strong>de</strong> outras,informan<strong>do</strong> sobre a legislação, provocan<strong>do</strong> nocidadão a curiosida<strong>de</strong> para conhecerem a Lei <strong>de</strong>Drogas <strong>do</strong> Brasil e se posicionarem criticamentesobre a mesma. A prevenção ao uso abusivo e104


a informação sobre as substâncias psicoativastambém <strong>de</strong>ram corpo ao conteú<strong>do</strong> das ativida<strong>de</strong>sem campo.Um <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios <strong>do</strong> projeto consiste em lidar como improviso, já que cada local solicita um tipo <strong>de</strong>intervenção <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o público. Algumasações planejadas tiveram que ser modificadas apósa equipe testá-las em campo. Uma intervençãosó po<strong>de</strong>rá ser avaliada após a execução, com aobservação das contingências no momento e<strong>de</strong>mandas específicas <strong>do</strong> público nessa área. Dessaforma, a equipe precisou testar as mesmas ativida<strong>de</strong>sem locais diferentes – notan<strong>do</strong> reações diversasentre os públicos –, bem como modificar algumasque não obtiveram os resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s em um<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento da execução.O estigma associa<strong>do</strong> aos usuários <strong>de</strong> drogas po<strong>de</strong><strong>de</strong>ixá-los em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, diminuin<strong>do</strong>sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir os riscos e danos noconsumo <strong>de</strong> substâncias. Muitos consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong>drogas ilícitas carregam estigmas e preconceitosdiante <strong>de</strong>ssas drogas, sem refletirem sobre osfatores que levam à proibição <strong>de</strong> alguma substância.Pensan<strong>do</strong> em uma abordagem para o público geral,a equipe <strong>de</strong>cidiu problematizar essa questão emambientes <strong>de</strong> bares <strong>de</strong> consumo abusivo <strong>de</strong> drogaslícitas, como álcool e tabaco. O objetivo foi provocara reflexão e sensibilizar a população para o tema.Em razão da concentração <strong>de</strong> bares e restaurantes,com movimentada vida noturna, o bairro <strong>do</strong> Rio105


Vermelho tornou-se ponto <strong>de</strong> muitas ações. A equipeinterveio nesses locais utilizan<strong>do</strong> megafone, muitaatitu<strong>de</strong> e irreverência para discutir o proibicionismoe provocar reflexões acerca da Lei <strong>de</strong> Drogas (Lei nº11.343 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2006). Por ser um espaço <strong>de</strong>muito consumo <strong>de</strong> drogas lícitas (álcool e tabaco)buscou-se sensibilizar essa parcela da populaçãopara o fato <strong>de</strong> também serem consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong>drogas, ainda que lícitas, na tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruiralguns preconceitos e reduzir riscos e danos.Foram feitas perguntas e questionamentos comobjetivo <strong>de</strong> polemizar e provocar a reflexão entreas pessoas, sem posicionamentos da equipe sobreo assunto. Houve uma boa participação <strong>do</strong> público,algumas mexiam com a cabeça em uma expressão<strong>de</strong> discordância, outras gritavam e participavamem apoio ao grupo, expressan<strong>do</strong> satisfação com aativida<strong>de</strong> que estava sen<strong>do</strong> realizada.Seguin<strong>do</strong> o caminho <strong>de</strong> intervenções em localida<strong>de</strong>spróximas a instituições <strong>de</strong> ensino, a equipe pô<strong>de</strong>ainda realizar uma ousada intervenção em uma dasprincipais praças públicas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r,on<strong>de</strong> já se tinha observa<strong>do</strong> a presença <strong>de</strong> estudantesreuni<strong>do</strong>s às sextas-feiras no final <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>, para além<strong>de</strong> rodas <strong>de</strong> conversas, fazen<strong>do</strong> também uso <strong>de</strong>bebidas alcoólicas e tabaco. Após observação <strong>do</strong>local, a equipe <strong>de</strong>cidiu confeccionar estandartescom <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s, on<strong>de</strong> traziam questionamentossobre a legalização ou não das drogas.As reações <strong>do</strong> público foram diversas, nas placasestavam escritas frases como: “Não abuse <strong>do</strong>smedicamentos”, “Seja cidadão, conheça a Lei nº11.343-06.” As placas chamavam a atenção <strong>do</strong>stranseuntes, <strong>de</strong>spertava curiosida<strong>de</strong> e os mesmosse aproximavam conversan<strong>do</strong> e fazen<strong>do</strong> muitasperguntas. Os comentários eram diversos, incluin<strong>do</strong><strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes que expressavam suasatisfação por terem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir esseassunto na rua, revelan<strong>do</strong> que em casa e na escolanão existia tal diálogo com seus pais e familiares.Os estandartes serviram como base para todas asapresentações <strong>do</strong> mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010 ejaneiro <strong>de</strong> 2011.Um episódio <strong>de</strong> violência policial contra um usuário<strong>de</strong> maconha, ocorri<strong>do</strong> em uma praia famosa dacida<strong>de</strong>, levou a equipe ao planejamento <strong>de</strong> umaativida<strong>de</strong> no local. Essa intervenção recebeu o nome<strong>de</strong> “passe a bola”, código usa<strong>do</strong> por usuários <strong>de</strong>Cannabis sativa (maconha) para solicitar sua vez <strong>de</strong>fumar o cigarro compartilha<strong>do</strong> em rodas <strong>de</strong> fumo.Ten<strong>do</strong> em vista que a maioria <strong>do</strong>s usuários e dapopulação geral não conhece a lei, o “passe a bola”é uma estratégia para informar e discutir sobre osdireitos <strong>do</strong>s usuários. Com bolas <strong>de</strong> parque e bolas<strong>de</strong> soprar foram colocadas frases como: “conheçaa Lei nº 11.343-06”, “O preconceito vicia”, “usuáriotambém é cidadão”, entre outras. Dessa maneira,utilizou-se uma prática das rodas <strong>de</strong> fumo comoestratégia para a reflexão entre as pessoas emsituação <strong>de</strong> lazer referente à legislação sobre drogasilícitas. As bolas foram passadas para as pessoasque estavam na praia, fomentan<strong>do</strong> comentários ediscussões sobre o assunto. O público recepcionou106


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIa equipe muito bem, surgin<strong>do</strong> discussões variadassobre a temática, <strong>de</strong>poimentos sobre a forma quea polícia estava tratan<strong>do</strong> a questão no local e comoos preconceitos são cria<strong>do</strong>s e forma<strong>do</strong>s em torno<strong>de</strong> diversos usuários <strong>de</strong> drogas.Uma das faces da intervenção urbana, estratégia<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para a ativida<strong>de</strong> daequipe, foi trabalhar a superfície da cida<strong>de</strong> 13 , comimagens e frases que levam a questionamentos e<strong>de</strong>sconstroem o olhar comum sobre as coisas. Hojeo estêncil (técnica usada para aplicar <strong>de</strong>senhos oufrases sobre inúmeras superfícies, <strong>do</strong> cimento aoteci<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma roupa) é consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> uma linguagemartística legítima, sen<strong>do</strong> extremamente popularna cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r/BA. Possui um relativocaráter <strong>de</strong> permanência, sen<strong>do</strong> um instrumentointeressante como estratégia <strong>de</strong> comunicação paraa <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> imaginário sobre as drogas eprovoca<strong>do</strong>r <strong>de</strong> reflexões sobre as mesmas.relação simbólica com o tema da festa para falarsobre cuida<strong>do</strong>s com a saú<strong>de</strong>. Foi apresenta<strong>do</strong> umjogo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s para as relações sexuais,lembran<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> uso da camisinha eos cuida<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>vem sempre estar presentesnesse momento, não importa a opção/orientaçãosexual. Nessa intervenção foi possível falar sobrecuida<strong>do</strong>s com a saú<strong>de</strong>, levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>raçãoa diversida<strong>de</strong> sexual.A técnica <strong>de</strong> estêncil é uma estratégia <strong>de</strong> açãopassível <strong>de</strong> reprodução rápida e serial, repetin<strong>do</strong>essas imagens sobre a pele marginal da cida<strong>de</strong>(papelão, muros e postes). A equipe atuou em umagran<strong>de</strong> festa popular da cida<strong>de</strong>, que reúne milhares<strong>de</strong> pessoas, construin<strong>do</strong> um totem <strong>de</strong> papelãocom 1 metro <strong>de</strong> altura e imprimin<strong>do</strong> imagens queinformam <strong>de</strong> maneira divertida cuida<strong>do</strong>s com asaú<strong>de</strong>. Também criou algumas imagens que têm13Enten<strong>de</strong>-se como superfície da cida<strong>de</strong> os espaços que trabalhamos para intervir, como: muros, postes, largos, praças, escadarias, passarelas etc.107


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES AINDA INICIAIS...O crescimento e <strong>de</strong>senvolvimento da equipe é fator <strong>de</strong>motivação para as futuras ações. Estar nas ruas tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e drogas é fonte diária <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios e aprendiza<strong>do</strong>s.Circular por áreas tão diversas e ouvir uma varieda<strong>de</strong>tão gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões e discussões sobre o assuntopossibilita ampliar o repertório <strong>do</strong> tema e apren<strong>de</strong>r comas pessoas que estão nas ruas e querem se posicionar ediscutir o assunto.Hopenenhayn (2002) cita uma pesquisa realizadaem oito países, incluin<strong>do</strong> o Brasil, na qual as pessoasconsi<strong>de</strong>raram o problema das drogas mais prioritário <strong>do</strong>que a <strong>de</strong>linquência, a corrupção e a violência policial.Ao comparar os da<strong>do</strong>s entre a percepção da populaçãoem relação ao consumo <strong>de</strong> drogas e da<strong>do</strong>s estatísticos,nota-se um claro <strong>de</strong>sajuste <strong>de</strong> percepção <strong>do</strong> problema ea sua magnitu<strong>de</strong>. Essa é a impressão sentida pela equipe,que pô<strong>de</strong> notar em muitas discussões a pre<strong>do</strong>minância<strong>do</strong> imaginário sobre as drogas e sua vinculação ao sensocomum e à carência <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s científicos.Em muitas ocasiões foi verifica<strong>do</strong> que a apresentação <strong>de</strong>evidências científicas, por parte da equipe, e o <strong>de</strong>bate fora<strong>do</strong> campo moral eram aspectos atrativos e inova<strong>do</strong>res paraa população, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que existem,atualmente, poucos espaços para se falar sobre drogassem a perspectiva repressora e apontan<strong>do</strong> também asquestões sócio-antropológicas e humanas. Muitas vezesfoi possível ouvir <strong>do</strong> público elogios ao trabalho por sereferirem a essa ativida<strong>de</strong> como a única que tinhamconhecimento, e por acharem necessário uma equipetratar <strong>do</strong> tema nos espaços públicos.Com a prática <strong>de</strong> rua a equipe vem conseguin<strong>do</strong><strong>de</strong>senvolver meto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> maior alcance junto àpopulação e melhor acesso que <strong>de</strong>spertam mais interesse108


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIe aproximação <strong>do</strong> público. Em alguns momentos foipossível até intervir através <strong>de</strong> uma escuta técnica, coma realização <strong>de</strong> encaminhamentos e orientações sobreserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se que aaproximação <strong>do</strong> público e a interação, seja com olharesou comentários, são alguns <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da ativida<strong>de</strong>,motivo pelo qual é necessário que a equipe saiba lidarcom a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s posicionamentos sem per<strong>de</strong>r acomunicação com o público, esteja ele apoian<strong>do</strong> oucritican<strong>do</strong> o trabalho. Em muitos momentos, a equipepô<strong>de</strong> notar reações agressivas por parte da população,como olhares e palavras <strong>de</strong> repulsa, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>que o assunto mobiliza e sensibiliza as pessoas <strong>de</strong>diversos mo<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com suas experiênciaspessoais e sua bagagem sociocultural. Apren<strong>de</strong>r aacolher e escutar as mais diversas opiniões, crenças eimaginários sobre as drogas e seus usuários têm si<strong>do</strong>um <strong>de</strong>safio a ser venci<strong>do</strong> cotidianamente pelo grupo,geran<strong>do</strong> amadurecimento no trabalho, bem como aampliação da população atendida.Estar nas ruas também exige uma boa interação <strong>de</strong>ntro<strong>do</strong> grupo. Em muitos momentos, o clima harmoniosoe comprometi<strong>do</strong> da equipe possibilitou que a dinâmicaque se iniciou entre os profissionais se <strong>de</strong>slocasse paraos transeuntes. A improvisação é ferramenta importanteno trabalho, já que a rua é local imprevisível, on<strong>de</strong> muitasvezes é necessário recriar para adaptar-se à situação nolocal. Perceber que a equipe vai aumentan<strong>do</strong> a coesãoe caminhan<strong>do</strong> em um mesmo ritmo <strong>de</strong> produção,criação e sintonia <strong>de</strong> objetivos no trabalho permite que asintervenções nos espaços da cida<strong>de</strong> obtenham melhoresresulta<strong>do</strong>s, já que um bom relacionamento interpessoalgera uma maior experimentação <strong>do</strong> corpo em atuaçõesteatrais ou na forma <strong>de</strong> se comunicar com o público. Foipossível experimentar essas sensações em oficinas <strong>de</strong>teatro, com dinâmicas <strong>de</strong> grupo e exercícios corporais.A equipe avalia que foram muitos os avanços no trabalho,especialmente na criação <strong>de</strong> meto<strong>do</strong>logias e temas aserem trabalha<strong>do</strong>s nas ruas. As ativida<strong>de</strong>s permitemalcançar a população geral, que as ouve ou as enxerga àmedida que a equipe abre espaços para que eles falem,perguntem e sejam ouvi<strong>do</strong>s também.Por fim, acredita-se que para uma maior eficácia <strong>do</strong> trabalhoseja importante articular os conhecimentos advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong>contexto da rua com o estu<strong>do</strong> continua<strong>do</strong>, abrangen<strong>do</strong>áreas como a medicina, a saú<strong>de</strong>, a sócio-antropologiae epi<strong>de</strong>miologia. Os conhecimentos advin<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssaativida<strong>de</strong> retornarão às ruas da cida<strong>de</strong> em conversas como público e através da internet, com a criação <strong>de</strong> umblog para on<strong>de</strong> serão disponibiliza<strong>do</strong>s textos científicos ediscussões atuais sobre o tema, dialogan<strong>do</strong> com o públicotambém nos espaços virtuais e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento.Os projetos futuros para a equipe envolvem a maiordivulgação possível <strong>de</strong> produção científica <strong>do</strong> tema,realizan<strong>do</strong> “seminários <strong>de</strong> rua” – com profissionais epalestras – bem como a circulação <strong>de</strong> livros e textos<strong>de</strong> aceso à população com a “biblioteca <strong>de</strong> rua”. Esseconhecimento não <strong>de</strong>ve ficar restrito aos profissionais daárea ou pesquisa<strong>do</strong>res, mas <strong>de</strong>ve ser acessa<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>spara que a socieda<strong>de</strong> civil se posicione e discuta paraalém <strong>do</strong>s estigmas e preconceitos, aproprian<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>sfatos sobre o tema e <strong>de</strong>sconstruin<strong>do</strong> mitos.109


