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Cartas de Uma Morta - Espírito Maria João de Deus - Chico Xavier

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CARTAS DE UMA MORTA1. EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA2. NO LIMIAR DA VIDA DE ALÉM-TÚMULO3. ÚLTIMOS INSTANTES DO TORMENTO CORPORAL4. A VOZ DE COMANDO DESOBEDECIDA5. COMO NUMA ATMOSFERA DE SONHO6. NA VERTIGEM DA RETROSPECÇÃO7. O LAR TERRENO ENTREVISTO DO ALÉM8. “AH! EU MORRERA...”9. O PRIMEIRO DIA DA ERRATICIDADE10. AMARGURA E ALEGRIA, SAUDADE E JÚBILO11. A IRMANDADE UNIVERSAL DA DIVINA CAUSA12. UM PÁLIDO RAIO DE LUZ NA NOITE DO RACIOCÍNIO13. NA PÁTRIA COMUM DE TODAS AS ALMAS14. OS VENTUROSOS15. NA FALANGE DOS ESPÍRITOS BENIGNOS16. REENCONTRANDO UMA AFEIÇÃO DO PASSADO17. E A VIDA PROSSEGUE SEMPRE18. MEUS PULMÕES RESPIRAM E MEU CORAÇÃO PULSAVA19. O GUIA INVISÍVEL20. OS PAIS DA TERRA NÃO SÃO OS CRIADORES E ...21. PERTURBADORAS PERGUNTAS22. MINHA MÃE – A GRANDE CONSOLAÇÃO23. NA VIDA DA ALMA LIVRE24. NA VIDA DO ALÉM O PENSAMENTO É QUASE TUDO25. DIFICULDADE À CONCENTRAÇÃO MENTAL26. A INICIAÇÃO DO ALÉM27. O NINHO ACOLHEDOR DAS ALMAS ERRANTES28. A ELEVAÇÃO PARA A VERDADE E PARA A PERFEIÇÃO29. O SÍMBOLO RADIADOR DA ALMA DIVINA30. HOSANAS!31. A MARAVILHOSA APRENDIZAGEM32. A ILUSÓRIA NUTRIÇÃO DOS ESPÍRITOS33. ASSEMBLÉIA DAS ALMAS LIVRES DAS FUTILIDADES34. A PREPARAÇÃO ÀS LUTAS FUTURAS35. O LAR TERRENO ENTREVISTO DO ALÉM36. A LUZ E A FLORA DO ALÉM37. PENSAMENTOS QUE ORIENTAM A FORMAÇÃO DE ...38. AFETOS QUE DESAFIAM O TEMPO E A MORTE39. A TERRA – OBSCURO PLANETA DE EXÍLIO E DE ...40. O REGRESSO ESPIRITUAL AO LAR TERRENO41. OS DESENCARNADOS NA GUERRA42. CONSTRUÇÕES E AMBIENTES DE TRANSIÇÃO QUE ...1


