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Entrevista com Márcio Utsch - Banco de Publicações do Corpo ...

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<strong>Entrevista</strong>ENTREVISTA COMM CUTSCHÁRIO<strong>Entrevista</strong><strong>do</strong>res: JRWP e Marcos Amatucci72REVISTA DA ESPM–JULHO / AGOSTO DE 2006A REVISTA DA ESPMENTREVISTA O PRESIDENTEDA EMPRESA DO ANO, QUETORNOU AS SANDÁLIASHAVAIANAS CONHECIDAS EMTODO O MUNDO.


Márcio <strong>Utsch</strong>JR – Você podia <strong>com</strong>eçar nos dizen<strong>do</strong><strong>com</strong>o é que foi <strong>de</strong>cidida a transformaçãoda Alpargatas numa multinacionalbrasileira?MÁRCIO – Não foi exatamente nessestermos, mas é mais ou menos isso. Acurto prazo, o merca<strong>do</strong> interno brasileiroainda tem muito espaço paracrescer. Mas, a médio e longo prazo,se não nos tornamos uma empresa global,nossas chances <strong>de</strong> sucesso serãomenores, principalmente no merca<strong>do</strong>em que atuamos, que é o <strong>de</strong> moda.Só que uma roupa bonita, um tênis,uma sandália, um artigo esportivo– para estar na moda – precisam terqualida<strong>de</strong>, inovação, tecnologia. Issonão se consegue no quintal <strong>de</strong> casa, háque se partir para o mun<strong>do</strong>, pensar emcoisas novas, em novas relações <strong>com</strong>clientes, fornece<strong>do</strong>res, laboratórios,pesquisa, tecnologia – e o caminhonatural para isso não é só fazer viagens,mas, <strong>de</strong> fato, fazer-se presente nessesmerca<strong>do</strong>s – on<strong>de</strong> não só você ven<strong>de</strong>,mas também <strong>de</strong>senvolve produtos,tecnologia etc. Por outro la<strong>do</strong> há quese olhar o negócio por <strong>do</strong>is ângulos:o <strong>de</strong> Produção e o <strong>de</strong> Vendas. No anopassa<strong>do</strong>, o mun<strong>do</strong> produziu cerca <strong>de</strong>16 bilhões <strong>de</strong> pares <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s – incluídastodas as categorias, masculino,feminino, infantil, sandálias, etc.JR – O core-business <strong>de</strong> vocês écalça<strong>do</strong>s?MÁRCIO – Nosso core-businesssão artigos esportivos e calça<strong>do</strong>s,especialmente sandálias, duas áreas.Dessa produção mundial, a Chinafabrica mais da meta<strong>de</strong>; em segun<strong>do</strong>lugar vem a Índia <strong>com</strong> cerca <strong>de</strong> 11%e, em terceiro, o Brasil, <strong>com</strong> 5,6%– imagine, o terceiro produtor é praticamenteum décimo <strong>do</strong> primeiro. OVietnã, que vem crescen<strong>do</strong> muito, está<strong>com</strong> 4%, no quarto lugar da produçãomundial. Ao produzir no Brasil, vocêestá produzin<strong>do</strong> no terceiro maior país<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> produtor <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s. Masele produz um décimo <strong>do</strong> primeiro, sóduas posições à frente <strong>de</strong>le; então há,<strong>de</strong> fato, um problema <strong>de</strong> escala. Osda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> venda são igualmente importantes.Nos países mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s,a média <strong>de</strong> consumo/ano, gira em torno<strong>de</strong> 7 pares <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s por habitante.Países <strong>com</strong>o França, Bélgica, Itália,Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Nos países menos<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s da Ásia e da África nãochegam a um – 0,8 a 0,9 – par porhabitante; o Brasil consome 2,8 parespor habitante. Nós produzimos, no anopassa<strong>do</strong>, 160 milhões <strong>de</strong> pares; só aAlpargatas ven<strong>de</strong> praticamente um parpor habitante, no Brasil.AMATUCCI – Mais <strong>de</strong> um terço <strong>do</strong>total?MÁRCIO – Mais <strong>de</strong> um terço. Então,se queremos crescer, temos que – cadavez mais – fazer a venda mais difícil.A venda mais fácil já foi feita. Quantomais se cresce, mais difícil é a venda,mais cara ela fica. Ainda há lugar nomun<strong>do</strong> para ven<strong>de</strong>r, em países on<strong>de</strong>há espaço maior <strong>do</strong> que no Brasil.Outro da<strong>do</strong> importante é o da tecnologia,que está mais disponível fora<strong>do</strong> Brasil. Nós <strong>de</strong>cidimos fazer essetrabalho seguin<strong>do</strong> quatro <strong>de</strong>graus naescada – uma escada que nós criamose que nem existe nos livros...