RELATO DE EXPERIÊNCIAEQUIPE DO CONSULTÓRIO DE RUA DE LAURO DE FREITAS110


Omunicípio <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitas está localiza<strong>do</strong> naRegião Metropolitana <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r e encontraseem acelera<strong>do</strong> crescimento econômico,sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s mais ascen<strong>de</strong>ntes no Esta<strong>do</strong>da Bahia. No entanto, esse crescimento acelera<strong>do</strong> trouxeconsigo diversos problemas sociais e <strong>de</strong> infraestruturae também chama atenção para alguns fatores quevêm contribuin<strong>do</strong> para a vulnerabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crianças,a<strong>do</strong>lescentes e jovens, como por exemplo, o baixo índice<strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e o consumo prejudicial <strong>de</strong> drogas.A implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> em Lauro <strong>de</strong> Freitasteve início em maio <strong>de</strong> 2010. Por meio da parceria coma Secretaria Municipal <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, foi possível realizar asativida<strong>de</strong>s com recursos básicos disponibiliza<strong>do</strong>s como:transporte, espaços para oficinas <strong>de</strong> formação <strong>do</strong>sprofissionais da re<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, bem comopromover a articulação com a re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> atençãoà saú<strong>de</strong>. No Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial – Álcool eOutras Drogas (CAPS-ad) <strong>do</strong> município foi cedida umasala com toda infraestrutura para a equipe, on<strong>de</strong> sãorealizadas as reuniões técnicas e <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>sadministrativas.área <strong>de</strong> atuação e perfil profissional para atuarem noatendimento a crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens emsituação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, principalmenteusuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas. Saben<strong>do</strong>-se queto<strong>do</strong> trabalho coletivo traz bons resulta<strong>do</strong>s para oalcance <strong>do</strong>s objetivos propostos e que cada instituição,na sua especificida<strong>de</strong>, traz contribuições indispensáveispara a equida<strong>de</strong> e integralida<strong>de</strong> da assistência aousuário no Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, fez-se necessárioo fortalecimento <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção integral,<strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> envolvimento <strong>do</strong>s gestorese <strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> atores que se propuseram a atuar <strong>de</strong>forma coletiva em um projeto <strong>de</strong> ação comum no âmbitointersetorial. Para tanto, uma das estratégias utilizadaspara aten<strong>de</strong>r aos objetivos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nomunicípio foi a realização da Oficina I no mês <strong>de</strong> julho<strong>de</strong> 2010, voltada para a capacitação <strong>do</strong>s coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res<strong>de</strong> equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Nessa oficina foidiscuti<strong>do</strong> o papel <strong>do</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r e suas atribuições,bem como foram compartilhadas as experiênciasoriginais <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> implanta<strong>do</strong>anteriormente pelo CETAD/UFBA, além <strong>de</strong> temasFORMAÇÃO DA EQUIPEA seleção <strong>do</strong>s profissionais foi realizada através daanálise <strong>do</strong>s currículos e entrevistas pela coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra<strong>de</strong> equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. A equipe foicomposta pelos seguintes profissionais: psicóloga,assistente social, enfermeira, técnico <strong>de</strong> enfermagem,motorista, educa<strong>do</strong>ra social e redutora <strong>de</strong> danos.To<strong>do</strong>s apresentavam experiências anteriores na sua111


importantes sobre usos e usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas lícitas e ilícitas que contribuíram paranossa prática e efetivação das ações.A Oficina II 14 aconteceu no mês <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>2010 para formação <strong>do</strong>s profissionais <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong>processo <strong>de</strong> implantação e sustentabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>projeto. A oficina contribuiu com informaçõessobre o funcionamento <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> atendimento,propôs questões aos participantes, como tambémaprofun<strong>do</strong>u temas relaciona<strong>do</strong>s às substânciaspsicoativas.Ao mesmo tempo em que aprofundaram seusconhecimentos, os participantes discutiram aspectos<strong>de</strong> sua própria atuação e da realida<strong>de</strong> local. Essaoficina teve uma importante contribuição para o<strong>de</strong>senvolvimento das ações, favorecen<strong>do</strong> a reflexãoquanto à postura <strong>do</strong>s profissionais diante <strong>de</strong>ssetipo <strong>de</strong> atendimento e permitin<strong>do</strong> a inovação <strong>do</strong>sconhecimentos sobre os usuários <strong>de</strong> substânciaspsicoativas e as diversas formas <strong>de</strong> atendimento.Outra contribuição foi o fortalecimento da equipepara atuação em campo, esclarecen<strong>do</strong> dúvidas etrabalhan<strong>do</strong> preconceitos. Foram disponibilizadas40 vagas para as instituições, que tiveram comoconvida<strong>do</strong>s profissionais da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>: AtençãoBásica, Programa Saú<strong>de</strong> da Família (PSF), Núcleo <strong>de</strong>Assistência à Saú<strong>de</strong> da Família (NASF), CAPS II, CAPSa<strong>de</strong> Centro <strong>de</strong> Testagem <strong>de</strong> AIDS (CTA); Profissionaisda Re<strong>de</strong> Assistencial da Proteção Básica e Especial,Centro <strong>de</strong> Referência Especializa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assistência(CREAS), Centro <strong>de</strong> Referencia em AssistênciaSocial (CRAS) e Conselho Tutelar, profissionais quefazem parte <strong>do</strong>s projetos <strong>do</strong> Programa Nacional<strong>de</strong> Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI):Mulheres da Paz e profissionais da segurançapública: Polícias Civil e Militar.Na rotina <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> ocorreramreuniões <strong>de</strong> equipe sempre às terças-feiras paraplanejamento das ativida<strong>de</strong>s, tais como: saídasa campo, mapeamento das áreas <strong>de</strong> maiorvulnerabilida<strong>de</strong>, articulação com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atençãoe serviços assistenciais existentes no município,como também discussões internas da equipe paratrabalhar sentimentos, esclarecer dúvidas e discutirestratégias <strong>de</strong> ação.As quintas-feiras (turno da tar<strong>de</strong>) foram <strong>de</strong>dicadaspara estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> textos, elaboração <strong>do</strong> livro guia, <strong>de</strong>relatórios, organização <strong>do</strong>s materiais <strong>de</strong> trabalhocomo formulários, insumos, materiais informativos,entre outros, informes sobre eventos, tais comosimpósios, seminários, capacitações etc.14Esta Oficina II - Oficina <strong>de</strong> Formação para Profissionais <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenção ao usuário <strong>de</strong> Álcool e outras Drogas, promovidapela equipe <strong>do</strong> Núcleo Central <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> contou com a participação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os integrantes da equipe e também <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> instituiçõesda re<strong>de</strong> assistencial <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e social envolvidas direta ou indiretamente com as ações <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.112


As supervisões, realizadas por técnico externo àequipe, aconteciam quinzenalmente com o objetivo<strong>de</strong> acompanhar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho,dan<strong>do</strong> suporte técnico à equipe, como tambémsugestões para as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas.PESQUISA E MAPEAMENTO DAS ÁREASA partir da articulação com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção e<strong>de</strong>mais serviços, foi possível escolher algumasáreas para observação utilizan<strong>do</strong> indicaçõesobtidas por integrantes <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> para o início dasativida<strong>de</strong>s. Algumas indicações foram <strong>do</strong> motorista<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> que conhecia bem a cida<strong>de</strong>,além disso, houve a participação <strong>de</strong> outros atorescomo: Agentes Comunitários <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, Mulheresda Paz, Conselho Tutelar, Centro <strong>de</strong> ReferênciaEspecializa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assistência Social (CREAS) e Centro<strong>de</strong> Referencia em Assistência Social (CRAS), CAPSad,que compõem a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e social <strong>do</strong>município. Parceiros importantes para pesquisa emapeamento das áreas <strong>de</strong> maior vulnerabilida<strong>de</strong>foram os programas <strong>do</strong> PRONASCI que vinhamrealizan<strong>do</strong> ações nas comunida<strong>de</strong>s apontan<strong>do</strong>,assim, algumas áreas em que o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>po<strong>de</strong>ria atuar. Antes <strong>de</strong> sair a campo, habitualmente aequipe conversava sobre as expectativas <strong>do</strong> trabalhoe <strong>do</strong> local a ser observa<strong>do</strong>, as ansieda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> grupo,situações vividas na vida pessoal e profissional. Nopercurso <strong>de</strong> volta <strong>do</strong> campo avaliávamos as ativida<strong>de</strong>sque foram realizadas com o público-alvo, discutíamosas observações e as <strong>de</strong>mandas da comunida<strong>de</strong> local,crian<strong>do</strong> novas estratégias, a fim <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r aos113


objetivos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. As estratégias forampensadas levan<strong>do</strong> em consi<strong>de</strong>ração a faixa etária <strong>do</strong>público atendi<strong>do</strong>, a parceria com instituições e órgãosda re<strong>de</strong> local, as oficinas artísticas a<strong>de</strong>quadas, materiaise estrutura para aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas etc.A cada observação em campo algumas inquietaçõesmobilizavam a equipe, geran<strong>do</strong> sentimentos <strong>de</strong>angústia e insegurança quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento dasua prática diante <strong>do</strong> que se ouvia sobre <strong>de</strong>terminadacomunida<strong>de</strong>, como por exemplo: os conflitos por conta<strong>do</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas, toque <strong>de</strong> recolher etc. Na medidaem que observávamos, também éramos observa<strong>do</strong>spelas pessoas. Em um <strong>do</strong>s momentos em campo, umgrupo <strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes, curioso com a nossa chegada,buscou aproximação, indagan<strong>do</strong> quem éramos e oque estávamos fazen<strong>do</strong> ali. Apresentamos a equipee falamos sobre o projeto <strong>de</strong> trabalho. Os jovens<strong>de</strong>monstraram interesse pela proposta e passaramalgumas informações importantes sobre a área eoutros locais passíveis <strong>de</strong> observação nos quais haviamcrianças em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>. Esse exemplonos mostrou que po<strong>de</strong>ríamos re<strong>de</strong>finir algumasestratégias para i<strong>de</strong>ntificação das áreas para atuação.Durante o mapeamento das áreas sentimos anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alternar os horários para observação,buscan<strong>do</strong> obter maiores informações sobre adinâmica <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong>. Sempre havia ummomento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontração no final da ativida<strong>de</strong>,e um local on<strong>de</strong> parávamos para um lanche. Essesmomentos favoreciam a integração da equipe, além<strong>de</strong> proporcionar discussões sobre o nosso trabalho,114


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIpois os objetivos pareciam ainda imprecisos. Asobservações das áreas nos apontavam gran<strong>de</strong><strong>de</strong>manda, haja vista as condições <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>e carências sociais das pessoas.Visitamos o bairro <strong>de</strong> Itinga on<strong>de</strong> se encontra o“Largo <strong>do</strong> Caranguejo”, área <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong>pessoas, fácil acesso <strong>de</strong> entrada e saída <strong>de</strong> veículos,com vários pontos <strong>de</strong> ônibus, casas comerciais,ambulantes, bares ao re<strong>do</strong>r e carros com volume<strong>de</strong> som excessivo. Diante <strong>de</strong>ssas características,concluímos que não seria viável <strong>de</strong>senvolverintervenções específicas <strong>do</strong> projeto, e sim realizarabordagens rápidas para prevenção <strong>de</strong> DST\AIDS eações <strong>de</strong> reduções <strong>de</strong> danos, principalmente para ouso <strong>de</strong> álcool.Concluímos também que algumas localida<strong>de</strong>spo<strong>de</strong>riam ser observadas no perío<strong>do</strong> da tar<strong>de</strong> pelagran<strong>de</strong> movimentação <strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes ejovens, como por exemplo, a Praça da Mangueira,cujo nome se <strong>de</strong>ve à bela mangueira existente nolocal. Ali existem alguns “botecos”, uma quadra <strong>de</strong>futebol, um ponto <strong>de</strong> ônibus, pouca iluminaçãoe uma gran<strong>de</strong> área sem utilização. Em uma dasvisitas a essa área nos aproximamos <strong>de</strong> algunsa<strong>do</strong>lescentes que tiveram <strong>de</strong>spertada a curiosida<strong>de</strong>sobre nosso trabalho. Após nos apresentarmos,os a<strong>do</strong>lescentes forneceram informações sobre adinâmica <strong>do</strong> local e indicaram outras localida<strong>de</strong>spara serem visitadas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao gran<strong>de</strong> índice <strong>de</strong>crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens em situação <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong>.Concluída essa etapa, a primeira área <strong>de</strong> atuaçãoescolhida foi a Lagoa <strong>do</strong>s Patos, conhecida porapresentar também uma gran<strong>de</strong> população emsituação <strong>de</strong> risco e vulnerabilida<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens, bem como relatos<strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> drogas lícitas e ilícitas. Outrofator que nos chamou a atenção foi o número <strong>de</strong>a<strong>do</strong>lescentes gestantes. I<strong>de</strong>ntificamos um ponto<strong>de</strong> venda e uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas lícitas eilícitas.Esse local <strong>de</strong> atuação da equipe <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Praça da Árvore”, tambémchama<strong>do</strong> por alguns mora<strong>do</strong>res como “Sindicato”,<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à prática <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> álcool em grupo.O ponto fica em uma bifurcação on<strong>de</strong> usuários<strong>de</strong> substâncias psicoativas se encontravam,diariamente, em frente a um mercadinho, <strong>de</strong>baixoda árvore e acendiam uma pequena fogueiraque servia tanto para o consumo <strong>de</strong> crack quantopara aquecer refeições. Também foi presencia<strong>do</strong>comércio <strong>de</strong> drogas no local, apesar da rondapolicial.A segunda área escolhida para atuação <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> foi o local conheci<strong>do</strong> como“Campo da Maconha”, batiza<strong>do</strong> com esse nome<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong>ssadroga. O local é, na realida<strong>de</strong>, um campo <strong>de</strong> futebol.Nessa área encontramos uma outra praça, uma escolae um campo no qual funcionava uma escolinha <strong>de</strong>futebol organizada por voluntários e tinha uma gran<strong>de</strong>circulação e concentração <strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes e115


jovens. Esses nos informaram que a i<strong>de</strong>ia da escolinhapartiu <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> índice <strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes ejovens utilizan<strong>do</strong> substâncias psicoativas e se envolven<strong>do</strong>com o tráfico <strong>de</strong> drogas. Essa área foi apresentada pelomotorista <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, que já conhecia ascaracterísticas <strong>do</strong> local e os lí<strong>de</strong>res comunitários <strong>do</strong> bairro<strong>de</strong> Itinga. Durante nosso trabalho pu<strong>de</strong>mos observar oconsumo <strong>de</strong> drogas lícitas e ilícitas, apesar das ativida<strong>de</strong>sesportivas e <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas presentes nolocal, incluin<strong>do</strong> crianças em situação <strong>de</strong> lazer. Próximo aocampo <strong>de</strong> futebol há um rio conheci<strong>do</strong> como “Pinicão”que segun<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res da área, virou esgoto a céuaberto, o que representa risco à saú<strong>de</strong> da população.Em cada área procuramos i<strong>de</strong>ntificar o coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r<strong>do</strong> distrito sanitário, apresentan<strong>do</strong> o projeto para aUnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> da Família, re<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, re<strong>de</strong>socioassistencial, <strong>de</strong>legacias, grupos religiosos,associações <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res, li<strong>de</strong>ranças comunitárias,ONGs, escolas, como também os possíveis serviços paraencaminhamentos. Buscou-se, ainda,nessa articulaçãocom li<strong>de</strong>ranças comunitárias e serviços, informaçõessobre locais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> aglomeração <strong>de</strong> jovens, <strong>de</strong> uso<strong>de</strong> substâncias psicoativas e <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> risco evulnerabilida<strong>de</strong>.ABERTURA DE CAMPOPara iniciarmos a abertura <strong>de</strong> campo na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Lagoa <strong>do</strong>s Patos, contamos com a colaboração <strong>de</strong> umagente comunitário <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>da Família e mora<strong>do</strong>r da área, que nos apresentoupara algumas pessoas da comunida<strong>de</strong>, principalmentea usuários <strong>de</strong> substâncias psicoativas lícitas e ilícitas,comerciantes e pessoas que tinham alguma li<strong>de</strong>rançalocal. Uma das estratégias utilizadas foi a distribuição <strong>de</strong>preservativos com orientações e a exposição <strong>do</strong> bannercom informações sobre o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e queatraía as pessoas ao veículo.A equipe procurava se dividir em trios ou duplas nasáreas próximas para fazer os contatos e apresentarnossa proposta. Íamos sentin<strong>do</strong> a recepção dacomunida<strong>de</strong> e ouvin<strong>do</strong> suas opiniões e dúvidassobre o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Era frequente ouvir aseguinte frase: “Esse projeto já <strong>de</strong>via ter chega<strong>do</strong>aqui há muito tempo... vai ser muito bom para acomunida<strong>de</strong>.” No início da abertura <strong>do</strong> campo,percebemos que algumas <strong>de</strong>mandas iam além <strong>do</strong>sobjetivos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, como por exemplo,pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> cesta básica, segunda via <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos,coleta <strong>de</strong> lixo, pavimentação <strong>de</strong> rua, reclamaçõessobre a ausência <strong>do</strong>s agentes <strong>de</strong> en<strong>de</strong>mia para ocombate à <strong>de</strong>ngue naquela localida<strong>de</strong>, entre outras,<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à carência na oferta <strong>de</strong> serviços públicos <strong>de</strong>infraestrutura, saú<strong>de</strong> e assistenciais. Eram dadasas <strong>de</strong>vidas orientações e era esclareci<strong>do</strong> o objetivo<strong>do</strong> nosso trabalho. A comunida<strong>de</strong> foi informadaque todas as terças-feiras após as 17:30, estaríamosnaquela área, no mesmo lugar para a formação <strong>de</strong>referência e vínculo. Nesse momento o compromissoda equipe com a comunida<strong>de</strong> foi importante para aformação <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> confiança. A abertura <strong>de</strong>campo é uma etapa que não po<strong>de</strong> ser interrompida,sob pena <strong>de</strong> comprometer a proposta pela perda <strong>de</strong>confiança da comunida<strong>de</strong> nos atores.116