43. A CHEGADA. NO ALÉM, DOS DESENCARNADOS NA GUERRA44. A CARINHOSA RECEPÇÃO45. O DERRADEIRO APELO DA VIDA MATERIAL46. A CONVALESCENÇA DOS DESENCARNADOS47. PRIMEIRAS NOÇÕES DO ALÉM48. " QUE É A VIDA SENÃO AMOR?”49. OS MORTOS ANÔNIMOS, O SOLDADO DESCONHECIDO50. GLORIFICAÇÃO DO ESPÍRITO IMORTAL51. A SUPREMA HOMENAGEM52. BELEZAS DE SATURNO A VERTIGINOSA EXCURSÃO53. O SOL AZULADO DE SATURNO54. UM MUNDO SEM CLOROFILA55. OS MONSTROS FEIOS E GRACIOSOS56. O DIA DE DEZ HORAS57. NOVOS ASPECTOS DA LUZ58. M VÍCIOS, SEM MAUS COSTUMES E SEM GUERRAS59. MEDIUNIDADE GENERALIZADA60. A CIÊNCIA UNIDA À FÉ61. ASSEMBLÉIAS AÉREAS62. SATURNO, DOS MARES ROSADOS...63. AS ALMAS SOFREDORAS64. O CÍRCULO DOS PADECIMENTOS65. O PENSAMENTO É TUDO66. A EXPIAÇÃO DO EGOÍSMO, DA AVAREZA E DA LUXÚRIA67. GRITOS, BLASFÊMIAS, LÁGRIMAS68. A REGENERAÇÃO E O TRIUNFO SÃO POSSÍVEIS PELO AMOR69. O DESERTO DA EXPIAÇÃO REDENTORA70. A SEMENTE DA PAZ E DA ESPERANÇA71. OBSERVAÇÕES DE UMA ALMA72. UMA VISITA À TERRA73. A LEI DA GRAVITAÇÃO SUBORDINADA À VONTADE74. A ÚNICA POSSIBILIDADE DE INFLUÊNCIA ...75. A AURA DA TERRA E A LIGAÇÃO DA HUMANIDADE AOS ...76. A PRECE DA AFLIÇÃO MATERNAL77. O BÁLSAMO DO CONFORTO78. NOS DOMÍNIOS DAS RECORDAÇÕES79. A REVELAÇÃO DECISIVA PARA OS RELIGIOSOS E OS ATEUS80. A NECESSIDADE DE DIFUSÃO DAS VERDADES ESPIRITUAIS81. A EXPLICAÇÃO DO MESTRE82. VISÕES COMOVEDORAS DO PASSADO83. HISTÓRIA DE UMA REENCARNAÇÃO84. A HISTÓRIA VIVA DAS COISAS85. PARA DESPERTAR A CONSCIÊNCIA ESPIRITUAL86. INVESTIGAÇÕES ESPIRITUAIS87. OS ERROS DA HISTÓRIA88. FAMINTOS DE LUZ E DE PAZ89. OS DÉSPOTAS À PROCURA DA REDENÇÃO MORAL2


90. MOMENTOS INICIAIS DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL91. A FERVOROSA INVOCAÇÃO A HORUS92. NO ANTIGO EGITO93. A VIDA, ETERNO FENÔMENO DOS JOGOS VIBRATÓRIOS94. JESUS É O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA95. O LÚCIDO MENSAGEIRO DO SENHOR96. PELA OBRA GRANDIOSA DA RESTAURAÇÃO DAS CRENÇAS...97. A MISSÃO CONSOLADORA DOS ESPÍRITOS NA TERRA98. ADEUS99. NO PLANO DOS DESENCARNADOS100. UMA TERRA APERFEIÇOADA101. COMO NUM GRANDE DISTRITO102. AS ORAÇÕES DOS HOMENS103. A ESCADA DE LUZ104. NO AMBIENTE ESPIRITUAL105. NAS REGIÕES DA LUZ106. UMA EXPEDIÇÃO DE ESTUDOS107. TRÊS SÓIS DE CORES DIVERSAS108. PLANOS APERFEIÇOADOS DE LUZ109. NAS ESFERAS VIZINHAS DA TERRA110. A VIDA EM TODA A PARTE111. AS AFINIDADES RACIAIS112. HEGEMONIA DE JESUS - A ESFERA CHEIA DE SOL113. CONTINUAÇÃO DA TERRA114. O PLANETA MARTE115. A VIRGEM VERTIGINOSA116. PAISAGEM DE MARTE117. A EVOLUÇÃO MARCIANA118. GRANDE ESPIRITUALIDADE119. NO LIMIAR DOS GRANDES ACONTECIMENTOS120. ESPÍRITOS ALUCINADOS121. A TAREFA DA SALVAÇÃO122. UM NOVO CICLO EVOLUTIVO123. AS CORRENTES MIGRATÓRIAS124. UMA PALAVRA AOS SOFREDORES3