“NOSSO VAREJO ÉESTRATÉGICO, VISAPROTEGER AS MAR-CAS DA COMPANHIA.”JR – Em administração <strong>de</strong> empresas, oslivros didáticos, muitas vezes, são feitosem cima <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> sucesso.MÁRCIO – Pois, para raciocinar internamente,fizemos uma divisão <strong>de</strong>quatro <strong>de</strong>graus: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conquistaro merca<strong>do</strong> interno em primeiro lugar,você se torna uma empresa exporta<strong>do</strong>ra,tem que saber exportar bem,ven<strong>de</strong>r, a<strong>com</strong>panhar o seu produto;<strong>de</strong>pois que você sobe esse primeiro<strong>de</strong>grau, o <strong>de</strong>grau <strong>do</strong>is é tornar-se umaempresa internacional <strong>com</strong> uma baseoperan<strong>do</strong> em outro país – on<strong>de</strong> vocêpossa fazer marketing, venda, distribuição,e enten<strong>de</strong>r a ca<strong>de</strong>ia <strong>com</strong>oum to<strong>do</strong>. No <strong>de</strong>grau três, você viramultinacional, replican<strong>do</strong> sua operaçãoem mais um, <strong>do</strong>is, três países,você vê qual o tamanho <strong>do</strong> galhoque você vai ter que envergar e quenão é fácil. O quarto e último <strong>de</strong>graué o da globalização. A diferença <strong>do</strong>terceiro é sutil, mas importantíssima.Você <strong>com</strong>eça a ter políticas globais,por exemplo, <strong>de</strong> recursos humanos,<strong>de</strong> marketing, <strong>de</strong> venda, <strong>de</strong> tecnologia,<strong>de</strong> inovação, <strong>de</strong> gestão, políticasJULHO / AGOSTOD E 2006 – REVISTA DA ESPM73


<strong>Entrevista</strong>“É HAVAIANAS MESMO, ESCRITO DO MESMOJEITO BRASILEIRO, MESMO LOGOTIPO.”<strong>de</strong> relações <strong>com</strong> investi<strong>do</strong>res, ouseja, você tem uma série <strong>de</strong> políticasque se tornam globais. Internacionalvocê faz por um país, multinacionalvocê faz por mais <strong>do</strong>is ou três, e paravirar global você tem que tornar essaspolíticas, <strong>de</strong> fato, aplicáveis em to<strong>do</strong>o mun<strong>do</strong>. Foi por aí que <strong>de</strong>cidimostomar esse caminho. Hoje, estamosprestes a galgar o segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>grau,já que exportação a gente faz bem– estamos em oitenta países.AMATUCCI – Você imagina a Alpargatasbuscan<strong>do</strong> fatores <strong>de</strong> produção,produzin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> e <strong>com</strong>pran<strong>do</strong>matéria-prima em vários países?MÁRCIO – Sem dúvida. A nossapolítica <strong>de</strong> outsourcing prevê umaflexibilida<strong>de</strong> que nos permita fazeropções, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> <strong>com</strong> as tendências.Há duas formas <strong>de</strong> atuar nomerca<strong>do</strong> internacional: você po<strong>de</strong> serum quick-follower, agrega menos valorao seu produto e em vez <strong>de</strong> procurartecnologia, <strong>de</strong>sign, inovação etc., vocêfreqüenta as vitrines daquele famoso“Circuito Helena Rubinstein” – Roma,Paris, Londres e Nova Iorque. Você estánas melhores vitrines, aí vem alguéme, faz igual ou pareci<strong>do</strong>, mais barato. Aoutra forma é você se alinhar no bloco<strong>de</strong> empresas que produzem artigos <strong>de</strong>esporte ou <strong>de</strong> moda, <strong>com</strong> qualida<strong>de</strong>,que estão na vanguarda <strong>de</strong>ssa inovação.Pois é lá que queremos estar.Por isso temos que ir para fora, porque,embora o Brasil seja lança<strong>do</strong>r <strong>de</strong> modae tendências em alguns segmentos,não o é em to<strong>do</strong>s. Vocês me fazemperguntas que requerem um boca<strong>do</strong><strong>de</strong> informação...JR – Deve ser porque eu sou jornalistae o Amatucci é professor.MÁRCIO – Mas vocês abordamquestões que são essenciais parao nosso negócio. Para efeitos <strong>de</strong>análise, a empresa Alpargatas estáem três gran<strong>de</strong>s segmentos: um é o<strong>de</strong> sandálias, on<strong>de</strong> a principal marcaé a Havaianas. Outro é o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong>artigos esportivos: tênis, meias, bolas,chuteiras, caneleiras, vestuário,artigos esportivos mesmo. Temosquatro marcas principais – duasnossas e duas licenciadas, Rainha eTopper são as nossas e Timberlan<strong>de</strong> Mizuno são as licenciadas. Temosoutras marcas, também, igualmenteimportantes, mas em merca<strong>do</strong>sbem segmenta<strong>do</strong>s, <strong>com</strong>o Conga eBamba. Temos um terceiro merca<strong>do</strong>que é o <strong>de</strong> têxteis industriais; teci<strong>do</strong>spara transporte, agronegócio enfim,aplicações mais pesadas. E aindatemos o varejo, mas que é bastanteestratégico, visa proteger as marcasda <strong>com</strong>panhia. No caso da Timberland,temos seis lojas próprias, emen<strong>de</strong>reços <strong>de</strong> prestígio. A outra é aca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> outlet Meggashop. Aí temosvinte e seis lojas, e elas têm umafinalida<strong>de</strong> estratégica... É interessanteesta operação.JR – Nossa Revista publicou o case daMeggashop na edição sobre varejo, <strong>de</strong>março-abril <strong>de</strong> 2006.MÁRCIO – Para cada um <strong>de</strong>ssesquatro segmentos tenho que ter umadiferenciação, cada um <strong>de</strong>les é umcenário diferente. Têxteis industriais éum merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> transformação