No “Campo da Maconha”, o início da ativida<strong>de</strong>teve a colaboração <strong>do</strong>s professores voluntários dasescolinhas <strong>de</strong> futebol que atuavam no local. Esse apoiofoi relevante, uma vez que permitiu a aproximaçãocom as crianças, a<strong>do</strong>lescentes, jovens e pessoas quecirculavam na região. Chegar aos horários <strong>do</strong>s treinosfoi uma das estratégias utilizadas, pois ao término<strong>de</strong>sses as crianças vinham ao nosso encontro e otema <strong>de</strong> nossas conversas era o futebol, ponte paraa troca <strong>de</strong> informações sobre a comunida<strong>de</strong>, além dadivulgação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Por solicitação <strong>de</strong>algumas crianças, ficou acorda<strong>do</strong> que aten<strong>de</strong>ríamosnessa área às quintas-feiras, após as 17:30h, em razãoda disponibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> veículo.TRABALHANDO NA RUAPensan<strong>do</strong> na rua como um espaço dinâmico em queas pessoas convivem com as diversida<strong>de</strong>s, o trabalho<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> exigia da equipe reflexãosobre seus preconceitos e verda<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> esforçopara conter nossas ansieda<strong>de</strong>s e permitir que o novopu<strong>de</strong>sse nos surpreen<strong>de</strong>r. A cada nova atuação emcampo tínhamos a certeza <strong>de</strong> que o trabalho na ruaseria uma árdua e permanente construção.As oficinas e os temas trabalha<strong>do</strong>s na rua com ascrianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens foram planeja<strong>do</strong>s ediscuti<strong>do</strong>s nas reuniões <strong>de</strong> equipe <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> comcada área <strong>de</strong> atuação. Em alguns momentos asoficinas foram improvisadas conforme a dinâmica<strong>do</strong> campo, pois em várias ocasiões encontramos oslocais com pouco movimento, ora choven<strong>do</strong> ora sem117


condições para realização das ativida<strong>de</strong>s propostas.A distribuição e a orientação para o uso a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong><strong>de</strong> preservativos masculino e feminino, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício, se constituíram em importante ativida<strong>de</strong>facilita<strong>do</strong>ra da interação com a comunida<strong>de</strong>.No primeiro contato com os usuários na Lagoa <strong>do</strong>sPatos tivemos a companhia <strong>do</strong> agente comunitário<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e mora<strong>do</strong>r da área, que nos apresentouao grupo que costumava se reunir diariamentenaquele local. Encontramos uma fogueirinha acesae alguns mora<strong>do</strong>res assan<strong>do</strong> carne e conversan<strong>do</strong>.Três pessoas da equipe se aproximaram e tiveram aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar a proposta <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e ouvir alguns relatos sobre o cotidiano dacomunida<strong>de</strong>. Foi possível observar a curiosida<strong>de</strong> daspessoas que nos olhavam inquietamente queren<strong>do</strong>saber quem éramos. Durante as abordagensconhecemos um jovem usuário <strong>de</strong> drogas que nosfalou sobre os encontros frequentes em volta dafogueira e sobre a <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> álcool <strong>de</strong> um <strong>do</strong>sfamiliares. No mesmo momento, contou um poucosobre seu uso <strong>de</strong> drogas. Apresentava ferimentosna boca, característico <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> crack. Realizamos118


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIuma roda <strong>de</strong> conversa, orientan<strong>do</strong> sobre prevençãoe redução <strong>de</strong> danos. Mesmo não ten<strong>do</strong> programa<strong>do</strong>essa ativida<strong>de</strong>, o momento foi oportuno e contoucom a participação <strong>do</strong>s jovens que se expressaram<strong>de</strong> forma espontânea, trazen<strong>do</strong> situações vividaspelo uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Durante a conversa, a fala <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s jovens noschamou a atenção quan<strong>do</strong> disse que não fazia uso<strong>de</strong> drogas na frente <strong>de</strong> crianças e fazia o possível paraque outros usuários ou traficantes não integrassemas crianças no uso ou no tráfico. Ele nos disse quenão <strong>de</strong>sejava para as crianças a vida que levava.As oficinas com as crianças <strong>de</strong>ssa área foram iniciadascom <strong>de</strong>senhos e pinturas em um espaço improvisa<strong>do</strong>e, mesmo sen<strong>do</strong> uma ativida<strong>de</strong> simples, atraiuum pequeno grupo <strong>de</strong> crianças. Uma menina queparticipava foi até sua casa e trouxe uma mesa <strong>de</strong>plástico para apoiar o papel, pois queria mostrar paraa assistente social da equipe que já sabia escreverseu nome. Essa menina era filha <strong>de</strong> uma mora<strong>do</strong>rada comunida<strong>de</strong> que trabalhava com a coleta <strong>de</strong>material reciclável, tinha <strong>do</strong>is filhos e <strong>de</strong>scobriu queestava grávida <strong>de</strong> três meses. Essa se aproximou daequipe, perguntan<strong>do</strong> se havia uma psicóloga, poisestava angustiada com a i<strong>de</strong>ia da gravi<strong>de</strong>z e sentianecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar sobre o assunto. Após essedia, passou a ser acompanhada pelo Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>, na medida em que foram surgin<strong>do</strong> questõesrelacionadas ao uso <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong>la mesma e <strong>de</strong>pessoas próximas a seus filhos. As intervençõescontinuaram com animação <strong>de</strong> fantoche, trabalhocom músicas infantis, leitura <strong>de</strong> histórias e outrasativida<strong>de</strong>s lúdicas e educativas. As crianças esperavaminquietas o início das ativida<strong>de</strong>s e aceitavam bem asque eram propostas. O objetivo inicial das oficinasera atrair as crianças, construir vínculos, trabalhar asociabilida<strong>de</strong>, regras <strong>de</strong> convivência, limites, respeitoao outro e, a partir daí, introduzir temas relaciona<strong>do</strong>sà educação em saú<strong>de</strong>, pensan<strong>do</strong> na prevenção <strong>do</strong>scomportamentos <strong>de</strong> riscos. Em um <strong>do</strong>s momentosda leitura <strong>de</strong> histórias com as crianças, um usuário<strong>de</strong> substâncias psicoativas, também mora<strong>do</strong>r daárea e que se encontrava no local, observou aativida<strong>de</strong> e tomou a iniciativa <strong>de</strong> ir a sua casa paratrazer <strong>do</strong>is filhos para sentarem-se junto ao grupo. Apartir daí, sempre que o carro <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>chegava, esse jovem procurava convidar as criançasda comunida<strong>de</strong> para participar das ativida<strong>de</strong>s.Outras situações vivenciadas nos mostraram queo vínculo estava sen<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> naquela área <strong>de</strong>atuação: <strong>de</strong>stacamos o momento em que a mãe<strong>do</strong> jovem usuário <strong>de</strong> substâncias psicoativas, cita<strong>do</strong>acima, nos falou sobre os cuida<strong>do</strong>s que tem comas crianças da comunida<strong>de</strong>; veio até o veículo <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> para conhecer o trabalho a convite<strong>do</strong> filho que, segun<strong>do</strong> a mesma, falava sempre danossa presença nas terças-feiras e o que fazíamos.A mãe nos falou sobre suas preocupações com ojovem, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao uso <strong>de</strong> drogas e seu envolvimentono tráfico, e os conflitos com traficantes da áreaquan<strong>do</strong> seu filho procurou “livrar” uma criança queestava sen<strong>do</strong> usada para o tráfico <strong>de</strong> drogas. Mostrousesurpresa com nossas idas a essa área, referin<strong>do</strong>-119


se muitas vezes à falta <strong>de</strong> assistência à comunida<strong>de</strong>e ao me<strong>do</strong> <strong>de</strong> alguns profissionais da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>atuarem na localida<strong>de</strong>, tida como perigosa.No <strong>de</strong>correr das ações, fomos perceben<strong>do</strong> que aspessoas foram fican<strong>do</strong> mais à vonta<strong>de</strong> com a nossapresença, manten<strong>do</strong> sua rotina, interagin<strong>do</strong> com aequipe, participan<strong>do</strong> das ativida<strong>de</strong>s propostas, semreceios para expressar suas práticas <strong>de</strong> risco, comoo uso <strong>de</strong> drogas sem os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s, relaçãosexual sem camisinha etc. A venda <strong>de</strong> substânciaspsicoativas ocorria <strong>de</strong> maneira sutil. A realização <strong>de</strong>oficinas sobre redução <strong>de</strong> danos atraía uma maiorparticipação <strong>do</strong>s a<strong>do</strong>lescentes, jovens e adultos, nasquais trabalhávamos as diversas formas <strong>de</strong> sentir prazer,os fatores <strong>de</strong> riscos e os fatores <strong>de</strong> proteção da vida,com o objetivo <strong>de</strong> proporcionar discussões e reflexõesvisan<strong>do</strong> à redução <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s por atitu<strong>de</strong>s ehábitos que favorecem situações <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>. Omotorista <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> colocava em prática osconhecimentos que adquirira na oficina <strong>de</strong> formação enos grupos <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>, trazen<strong>do</strong> contribuições duranteas ativida<strong>de</strong>s, distribuía preservativos com orientaçõese tinha facilida<strong>de</strong> na formação <strong>de</strong> vínculos. A equipe,no <strong>de</strong>correr das vivências em campo, ia cada vezmais perceben<strong>do</strong> que o uso abusivo <strong>de</strong> substânciaspsicoativas tem <strong>de</strong> ser entendi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma diversificada,e ao mesmo tempo singular. Deparamo-nos com váriostipos <strong>de</strong> usuários, sen<strong>do</strong> comum encontrar pessoasadultas com sinais <strong>de</strong> embriaguez e outras compossíveis sintomas da <strong>de</strong>pendência alcoólica, comotremores, i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> perseguição e <strong>de</strong>sorientação.Esse cenário nos permitia um planejamento dasestratégias <strong>de</strong> intervenção que pu<strong>de</strong>ssem promover aprevenção, tratamento e reabilitação <strong>de</strong>sse público.O contato com um casal com ida<strong>de</strong> entre 40 e 50anos, apresentan<strong>do</strong> um padrão <strong>de</strong> uso abusivo <strong>de</strong>álcool, possibilitou que a psicóloga <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> ficasse saben<strong>do</strong> que esse sofrera algumasinternações psiquiátricas pelo uso abusivo <strong>de</strong>bebidas alcoólicas. Na semana seguinte à abordagemcom o casal, a assistente social <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> ReferênciaEspecializa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assistência Social (CREAS) <strong>de</strong> Lauro<strong>de</strong> Freitas entrou em contato conosco para pedirorientações sobre um casal, conheci<strong>do</strong> no centroda cida<strong>de</strong>, por encontrar-se na maioria das vezesalcooliza<strong>do</strong>s e lavan<strong>do</strong> carros. Pelas característicasrelatadas, chegamos à conclusão que estávamosfalan<strong>do</strong> das mesmas pessoas, o que proporcionoudiscussão sobre o caso e suas especificida<strong>de</strong>s. Apsicóloga <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> aosatendimentos e sempre os encontrava nas saídas <strong>de</strong>campo, buscan<strong>do</strong> informações para a melhoria <strong>de</strong> suasvidas e fortalecimento <strong>do</strong>s vínculos com a equipe.Sempre conhecíamos novas pessoas. O tempo <strong>de</strong>permanência nessa área era em função <strong>do</strong> horário<strong>do</strong> mercadinho, <strong>do</strong> qual obtínhamos energia elétricaque iluminava o local e facilitava a realização dasativida<strong>de</strong>s.No “Campo da Maconha” os primeiros contatos comas crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens foram através <strong>de</strong>oficinas voltadas para orientação sobre sexualida<strong>de</strong>,situações <strong>de</strong> risco e práticas seguras. Ao término<strong>do</strong>s treinos das escolinhas, uma roda <strong>de</strong> conversa se120


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIformava espontaneamente. Em um <strong>do</strong>s momentos,crianças com ida<strong>de</strong>s entre <strong>do</strong>ze e treze anos seinteressaram em participar, trazen<strong>do</strong> questões e falan<strong>do</strong><strong>de</strong> suas <strong>de</strong>scobertas sexuais, <strong>de</strong> suas experiências como uso <strong>de</strong> camisinha: “usar a camisinha para se masturbare não melar as mãos”. Alguns jovens participavamdan<strong>do</strong> opiniões sobre o tema em questão e interagin<strong>do</strong>com a <strong>de</strong>monstração correta <strong>do</strong> uso da camisinha.Como não tínhamos, no momento, o mo<strong>de</strong>lo peniano,improvisamos em um gui<strong>do</strong>n da bicicleta <strong>de</strong> um <strong>do</strong>sjovens para colocar o preservativo. Observavam-se oserros na colocação <strong>do</strong> preservativo <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> didático ediverti<strong>do</strong>. No final, foi cria<strong>do</strong> um Rap da Camisinha,motivan<strong>do</strong> a participação <strong>de</strong> algumas pessoasque estavam próximas. Nesse momento, vimos aimportância da criativida<strong>de</strong> quan<strong>do</strong> não dispomos <strong>de</strong>recursos para realização <strong>de</strong> algumas ativida<strong>de</strong>s. Aospoucos, o vínculo <strong>de</strong> confiança foi se solidifican<strong>do</strong> nessaárea e a equipe foi construin<strong>do</strong> uma estreita relaçãocom a comunida<strong>de</strong>, favorecen<strong>do</strong> momentos <strong>de</strong> escuta,em que eram trazidas histórias <strong>de</strong> vida, com relatos <strong>de</strong>violência sexual, <strong>de</strong>pressão, problemas financeiros, <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, familiares etc. Durante esses momentos eramdadas orientações e feitos encaminhamentos, quan<strong>do</strong>necessários e possíveis.Observamos que após as festivida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> final<strong>de</strong> ano, essa área modificou seu funcionamento,121


eduzin<strong>do</strong> o público, haven<strong>do</strong> pouco movimento,consequentemente diminuin<strong>do</strong> o número <strong>de</strong>atendimentos no local. Fomos informa<strong>do</strong>s pormora<strong>do</strong>res da comunida<strong>de</strong> que as crianças ea<strong>do</strong>lescentes viajaram para participar <strong>de</strong> umcampeonato <strong>de</strong> futebol. Outra informação indicavaque muitas pessoas, no perío<strong>do</strong> entre <strong>de</strong>zembroe março (até o carnaval), ingressavam no merca<strong>do</strong>informal e, por vezes, <strong>de</strong>slocavam-se para outrascida<strong>de</strong>s.Diante <strong>do</strong> esvaziamento <strong>do</strong> local, a equipe iniciouintervenção em uma área próxima que fez parte <strong>do</strong>mapeamento, “o Largo <strong>do</strong> Caranguejo”, por ser umlocal ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong> por bares e com gran<strong>de</strong> concentração<strong>de</strong> pessoas consumin<strong>do</strong> bebidas alcoólicas.Nessa área privilegiamos a realização <strong>de</strong> oficinasrelâmpagos para minimização <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>spelo uso abusivo <strong>de</strong> substâncias psicoativas e pararedução <strong>do</strong>s comportamentos <strong>de</strong> risco volta<strong>do</strong>spara as relações sexuais.Como já indicamos, cada área apresenta suascaracterísticas e dinâmicas próprias, relacionadascom faixa etária, sexo, drogas consumidas e tráfico<strong>de</strong> drogas. Quanto às populações, constatamosque além <strong>de</strong> suas características específicas,apresentavam um aspecto comum a todas:não encontramos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> rua, porémencontramos pessoas que na luta pela sobrevivênciasaíam <strong>de</strong> suas casas e passavam a maior parte<strong>do</strong> tempo utilizan<strong>do</strong> o espaço da rua para obter“algum troca<strong>do</strong>”, seja catan<strong>do</strong> lixo, pedin<strong>do</strong>122