EXPLICAÇÃO NECESSÁRIAAs páginas que vão ler são <strong>de</strong> autoria daquela que foi, na Terra, a minhamãe muito querida.Minha genitora chamava-se <strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e <strong>de</strong>sencarnou nesta cida<strong>de</strong>,em 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1915. Filha <strong>de</strong> uma lava<strong>de</strong>ira humil<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Santa Luiza do Riodas Velhas, ela não po<strong>de</strong> receber uma educação esmerada; mas todos os que aconheceram, afirmam que os sentimentos do seu coração substituíram a culturaque lhe faltava.Quando o seu bondoso espírito se comunicou por meu intermédio, pelaprimeira vez, eu lhe pedi que me contasse as impressões iniciais da sua vida nooutro mundo, recebendo a promessa <strong>de</strong> que o havia <strong>de</strong> fazer oportunamente; e, hápouco tempo, ela começou a escrever, por intermédio da minha mediunida<strong>de</strong>, estascartas que vão ler.Eu contava cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, quando minha mãe <strong>de</strong>sencarnou; mas,mesmo assim, nunca pu<strong>de</strong> esquecê-la e, ultimamente, graças ao Espiritismo, ouçoa sua voz, comunico-me com ela e ao seu espírito generoso <strong>de</strong>vo os melhoresinstantes <strong>de</strong> consolo espiritual da minha vida.Aí estão, minha mãe, as tuas páginas. Elas vão ser vendidas em benefíciodas órfãzinhas. <strong>Deus</strong> permita que os pequeninos, que sofrem, recebam um confortoem teu nome, e que a Misericórdia Divina te auxilie, multiplicando as tuas luzes navida espiritual.Pedro Leopoldo. MG, 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1935.FRANCISCO CÂNDIDO XAVIERLivro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>4


NO LIMIAR DA VIDA DE ALÉM TÚMULO<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Para mim, meu caro filho, as últimas impressões da existência terrena e os primeiros diastranscorridos <strong>de</strong>pois da morte foram muito amargos e dolorosos.Quero crer que a angústia, que naquele momento avassalou a minh’alma, originou-se da profundamágoa que me ocasionava a separação do lar e dos afetos familiares, pois, apesar <strong>de</strong> crer naimortalida<strong>de</strong>, sempre enchiam-me <strong>de</strong> pavor <strong>de</strong> crer na imortalida<strong>de</strong>, sempre enchiam-me <strong>de</strong> pavor osaparatos da morte; e <strong>de</strong>ntro do catolicismo, que eu professava fervorosamente, atemorizava-me aperspectiva <strong>de</strong> uma eterna ausência.Lutei, enquanto me permitiram as forças físicas, contra a influência aniqüiladora do meu corpo;mas foi uma luta singular a que sustentei, como sói acontecer aos corações maternos, quando periga atranqüilida<strong>de</strong> dos seus filhos. Unicamente esse amor obrigava-me ao apego à vida, porque ossofrimentos, que já havia experimentado, <strong>de</strong>sprendiam-me <strong>de</strong> todo o prazer que ainda pu<strong>de</strong>sse me advirdas coisas terrestres.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>5


ÚLTIMOS INSTANTES DO TORMENTO CORPORAL<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Combati com tenacida<strong>de</strong> a moléstia que enfraquecia o meu organismo, porém chegou o dia queassinalava o término das minhas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resistência. As <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras horas me foram <strong>de</strong>excruciante martírio e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma jornada repleta <strong>de</strong> dores violentas, veio a noite interminável daagonia. Reparava que o meu tempo no mundo se escoava dificilmente, almejando o seu findar como otrabalhador se<strong>de</strong>nto e faminto – ávido <strong>de</strong> repouso.O meu estado moral caracterizava-se por uma semi-inconsciência porque o tormento corporalatuava sobre as minhas idéias, que vagavam <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadas como se fossem violentamente expulsas domeu cérebro.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>6


A VOZ DE COMANDO DESOBEDECIDA<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Desejava orar... Todavia, os pensamentos não conseguiam obe<strong>de</strong>cer-me, dispersos pela confusãoestabelecida em meu mundo interior, em virtu<strong>de</strong> dos pa<strong>de</strong>cimentos que me percorriam os centros daativida<strong>de</strong> orgânica; e a minha vonta<strong>de</strong> era semelhante a uma voz <strong>de</strong> comando, totalmente <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cidapor elementos rebel<strong>de</strong>s e indisciplinados.Hoje sei que naqueles angustiosos momentos muitos seres se conservavam, embora intangíveis,ao meu lado, amparando-me com os seus braços tutelares e compassivos, porém não os distinguia.Sentia-me sucumbir lentamente... A princípio, gemidos <strong>de</strong> sofrimento escapavam-se do meu peitotorturado, compreen<strong>de</strong>ndo a ineficácia dos esforços que fazia para não morrer; mas tão ru<strong>de</strong> era aquelasuprema tentativa <strong>de</strong> resistência, que me abandonei, finalmente, àquelas forças po<strong>de</strong>rosas e invencíveisque me subjugavam.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>7