em quepreciso <strong>de</strong> tecnologia; para sandálias,é absolutamente moda, buscamosmuito mais tributos intangíveis <strong>do</strong> quetangíveis. Já <strong>com</strong> artigos esportivos, ahistória é outra, eu tenho que buscaros <strong>do</strong>is – o tangível e o intangível;tem que ter tecnologia, tem que ter<strong>de</strong>sign, tem que ter beleza e tambémtem <strong>de</strong> inspirar; se você colocar umtênis Mizuno <strong>com</strong> um terno, você estámuito bem, entra no Palácio <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r,on<strong>de</strong> quiser. Enfim, estou mesentin<strong>do</strong> absolutamente bem vesti<strong>do</strong>porque estou <strong>com</strong> um tênis daqueleno meu pé.AMATUCCI – Tivemos um semináriosobre negócios internacionais e háuma preocupação muito gran<strong>de</strong> <strong>com</strong>o fato <strong>de</strong> que o Brasil não <strong>de</strong>tém marcasinternacionais.JR – Temos a Varig, Petrobras...MÁRCIO – Marca <strong>de</strong> consumo queo Brasil tenha lá fora eu conheço sóuma, a H. Stern.JR – Bem lembra<strong>do</strong>. Uma pergunta:a marca que está sen<strong>do</strong> implantadaé Havaianas mesmo? Não consigover um americano pronunciar havai-a-nas...MÁRCIO – É havaianas mesmo,escrito <strong>do</strong> mesmo jeito, brasileiro,mesmo logotipo. A alma da marca,o DNA da marca, o espírito damarca é o mesmo. Nós fizemos – econtinuaremos a fazer – algumasadaptações, algumas customizaçõespara algum tipo <strong>de</strong> produto que sejapróprio para alguma região, mas aalma, o espírito, o DNA, o jeito <strong>de</strong>ser da marca tem <strong>de</strong> ser o mesmo,porque, se você mudar, não terá umamarca global.74REVISTA DA ESPM–JULHO / AGOSTO DE 2006


Márcio <strong>Utsch</strong>RUI – A Coca-Cola, na China, escreveem chinês...JR – Ou, mesmo, Volkswagen, noBrasil e em outros países latinos.AMATUCCI – O sucesso é <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> àscaracterísticas técnicas <strong>do</strong> produto?JR – Mas pronuncia, certamente,“Coca-Cora”...MÁRCIO – É, mas Starbucks nãose escreve em chinês. Então temosos <strong>do</strong>is casos. Eu penso que, paraser global, esse tipo <strong>de</strong> adaptação éinevitável. Há vários tipos <strong>de</strong> pronúncias– havianas, havis (as pessoas<strong>com</strong>eçam a abreviar) – então nósregistramos todas as pronúncias em<strong>do</strong>mínios – hevis, habis, havaianásna França... Registramos tu<strong>do</strong> nos<strong>do</strong>mínios eletrônicos, também nos<strong>do</strong>mínios figurativo e nominativo, eagora iniciamos um processo – quealguns países estão aceitan<strong>do</strong> – quese chama Registro Tridimensional. Oque vem a ser isso? Significa que vocêregistra a marca sob todas as hipótesesque ela po<strong>de</strong> vir a ser lembrada: pelapronúncia, pelo nome, pela forma<strong>de</strong> escrever, quase que uma pequenaanálise <strong>com</strong>binatória. Das possibilida<strong>de</strong>svisuais, pelas possibilida<strong>de</strong>sauditivas – <strong>de</strong> pronúncia e <strong>de</strong> tato, porisso se chama tridimensional.JR – Como é que foi no Havaí, vocêsnão tiveram problemas <strong>de</strong> registrar láas Havaianas?MÁRCIO – Não, porque eles são umesta<strong>do</strong> americano; não têm autonomia.JR – Curioso que um <strong>do</strong>s produtosmais caracteristicamente brasileiros,seja Havaianas, e não “Brasileiras”.MÁRCIO – Há nomes absolutamentein<strong>com</strong>uns, às vezes impronunciáveis,que fazem sucesso. Imagine oErmenegil<strong>do</strong> Zegna ou uma marca <strong>de</strong>sorvete e botam Häagen-Dazs...MÁRCIO – Com Havaianas, a genteven<strong>de</strong> lá, registra<strong>do</strong>, sem nenhumproblema. Temos a marca registrada,eu diria, talvez em 99% <strong>do</strong>smerca<strong>do</strong>s.JR – Trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sign simples, <strong>de</strong>um mo<strong>de</strong>lo talvez milenar, inspira<strong>do</strong>nos calça<strong>do</strong>s das gueixas...*RUI – Se você me permitir, esse <strong>de</strong>senhoé tão antigo quanto o homem,talvez quanto a roda. Há pouco tempo,nos Alpes, encontraram um cidadãocongela<strong>do</strong> lá há 10 mil anos, e eleestava <strong>com</strong> uma sandália <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>do</strong>. Osjaponeses usavam este tipo <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s<strong>com</strong> sola <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira... A empresaAlpargatas usou esse <strong>de</strong>senho milenarque não tem patente e <strong>de</strong>senvolveuo mo<strong>de</strong>lo em borracha muito bemacaba<strong>do</strong>. É a única marca mundial – ouglobal – <strong>de</strong> borracha. Todas as outras,os produtos chineses e orientais sãofeitos <strong>de</strong> plástico, um produto que <strong>de</strong>ixacheiro, que <strong>de</strong>forma, que marca o pé.JR – E é ou não patenteável?RUI – Nós temos uma patente <strong>de</strong> 1966.JR – E ela vale?MÁRCIO – A melhor patente é amarca registrada.JR – Mas vocês <strong>de</strong>vem enfrentar muitaconcorrência.RUI – Nosso produto é único.MÁRCIO – Acho que é um conjunto<strong>de</strong> coisas. O Rui explicou os atributostangíveis, mas o sucesso também precisa<strong>do</strong>s intangíveis. Para você ter umamarca <strong>com</strong> posicionamento diferencia<strong>do</strong>,talvez único, é a alma <strong>do</strong> produto,a inspiração, o espírito <strong>do</strong> produto,porque hoje se copia qualquer coisa.Estive na China, recentemente, estácheio <strong>de</strong> carros da Volks, na rua, quenão são feitos pela Volks, têm outronome, e custam um quinto <strong>do</strong> preço.Tem Golf chama<strong>do</strong> Sunny, igualzinho,você até se confun<strong>de</strong>. Então, o sucesso<strong>de</strong> Havaianas é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um mix.Até 1996, mais ou menos, falávamosmuito <strong>do</strong>s atributos tangíveis – “nãotem cheiro”, “não solta as tiras” e “nãosai <strong>do</strong> pé”.JR – E o Chico Anísio, <strong>com</strong>o garotopropaganda.MÁRCIO – E ele dizia assim: “E oprecinho, oh...” Mas quem queria<strong>com</strong>prar moda não ia <strong>com</strong>prar umproduto porque as tiras não saem<strong>do</strong> pé e o preço é baixo. Isso não émoda. Então, <strong>com</strong>o esses atributos jáestavam suficientemente sóli<strong>do</strong>s nascabeças das pessoas, aí basta mantera qualida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> termos manti<strong>do</strong>esses atributos, <strong>de</strong>senvolvemos outros.Hoje são em torno <strong>de</strong> 40 mo<strong>de</strong>los– mas há alguns testes interessantes.Se você pegar uma sandália montadae puxar <strong>com</strong> este movimento (mostra),ela solta. Isso equivale a uma tensão <strong>de</strong>9 quilos. Se eu fizer <strong>com</strong> 11 quilos elaparte, em algum lugar. Por que nove e“COM UM TÊNIS MIZUNO EUM TERNO, VOCÊ ESTÁ MUITO BEM.”* Rui Porto – Diretor <strong>de</strong> Comunicação e Mídia.JULHO / AGOSTOD E 2006 – REVISTA DA ESPM75


<strong>Entrevista</strong>“A ALMAP TEVE PAPELIMPORTANTE NA GERAÇÃO DE IDÉIAS.”onze? Porque se alguém tropeçar, elasolta mas não arrebenta o botãozinhoaqui. Com onze quilos ela rompe, paraque a pessoa não caia, se tropeçar, e<strong>com</strong> um puxãozinho sai <strong>do</strong> pé. Isso notamanho adulto, porque no tamanhoinfantil a proporção é outra.MÁRCIO – Então tem bastantetecnologia.JR – E experiência.alguma agência, <strong>de</strong> algum consultor,que tenha si<strong>do</strong> importante nessa<strong>de</strong>cisão?MÁRCIO – A <strong>de</strong>cisão foi tomada internamente,na Alpargatas. A agência que trabalhaconosco foi mudada, nessa época;é a Almap, que teve papel importante nageração <strong>de</strong> idéias, e até <strong>de</strong> nos tirar daposição <strong>de</strong> conforto, para buscar coisasnovas. Esse é o trabalho mais difícil <strong>de</strong>ser feito, o trabalho <strong>do</strong> Rui...MÁRCIO – Quiosques, tu<strong>do</strong> isso – quenão dá dinheiro nenhum, mas vocêcoloca-os em pontos estratégicos, dávisibilida<strong>de</strong>, as pessoas percebem. Epessoas bonitas, importantes, forma<strong>do</strong>res<strong>de</strong> opinião, pessoas que lançammoda, formam a imagem e usamHavaianas até <strong>de</strong> terno, que é o novoícone da moda masculina...AMATUCCI – Conte alguma coisa arespeito da estratégia <strong>de</strong> distribuição.Vi no site que vocês têm um mix <strong>de</strong>representantes que parecem ser locais,têm nomes em inglês, têm nomes brasileiros.Como foi essa estratégia?MÁRCIO – São esses atributos tangíveisque estamos manten<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s que oproduto foi adquirin<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>tempo e ainda agregamos algunsnovos. Mas foram os intangíveis quese constituíram no gran<strong>de</strong> segre<strong>do</strong><strong>do</strong> produto. A diferença foi o posicionamento.Ninguém teve a idéia, setivesse ti<strong>do</strong> a idéia antes, talvez tivesseocupa<strong>do</strong> esse espaço; mas agora <strong>com</strong>oo espaço é nosso, ninguém mais po<strong>de</strong>ocupar, não há lugar para <strong>do</strong>is vence<strong>do</strong>res,no podium, não tem empatenesse jogo. Nós <strong>com</strong>eçamos a agregar,à marca Havaianas, vários atributosintangíveis: moda, pessoas, celebrida<strong>de</strong>s,forma<strong>do</strong>res <strong>de</strong> opinião...JR – Foi uma <strong>de</strong>cisão racional, objetiva“vamos mexer na imagem <strong>de</strong>sseproduto...”