esmolas, guardan<strong>do</strong> e lavan<strong>do</strong> carros etc. Muitasvezes encontramos essas pessoas retornan<strong>do</strong> paracasa no início da noite acompanhadas <strong>do</strong>s seusfilhos, alguns <strong>de</strong>les muito pequenos, apontan<strong>do</strong>um cenário <strong>de</strong> carência social no qual a presençadas drogas precisa ser consi<strong>de</strong>rada individual ecoletivamente.AVALIAÇÃO DO TRABALHO DO CONSULTÓRIO DE RUAO início <strong>do</strong> trabalho trouxe para a equipe muitasansieda<strong>de</strong>s e expectativas. Havia gran<strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>quanto aos <strong>de</strong>safios a serem venci<strong>do</strong>s. Um <strong>do</strong>spontos positivos que vale <strong>de</strong>stacar nessa fasefoi a importância <strong>do</strong> apoio técnico por parte dacoor<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> Núcleo central <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e <strong>do</strong>s supervisores <strong>de</strong> equipe, responsáveispela implantação, execução, e acompanhamento <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> no município <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitase em mais <strong>do</strong>is municípios da região metropolitana<strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r. A realização da Oficina I ,para oscoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res <strong>de</strong> equipe, e da Oficina II - Oficinapara Profissionais <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>e Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenção ao Usuário <strong>de</strong> Álcool e outrasDrogas foram fundamentais para a compreensãoda proposta <strong>de</strong> trabalho e para o <strong>de</strong>senvolvimentodas ações intersetoriais, além <strong>de</strong> contribuir para aatuação em campo.Apesar das dificulda<strong>de</strong>s surgidas, como a falta <strong>de</strong>disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transporte em horários diurnose articulação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>, a integração da equipe foiessencial para superação <strong>do</strong>s obstáculos. Nas123


vivências em campo, a sintonia <strong>do</strong> grupo foi umaferramenta importante para a credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>trabalho e para a formação <strong>de</strong> vínculos com apopulação. Em média, 40 crianças, 30 a<strong>do</strong>lescentese 50 jovens adultos foram atendi<strong>do</strong>s por semanapelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, quer através <strong>de</strong> escutasindividuais, quer nas oficinas e nas ativida<strong>de</strong>s lúdicas.Foi possível realizar vários encaminhamentos paraa re<strong>de</strong> assistencial, o que reforçou a importânciada articulação com toda re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Aaproximação com a realida<strong>de</strong> das pessoas em seucontexto social foi uma experiência <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>raque exigiu reflexões sobre a ética profissional eo respeito às diversida<strong>de</strong>s e ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver <strong>de</strong>cada um.124


RELATO DE EXPERIÊNCIAEQUIPE DO CONSULTÓRIO DE RUA DE CAMAÇARI125


Omunicípio <strong>de</strong> Camaçari compõe a regiãometropolitana <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahia compopulação estimada em 191.855 habitantes.Esse é se<strong>de</strong> <strong>do</strong> Polo Petroquímico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong>70, no qual foram criadas expectativas <strong>de</strong> geração<strong>de</strong> emprego para os munícipes. Apesar disso, omunicípio apresenta um índice significativo no quese refere à violência e à exclusão social, atrela<strong>do</strong>s aoconsumo <strong>de</strong> álcool e outras drogas entre pessoas<strong>de</strong> diversas faixas etárias e classes sociais. Devi<strong>do</strong>a essas evidências, Camaçari foi um <strong>do</strong>s locaiscontempla<strong>do</strong>s com ações <strong>de</strong> políticas públicasintegradas, promovidas pela Secretaria Nacional <strong>de</strong>Políticas Sobre Drogas <strong>do</strong> Ministério da Justiça –SENAD/MJ.Dentre essas ações, está o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> quefoi implanta<strong>do</strong> no município em junho <strong>de</strong> 2010.Os profissionais da equipe <strong>de</strong> Camaçari/BA foramseleciona<strong>do</strong>s e contrata<strong>do</strong>s pelo município. Essestinham como pré-requisito para o cargo, a experiência<strong>de</strong> trabalho em saú<strong>de</strong> no campo <strong>de</strong> álcool e outrasdrogas, seja em ativida<strong>de</strong>s comunitárias ou emsaú<strong>de</strong> mental.FORMAÇÃO DA EQUIPEInicialmente, a equipe foi formada por três psicólogos,<strong>do</strong>is terapeutas ocupacionais, uma cientista social eum motorista. Com o objetivo <strong>de</strong> estruturar e avaliaro processo <strong>de</strong> trabalho foi estabelecida uma rotina<strong>de</strong> reuniões entre a equipe técnica e a supervisoraresponsável pelo município <strong>de</strong> Camaçari, nas quais126


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIforam discuti<strong>do</strong>s temas relativos à dinâmica <strong>de</strong>funcionamento da equipe, bem como a própriaimplantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> no município.Tais reuniões aconteciam sempre às sextas-feiraspela manhã.A presença <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os profissionais nessa reuniãoera imprescindível, por isso o dia foi escolhi<strong>do</strong> eacorda<strong>do</strong> pelos técnicos da equipe, como essencialpara o bom <strong>de</strong>senvolvimento das ações. Era nessemomento que os profissionais tiravam dúvidas,esclareciam questões e falavam sobre angústias eimpressões durante a prática. O processo <strong>de</strong> trabalhotambém contemplava a elaboração <strong>de</strong> relatóriomensal por parte <strong>do</strong>s integrantes <strong>do</strong> grupo. De posse<strong>de</strong>ssas informações, a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra da equipeproduzia relatório único para encaminhamentoà Coor<strong>de</strong>nação Central <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>. Nesse relatório eram <strong>de</strong>scritas as ativida<strong>de</strong>srealizadas no campo <strong>de</strong> atuação e explicita<strong>do</strong>to<strong>do</strong> processo reflexivo e acompanhamento dasdificulda<strong>de</strong>s acerca da prática.Uma vez formada a equipe, os integrantes seconfrontaram com o <strong>de</strong>safio e responsabilida<strong>de</strong>pela implantação <strong>de</strong>ssa intervenção pioneira noBrasil. Diante disso, o grupo focou suas atençõespara a apropriação conceitual sobre a abordagem <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e a atenção a usuários <strong>de</strong> álcoole outras drogas. Uma das estratégias utilizadaspara compreensão <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> atendimento naimplantação nos municípios abrangi<strong>do</strong>s pelo projetofoi a realização, no mês <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010, da Oficinapara capacitação <strong>do</strong>s coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res, que teve comoobjetivo a discussão sobre o papel <strong>do</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r,suas atribuições e o compartilhamento das primeirasexperiências vividas pelo Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> porprofissionais <strong>do</strong> CETAD/UFBA, como também foramtrabalha<strong>do</strong>s temas importantes que contribuírampara nossa prática e efetivação das ações.Essa primeira oficina foi seguida da Oficina <strong>de</strong>Capacitação II, realizada no mês <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>2010 pela Coor<strong>de</strong>nação Central <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>, e teve como objetivo fortalecer a articulaçãoe a formação <strong>de</strong> parcerias com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atençãointegral <strong>do</strong> município. A Oficina II - Oficina <strong>de</strong>Formação para profissionais <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Atenção para usuários <strong>de</strong> Álcool eoutras Drogas foi uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprofundaros conhecimentos sobre temas relaciona<strong>do</strong>s àssubstâncias psicoativas, produzin<strong>do</strong> um saber acercadas vicissitu<strong>de</strong>s relacionadas ao atendimento acrianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens adultos usuários <strong>de</strong>substâncias psicoativas, especialmente no contexto<strong>de</strong> situação <strong>de</strong> rua.Nessa segunda oficina foram disponibilizadas 40vagas para os profissionais da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção eassistencial, os quais assumiam o compromisso<strong>de</strong> serem multiplica<strong>do</strong>res das informações e <strong>do</strong>smateriais disponibiliza<strong>do</strong>s para sua instituição.Dentre as instituições convidadas para participar daoficina, estavam presentes profissionais da ProteçãoBásica <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência e Assistência Social(CRAS), da Proteção Especial <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Referência127


Especializada da Assistência Social (CREAS) e<strong>do</strong> Conselho Tutelar Orla, Assessoria Técnica <strong>do</strong>Município (ASTEC), profissionais que trabalham emserviços da Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçari (SESAU),além <strong>de</strong> representantes <strong>do</strong> Ministério Público, dasPolícias Civil e Militar, <strong>do</strong> PRONASCI, da Secretaria <strong>de</strong>Educação <strong>de</strong> Camaçari, <strong>de</strong> Comunida<strong>de</strong>s Terapêuticase da Associação <strong>do</strong>s Alcoólicos Anônimos.PESQUISA E MAPEAMENTO DAS ÁREASO mapeamento das áreas <strong>de</strong> intervenção da equipe<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Camaçari foi planeja<strong>do</strong>e realiza<strong>do</strong> a partir das sugestões da supervisãotécnica, orientada, principalmente, pelas condiçõesapontadas por diversos atores sociais, que lhesofereceram da<strong>do</strong>s para a compreensão <strong>do</strong> contextosociocultural <strong>de</strong> diversos locais da cida<strong>de</strong>. Esseslocais foram i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s e aponta<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong>idas a campo para observação, reconhecimentoterritorial e visitas institucionais para apresentação<strong>do</strong> projeto.Inicialmente, foi realizada a escuta <strong>de</strong> diferentessegmentos sociais <strong>do</strong> município <strong>de</strong> Camaçari:educa<strong>do</strong>res sociais <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> <strong>de</strong> Assistência àPopulação em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Camaçari, garis,mototaxistas, ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res ambulantes, mora<strong>do</strong>res,policiais, grupos <strong>de</strong> autoajuda, membros <strong>de</strong>Organizações não Governamentais, entre outros.Essa fase <strong>do</strong> projeto tinha o objetivo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificaráreas com potencial <strong>de</strong> realização das ativida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. O critério estabeleci<strong>do</strong> para128


a seleção <strong>do</strong>s locais <strong>de</strong> possível intervenção foi apresença <strong>de</strong> crianças, a<strong>do</strong>lescentes e jovens adultosem vulnerabilida<strong>de</strong> social relacionada ao uso abusivo<strong>de</strong> substâncias psicoativas e/ou em situação <strong>de</strong> rua.A partir da escuta foi possível listar as ruas e praçaspara planejar as intervenções em campo. Nessa fase<strong>de</strong> trabalho, uma Agente Comunitária <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (ACS)<strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> Básica, resi<strong>de</strong>nte em área próxima aoslocais cita<strong>do</strong>s foi convidada para a observação <strong>de</strong>campo. Vale ressaltar a importância da participaçãono trabalho <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> alguém oriun<strong>do</strong> dacomunida<strong>de</strong>, conhece<strong>do</strong>r da cultura local e comcapacida<strong>de</strong> para intermediar os contatos iniciais daequipe com a comunida<strong>de</strong> durante a observaçãoe, posteriormente, na abertura <strong>de</strong> campo.A observação iniciou-se em três praças situadasno Bairro Gleba B, próximo ao centro da cida<strong>de</strong>:Praça da Tonita, Praça <strong>do</strong> Reggae e Praça daQuadra – locais indica<strong>do</strong>s como ponto <strong>de</strong> encontro<strong>de</strong> a<strong>do</strong>lescentes e jovens adultos para uso <strong>de</strong>substâncias psicoativas. A Praça <strong>do</strong> Reggae ea Praça da Quadra foram visitadas pela equipeque constatou serem locais com a presença <strong>de</strong>a<strong>do</strong>lescentes e uso <strong>de</strong> substâncias psicoativaslícitas e ilícitas, com uma maior movimentação nosfinais <strong>de</strong> semana. A Praça Tonita, por sua vez, temesse nome <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a uma mora<strong>do</strong>ra que vendiabebidas alcoólicas, principalmente “cachaça” aosmora<strong>do</strong>res das ruas mais próximas. Essa praça foiconstruída por um grupo <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong> álcool, apósestabelecerem o lugar como ponto <strong>de</strong> encontro <strong>do</strong>129


grupo. Os mora<strong>do</strong>res, em sua maioria, trabalhamrealizan<strong>do</strong> pequenos serviços na comunida<strong>de</strong> eapresentam problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> relaciona<strong>do</strong>s aouso abusivo <strong>de</strong> álcool. Contu<strong>do</strong>, também verificouseque a presença <strong>do</strong> público-alvo no local seconcentrava apenas nos finais <strong>de</strong> semana. Esse fatofoi <strong>de</strong>terminante para a inviabilização <strong>do</strong> trabalho, oque nos levou a observar outros locais da cida<strong>de</strong>.Passamos então a consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>intervenção <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>Merca<strong>do</strong> Municipal, conheci<strong>do</strong> popularmentecomo “estacionamento <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da feira”. Esselocal foi aponta<strong>do</strong> pela comunida<strong>de</strong> e por órgãosgovernamentais e não governamentais comoum espaço potencial <strong>de</strong> atuação. Esse campo foiobserva<strong>do</strong> durante alguns dias e em diferenteshorários, a fim <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>do</strong>lugar: no início e final da tar<strong>de</strong>, e início e finalda noite, a fim <strong>de</strong> se conhecer os perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong>maior ou menor frequência <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas.Nessa etapa <strong>de</strong> pesquisa e avaliação da área <strong>do</strong>fun<strong>do</strong> da feira, foi estabeleci<strong>do</strong> contato com<strong>do</strong>is comerciantes, que vendiam lanche, <strong>do</strong>cese cigarros em barracas no local, aos quais foiapresentada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar ativida<strong>de</strong>svoltadas à saú<strong>de</strong> com a população daquela área.Se mostraram receptivos, mas um tanto surpresoscom a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas pessoas<strong>de</strong>nominadas por eles <strong>de</strong> “barra pesada”. Asfalas evi<strong>de</strong>nciavam a condição <strong>de</strong> marginalizaçãoe estigmatização <strong>de</strong>sse público. Durante aobservação, a quarta-feira à noite foi escolhidapara a atuação, pois nesse dia foram evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>snúmeros significativos <strong>de</strong> usuários <strong>de</strong> crack e <strong>de</strong>alcoolistas que se concentravam tanto para fazeruso <strong>de</strong>ssas substâncias como, em alguns casos,também exerciam ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reciclagem <strong>de</strong>material. Com o início das intervenções, a equipeconcluiu que o turno da tar<strong>de</strong> era o melhor horário<strong>de</strong> atuação nesse campo.ABERTURA DE CAMPONo local <strong>de</strong> intervenção, “estacionamento <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>da feira”, era notória a presença <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> informale formal ao seu re<strong>do</strong>r. Nos primeiros contatos coma comunida<strong>de</strong> local, buscava-se apresentar o<strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, acolher suas dúvidas e,principalmente, colher da<strong>do</strong>s acerca <strong>do</strong>s serviçosofereci<strong>do</strong>s a população.A re<strong>de</strong> informal era composta por duas barracas <strong>de</strong>lanches, almoço e bebidas em geral, lojas e oficinas<strong>de</strong> consertos e vendas <strong>de</strong> bicicletas, <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong>bebidas, um terminal <strong>de</strong> transporte que liga a se<strong>de</strong>à orla marítima, um estacionamento local e umaçougue.A re<strong>de</strong> formal era constituída basicamente pela Cida<strong>de</strong><strong>do</strong> Saber (centro cultural e esportivo), Casa da Criança(acolhe crianças e a<strong>do</strong>lescentes em vulnerabilida<strong>de</strong> erisco social), Unida<strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Gleba B (UBSGB)e Secretaria <strong>de</strong> Desenvolvimento Social (SEDES).130