COMO NUMA ATMOSFERA DE SONHO<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Amanhecia... Afigurou-se-me, então, alcançar uma trégua a tantos pa<strong>de</strong>cimentos. Parecia prestesa dormir, mas, sob as mesmas impressões <strong>de</strong> dor e mal-estar, envolvia-me nas influências do sono,embora sendo presa <strong>de</strong> in<strong>de</strong>scritíveis pesa<strong>de</strong>los. Ouvi tudo quanto se pronunciou ao redor <strong>de</strong> meu leio evi a ansieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> quantos <strong>de</strong>le se abeiravam, mas todas essas impressões eu as recebia como seestivesse mergulhada em mau sonho.Desejei falar, manifestar vonta<strong>de</strong>s e pensamentos; isso, porém. Era impossível. Contempleipesarosa a imagem do Crucificado, que me puseram nas mãos enlanguecidas e quis sinceramente pensarnele, orar com unção, segundo os meus hábitos. Todavia, reconhecendo-me cheia <strong>de</strong> vida, não obstanteas dores, pairavam os meus sentidos como numa esquisita atmosfera <strong>de</strong> sonho...Percebi todos os carinhos que dispensaram ao meu corpo e que me foram igualmenteproporcionados em vida; e ouvi as lamentações <strong>de</strong> quantos <strong>de</strong>ploravam a minha ausência. Ansiava pormovimentar-me sem que membro algum obe<strong>de</strong>cesse aos meus impulsos, e, outras vezes, fazia inauditosesforços para <strong>de</strong>spertar-me, fugindo <strong>de</strong> tão singular pesa<strong>de</strong>lo. Afigurava-se que me cobriam <strong>de</strong> flores esentia a carícia dos braços dos meus filhos, enlaçando-me com amargurada ternura; e dizia-lhes,mentalmente, entre lágrimas:- Meus filhos, eu não morri!... Aqui estou e sinto-me realmente mais forte para vos proteger eamar. Por que chorais aumentando a minha angústia?Mas tinha a boca hirta e os braços gelados para retribuir aquelas expansões <strong>de</strong> <strong>de</strong>svelado carinho!Apenas possuía a sensação <strong>de</strong> lágrimas ar<strong>de</strong>ntes, que me rolavam sobre as faces <strong>de</strong>scoloridas, como aestátua viva da amargura e do silêncio.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>8


NA VERTIGEM DA RETROSPECÇÃO<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>O ataú<strong>de</strong> pareceu-me um novo leito; porém, quando me convenci <strong>de</strong> que me arrebatavam comele, entre os angustiosos lamentos dos que ficavam, uma impressão penosa, atroz, subjugou-meintegralmente. Achei-me, então, sob in<strong>de</strong>finível sentimento <strong>de</strong> medo, que me aniquilou a totalida<strong>de</strong> dasfibras emotivas. Um choque <strong>de</strong> dor brusca dominou-me a alma e eu perdi a consciência <strong>de</strong> mimmesma...Após algum tempo, cuja duração não posso <strong>de</strong>terminar, paulatinamente afigurou-se-me acordar;contudo, a princípio, achava-me envolvida no mesmo panorama <strong>de</strong> sonho. Como se a memória fossepossuída <strong>de</strong> um admirável po<strong>de</strong>r retrospectivo, comecei a ver todos os quadros da minha infância ejuventu<strong>de</strong>, relembrando um a um os mínimos fatos da minha existência relativamente breve. Via-os,esses quadros do pretérito, com naturalida<strong>de</strong>, sem admiração e sem surpresa...Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>9