?MÁRCIO – Não foi por acaso. Oproduto tinha os atributos tangíveis,<strong>com</strong>o eu mencionei – faltava transformaresse produto numa coisa bacana,que as pessoas usem.JR – Vocês tomaram a <strong>de</strong>cisão aqui<strong>de</strong>ntro ou tiveram a participação <strong>de</strong>RUI – Era uma questão <strong>de</strong> prestígio, oproduto era bom mas não tinha prestígio.Acho que é um caso único, umproduto que sai das classes popularese consegue ir para cima e continuarnas populares.AMATUCCI – Você diria que os ingredientespara o sucesso no exteriornasceram aqui?MÁRCIO – Isso eu afirmo, <strong>com</strong> certeza.O produto foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> aqui,<strong>com</strong>eçamos a exportar e a exportação<strong>de</strong>colou a partir <strong>de</strong> 2000...JR – Já <strong>com</strong> esse novo posicionamento,moda?MÁRCIO – Sim. Foram muda<strong>do</strong>sfilmes, a forma <strong>de</strong> <strong>com</strong>unicação tu<strong>do</strong>foi altera<strong>do</strong>. E não é só a <strong>com</strong>unicação,<strong>com</strong>posto merca<strong>do</strong>lógico, marketing,ponto-<strong>de</strong>-venda, distribuição, equipe<strong>de</strong> vendas, forma<strong>do</strong>res <strong>de</strong> opinião,patrocínios, uma série <strong>de</strong> coisas queforam feitas.JR – Esses quiosques em aeroportos,por exemplo.MÁRCIO – Para exportar, você temque ser flexível para enten<strong>de</strong>r cadalugar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>; nós procuramos pessoasque já tivessem mora<strong>do</strong> no Brasil,ou brasileiros que moram lá fora – pessoasque conhecessem a nossa origeme a história da sandália. Porque ven<strong>de</strong>rpara alguém que nunca ouviu falar nagente, não sabe on<strong>de</strong> fica o Brasil, ven<strong>do</strong>um chinelinho <strong>de</strong> borrachinha, vaidizer “esse troço não vai ven<strong>de</strong>r nuncaaqui”. É mais fácil para esse pessoalenten<strong>de</strong>r o que a gente queria fazer,<strong>do</strong> que você <strong>com</strong>eçar <strong>do</strong> zero. Erampessoas que – além <strong>de</strong> querer ganharo dinheiro – elas sabiam, conheciame acreditaram, saben<strong>do</strong> <strong>do</strong> propósitoque nós tínhamos. Na Austrália, temosuma carioca, que mora lá há uns trintaou quarenta anos, já é australiana efala português <strong>com</strong> sotaque. Mas elaconhecia as Havaianas, um supersucesso.Chama-se Amélia, quer nomemais brasileiro <strong>do</strong> que isso?RUI – Na Itália temos um casal italiano,que morou anos no Brasil, na Bahia...JR – Quer dizer que existe uma “ponte”cultural. Você tem <strong>de</strong> atravessar76REVISTA DA ESPM–JULHO / AGOSTO DE 2006


Márcio <strong>Utsch</strong>esta ponte, estar <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> cá e <strong>do</strong>la<strong>do</strong> <strong>de</strong> lá.RUI – O distribui<strong>do</strong>r francês, o Emmanuel,é um francês casa<strong>do</strong> <strong>com</strong>uma brasileira, passam férias na Bahia,a sócia <strong>de</strong>le, uma moça linda francesa,mas a mãe é brasileira então ela falaportuguês <strong>com</strong>o nós; na Grécia, umamoça grega – só que nasceu na Gréciae foi criada no Bom Retiro...<strong>com</strong> gente muito gran<strong>de</strong>. Agora, quemé o maior produtor <strong>de</strong> sandálias <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>, você sabe? Ninguém sabe,porque não tem outro, somos nós. Emrelação à Topper, houve um trabalhointeressante, também. Por que escolhero Japão? Vários atletas brasileiros jogan<strong>do</strong>futebol no Japão, o Zico, a maiorcolônia japonesa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é aqui noBrasil, há uma interação muito gran<strong>de</strong>,vôos diários, três, quatro por dia.as vitrines, na principal loja <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos<strong>do</strong> Japão – a Celox, que estápara Tóquio <strong>com</strong>o a Galeria Lafayetteestá para Paris. Estive também no Japãohá oito meses atrás, fazen<strong>do</strong> contatos<strong>com</strong> Mizuno, cuja se<strong>de</strong> é em Osaka,e visitei clientes, observei o merca<strong>do</strong>.Ela estava até nas pequenas lojas. Tireifotos numa rua movimentada – <strong>com</strong>oa nossa 25 <strong>de</strong> Março, japonês parato<strong>do</strong> la<strong>do</strong>, ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res.JR – Gostaria <strong>de</strong> saber se são só asHavaianas ou já têm um segun<strong>do</strong>produto, para merca<strong>do</strong>s internacionais?MÁRCIO – Claro, Topper. A marcaTopper, no Japão, é um sucessoenorme – e <strong>com</strong> uma estratégia diferenciadatambém. Lonas, a gente ven<strong>de</strong>muito bem a parte <strong>de</strong> lonas industriaisna América Central, um produto excelente,<strong>com</strong> a marca Lo<strong>com</strong>otiva.JR – Vocês traduzem “Lo<strong>com</strong>otiva”?MÁRCIO – Não, a mesma política,não tem tradução.JR – Isso é ótimo.MÁRCIO – Mas eu queria elaborarmais sobre a sua pergunta, porqueela é importante. Primeiro: você sóconsegue levar um produto para fora<strong>do</strong> Brasil <strong>com</strong> sucesso se ele fizersucesso aqui. Então, Havaianas é onosso maior sucesso aqui, portantoo produto mais prepara<strong>do</strong> para levarpara fora. Segunda razão: questão <strong>de</strong>priorida<strong>de</strong> – em qual produto temosmaior <strong>com</strong>petitivida<strong>de</strong>, em termos<strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> custos? Quan<strong>do</strong> eufalo em tênis, há empresas maiores<strong>do</strong> que nós que fazem tênis, Nike,Adidas, Reebok, então vou <strong>com</strong>petirJR – Olha a “ponte” aparecen<strong>do</strong>, <strong>de</strong>novo.MÁRCIO – Medimos as ligaçõestelefônicas internacionais <strong>com</strong> oJapão. Fala-se muito entre os <strong>do</strong>is.Eles têm verda<strong>de</strong>ira a<strong>do</strong>ração peloAyrton Senna, que tornou a Hondacampeã <strong>de</strong> Fórmula 1 – tu<strong>do</strong> isso fez<strong>do</strong> Japão um merca<strong>do</strong> interessante.Posso contar outra história. O Japãoé um país pequeno, <strong>com</strong> gran<strong>de</strong>população. São poucos os espaçospara jogar bola; e eles a<strong>do</strong>ram futebol.Resolvemos investir no Futebol <strong>de</strong>Salão; ninguém sabia jogar. Formamosalgumas equipes, que trouxemos paraMarilia, interior <strong>de</strong> São Paulo e outroslugares. Vieram aqui tiraram fotos <strong>com</strong>joga<strong>do</strong>res nossos e <strong>com</strong>eçaram a levarpara lá um pouco <strong>de</strong>ssa cultura <strong>do</strong>Futsal e <strong>do</strong> In<strong>do</strong>or, os <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong>futebol – Society também. Começamosa patrocinar campeonatos <strong>de</strong>futsal, temos uma empresa chamadaKamei Sport lá, que são nossos distribui<strong>do</strong>rese esse negócio está viran<strong>do</strong>febre no Japão. Hoje nós temos, noJapão, a Copa Toppa, que é <strong>com</strong>o elespronunciam Topper. Estamos em todasAMATUCCI – Tenho uma pergunta sobrerelacionamento <strong>de</strong> licenciamento,quer dizer, além <strong>de</strong> levar marcas parafora, vocês também estão trazen<strong>do</strong>marca para <strong>de</strong>ntro. Como é esse relacionamento,porque vocês <strong>de</strong>senhamaqui produtos licencia<strong>do</strong>s, <strong>com</strong>o é queconseguiram isso?MÁRCIO – Não foi fácil, <strong>de</strong>morouum tempo, pois é uma relação <strong>de</strong>confiança recíproca. Temos duasmarcas globais, <strong>com</strong> policies muitorígi<strong>do</strong>s, a japonesa Mizuno, <strong>com</strong> se<strong>de</strong>em Osaka, e a outra é a Timberland,se<strong>de</strong> em New Hampshire, nos Esta<strong>do</strong>sUni<strong>do</strong>s. Os contratos foram assina<strong>do</strong>sem 1996, mas o trabalho <strong>com</strong>eçouem 1997. Recentemente, esten<strong>de</strong>mosesses contratos para mais países daAmérica Latina. Essas adaptaçõeschamam-se SMU – Special Make-Ups.São produtos <strong>com</strong> a base lastreadanum produto original, em que vocêfaz uma customização, para adaptarao nosso merca<strong>do</strong>. Essa customizaçãopo<strong>de</strong> ser a simples troca <strong>de</strong> cores,<strong>de</strong> cores mais fechadas para coresmais abertas; po<strong>de</strong> ser limpeza <strong>do</strong>produto em algumas peças que são“...ELA ROMPE, PARA QUE APESSOA NÃO CAIA, SE TROPEÇAR.”JULHO / AGOSTOD E 2006 – REVISTA DA ESPM77


<strong>Entrevista</strong>valorizadas lá fora e aqui <strong>de</strong>ntro não,ou po<strong>de</strong> ser na redução <strong>de</strong> custos <strong>do</strong>produto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja preservadaa qualida<strong>de</strong>. Veja que esse tênis aqui(mostra) é Mizuno, um produto feitopor nós, nem é Make-Up, já é umageração diferente – <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>,<strong>de</strong>senha<strong>do</strong> e fabrica<strong>do</strong> por nós, omo<strong>de</strong>lo você encontra pelo mun<strong>do</strong>afora, mas a idéia e concepção foitoda feita por nós.AMATUCCI – Então a Alpargatas estáexportan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>senho?MÁRCIO – Não, esse foi apenas umcaso, mas fez muito sucesso. E tivemosuma experiência semelhante <strong>com</strong> aTimberland.JR – Márcio, você <strong>com</strong>eçou sua carreiratrabalhan<strong>do</strong> na Mesbla on<strong>de</strong>passou vinte anos. Gostaria <strong>de</strong> quevocê falasse um pouco <strong>de</strong>ssa suatransição <strong>do</strong> varejo para a indústria.Essa experiência foi marcante para oseu sucesso na Alpargatas?MÁRCIO – Tenho certeza <strong>de</strong> que foi.Quan<strong>do</strong> eu <strong>com</strong>ecei o meu trabalhona Mesbla, eu tinha treze anos e,apesar <strong>de</strong> ter fica<strong>do</strong> lá <strong>de</strong>zoito para<strong>de</strong>zenove anos, uma boa parte, <strong>do</strong>streze aos <strong>de</strong>zoito, <strong>de</strong>zenove anos,eu <strong>de</strong>sempenhava funções absolutamentecoerentes <strong>com</strong> aquela ida<strong>de</strong>– fui office-boy, carregava papel, iavivencian<strong>do</strong> aquele ambiente, emboranão fosse um ator importante.Lá fui adquirin<strong>do</strong> gosto pelo negócio,<strong>com</strong>o