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIA apresentação <strong>do</strong> projeto sempre suscitava algumaresistência, uma vez que o objetivo <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> não contemplava a retirada das pessoasda rua e não tinha a abstinência como meta aser necessariamente alcançada. Percebemosque a articulação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção erafundamental para o êxito das ativida<strong>de</strong>s na medidaem que envolviam encaminhamentos para diversosserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, assistência social e outrossetores. A apresentação <strong>do</strong> projeto para as equipesseguidas <strong>de</strong> rodas <strong>de</strong> conversas foi fundamentalpara a melhora da compreensão da natureza<strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>, o que possibilitou ofortalecimento da parceria e consequentementeo atendimento das <strong>de</strong>mandas expressas pelosusuários em situação <strong>de</strong> rua encaminha<strong>do</strong>s a essesseguimentos.Dessa forma, a apresentação <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Camaçari às equipes foi incorporada aoplanejamento <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> trabalho, por ter semostra<strong>do</strong> um excelente instrumento para a ampliação<strong>do</strong> diálogo entres os atores que compõem a re<strong>de</strong> eprincipalmente por ter propicia<strong>do</strong> a melhora da qualida<strong>de</strong><strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s presta<strong>do</strong>s ao público-alvo.A articulação da re<strong>de</strong> local se configurou também emmais uma estratégia utilizada pela equipe com objetivo<strong>de</strong> apresentar e divulgar o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> (CR)aos comerciantes da área, informar em que dia aequipe estaria fazen<strong>do</strong> as intervenções e começaruma aproximação com a comunida<strong>de</strong>. No primeiromomento houve uma preocupação da equipeacerca <strong>de</strong> como seria a recepção <strong>de</strong>ssas pessoaspara com o grupo <strong>do</strong> CR, mas essa sensação foisen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sconstruída com o início <strong>do</strong>s contatos.Dentre o público-alvo <strong>do</strong> local <strong>de</strong>stacavam-se:ambulantes, flanelinhas, feirantes, mototaxistas,ambulantes, lojistas <strong>de</strong> bicicletas, ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong>carvão, comerciários (<strong>de</strong> bebidas e <strong>de</strong> alimentos)motoristas e cobra<strong>do</strong>res <strong>de</strong> ônibus.Era notória a surpresa das pessoas quan<strong>do</strong>informadas que o público-alvo da intervenção erampessoas em situação <strong>de</strong> rua e vulnerabilida<strong>de</strong> socialno fun<strong>do</strong> da feira. Houve também receptivida<strong>de</strong>em contribuir no que fosse possível para arealização <strong>do</strong> trabalho, como foi verifica<strong>do</strong> com o<strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s em campo.O primeiro contato com os usuários foi inicia<strong>do</strong>por uma a<strong>do</strong>lescente, que trabalhava em umadas barracas <strong>de</strong> lanches. Ao tomar conhecimento<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, chamou um jovem queestava por perto e ela mesma começou a falarsobre o trabalho da equipe e da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cuida<strong>do</strong>s naquela área. A partir <strong>de</strong>sse contato, foiestabelecida e anunciada a chegada da equipe no“estacionamento <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da feira”.O segun<strong>do</strong> contato com os usuários para abertura<strong>de</strong> campo foi feito apenas com duas pessoas daequipe, o redutor <strong>de</strong> danos e a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra local<strong>do</strong> projeto. Inicialmente, a ida a campo apenas comduas pessoas foi uma estratégia utilizada por ser ummo<strong>do</strong> menos invasivo junto às pessoas da região.131


Foi pon<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> que, para o início das ativida<strong>de</strong>s,um grupo gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas po<strong>de</strong>ria interferir nadinâmica <strong>do</strong> local, além <strong>de</strong> trazer consequênciasnegativas na relação que se buscava construir.Em um <strong>do</strong>s primeiros contatos da equipe comum <strong>do</strong>s lí<strong>de</strong>res <strong>do</strong> local, esse apresentou algumaresistência, mostran<strong>do</strong>-se hostil, expressava<strong>de</strong>scrença nas instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, uma vez quenão eram assisti<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> buscavam os serviços.Esse é um exemplo <strong>de</strong> como a equipe compreen<strong>de</strong>uque, naquele momento <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> campo,foi fundamental o acolhimento das insatisfações econflitos <strong>de</strong>correntes da grave situação <strong>de</strong> exclusãovivenciadas por essas pessoas.Não criar falsas expectativas e não fazer promessas quenão po<strong>de</strong>riam ser cumpridas foi uma das orientaçõesrecebidas na oficina <strong>de</strong> formação e que se mostroumuito importante no primeiro contato e durante o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> trabalho. A cultura da vitimizaçãoe práticas assistencialistas para com as pessoas emsituação <strong>de</strong> rua, que também eram incorpora<strong>do</strong>s evivi<strong>do</strong>s por eles, apontavam a necessida<strong>de</strong> constante<strong>de</strong> esclarecimento <strong>do</strong>s objetivos e limites <strong>do</strong> projeto.Com isso, a equipe percebeu que a gradativadiminuição <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> comida, dinheiro e roupa,aos poucos, <strong>de</strong>u lugar à compreensão <strong>do</strong>s integrantes<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> como profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Na abertura <strong>de</strong> campo surgiram vários <strong>de</strong>safios aserem venci<strong>do</strong>s para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> umtrabalho <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Os principais <strong>de</strong>les foram aimprevisibilida<strong>de</strong> e as mudanças que caracterizamo trabalho na rua. Embora a equipe tivesse si<strong>do</strong>“preparada” para essa situação, tanto pela supervisãotécnica quanto nas oficinas <strong>de</strong> capacitação,vivenciar a frustração por não conseguir realizar aspráticas planejadas ou mesmo encontrar o campocom condições ina<strong>de</strong>quadas para a realização dasações foi, em alguns momentos, uma experiênciaa ser elaborada.Tais experiências geraram na equipe a busca por<strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s para uma mudança rápida<strong>de</strong> planos <strong>de</strong> forma sutil, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da situação<strong>do</strong> momento. A consequência <strong>de</strong>ssa reflexãolevou o grupo a planejar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>o plano A e o plano B, ou mesmo não se <strong>de</strong>ixarafetar tanto pelas eventuais adversida<strong>de</strong>s, visan<strong>do</strong>o <strong>de</strong>senvolvimento da criativida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> resolutivida<strong>de</strong> frente aos <strong>de</strong>safios impostospela rua.TRABALHANDO NA RUAApesar da resistência inicial entre alguns usuários,foi possível perceber uma maior receptivida<strong>de</strong> no<strong>de</strong>correr das visitas e conversas no “estacionamento<strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da feira”. Antes das saídas para a rua, aequipe realizava a reunião pré-campo, quan<strong>do</strong> sediscutia as ativida<strong>de</strong>s que seriam <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com o público-alvo e as condições observadasna intervenção <strong>do</strong> dia anterior, organizava osmateriais que seriam utiliza<strong>do</strong>s, avaliava as condições132


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIda equipe para a saída, entre outros aspectos. Apósas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> campo, também era realizada umareunião para avaliação imediata das intervenções.O “estacionamento <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> da feira” é um localinsalubre, on<strong>de</strong> corre um esgoto a céu aberto, há<strong>do</strong>is contêineres com lixos, possibilitan<strong>do</strong> a presença<strong>de</strong> animais e insetos como ratos, baratas, cobras epernilongos.Quanto ao público encontra<strong>do</strong> no local, havia poucascrianças e a<strong>do</strong>lescentes, porém jovens, adultos e i<strong>do</strong>sosem situação <strong>de</strong> rua eram os mais frequentes. Nesseespaço também encontramos um grupo <strong>de</strong> adultos,em sua maioria homens, que jogavam cartas e bingoapostan<strong>do</strong> pequenas quantias <strong>de</strong> dinheiro, ocupan<strong>do</strong>o espaço diariamente. Vale ressaltar que embora ogrupo não fosse nosso público, participava <strong>de</strong> algumasativida<strong>de</strong>s e solicitava preservativos distribuí<strong>do</strong>s nas ações<strong>de</strong> prevenção a DST/AIDS. A substância mais utilizadapor eles era a bebida alcoólica, em forma <strong>de</strong> cachaça.Devi<strong>do</strong> ao uso intenso e constante, muitos apresentavamcomprometimentos físicos e psíquicos. Foram realizadasoficinas com fantoches com orientações para prevenção<strong>do</strong>s riscos e danos pelo uso abusivo <strong>do</strong> álcool, haven<strong>do</strong>uma boa participação das pessoas presentes. Durante asdiscussões, muitos hábitos e mitos em relação à forma <strong>de</strong>consumo eram expostos, como por exemplo, achar que“beber água e tomar cachaça ou cerveja dá cirrose”. Asorientações eram oferecidas às pessoas <strong>de</strong> forma leve elúdica. O fantoche e a utilização <strong>de</strong> música eram ativida<strong>de</strong>sque chamavam a atenção das pessoas e estimulavaa participação. Era trabalhada, ainda, a prevenção <strong>de</strong><strong>do</strong>enças sexualmente transmissíveis e AIDS, com álbumseria<strong>do</strong>, dinâmicas, distribuição <strong>de</strong> preservativos, que semostrou uma estratégia muito útil para aproximação econstrução <strong>de</strong> vínculos com alguns usuários.AVALIAÇÃO DO TRABALHO DO CONSULTÓRIO DE RUANo <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> foiobserva<strong>do</strong> que a formação <strong>de</strong> vínculos é o principalmo<strong>do</strong> <strong>de</strong> favorecer as intervenções no campo e fazercom que os objetivos se concretizem. Um <strong>do</strong>s principaisobjetivos a ser alcança<strong>do</strong> pela equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Camaçari foi o cuida<strong>do</strong> com a saú<strong>de</strong> das pessoasem situação <strong>de</strong> rua e a garantia <strong>do</strong>s seus direitos.Por meio da escolha da área <strong>de</strong> atuação e da aproximaçãoda equipe no estacionamento <strong>do</strong> Merca<strong>do</strong> Municipal<strong>de</strong> Camaçari, foi possível a realização <strong>de</strong> oficinas lúdicas<strong>de</strong> caráter informativo, abordan<strong>do</strong> a prevenção <strong>do</strong>scomportamentos <strong>de</strong> risco e realizan<strong>do</strong> encaminhamentospara a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção a partir das escutas.Des<strong>de</strong> o mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2010 (início <strong>do</strong>satendimentos em campo), foram atendidas pela equipe,em média, 10 pessoas por dia. A presença <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> era esperada todas as quartas-feiras pelosfrequenta<strong>do</strong>res da área.A avaliação <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> até então trouxe,simultaneamente, a sensação <strong>de</strong> realização <strong>do</strong>sprofissionais e o reconhecimento <strong>de</strong> estar ainda no início<strong>de</strong> um longo caminho a ser percorri<strong>do</strong>.133


RELATO SOBREAS EXPERIÊNCIAS DE SUPERVISÃO DAS EQUIPES134


Nessa seção serão apresenta<strong>do</strong>s os relatos <strong>de</strong>experiência <strong>de</strong> cada supervisor sobre o trabalho<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> junto à cada equipe <strong>do</strong>s municípioscompreendi<strong>do</strong>s pelo <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Essesrelatos configuram-se como um complemento aos relatos<strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> cada equipe.Além disso, constituem um importante testemunhosobre o papel <strong>do</strong> supervisor e a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suacontribuição para a consolidação <strong>de</strong>sse projeto em cadacida<strong>de</strong>. Se a história <strong>de</strong> constituição <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> é marcada pelo entrelaçamento <strong>do</strong>s olhares <strong>de</strong>cada profissional na construção da prática <strong>de</strong> intervençãocom a população em situação <strong>de</strong> rua, a supervisãoclínico-institucional <strong>de</strong>monstrou ser a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> enriquecimento técnico quan<strong>do</strong> esses olhares sãoentremea<strong>do</strong>s com alguém “<strong>de</strong> fora”, alguém que não estáno dia a dia da equipe e que, por sua formação específica,é capaz <strong>de</strong> perceber <strong>de</strong>talhes e nuances e, assim, proporredirecionamentos que dificilmente seriam percebi<strong>do</strong>spor aqueles imersos no cotidiano <strong>do</strong> trabalho na rua.De algum mo<strong>do</strong>, o olhar <strong>do</strong> supervisor é um olharestrangeiro e por isso mesmo torna-se uma peçaimportante na montagem e sustentação <strong>de</strong> um trabalhoem progresso, como é o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. O respeitoàs características locais <strong>de</strong> cada cida<strong>de</strong>, às característicasespecíficas <strong>de</strong> cada população e às especificida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cada equipe profissional faz <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>uma proposta <strong>de</strong> intervenção clínico-social que nãoestá fechada em convenções restritas <strong>de</strong> ações ou emprotocolos rígi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> atuação. Essa característica dinâmica<strong>de</strong> se adaptar às condições singulares <strong>de</strong> cada lugar, com aatenção <strong>de</strong>vida às variáveis sociais, geográficas e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>da população em foco, permite ao Consultório um mo<strong>do</strong><strong>de</strong> trabalho mais fundamenta<strong>do</strong> em princípios técnicos eéticos <strong>do</strong> que em regras <strong>de</strong> condutas preestabelecidas.Esse caráter dinâmico e adaptativo às circunstânciasconfere à supervisão uma importância que vai além <strong>de</strong>orientações pontuais.A seguir, os relatos escritos por cada um <strong>do</strong>s supervisoresdas equipes <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, são eles: AmandaMarques, enfermeira (Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> I – Salva<strong>do</strong>r);Patrícia von Flach, psicóloga e assistente social (Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> II– Salva<strong>do</strong>r/ Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>); PatríciaRachel Gonçalves, psicóloga (Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> –Camaçari) e Luiz Felipe Monteiro, psicólogo (Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> – Lauro <strong>de</strong> Freitas).RELATO DA EXPERIÊNCIA DE SUPERVISÃO DOCONSULTÓRIO DE RUA I – SALVADORA responsabilida<strong>de</strong> pela construção coletiva <strong>do</strong>trabalho é uma das atribuições profissionais <strong>do</strong>supervisor que precisa ser impessoal, flexívele “estrangeiro” ao cotidiano da equipe a sersupervisionada.A constatação da interseção entre os papéis <strong>do</strong>enfermeiro e <strong>de</strong> “supervisor 15 ”, no caso específicoda supervisão <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r,15A supervisora da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r é uma enfermeira, enquanto que os <strong>de</strong>mais supervisores tem a sua formação na Psicologia.135


permitiu que especificida<strong>de</strong>s, atreladas àEnfermagem, como a mediação, fosse utilizada nasupervisão <strong>do</strong>s trabalhos.Nos primeiros contatos da supervisora com a equipe,a tarefa inicial foi a seleção <strong>de</strong> três profissionais <strong>de</strong>nível médio que, a priori, proporiam intervenções<strong>de</strong> cunho artístico e educativo nas áreas, enquantoos <strong>de</strong>mais, perifericamente, interagiriam comaqueles que estivessem próximos.A equipe já era composta por uma assistentesocial, duas enfermeiras, uma agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ummotorista e um psicólogo. A seleção foi realizada pelaCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> I/Salva<strong>do</strong>r econtou com o apoio <strong>do</strong>s supervisores <strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>ismunicípios e da coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra executiva <strong>do</strong> projeto<strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Salva<strong>do</strong>r e região metropolitana, e resultou na seleçãoe contratação, através <strong>de</strong> um vínculo com a PrefeituraMunicipal <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> um músico, um professor<strong>de</strong> capoeira e uma educa<strong>do</strong>ra social.Composta a equipe, era necessário fazer a formaçãoteórica <strong>do</strong>s profissionais para o trabalho, <strong>de</strong>ntroda proposta <strong>de</strong> atenção a crianças e a<strong>do</strong>lescentesusuárias <strong>de</strong> drogas legais e ilegais em situação<strong>de</strong> rua. Nesse senti<strong>do</strong>, foi realizada a Oficina<strong>de</strong> capacitação I. Essa ativida<strong>de</strong> além <strong>de</strong> formaros trabalha<strong>do</strong>res serviu para aproximação juntoaos parceiros institucionais, como por exemplo,Conselho Tutelar, CAPSad e CAPSia, <strong>de</strong>ntre outros. Aorganização da Oficina I foi eminentemente feita pelasupervisora e pela coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra da equipe, com oapoio importante da agente <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a secretáriaadministrativa <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.Concomitantemente à elaboração da Oficina I,a rotina da supervisão incluía a elaboração dalista para aquisição <strong>do</strong>s materiais <strong>de</strong> trabalho nasintervenções da equipe, as ativida<strong>de</strong>s semanais<strong>de</strong> plantão (um turno semanal nas instalações <strong>do</strong>CETAD) e a reunião às quintas-feiras à tar<strong>de</strong> com ogrupo <strong>de</strong> supervisores e as coor<strong>de</strong>nações geral eexecutiva <strong>do</strong> projeto.A dinâmica <strong>do</strong>s plantões no CETAD não possuíauma rotina <strong>de</strong>finida. Além da supervisão em si,eventualmente ocorriam contatos com algumprofissional da SENAD e/ou da Fundação <strong>de</strong> Apoioà Pesquisa e à Extensão FAPEX 16 , profissionais eestudantes interessa<strong>do</strong>s em conhecer o trabalhoe o recebimento <strong>do</strong>s insumos adquiri<strong>do</strong>s para asações. Por diversas vezes o perío<strong>do</strong> foi utiliza<strong>do</strong>para reuniões com a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> projeto, paraa elaboração <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos e relatórios.Paralelo à formação teórica, a equipe realizava omapeamento das áreas da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r on<strong>de</strong>havia concentração <strong>do</strong> “público-alvo” em perío<strong>do</strong>snoturno e diurno. O fato <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s no16Fundação responsável pelo gerenciamento financeiro <strong>do</strong> projeto Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.136