AH! EU MORRERA<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Descerrou-se, finalmente, o <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro véu que obumbrava o meu ser pensante... Senti-me sã,ativa, ágil, como se <strong>de</strong>spertasse naquele instante... Ah! Eu morrera...E a morte representava um gran<strong>de</strong> bem, porque eu me sentia outra, trazendo as faculda<strong>de</strong>sintegrais, plena <strong>de</strong> favoráveis disposições para as lutas da vida. Todavia tinha a impressão <strong>de</strong> estar só, jáque ninguém respondia às minhas argüições, embora percebesse que a minha voz nada per<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> seuvigor e tonalida<strong>de</strong>.Propositalmente procurava fazer-me vista por todos, mas uma impossibilida<strong>de</strong> perturbadoracorrespondia aos meus pensamentos. Refugiei-me, então, nas mais sinceras e fervorosas preces. Foiquando comecei a divisar vultos sutis e ouvir vozes acariciadoras, das quais fugia amedrontada ereceosa, na ilusão pueril <strong>de</strong> que me achava com o corpo físico, trânsita <strong>de</strong> medo e suscetibilida<strong>de</strong>s...Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>11


O PRIMEIRO DIA DA ERRATICIDADE<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Chegara o dia 2 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1915 e mais <strong>de</strong> mês já havia transcorrido sobre a data <strong>de</strong> minha<strong>de</strong>sencarnação.Nesse dia, sob o império <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> dissabor, que me advinha daquela incompreensão, dirigi-metristemente à Igreja para orar, aproveitando a quietu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua soleda<strong>de</strong>, Lá penetrando, porém,compreendi que não me achava só, pois percebia que outras almas, talvez pa<strong>de</strong>cendo a mesma dor queeu experimentava, conservavam-se estáticas ao pé dos altares, on<strong>de</strong> foram buscar um pouco <strong>de</strong> consoloe <strong>de</strong> esclarecimento.Todavia, assim que me entreguei aos arrebatamentos da prece, senti uma intraduzível vibraçãopercorrer todas as fibras do meu ser, como se fosse sofrer um vágado, afigurando-se-me invadida pelainfluência do sono; mas durou poucos instantes, semelhante estado.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>12


AMARGURA E ALEGRIA, SAUDADE E JÚBILO<strong>Maria</strong> João <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>Despertei novamente e vi-me ao lado <strong>de</strong> uma legião <strong>de</strong> seres, que se achavam genuflexos comoeu. Já outro, porém, era o templo no qual me encontrava. Havia um recinto amplo e majestoso,construído à base <strong>de</strong> elementos que não é possível qualificar, por falta <strong>de</strong> termos equivalentes novocabulário humano. Nesse magnificente interior não existia <strong>de</strong>terminado santuário para orações, mas,sim, obras <strong>de</strong> arte sublime, <strong>de</strong>stacando-se uma tribuna formada <strong>de</strong> matéria luminosa, como se fossefeita <strong>de</strong> névoa esvaecentes. Ouvia-se, provinda <strong>de</strong> um coro dulcíssimo <strong>de</strong> vozes meigas e cristalinas,uma prece ao Criador, repleta <strong>de</strong> harmonias e <strong>de</strong> excelsitu<strong>de</strong>s. E aquele cântico melodioso era mais umciclo <strong>de</strong> asas ou murmúrio <strong>de</strong> favônios unindo as pétalas das flores.Aí, mais do que nunca, relembrei dos afetos que me ligavam ao lar; e um incoercível receioinundou o meu espírito, amedrontado ante a perspectiva <strong>de</strong> separação eterna, porque, após asincertezas e as agonias da morte, eu sabia ter sido arrebatada para um local distante, a menos queestivesse possuída <strong>de</strong> extremas alucinações.De on<strong>de</strong> provinham aquelas cadências harmoniosas <strong>de</strong> cavatina celeste, que me faziam vibrar <strong>de</strong>emotivida<strong>de</strong> até às lágrimas?Então, toda minh’alma chorava <strong>de</strong> amargura e alegria; havia em meu coração um misto <strong>de</strong>sauda<strong>de</strong> e júbilo inexprimíveis.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>13