um <strong>com</strong>issário <strong>de</strong> bor<strong>do</strong>, quefica admiran<strong>do</strong> o <strong>com</strong>andante <strong>do</strong> vôoe um dia, quan<strong>do</strong> ele for ser piloto,algumas coisas ele já sabe. Eu gostavadaquele negócio to<strong>do</strong>, era felizfazen<strong>do</strong> o meu trabalho. A Mesblatinha um programa – hoje o nome émeio cafona – chamava-se “Meninos<strong>de</strong> Ouro” e a família De Botton – queeram os <strong>do</strong>nos <strong>do</strong> negócio. Acreditavaque as pessoas que viessem a ocuparfunções importantes na empresa, <strong>de</strong>veriamter si<strong>do</strong> “cria<strong>do</strong>s” <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la.Então financia-vam tu<strong>do</strong>. Completeito<strong>do</strong> o meu ensino médio graças àajuda <strong>de</strong>les, não pagava nem um lápis– e trabalhava só três horas por dia– para cursar a escola. Então, eu fiz<strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, na Mesbla – até motorista <strong>de</strong>caminhão, para entregar merca<strong>do</strong>ria,fazia tu<strong>do</strong>. O meu primeiro cargoimportante foi <strong>de</strong> gerente <strong>de</strong> loja, emGoiânia, <strong>com</strong> apenas 22 anos. Depois,trabalhei em São Paulo e cheguei agerente. Fui gerente da loja matrizno Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> novo, na Rua<strong>do</strong> Passeio. Era a maior loja, tinha 900funcionários. Eu fazia reuniões aossába<strong>do</strong>s, o pessoal ficava impressiona<strong>do</strong>,diziam que eu não ia conseguir.A loja abria às oito, eu marcava <strong>com</strong>as pessoas seis e meia da manhã maisou menos, café da manhã, e às sete eusubia numa mesa no estacionamento econseguia que to<strong>do</strong>s ficassem cala<strong>do</strong>s,ouvin<strong>do</strong> o que eu tinha para dizer. Aíquis conhecer outras áreas. O varejodivi<strong>de</strong>-se em três áreas: Frente <strong>de</strong> Loja,os ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res; Pessoal <strong>de</strong> Operações,que inaugura lojas, negocia <strong>com</strong> shoppings,trabalha na expansão das lojas,e o pessoal que <strong>com</strong>pra. São três tipos<strong>de</strong> gente, três Tribos; qualquer gran<strong>de</strong>varejo tem três tribos. Então fui para a“A MARCA TOPPER É UMSUCESSO ENORME NO JAPÃO.”tribo <strong>de</strong> operações, fui cuidar da expansãoda empresa, negociar pontos,abrir lojas, analisar merca<strong>do</strong>s etc.,fazer as normas da <strong>com</strong>panhia, fazerdistribuição <strong>de</strong> produtos, e <strong>de</strong>poisfalei “agora quero conhecer a outratribo, que é a tribo <strong>de</strong> <strong>com</strong>pras”. Foion<strong>de</strong> fiquei até sair da Mesbla, saí<strong>com</strong>o superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>com</strong>pras.Nesse perío<strong>do</strong>, tive também, junto<strong>com</strong> a minha mulher, uma indústria <strong>de</strong>calça<strong>do</strong>s. Chamava-se Andar Perfeito,calça<strong>do</strong>s infantis – em Belo Horizonte.Depois da Mesbla, fui trabalhar naGradiente, <strong>com</strong> o Eugenio Staub, somosos melhores amigos, ainda. E aí,acabei vin<strong>do</strong> para a Alpargatas, on<strong>de</strong>estou até hoje, muito feliz da vida.Então minha carreira foi essa.JR – Uma carreira <strong>com</strong> um certoromantismo; um menino pobre quetem oportunida<strong>de</strong>s dadas por uma empresa.Um aspecto positivo da Mesblae da família De Botton.MÁRCIO – Sempre foram pessoasmuito nobres.JR – Na nossa Escola, os nossos alunosnão são em geral meninos pobres, emborahaja bolsas <strong>de</strong> auxílio para alunos quetenham dificulda<strong>de</strong>s econômicas, masque sejam <strong>com</strong>petentes. Mas gostaríamos<strong>de</strong> saber o que você diria aos nossosalunos – que estão <strong>com</strong> vinte anos, emmédia e seus professores também sãojovens – para dar certo nesse mun<strong>do</strong>global, nos negócios internacionais, oque você diria para eles?MÁRCIO – Primeiro, que você tem queter três órgãos no corpo absolutamenteem esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> prontidão e funcionan<strong>do</strong>– os outros po<strong>de</strong>m até não funcionar– mas cabeça, coração e estômagotêm que funcionar, não tem jeito. Se78REVISTA DA ESPM–JULHO / AGOSTO DE 2006