processo, inclusive a supervisora, serem mora<strong>do</strong>resda cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> alguns já terem realiza<strong>do</strong> interv ençõescomunitárias com usuários <strong>de</strong> drogas permitiu – alémda i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> diversas áreas propícias para aintervenção – a aproximação com outras equipes quefazem trabalhos na mesma linha e com o Movimento<strong>de</strong> População <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, os quais forneceram informaçõesvaliosas para a escolha das áreas a serem trabalhadas.Conhecidas as especificida<strong>de</strong>s das localida<strong>de</strong>s visitadase organizadas as informações em uma tabela, foisolicitada uma reunião com a coor<strong>de</strong>nação executiva<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, na qual o mapeamento foiapresenta<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> escolhidas duas áreas quemais chamaram a atenção da equipe para abrigarem ostrabalhos.A escolha da Feira <strong>de</strong> São Joaquim e da La<strong>de</strong>ira daPreguiça como áreas <strong>de</strong> intervenção trouxe gran<strong>de</strong>s<strong>de</strong>safios para o trabalho que estava sen<strong>do</strong> reimplanta<strong>do</strong>após seis anos <strong>de</strong> suspensão. O primeiro <strong>de</strong>les foi aintervenção em uma localida<strong>de</strong> comercial on<strong>de</strong> haviaforte e diversifica<strong>do</strong> consumo <strong>de</strong> drogas no perío<strong>do</strong>diurno, uma vez que as intervenções <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> originalmente sempre foram feitas à noite.O trabalho <strong>de</strong> mapeamento das áreas e abertura<strong>de</strong> campo foi realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma interligada esimultaneamente. Nesse processo a tarefa da supervisorafoi: 1) orientar para uma melhor realização da ativida<strong>de</strong>,apontan<strong>do</strong> questões como não priorizar locais quecaracterize uma comunida<strong>de</strong>; 2) fazer contatos comlí<strong>de</strong>res da área; 3) pensar on<strong>de</strong> o carro <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> será estaciona<strong>do</strong>; 4) incentivar articulações com asre<strong>de</strong>s sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> local, <strong>de</strong>ntre outras ativida<strong>de</strong>s.Nesse momento, a visita da supervisora da equipe nasáreas nas quais ocorreriam as intervenções semanais foibastante positiva enquanto estratégia <strong>de</strong> supervisão.Passa<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição das áreas, as <strong>de</strong>mandasadministrativas <strong>do</strong> projeto exigiram articulações conjuntasda coor<strong>de</strong>nação e da supervisão. Questões comocumprimento <strong>de</strong> carga horária <strong>do</strong>s técnicos, <strong>de</strong>finição<strong>de</strong> rotinas, organização da coleta e registro <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s<strong>de</strong> atendimentos <strong>de</strong>mandaram diversas intervenções dasupervisão. Com o passar <strong>do</strong>s meses relativos ao perío<strong>do</strong><strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, as <strong>de</strong>mandasoriundas das intervenções nas ruas passaram a li<strong>de</strong>rar asquestões trabalhadas nas supervisões semanais.Consi<strong>de</strong>ra-se que a complexida<strong>de</strong> da estruturapolítica <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r exigiu intervenções dascoor<strong>de</strong>nações geral e executiva, principalmentenos assuntos relaciona<strong>do</strong>s à contratação <strong>de</strong>profissionais e na aquisição <strong>do</strong> veículo paratransporte durante as ações. Outras articulaçõespolíticas, principalmente com os parceiros <strong>do</strong>projeto, foram executadas pela supervisão e pelacoor<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.RELATO DA EXPERIÊNCIA DE SUPERVISÃO DOCONSULTÓRIO DE RUA II/SAÚDE (DE CARA) NA RUA– SALVADORO encontro semanal <strong>de</strong> supervisão, realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong>os primeiros momentos <strong>do</strong> projeto Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara)na <strong>Rua</strong> (Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> II – Salva<strong>do</strong>r), permitiu137


o acompanhamento da construção e realização <strong>do</strong>trabalho, verifican<strong>do</strong>-se as incidências e efeitos dasintervenções sobre a população, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, esobre cada profissional, em particular. Foi possívelobservar fenômenos que aqui caracterizamos como<strong>de</strong> “transferência 17 ” entre cada profissional e osupervisor, sen<strong>do</strong> que esse último foi capaz <strong>de</strong> fazeremergir um saber-fazer <strong>de</strong> cada técnico.Objetivamente, a supervisão se constituiu em umaestratégia <strong>de</strong> facilitação da grupalida<strong>de</strong> possibilitan<strong>do</strong>a equipe analisar suas práticas e refletir sobre comotrabalha e que resulta<strong>do</strong>s alcança, além <strong>de</strong> analisare refletir sobre como enfrentar os problemas e ospossíveis movimentos <strong>de</strong> resistência <strong>do</strong>s técnicos àspropostas e ações <strong>do</strong> projeto. Planejar e replanejar apartir da avaliação constante da direção que o trabalhoassume e se o resulta<strong>do</strong> obti<strong>do</strong> estava <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com afinalida<strong>de</strong> para a qual aquela equipe foi constituída. Issose fez cotidianamente, em sucessivos processos <strong>de</strong> idase vindas e, principalmente, na construção permanente<strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> produzir as ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nocontexto da rua.As intervenções <strong>do</strong> supervisor propiciaram:(1) A discussão sobre os objetivos e as possibilida<strong>de</strong>sda ativida<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> quea intervenção <strong>de</strong>sse trabalho po<strong>de</strong> emergir em váriosníveis: informativo, educativo, redutor <strong>de</strong> riscos e danose até clínico.(2) Intervenções sistemáticas da supervisora nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> facilitar o diálogo entre as diferentesdisciplinas que compõem a equipe multiprofissional<strong>do</strong> projeto, trabalhan<strong>do</strong> efetivamente na direção dainterdisciplinarida<strong>de</strong>, o que significa profissionaisprepara<strong>do</strong>s para atuar <strong>de</strong> forma mais crítica, integrada,com troca efetiva <strong>de</strong> saberes e práticas. Comoconsequência é possível verificar uma integração maiorda equipe – entre eles e com o trabalho.(3) Uma presença atenta, que assinala os caminhostrilha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a favorecer o reconhecimento <strong>do</strong>slimites e possibilida<strong>de</strong>s e a reflexão sobre o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sentir, pensar e agir da equipe. A<strong>de</strong>mais, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>que não existe uma uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e referenciaisteóricos, coube à supervisão manejar situações <strong>de</strong>divergências, encontros e <strong>de</strong>sencontros, insatisfaçõese alegrias, frustrações e lágrimas, possibilitan<strong>do</strong> que aequipe se <strong>de</strong>scubrisse através da produção <strong>do</strong> trabalho.Além disso, a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> projeto foi incentivadaa aproximar-se <strong>de</strong> cada componente da equipe e,individualmente, escutar como cada um se sentia na17Expressão utilizada por Freud (Amor <strong>de</strong> Transferência), para <strong>de</strong>finir o afeto que se <strong>de</strong>senvolve entre o paciente e o terapeuta (transferência e contratransferência),po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser “positiva” (amorosa) ou “negativa” (hostil). Esta condição (transferencial) é fundamental para o tratamento psicanalítico e, por extensão, aostratamentos psicológicos. Po<strong>de</strong>mos dizer que no campo da saú<strong>de</strong>, é fundamental a relação profissional(ais) e paciente para o bom andamento das intervenções.Em medicina, fala-se da “relação médico-paciente” como o elemento mais importante para o tratamento, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> sigilo.138


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIrelação com o trabalho, que estratégias <strong>de</strong> intervençãoconsi<strong>de</strong>ravam que podiam criar a partir das suashabilida<strong>de</strong>s profissionais e pessoais, estimulan<strong>do</strong> cadaum a inventar a intervenção e se reinventar no contextoda rua.(4) A discussão sistemática sobre as possíveismeto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> trabalho na rua foi um importanteaspecto <strong>de</strong> investimento da equipe, possibilitan<strong>do</strong>ao supervisor instigar o saber-fazer <strong>de</strong> cada um, <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> a construir um novo saber-fazer coletivo. Aoapresentarem as estratégias <strong>de</strong> intervenção realizadasna rua, a meto<strong>do</strong>logia utilizada foi sen<strong>do</strong> questionada ereconstruída em suas várias possibilida<strong>de</strong>s e senti<strong>do</strong>s.Foi relatada pela coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra uma priorização naconstrução <strong>de</strong> estratégias e instrumentos <strong>de</strong> intervenção(fol<strong>de</strong>rs, cartilhas...) . Trabalhamos esse aspectoconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que estar na rua é sempre um <strong>de</strong>safioe que é preciso ficar atento às estratégias coletivas (einconscientes) <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>do</strong> grupo em relação a umarealida<strong>de</strong> que sempre convoca para além <strong>do</strong> planeja<strong>do</strong>.Enfatizamos que a rua é o lugar, “por excelência”, <strong>de</strong>construção das intervenções, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que oprincipal instrumento <strong>de</strong> trabalho são os profissionais.Em relação à construção da meto<strong>do</strong>logia <strong>do</strong> trabalho, foiorienta<strong>do</strong> à equipe trabalhar com técnicas simples paraalcançar a população e discutir a temática. Retomamoso objetivo <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir o imaginário socialpreconceituoso a respeito <strong>do</strong> tema, levan<strong>do</strong> informaçõesdiversas e incentivan<strong>do</strong> a discussão e envolvimento coma questão. Salientamos a importância <strong>de</strong> não sermosten<strong>de</strong>nciosos com as informações que transmitimos, poiso objetivo da nossa intervenção é possibilitar a reflexãoe posição crítica sobre o tema, e não “convencer” aspessoas sobre o que acreditamos.A equipe indica que as intervenções que utilizammateriais para aproximar-se da comunida<strong>de</strong>parecem ter um efeito e alcance melhor <strong>do</strong> queas intervenções que não são planejadas. Nesseponto, discutimos sobre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “colocara cara na rua” sem objetos <strong>de</strong> mediação, masreforçamos a importância <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>uma meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> trabalho simples, criativa e quenão exija tantos recursos materiais e tanto tempo <strong>de</strong>planejamento, trazen<strong>do</strong> agilida<strong>de</strong> e a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> maior circulação da equipe nos diversos espaçosda cida<strong>de</strong>.Outra questão abordada diz respeito ao lugar da arte,da ludicida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s artistas nessa equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.No processo <strong>de</strong> supervisão, concebe-se a arte comofavorece<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> encontro com as pessoas, comoacesso, como comunicação e mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> transmitir asinformações, intervir, prevenir e até reduzir danosconsequentes <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Supervisor e equipe, cada um <strong>de</strong> seu lugar, têmexperimenta<strong>do</strong> locais e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intervençãodiversas, construin<strong>do</strong> a meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> trabalho <strong>do</strong>Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>. Uma meto<strong>do</strong>logia que seadéqua ao público e aos espaços <strong>de</strong> atuação, sen<strong>do</strong> oimproviso e o inusita<strong>do</strong> o que melhor caracteriza as cenasproduzidas por esse grupo no contexto <strong>de</strong> trabalho.139


(5) O supervisor na rua, que acompanhou comoobserva<strong>do</strong>r a intervenção da equipe no “merca<strong>do</strong><strong>do</strong> peixe” no bairro <strong>do</strong> Rio Vermelho – local <strong>de</strong>bares e restaurantes. Foi possível verificar quea equipe tem investi<strong>do</strong> muito na construção <strong>de</strong>estratégias lúdicas e artísticas para aproximação<strong>do</strong> público, porém, os membros se utilizam pouco<strong>de</strong>ssas estratégias como principal “veículo” <strong>de</strong>intervenção. Em supervisão coletiva, enfatizamosa importância <strong>de</strong> se utilizarem das estratégiaslúdicas mais enquanto recurso, chegan<strong>do</strong> <strong>de</strong> formarápida e impactante na rua, chaman<strong>do</strong> a atençãodas pessoas e transmitin<strong>do</strong> informações sobre atemática, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a possibilitar a reflexão e/oucuriosida<strong>de</strong> da população, bem como comunicaros locais <strong>de</strong> tratamento e <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> informaçãofi<strong>de</strong>digna, tais como o Observatório Sobre Drogas<strong>do</strong> CETAD e da SENAD.Assinalamos ainda a importância <strong>de</strong> lidarmos coma questão <strong>do</strong>s preconceitos e das pré-concepçõesda própria equipe em relação ao tema e com a<strong>de</strong>sconstrução da relação po<strong>de</strong>r/saber. Nessesenti<strong>do</strong>, o processo <strong>de</strong> supervisão coloca em questãoa própria relação estabelecida com a população(saber técnico versus saber <strong>do</strong> senso comum) e aresponsabilização <strong>de</strong> cada profissional no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>possibilitar a construção <strong>de</strong> um novo saber a partir<strong>do</strong>s saberes que circulam/encontram-se no contextoda rua.(6) O relato da prática e a avaliação <strong>do</strong> projeto: orelato das ativida<strong>de</strong>s é fundamental para o processo<strong>de</strong> avaliação e planejamento das intervenções. Nessesenti<strong>do</strong>, construímos, junto com a coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> projeto, um roteiro <strong>de</strong> relato das ativida<strong>de</strong>s quecontempla, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a construção das intervenções eseus instrumentos até as estratégias <strong>de</strong> capacitação.Refletimos sobre a importância <strong>do</strong>s profissionaisutilizarem um “diário <strong>de</strong> campo” e apresentaremmensalmente um relatório <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> das ativida<strong>de</strong>s,com suas impressões, sentimentos e <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>situações vivenciadas no contexto da rua. Esse materialseria utiliza<strong>do</strong> para construção <strong>do</strong> relatório técnicomensal elabora<strong>do</strong> pela coor<strong>de</strong>nação executiva paraser encaminha<strong>do</strong> à SENAD. Por sua vez, os relatos <strong>de</strong>experiência <strong>do</strong>s profissionais seriam utiliza<strong>do</strong>s comomaterial <strong>de</strong> avaliação e planejamento <strong>do</strong> projeto.Importante apontar essa possibilida<strong>de</strong> da equipefuncionar como um “observatório ambulante” sobreo tema das substâncias psicoativas, subsidian<strong>do</strong> oplanejamento <strong>de</strong> outras intervenções no setor dasaú<strong>de</strong> e para além <strong>do</strong> território <strong>de</strong> abrangência <strong>do</strong>projeto, qual seja, a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r.(7) A educação permanente acompanhou to<strong>do</strong> oprocesso, com indicações <strong>de</strong> temas e profissionais porparte <strong>do</strong> supervisor. O próprio processo <strong>de</strong> supervisãofoi analisa<strong>do</strong> enquanto importante instrumento <strong>de</strong>reflexão/discussão da equipe sobre as intervenções e,também sobre as relações interpessoais, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>que estar na rua é sempre um <strong>de</strong>safio e, nessesenti<strong>do</strong>, é preciso ficar atento ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>estratégias coletivas e interdisciplinares, voltadas parauma realida<strong>de</strong> que sempre convoca para além <strong>do</strong>140