A IRMANDADE UNIVERSAL DA DIVINA CAUSAFoi quando se <strong>de</strong>senhou, na tribuna <strong>de</strong> neve translúcida, majestosa figura <strong>de</strong> um parlamentário,parecendo-me que ali se materializara, por um processo misterioso e em forma humana, o anjo celeste,no qual se <strong>de</strong>stacavam todas as perfeições.Irradiava do seu olhar benigno e fulgurante uma onda <strong>de</strong> in<strong>de</strong>scritível ternura, que transbordavana sua voz, saturada <strong>de</strong> suavida<strong>de</strong> e doçura:- “Irmãos – começou ele – a nossa prece, o hino dos nossos corações, mistura-se a todas asharmonias do Infinito, elevando-se para <strong>Deus</strong> numa corrente <strong>de</strong> melodia e <strong>de</strong> aroma. O laço que nestemomento une os nossos espíritos, misto <strong>de</strong> luzes da contextura estelar, igualmente pren<strong>de</strong> todos ossistemas planetários do Ilimitado, que se irmanam no amor mais sublime à sua Divina Causa.Vós, que aqui vos encontrais, vindos das remotas plagas das sombras terrenas! Possuídos <strong>de</strong>angústia e <strong>de</strong> esperança, que se refletem nas lágrimas dos vossos olhos, no íntimo ainda guardaisacerbas recordações da existência no exílio, como os carvões que sobrevivem no coração da Terralongínqua sob os escombros das florestas incendiadas. Constituís, por isso, a multidão <strong>de</strong> almas errantese sofredoras, perambulando em <strong>de</strong>rredor dos objetos que formaram a paisagem das vossas miragensenganadoras, porque a única vida real é a vida do espírito <strong>de</strong> posse da sua liberda<strong>de</strong> preciosa”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>14


UM PÁLIDO RAIO DE LUZ NA NOITE DO RACIOCÍNIO“Toda a existência terrena está calcada nos instrumentos que servem para as manifestaçõesespirituais e, infelizmente, a vossa excessiva <strong>de</strong>dicação a esses aparelhos viciou o nosso mundo emotivo,circunscrevendo as suas possibilida<strong>de</strong>s ao ambiente terrestre, on<strong>de</strong> apenas possuís pálida réstia <strong>de</strong> luzna noite <strong>de</strong> um fraco raciocínio.Não soubestes, contudo, <strong>de</strong>ntro da pequenez educacional, que vos foi parcamente ministrada,<strong>de</strong>scerrar o velário angusto que encobre o santuário infinito da vida, acomodando-vos entre asacanhadas concepções, que vos foram impingidas pelas idéias religiosas e que amesquinham a gran<strong>de</strong>zado Criador do Universo, na fase do orbe que vin<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abandonar. Criar um local fantástico <strong>de</strong> gozobeatífico ou <strong>de</strong> sofrimento eterno e inelutável, centralizar a vida em um globo <strong>de</strong> sombra, é, somenteobra da ignorância <strong>de</strong>sconhecedora da onipotência e sabedoria divinas.É que a vida não palpita, apenas, no mundo distante, on<strong>de</strong> abandonastes as vossas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>irasilusões: em toda parte ela pulula triunfante e o veículo das suas manifestações é o que se diversifica namultiplicida<strong>de</strong> dos seus planos. Os mundos são a continuida<strong>de</strong> dos outros mundos e os céus se suce<strong>de</strong>mininterruptamente através dos espaços ilimitados”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>15


NA PÁTRIA COMUM DE TODAS AS ALMAS“Faz-se mister que dispais da vossa mente a roupagem dos enganos materiais, permitindo que aespiritualida<strong>de</strong> interior vibre livremente em toda a intensida<strong>de</strong> da sua divina potência. Ten<strong>de</strong>s o intelectoatulhado <strong>de</strong> lembranças nocivas, as quais precisais alijar para o reencontro da felicida<strong>de</strong>. Não vos<strong>de</strong>moreis em fazê-lo.O corpo <strong>de</strong> vossas impressões persiste, <strong>de</strong>sastrosamente, impelindo-vos a vertiginosas quedassobre os pauis, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> regressastes, repletos <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> amargurada tristeza.Consi<strong>de</strong>rai o verda<strong>de</strong>iro panorama da vida universal; sistema <strong>de</strong> mundos venturosos, enchem ouniverso <strong>de</strong> harmonias excelsas; entre as distâncias infindas do éter, <strong>de</strong>scobrem-se terras <strong>de</strong>encantamentos e divinas gran<strong>de</strong>zas! Sobre as vossas cabeças elevem-se os cânticos das vias –lácteassi<strong>de</strong>rais e, sob os vossos pés, ouvem-se os hinos dos sóis resplan<strong>de</strong>centes.Pon<strong>de</strong>rai sobre essa imensida<strong>de</strong> sem princípio e sem fim e reconhecei que o espaço é a pátriacomum <strong>de</strong> todas as almas. Terminadas as lutas majestosas, que os seres levam a efeito pelo seuaprimoramento anímico, aqui se reúnem para elaboração <strong>de</strong> novos projetos grandiosos em novos surtos<strong>de</strong> perfeição e <strong>de</strong> progresso.Nas existências planetárias, como a que acabais <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar, as almas lutam e sofrem os gran<strong>de</strong>spa<strong>de</strong>cimentos remissores; às vezes conhecem <strong>de</strong> perto a taça das amarguras, mergulhando no oceanodas lágrimas, que salvam e regeneram. Aí nessas arenas augustas do aprendizado e da re<strong>de</strong>nção,cauterizam-se feridas cancerosas, curam-se úlceras malignas, aprimoram-se sentimentos <strong>de</strong>sviados dasua pureza, crescem os empreendimentos felizes e conhece-se o gran<strong>de</strong> ensinamento da felicida<strong>de</strong>,oriunda da solidarieda<strong>de</strong> salvadora”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>16