Márcio <strong>Utsch</strong>não tiver cabeça coração e estômagoestá frito. Isso, na minha opinião, claro,pois não sou nenhum acadêmico, asminhas teses são próprias.JR – Gostei. Mas agora você precisaexplicar.MÁRCIO – Em da<strong>do</strong> momento, cadaum <strong>de</strong>les po<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar-se, mas os trêstêm igual importância. Cada um é oator principal, em cada cenário, masnão existe cenário que sobreviva semos outros <strong>do</strong>is, novamente – no meumo<strong>do</strong> <strong>de</strong> ver. A cabeça é importanteporque não dá para você pensar emfazer sucesso trabalhan<strong>do</strong>, se você nãotiver uma clareza muito gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>sseus objetivos, <strong>do</strong> que você quer fazer,não traçar os seus planos, não enten<strong>de</strong>ro cenário em que você vive, nãoanalisar os concorrentes, o merca<strong>do</strong>,não analisar as suas perspectivas, on<strong>de</strong>você quer crescer. O conhecimentovocê adquire um pouco na escola,um pouco na vida prática – os <strong>do</strong>issão fundamentais. Conhecimento,capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar, <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisão.Isso é fundamental. O coração éimportante porque ninguém sobrevivesem emoção. Não consigo imaginaruma vida totalmente by the book,quadradinha, on<strong>de</strong> você não tenhaemoções, não tenha alegrias, tristezas.Você tem que saber diferenciar o queacontece, não po<strong>de</strong> usar o mesmotom para dar notícias diferentes, temque ter emoção, paixão, gostar <strong>do</strong> quefaz, botar o coração para funcionar.E, finalmente, estômago, pois temque engolir muita coisa, digerir muitacoisa, coisas que você não quer, acabeça não manda, o coração nãoquer, mas você tem que engolir, temque digerir, tem que saber fazer isso.E sem criar uma úlcera. Tem <strong>de</strong> sabercontar até <strong>de</strong>z, ter calma, paciência;para mim, o órgão que simbolizaisso, no ser humano, é o estômago.Precisa <strong>de</strong>le para digerir, para ajudarvocê a sobreviver. O aluno tem que terconsciência disso. E, acima <strong>de</strong>ssas trêscoisas, há uma outra, que é a vonta<strong>de</strong>.Não é fácil ter isso. Às vezes, você temuma coisa e outra não, mas se vocênão tiver vonta<strong>de</strong>, não tiver <strong>de</strong>terminação...Isso resulta num trinômio:garra, talento e inteligência.JR – Isso funciona <strong>com</strong> time <strong>de</strong> futeboltambém.MÁRCIO – Também.A São Paulo Alpargatas – Empresa <strong>do</strong> Ano naescolha anual da revista Exame – é a maiorempresa brasileira <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s e artigosesportivos. Havaianas, Rainha, Topper,Mizuno,Timberland e Lo<strong>com</strong>otiva são exemplos<strong>de</strong> suas marcas próprias e licenciadas daAlpargatas, presentes na vida diária <strong>de</strong> milhões<strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res no Brasil e em 80 países paraos quais são exporta<strong>do</strong>s.Havaianas é consi<strong>de</strong>rada um fenômeno <strong>de</strong> marketing.Sua participação no merca<strong>do</strong> é <strong>de</strong> 80%.Rainha, Topper e Mizuno ocupam, em conjunto,o primeiro lugar em calça<strong>do</strong>s esportivos. Lo<strong>com</strong>otivaé a lí<strong>de</strong>r no segmento <strong>de</strong> coberturaspara transporte.JR – Imagino que você não tenha pressãoalta, nem problemas gástricos.MÁRCIO – Não tenho mesmo, minhapressão está sempre onze por sete,<strong>do</strong>ze por oito, não tenho nenhumproblema, corro to<strong>do</strong> dia...JR – Qual o tênis da sua preferênciapara corrida?MÁRCIO – Para correr, Mizuno, parapassear, Rainha, para jogar bola, Topper,para fazer esporte Timberland epara sair por aí, Havaianas. ESPMA Alpargatas tem 8 unida<strong>de</strong>s industriais e11 fábricas-satélites que empregam 11.400pessoas. Também atua no varejo, <strong>com</strong> as lojasMeggashop e Timberland.Fundada em 1907, tem suas ações negociadasna Bolsa <strong>de</strong> Valores <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1913.Possui mais <strong>de</strong> cinco mil acionistas e faz parte<strong>do</strong> Grupo Camargo Corrêa. Detém participaçãoacionária <strong>de</strong> 30% na Santista Têxtil, um <strong>do</strong>smaiores fabricantes mundiais <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s Denim.Em 2005, a receita bruta <strong>de</strong> vendas, não consolidada<strong>com</strong> a Santista Têxtil, atingiu R$ 1.369milhões, <strong>com</strong> a <strong>com</strong>ercialização <strong>de</strong> 160 milhões<strong>de</strong> pares <strong>de</strong> calça<strong>do</strong>s e 16,4 milhões <strong>de</strong> metrosquadra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> teci<strong>do</strong>s industriais. A receita <strong>de</strong>exportação representou 6% <strong>do</strong> faturamento.VISÃO DA EMPRESASer uma empresa global <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong>sejadasem artigos esportivos, calça<strong>do</strong>s e têxteisindustriais.MISSÃODesenvolver e <strong>com</strong>ercializar produtos inova<strong>do</strong>res,<strong>de</strong> alto valor percebi<strong>do</strong>, <strong>com</strong> qualida<strong>de</strong> erentabilida<strong>de</strong> classe mundial e criação <strong>de</strong> valorpara os acionistas, funcionários, fornece<strong>do</strong>res eclientes, atuan<strong>do</strong> <strong>com</strong> responsabilida<strong>de</strong> sociale ambiental.JULHO / AGOSTOD E 2006 – REVISTA DA ESPM79

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