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIplaneja<strong>do</strong>, exigin<strong>do</strong> também estratégias dinâmicas einova<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> formação/capacitação da equipe.A construção coletiva <strong>do</strong> “relato <strong>de</strong> experiência” <strong>do</strong>projeto ‘Saú<strong>de</strong> (<strong>de</strong> Cara) na <strong>Rua</strong>’ se configurou emum importante instrumento <strong>de</strong> reflexão/avaliação <strong>do</strong>trabalho. É possível afirmar que a equipe hoje estámais “afinada” com a proposta, ten<strong>do</strong> mais clarezasobre a direção/objetivo <strong>do</strong> trabalho, as possíveismeto<strong>do</strong>logias <strong>de</strong> intervenção e registro, bem como opapel <strong>de</strong> cada profissional nessa equipe que transitacriativamente entre a inter e a transdisciplinarida<strong>de</strong>.RELATO DA EXPERIÊNCIA DE SUPERVISÃO DOCONSULTÓRIO DE RUA – CAMAÇARIA experiência <strong>de</strong> supervisão técnica <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> no município <strong>de</strong> Camaçari, <strong>de</strong>u-se em umaconstrução mútua, entre supervisor e equipe.Construção que gerou um processo <strong>de</strong> trabalho comcontornos, nuances e produtos bastante significativospara implantação <strong>de</strong> uma proposta tão inova<strong>do</strong>racomo a <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> nesse município.No primeiro momento, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> supervisão,ainda próximas <strong>de</strong> funções da or<strong>de</strong>m executiva,foram <strong>de</strong>terminantes para que se revelasse umponto fundamental <strong>do</strong> trabalho: o <strong>de</strong>lineamento dasfunções <strong>do</strong> supervisor e <strong>do</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r da equipe,suas semelhanças e diferenças.A função <strong>de</strong> supervisor não consiste em fiscalizare controlar as ativida<strong>de</strong>s. O ato <strong>de</strong> supervisionar foiganhan<strong>do</strong>, aos poucos, a distância necessária daexecução <strong>do</strong> trabalho in loco para ocupar seu lugar<strong>de</strong> “olhar amplia<strong>do</strong>”, a partir <strong>do</strong> qual se garantiu aqualida<strong>de</strong> técnica da atuação <strong>de</strong>sse dispositivo.Aquilo que esteve nomea<strong>do</strong> como “ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> articulação com instâncias governamentais”foi trabalha<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> estabelecer, juntoà instância governamental competente, critériosqualitativos para a contratação <strong>do</strong>s profissionais quecompuseram a equipe.Além disso, também foi importante atuar junto àcoor<strong>de</strong>nação da equipe, bem como em encontrosindividuais com os futuros membros da equipe (umavez que estes foram seleciona<strong>do</strong>s, porém não estavamcontrata<strong>do</strong>s ainda). Tais encontros favoreceram o<strong>de</strong>lineamento da função da coor<strong>de</strong>nação da equipe, aatuação e o anteparo da futura equipe.Essa foi uma situação atípica, uma vez que, mesmosem contrato, as pessoas que formariam a equipe,tinham si<strong>do</strong> convocadas pelo município a iniciaremas ativida<strong>de</strong>s. Portanto, a direção da supervisão foidada no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> favorecer a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>possíveis campos <strong>de</strong> trabalho e a relação <strong>de</strong> confiançae respeito com sua população. Salientar a cautelanesse momento foi <strong>de</strong> importância primeira, já quesem equipe contratada é inviável ofertar o trabalho <strong>de</strong>imediato, pois isso geraria, na população, expectativasimpossíveis <strong>de</strong> serem atendidas. Frisar que o trabalhopu<strong>de</strong>sse acontecer no nível das articulações com are<strong>de</strong> formal e informal e somente algumas visitas141


pouco aprofundadas a campo, foi <strong>de</strong>terminante paraque o trabalho tenha permaneci<strong>do</strong> em seu campotécnico. Isso o preservou <strong>de</strong>ntro das suas condiçõesreais e a supervisão dirigiu sua atenção para o manejo<strong>do</strong>s anseios <strong>do</strong>s profissionais ainda não contrata<strong>do</strong>s,associa<strong>do</strong>s aos <strong>de</strong>safios e limites <strong>de</strong>ssa prática.Uma vez que a equipe foi contratada, a atuação <strong>do</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> passou a ter um novo tom. O trabalhoem campo construí<strong>do</strong> pela coor<strong>de</strong>nação sustentou-se,agregan<strong>do</strong> agora novos olhares para sua execução eampliação.Entretanto, uma dificulda<strong>de</strong> primordial manteve-sedurante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> trabalho nomunicípio: a ausência <strong>de</strong> um veículo a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> àrealização das intervenções em campo. Esse fato,<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m administrativa,implicou prejuízos para a proposta inicial <strong>de</strong> atuação<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. E, nessa circunstância, a equipeatuou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s ética e reflexiva,comprometida com o vínculo estabeleci<strong>do</strong> com apopulação <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> atuação. A supervisão ratificouessa postura e o trabalho se <strong>de</strong>u diante <strong>de</strong> diversascaracterísticas inesperadas da rua, agravadas, em algunsmomentos, por essa dificulda<strong>de</strong>.Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> manejo das relações entreos profissionais da equipe, a supervisão priorizouinicialmente a observação <strong>de</strong> qual mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho seestabeleceria nessa equipe. A avaliação constante daequipe sobre suas próprias posturas e <strong>de</strong>cisões refletiuaspectos <strong>do</strong> crescimento e amadurecimento em seuprocesso <strong>de</strong> trabalho, que se firmou como o mo<strong>do</strong>principal <strong>de</strong> funcionamento <strong>do</strong> grupo. Assim, uma vezque a prática da autoavaliação ganhou forma na equipe,a supervisão passou a priorizar sua sustentação, a partir<strong>de</strong> “leituras” <strong>de</strong>volutivas <strong>de</strong>sse processo.Quanto à supervisão <strong>de</strong> casos, <strong>de</strong>ntro dasespecificida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> álcool e outras drogas, bemcomo <strong>do</strong> atendimento à população em situação <strong>de</strong>rua, a direção <strong>do</strong> trabalho seguiu no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> manejoclínico <strong>de</strong> cada caso. Isso permitiu a construção <strong>de</strong> umolhar e da escuta voltadas para as idiossincrasias <strong>do</strong>campo e <strong>de</strong> cada sujeito ali presente. Uma característicamarcante, e sucessivamente relatada como dispara<strong>do</strong>r<strong>de</strong> angústia nos profissionais, foi o fato <strong>de</strong> a maiorparte da população ser flutuante na área. Inquietaçõesa respeito da não continuida<strong>de</strong> das ações iniciadasestiveram presentes durante to<strong>do</strong> o percurso <strong>de</strong>ssaequipe. Focar no reconhecimento <strong>do</strong> próprio trabalho,sen<strong>do</strong> ele como é, com seus limites e alcances, foi <strong>de</strong>fundamental importância para favorecer movimentoscriativos a partir da angústia e não a sua paralisação.De mo<strong>do</strong> geral, as <strong>de</strong>mandas da população atendida,relatadas pela equipe à supervisão, foram caracterizadascomo <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>s com o corpo, através<strong>de</strong> pedi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> medicações e encaminhamentos parare<strong>de</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Na supervisão, foi orienta<strong>do</strong> sobre aimportância da continuida<strong>de</strong> da escuta <strong>de</strong>sses pedi<strong>do</strong>s,<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a favorecer o estabelecimento <strong>do</strong> vínculocom esse usuário.Uma escuta continuada inclui uma avaliação sobre apertinência e a viabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s feitos. Muitas142


vezes, diante <strong>de</strong> solicitações <strong>de</strong> atendimentos maisespecíficos, a equipe po<strong>de</strong> encaminhar o sujeitopara serviços especializa<strong>do</strong>s como ambulatórios epronto-atendimentos. Tal intervenção sustenta-se na<strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> imaginário da própria população<strong>de</strong> rua <strong>de</strong> que ela é excluída <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> assistênciaà sua saú<strong>de</strong>. Coube, inclusive, a indicação <strong>de</strong> que aequipe levasse insumos para o trabalho como, porexemplo, os preservativos, símbolo <strong>de</strong> preservaçãoda saú<strong>de</strong>, utiliza<strong>do</strong> “no corpo”. Também foi ratificadaa importância <strong>de</strong> oficinas <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> danos eDST/AIDS, para que o corpo vivi<strong>do</strong> como é, pu<strong>de</strong>ssevir a ser também um corpo fala<strong>do</strong>.O trabalho <strong>de</strong> supervisão privilegiou a direção dasintervenções junto à equipe, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> campo clínico,na medida em que essa pô<strong>de</strong> ser escutada em suasgeneralida<strong>de</strong>s e particularida<strong>de</strong>s. Foi possível acolheressa equipe e intervir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a mesma pu<strong>de</strong>ssese sustentar nos pressupostos técnicos e éticos daatuação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, bem como inovar dianteda realida<strong>de</strong> peculiar <strong>de</strong> seus profissionais e <strong>de</strong> seumunicípio.O eixo reflexivo da conduta profissional foi repetidamentesalienta<strong>do</strong> para que essa qualida<strong>de</strong> fosse garantidana essência <strong>do</strong> trabalho da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> em Camaçari. Nesse senti<strong>do</strong>, os olhares e relatospositivos, <strong>de</strong> reconhecimento e valorização escuta<strong>do</strong>spela equipe durante as atuações em campo foram<strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> seu perfil junto à população-alvo. A cadaetapa <strong>de</strong>sse processo fez-se ver que quan<strong>do</strong> o própriocuida<strong>do</strong>r cuida <strong>de</strong> suas angústias em relação ao seu fazerprofissional é capaz <strong>de</strong> ofertar melhor direcionamentoàs <strong>de</strong>mandas que lhe são dirigidas.RELATO DA EXPERIÊNCIA DE SUPERVISÃO DOCONSULTÓRIO DE RUA – LAURO DE FREITASA experiência <strong>de</strong> ocupar a função <strong>de</strong> supervisorclínico-institucional da equipe <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong> <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitas, ao longo <strong>do</strong>s últimos meses,reafirmou a importância <strong>do</strong> cruzamento <strong>de</strong> olhares tãocaro à <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. A supervisão<strong>de</strong>monstrou seu papel <strong>de</strong> garantir que os princípiostécnicos e éticos <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> estejaminseri<strong>do</strong>s em cada ato da equipe com a população-alvo.Na prática, consi<strong>de</strong>ro que a supervisão operou em duasdimensões relacionadas com o trabalho da equipe:em uma dimensão horizontal, referente aos limitesda atuação; e em uma dimensão vertical, referenteaos diferentes níveis <strong>de</strong> atuação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as ativida<strong>de</strong>slúdicas até as <strong>de</strong> escuta psicológica individual. Uma vezestabeleci<strong>do</strong>s referenciais precisos quanto aos limites eaos níveis <strong>de</strong> intervenção, pô<strong>de</strong>-se esclarecer, ao longodas supervisões, qual direção técnica perpassava asintervenções <strong>de</strong> toda a equipe.A primeira preocupação da equipe nas primeirassupervisões versava sobre a proximida<strong>de</strong> das áreas<strong>de</strong> atuação em relação ao ponto <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> drogas.Outra preocupação foi a presença <strong>de</strong> policiais emviaturas nos momentos <strong>de</strong> trabalho. Os membrosda equipe se preocupavam com a possibilida<strong>de</strong> dapopulação relacionar o trabalho <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>à polícia e isso ser um fator que pu<strong>de</strong>sse comprometer143


o estabelecimento <strong>do</strong> vínculo <strong>de</strong> confiança entrea população e a equipe. No que diz respeito àsegurança quanto ao trabalho em áreas com essascaracterísticas, foi indica<strong>do</strong>, nas supervisões, que amelhor e maior garantia <strong>de</strong> proteção da equipe eraa própria especificida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, claramente ampara<strong>do</strong> e sustenta<strong>do</strong> porinstâncias governamentais e também pelo carátereminentemente técnico <strong>de</strong> suas intervenções. Ouseja, foi esclareci<strong>do</strong> aos membros da equipe que asegurança é consequência <strong>de</strong> como a comunida<strong>de</strong>os reconhece. Caso fossem reconheci<strong>do</strong>s comoprofissionais da saú<strong>de</strong>, assim seriam trata<strong>do</strong>s. Fatoque se concretizou ao longo <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os meses <strong>de</strong>implantação <strong>de</strong>sse projeto, sem ter havi<strong>do</strong> qualquerinci<strong>de</strong>nte que comprometesse a segurança <strong>de</strong> to<strong>do</strong>sos envolvi<strong>do</strong>s.A dimensão horizontal frisada anteriormente foi vistamais claramente quan<strong>do</strong>, na supervisão, foram indica<strong>do</strong>sos limites da atuação da equipe na comunida<strong>de</strong>.Exatamente pelo fato <strong>de</strong> o Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> ser umaoferta <strong>de</strong> serviço social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> em contexto marca<strong>do</strong>pela carência <strong>de</strong> acesso a serviços médicos, psicológicose <strong>de</strong> assistência social, muitas necessida<strong>de</strong>s chegam aosmembros da equipe, o que por vezes po<strong>de</strong> levar a umimpasse sobre que tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong>ve-se aten<strong>de</strong>r.Muitas vezes as <strong>de</strong>mandas eram para transporte <strong>de</strong>144


RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO CONSULTÓRIO DE RUAPARTE IIIpessoas <strong>do</strong>entes ou mesmo para o fornecimento<strong>de</strong> alimentação. Para essas situações, a supervisãorealizada com a equipe <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitas estabeleceuuma direção muito clara: a ação <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>inicia-se e encerra-se in loco, em cada área específica<strong>de</strong> atuação 18 . Esse princípio é o que permite à equiperespon<strong>de</strong>r pelas consequências <strong>do</strong> trabalho a que sepreten<strong>de</strong>. Qualquer situação que fuja <strong>de</strong>ssa condição,diminui consi<strong>de</strong>ravelmente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a equiperespon<strong>de</strong>r a<strong>de</strong>quadamente a qualquer contingênciaque venha a ocorrer.Feitas essas consi<strong>de</strong>rações acerca <strong>do</strong>s limites <strong>de</strong>atuação, a equipe prontamente se reposicionou frenteàs diversas <strong>de</strong>mandas da população-alvo, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>esse um manejo para que to<strong>do</strong>s compreen<strong>de</strong>ssem queo principal objetivo <strong>do</strong> projeto era a atenção à saú<strong>de</strong> daspessoas em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, além <strong>de</strong>questões associadas ao uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas.A habilida<strong>de</strong> da equipe nesse processo possibilitouque, com o passar das semanas, os pedi<strong>do</strong>s que nãoestavam <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a oferta <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>diminuíssem significativamente.Após esse momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação da oferta <strong>do</strong>serviço <strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, abriu-se espaços nassupervisões para questões relativas ao conteú<strong>do</strong> dasintervenções com a população. A equipe <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong>Freitas <strong>de</strong>staca-se pelo dinamismo, criativida<strong>de</strong> e pelabusca constante por uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho.Esse aspecto levou a uma preocupação frequente,por parte da equipe, em propor ativida<strong>de</strong>s lúdicascom crianças, oficinas <strong>de</strong> arte e dinâmicas em grupo.Todas as propostas foram recebidas muito bem pelapopulação das duas áreas <strong>de</strong> atuação (Lagoa <strong>do</strong>s Patose Campo da Maconha), especialmente pelas criançase a<strong>do</strong>lescentes que ali vivem. A gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>crianças e a<strong>do</strong>lescentes nas ativida<strong>de</strong>s fez com queboa parte <strong>do</strong> tempo da equipe estivesse voltada paraesse público. Isso tornou-se um importante ponto <strong>de</strong>orientação na supervisão, uma vez que os técnicosperceberam que não sobrava muito tempo disponível,ao longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> permanência na rua, para aescuta e atenção às questões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>licadas,como o próprio uso <strong>de</strong> substâncias psicoativas.Foi enfatiza<strong>do</strong>, nas supervisões, que as <strong>de</strong>mandassociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que mais têm relação com a oferta<strong>do</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> são aquelas que não aparecemprontamente, que não comparecem com tanto fervor,como visto com as crianças. Aquelas pessoas maisexpostas aos riscos sociais e à saú<strong>de</strong> relativa ao uso <strong>de</strong>drogas são as que menos aparecem espontaneamente,como tem aconteci<strong>do</strong> no caso das ativida<strong>de</strong>s lúdicas. Adireção proposta foi <strong>de</strong> a equipe estar menos ocupadacom ativida<strong>de</strong>s pré-organizadas, para então percebera <strong>de</strong>manda implícita daquelas pessoas mais caladas,daqueles que ficavam <strong>de</strong> longe observan<strong>do</strong>-a trabalhar.18Excetuan<strong>do</strong>-se as intervenções <strong>de</strong> encaminhamentos a serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou situações relativas à providência <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentação (registro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>,certidão <strong>de</strong> nascimentos etc.)145