OS VENTUROSOS“Venturosos são os que se conduzem através <strong>de</strong> todas as barreiras e percalços, com o estandarteluminoso da fé, distribuindo os inesgotáveis bens da sua pieda<strong>de</strong> e do seu amor. Vivem serenos na paz<strong>de</strong> suas consciências, entre as ambições corruptoras que os perseguem ao longo dos caminhos e seusdias representam um inaudito esforço <strong>de</strong> resistência contra o mal <strong>de</strong>primente e oprobrioso.Pa<strong>de</strong>cem continuadamente, e tombando nas batalhas morais, sangrando <strong>de</strong> dor, mas envolvidosno halo bendito da esperança e da crença, <strong>de</strong>spertam jubilosos para a existência verda<strong>de</strong>ira, on<strong>de</strong> oegoísmo é uma palavra <strong>de</strong>sconhecida e a confraternização universal é a mais legítima das realida<strong>de</strong>s.Retemperam as suas forças, trabalhadas pela intensa luta da vida, nos arquipélagos dourados <strong>de</strong> paz e<strong>de</strong> repouso no infinito dos espaços e assim se preparam para outras refregas, para outras iniciativas, nainterminável e abençoada ativida<strong>de</strong> espiritual, a fim <strong>de</strong> que se dilatem as suas potências em todos osdomínios da sabedoria e do amor!Irmãos bem amados, alimentemos o anelo da vida perfeita!Almas fracas e <strong>de</strong>sditosas, cheias <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>senganos, sacudi a poeira das estradaspalmilhadas, abri os vossos corações para a luz como sacrários <strong>de</strong> ouro sob um plenilúnio divino!Esquecei temporariamente o teatro <strong>de</strong> vossos infortúnios, on<strong>de</strong> muitas vezes fostes traídas ehumilhadas, mas on<strong>de</strong> também obrivestes o alvará <strong>de</strong> vossa liberda<strong>de</strong> preciosa. Elevemos ao Pai a nossaoração <strong>de</strong> reconhecimento e <strong>de</strong> amor da qual se evolem todos os nossos mais puros sentimentos,transubstanciados em harmonias celestes!...”Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>17


NA FALANGE DOS ESPÍRITOS BENIGNOSTerminada que foi a alocução, pronunciada com a mais sagrada das eloqüências e que, <strong>de</strong> modogeral, imperfeitamente reproduzo, com os meus olhos nublados <strong>de</strong> pranto, ouvi os soluços <strong>de</strong> muitos doscircunstantes, que choravam sob o império da mais forte emoção.Então oramos, acompanhando os inspirados impulsos daquele enviado celeste, que procuravaincutir-nos a fé, a esperança e a resignação, através das suas palavras compassivas e piedosas.Um luar in<strong>de</strong>scritível, projetando-se na tribuna que lhe guardava ainda a luminosa figura, banhouas nossas frontes, e pu<strong>de</strong> observar que a atmosfera se impregnava <strong>de</strong> capitoso perfume. Percebi aindaque, sobre as naves encantadas do templo, profundamente caíram flores iguais às rosas terrenas, masque se <strong>de</strong>sfaziam ao tocar em nossas cabeças como taças fluidas <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> aroma.Ah, como chorei naquele dia! Minh’alma frágil se comovia sob indômita emotivida<strong>de</strong>; mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>aquele instante, incorporei-me à gran<strong>de</strong> falange dos espíritos benignos que mourejavam em suas tarefasao lado da Terra, trabalhando pelo bem dos seus semelhantes, beneficiando-se simultaneamente no maisútil dos aprendizados.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>18