A orientação da supervisão apontou para que aequipe regulasse melhor o tempo <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> àsativida<strong>de</strong>s lúdicas com as crianças. Não se tratava<strong>de</strong> aban<strong>do</strong>nar as oficinas e dinâmicas com elas,mas consi<strong>de</strong>rar o tempo para outras ativida<strong>de</strong>s epessoas. Isso permitiu que a equipe ficasse maisdisponível para as <strong>de</strong>mandas sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>menos explícitas e que, com o passar <strong>do</strong> tempo,percebesse melhor a dinâmica da rua e pu<strong>de</strong>sserealizar as escutas individuais <strong>do</strong>s mais expostosaos riscos relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>de</strong> drogas. Apostura mais atenta para essas sutilezas garantiuà equipe aprofundamento das intervenções comos mais expostos a riscos para saú<strong>de</strong>, seja pelouso <strong>de</strong> drogas, seja por problemas clínicos e/ouorgânicos.A consequencia <strong>de</strong>ssa nova direção foi oaparecimento <strong>de</strong> questões relacionadas maisdiretamente ao uso <strong>de</strong> drogas e à violência nocontexto vivi<strong>do</strong> pelas pessoas das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Lagoa <strong>do</strong>s Patos e Campo da Maconha.A equipe mostrou-se mais capaz <strong>de</strong> manejar osproblemas, orientan<strong>do</strong> a comunida<strong>de</strong> quanto àredução <strong>de</strong> riscos e danos e realizan<strong>do</strong> tambémencaminhamentos para os casos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>que necessitassem <strong>de</strong> atendimento médicoespecializa<strong>do</strong>. Outro aspecto importante indica<strong>do</strong>pela supervisão consistiu na distinção entre osfatores <strong>de</strong> risco e os <strong>de</strong> proteção à saú<strong>de</strong>, como<strong>do</strong>is conceitos teóricos que ajudam a referenciar asintervenções com as pessoas atendidas na rua.A precarieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s recursos <strong>de</strong> saneamento básico,educação, lazer, saú<strong>de</strong> e emprego leva muitasvezes as pessoas a empreen<strong>de</strong>rem uma fala muitorespaldada na vitimização como justificativa para osriscos a que se expõem, especialmente em relaçãoao uso <strong>de</strong> drogas.No contato com pessoas que enfatizam muitoa posição <strong>de</strong> vítimas sociais, <strong>de</strong>ve-se acolher asqueixas, mas também estimular a reflexão a fim <strong>de</strong>que cada um possa perceber as ações e iniciativasque po<strong>de</strong>m tomar para se proteger mais e melhorarminimamente sua condição <strong>de</strong> vida. Trata-se <strong>de</strong>uma escuta direcionada para o favorecimento daresponsabilização das pessoas tanto no que serefere aos fatores <strong>de</strong> proteção como em relaçãoaos fatores <strong>de</strong> risco a que po<strong>de</strong>m estar expostas,especialmente em relação ao uso <strong>de</strong> substânciaspsicoativas e à contaminação <strong>de</strong> <strong>do</strong>ençassexualmente transmissíveis.Avaliamos que, ao longo <strong>do</strong>s últimos meses, aequipe conseguiu atingir os objetivos espera<strong>do</strong>spara a implantação e consolidação <strong>do</strong> trabalho nãoapenas nas comunida<strong>de</strong>s atendidas, mas também<strong>de</strong>ntro da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>município.146


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ANEXO ITERMO DE PARCERIAAS PARTESO <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>, instituição sem finslucrativos, , sediada à <strong>Rua</strong> XX, n° XX, bairro, cida<strong>de</strong>/Esta<strong>do</strong>, neste ato representa<strong>do</strong> por XX e X (INSTITUIÇÃO),inscrita no CNPJ sob o nº XX, sediada à <strong>Rua</strong> XX, n° XX,bairro, cida<strong>de</strong>/esta<strong>do</strong>, representa<strong>do</strong> por XX.O OBJETIVOO presente termo terá por objetivo a colaboração entreo <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong> e X (INSTITUIÇÃO), paraprestar XX a usuários <strong>de</strong> álcool e outras drogas emsituação <strong>de</strong> rua.ATRIBUIÇÕES DAS PARTESI – Cabe ao <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>:- realizar estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> casos, selecionar, encaminhar ematriciar os usuários atendi<strong>do</strong>s na XX (INSTITUIÇÃO), naperspectiva <strong>de</strong> viabilizar suas inclusões na instituição;- promover e/ou participar <strong>de</strong> fóruns <strong>de</strong> discussão sobrea temática relacionada à temática da XX (INSTITUIÇÃO)no município;- participar <strong>de</strong> forma parceira em ativida<strong>de</strong>s e eventospromovi<strong>do</strong>s pela XX (INSTITUIÇÃO);- divulgar o apoio e a colaboração da XX (INSTITUIÇÃO)nos eventos e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> articulação com a re<strong>de</strong>;- disponibilizar profissionais para ministrar palestras,formações e oficinas sobre temas transversais;II - Cabe a XX (INSTITUIÇÃO)- preservar a imagem social das pessoas encaminhadaspelo <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>;- não permitir a filmagem e a retirada <strong>de</strong> fotografias<strong>do</strong>s encaminha<strong>do</strong>s pelo <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>, salvo expressa autorização (por escrito) <strong>do</strong>smesmos.- DESCREVER ATIVIDADES PERTINENTES A SEREMDESENVOLVIDAS PELA INSTITUIÇÃO.DURAÇÃOAs ativida<strong>de</strong>s/serviços <strong>de</strong> colaboração <strong>de</strong> que trataeste acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> parceria serão <strong>de</strong>sempenhadas porambas as partes durante perío<strong>do</strong> in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esteja em consonância com os itensacima menciona<strong>do</strong>s, salvo quan<strong>do</strong> na manifestação<strong>de</strong> uma das partes em <strong>de</strong>sfazer o presente termo.RESCISÃOO acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> parceria po<strong>de</strong> ser rescindi<strong>do</strong> a qualquertempo por qualquer das partes parceiras, comunica<strong>do</strong>com antecedência <strong>de</strong> 30 dias148


BENEFICIÁRIASSerão contempladas pelas ativida<strong>de</strong>s e serviçosofereci<strong>do</strong>s por ambas as instituições as pessoasem situação <strong>de</strong> rua, acompanhadas pelo <strong>Projeto</strong>Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>.ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃOO acompanhamento e a avaliação das ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que trata este acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> parceria serão <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> conjunta, através <strong>de</strong> relatório,atesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> frequência, <strong>de</strong> comparecimento,visitas <strong>de</strong> acompanhamento aos encaminha<strong>do</strong>s ereuniões <strong>de</strong> avaliação realizadas periodicamente.DISPOSIÇÕES GERAISOs casos não previstos neste termo serão trata<strong>do</strong>sem comum acor<strong>do</strong> entre as partes.Por estarem <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as condições aquiexpressas, firmam o presente termo <strong>de</strong> parceria em2 (duas) vias <strong>de</strong> igual teor.cida<strong>de</strong>, ____<strong>de</strong>___________ <strong>de</strong>_____._________________________________________Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Equipe <strong>do</strong> <strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>_________________________________________XX (RESPONSÁVEL LEGAL PELA INSTITUIÇÃO)149


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRASIL. Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Social eCombate à Fome. <strong>Rua</strong>: apren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a contar:Pesquisa Nacional sobre a População em Situação<strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Brasília, DF: MDS; Secretaria <strong>de</strong> Avaliaçãoe Gestão <strong>de</strong> Informação, Secretaria Nacional <strong>de</strong>Assistência Social, 2009.BRASIL. Política Nacional para Inclusão Social daPopulação em Situação <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Brasília, 2008.BRASIL. Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Social eCombate à Fome. 2º Censo da população <strong>de</strong> rua eanálise qualitativa da situação <strong>de</strong>ssa populaçãoem Belo Horizonte: meta 10 – realização <strong>de</strong>ações <strong>de</strong> atendimento sócio-assitencial, <strong>de</strong>inclusão produtiva e capacitação para populaçãoem situação <strong>de</strong> rua. Belo Horizonte: PrefeituraMunicipal, 2006.BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong>Brasil: Brasília, Sena<strong>do</strong> Fe<strong>de</strong>ral, 1988.Brasil, Lei <strong>de</strong> Drogas n. 11.343/2006, Institui oSistema Nacional <strong>de</strong> Políticas Públicas sobre Drogas- Sisnad. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htmAcesso em 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2011.CASTEL, Robert. A dinâmica <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong>marginalização: da vulnerabilida<strong>de</strong> à “<strong>de</strong>sfiliação”.Ca<strong>de</strong>rno CRH, Salva<strong>do</strong>r, n. 26/27, p. 19-40, jan./<strong>de</strong>z., 1997.COSTA, Ana Paula Motta. População em situação<strong>de</strong> rua: contextualização e caracterização.Revista Virtual Textos & Contextos, n. 4, <strong>de</strong>z. 2005.HUTZ, Claudio Simon; KOLLER, Silvia Helena.Questões sobre o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> criançasem situação <strong>de</strong> rua. Estu<strong>do</strong>s em Psicologia, Natal,vol. 2, p. 175-197, 1997.NOTO, Ana Regina [et al.]. Levantamento nacionalsobre o uso <strong>de</strong> drogas entre crianças e a<strong>do</strong>lescentesem situação <strong>de</strong> rua nas 27 capitais brasileiras, 2003.São Paulo: CEBRID – Centro <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Informaçõessobre drogas psicotrópicas, SENAD - Secretaria Nacional<strong>de</strong> Políticas sobre drogas, 2004.OLIVEIRA, Miriam Gracie Plenna. Consultório <strong>de</strong><strong>Rua</strong>: relato <strong>de</strong> uma experiência. Dissertação(mestra<strong>do</strong>). Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>do</strong>Instituto <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Coletiva da Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, 2009.SAFRA, Gilberto. A pó-ética na clínicacontemporânea. São Paulo: Idéias & Letras,2004.SOARES, Luiz Eduar<strong>do</strong>; BILL, MV; ATHAYDE, Celso.Cabeça <strong>de</strong> Porco. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva,2005.VAISBERG, Tânia. Ser e Fazer: Enquadresdiferencia<strong>do</strong>s na clínica winnicottiana .Aparecida: Idéias & Letras, 2004.152


TUÜCK, Maria da Graça Maurer Gomes. Re<strong>de</strong>Interna e Re<strong>de</strong> Social: o <strong>de</strong>safio permanentena teia das relações sociais. Porto Alegre: TomoEditorial, 2002. 64p.GONÇALVES, Patrícia Rachel <strong>de</strong> Aguiar Gonçalves;Braitenbach, Diana Paim <strong>de</strong> Figuere<strong>do</strong>. O Consultório<strong>de</strong> <strong>Rua</strong> Interdisciplinar: Olhares amplia<strong>do</strong>s. In: NeryFilho, Antônio; Valério, Andréa Leite Ribeiro (Org.)Módulo para Capacitação <strong>de</strong> Profissionais <strong>do</strong><strong>Projeto</strong> Consultório <strong>de</strong> <strong>Rua</strong>. Brasília: SecretariaNacional <strong>de</strong> Políticas sobre Drogas, 2010. P. 89.VALERIO, Andréa Leire Ribeiro. (Mal)dita liberda<strong>de</strong> ecidadania: a redução <strong>de</strong> danos em Questão. 2010.117f. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Politicas Sociais eCidadania) – Universida<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Salva<strong>do</strong>r.DUARTE, Paulina <strong>do</strong> Carmo Arruda Vieira. RecursosComunitários e <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> no Atendimentoaos Usuários e Depen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> SubstânciasPsicoativas, In. Cruz, Marcelo Santos (Coord.) AsRe<strong>de</strong>s Comunitárias e <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> no Atendimentoaos Usuários e Depen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> SubstanciasPsicoativas. Brasília: Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticassobre Drogas, 2008. 48p.HOPENHAYN, M. Droga e violência: Fantasma <strong>de</strong>la nueva metropoli Latinoaméricana. Revista <strong>de</strong> launiversidad Bolivariana v.1, n.3. 2002.MACRAE, Edward J. B. N.. A Abordagem Etnográfica <strong>do</strong>Uso das Drogas. In: Fábio Mesquita; Francisco InácioBastos. (Org.). Drogas e AIDS Estratégias <strong>de</strong> Redução <strong>de</strong>Danos. 1ª ed. São Paulo: HUCITEC, 1994, v., p. 99-114.MENEZES, Adriana. Mito ou i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural dapreguiça. Revista Ciência e Cultura, São Paulo, v. 57, n. 3,Setembro, 2005.153


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RECURSOS COMUNITÁRIOSPARA SABER MAISApresentamos abaixo indicações <strong>de</strong> instituições on<strong>de</strong> você encontrará informações confiáveis.• Observatório <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> Informações Sobre Drogas – OBIDNo Observatório <strong>Brasileiro</strong> <strong>de</strong> informações sobre Drogas (OBID), você vai encontrar muitas informaçõesimportantes, contatos <strong>de</strong> locais para tratamento em to<strong>do</strong> o país, instituições que fazem prevenção, grupos<strong>de</strong> ajuda-mútua e outros recursos comunitários.Você encontra ainda informações atualizadas sobre drogas,cursos, palestras e eventos. Há, também, uma relação <strong>de</strong> links para outros sites que irão contribuir com seuconhecimento.> www.obid.senad.gov.br• Site Enfrentan<strong>do</strong> o Crack> www.brasil.gov.br/enfrentan<strong>do</strong>ocrack• Secretaria Nacional <strong>de</strong> Políticas Sobre Drogas – SENAD> www.senad.gov.br• Ministério da Saú<strong>de</strong>> www.sau<strong>de</strong>.gov.br• Conselho Nacional <strong>do</strong>s Direitos da Criança e <strong>do</strong> A<strong>do</strong>lescente - CONANDA> www.direitoshumanos.gov.br/conselho/conanda• Conselho Nacional da Juventu<strong>de</strong>- CONJUVE> www.juventu<strong>de</strong>.gov.br• Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s e Terapia <strong>do</strong> Abuso das Drogas - CETAD/UFBA> www.ceta<strong>do</strong>bserva.ufba.br• Disque 100 - Disque Denúncia NacionalO Disque 100 é um site <strong>de</strong> recebimento, encaminhamento e monitoramento <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violênciacontra crianças e a<strong>do</strong>lescentes.> www.disque100.gov.br157


ORIENTAÇÕESE INFORMAÇÕESSOBRE PREVENÇÃODO USO DEDROGAS.LIGUE PARA A GENTE.A GENTE LIGA PARA VOCÊ.159


Este livro foi edita<strong>do</strong> pelo CETAD / SENADMiolo impresso em papel Couchê 115gnas fontes Castle T e Castle Tlig.Tiragem <strong>de</strong> 6.200 livros.Bahia, Julho <strong>de</strong> 2012

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