REENCONTRANDO UMA AFEIÇÃO DO PASSADOMuitos encarnados, que têm ouvido as diversas explanações quanto à vida dos espíritos nosplanos da erraticida<strong>de</strong>, fazem uma falsa concepção do vocábulo, imaginando que a existência erráticadas entida<strong>de</strong>s se processa por jornadas intermináveis, sem um objetivo <strong>de</strong>finido, sem uma organizaçãoque regule o fenômeno das suas ativida<strong>de</strong>s nos espaços.Essa maneira <strong>de</strong> encarar a questão não é verda<strong>de</strong>ira, pois, a vida no Além, <strong>de</strong>corre em umambiente que, pelas suas características fluídicas, escapa à vossa compreensão, já que, <strong>de</strong>ntro do vossomeio <strong>de</strong> matéria muito con<strong>de</strong>nsada, vos faltam as leis da analogia para que possais estabelecer umacomparação.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>19


E A VIDA PROSSEGUE SEMPRENa vida do espaço, ainda existe a matéria, porém em condições totalmente diversificadas, numasutileza para nós inimaginável e constituindo verda<strong>de</strong>ira maravilha a sua adaptação à vonta<strong>de</strong> dosespíritos.Lá, também, a socieda<strong>de</strong> se organiza, as suas leis predominam, as famílias s reúnem sob osimperativos das afinida<strong>de</strong>s naturais, luta-se, estuda-se, no amálgama dos sentimentos que caracterizamo homem racional.Em outras modalida<strong>de</strong>s, pois, a vida prossegue e a única diferença é que a alma <strong>de</strong>sencarnadanão se vê tão compelida ao cansaço, em razão dos elementos da matéria rarefeita. Isso quanto àsregiões da erraticida<strong>de</strong>, porque nos outros orbes, a existência segue o seu curso, <strong>de</strong> acordo com as suasmodalida<strong>de</strong>s específicas submetendo-se o “EU” a essas forças diversificadas, como, por exemplo, naTerra nos sujeitamos às suas leis físico-químicas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>20


MEUS PULMÕES RESPIRAM EMEU CORAÇÃO PULSAVAEm minha condição <strong>de</strong> alma pouco evolvida iniciei, pois, a vida <strong>de</strong> após a morte, nesse ambientedo espaço, que <strong>de</strong>screvi nas páginas anteriores. Decorrido o tempo inolvidável em que divisara a figurasublime daquele mentor espiritual, que viera caridosamente balsamizar as minhas feridas e as daquelesque formavam a gran<strong>de</strong> turba <strong>de</strong> meus companheiros pela sauda<strong>de</strong> e pelo sofrimento, embora mesentisse relativamente feliz, pressentia o coração pungido pela angústia da distância, que me separavado mundo que eu <strong>de</strong>ixara. Os laços afetivos, os hábitos, os pequeninos nadas <strong>de</strong> minha existênciaestavam inteiramente comigo...Um dos meus primeiros pensamentos <strong>de</strong> estranheza foi o <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que havia morrido e, aomesmo tempo, conservar o meu corpo, o qual, segundo o bom senso, fora entregue à Terra. Constateique os meus pulmões respiravam e o meu coração pulsava com absoluta normalida<strong>de</strong>.Tais pensamentos afligiram-me. Preocupava-me, apenas, o isolamento em que me encontravanaquele ambiente, para o qual fora arrebatada, sem um preparo prévio. É verda<strong>de</strong> que me via envolvidanuma onda <strong>de</strong> simpatia por parte <strong>de</strong> quantos se abeiravam <strong>de</strong> mim; todavia, a minha angustiosaestranheza crescia a ponto <strong>de</strong> me fazer chorar.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>21


O GUIA INVISÍVELNesse ínterim, elevei fervorosamente a minha prece a <strong>Deus</strong>, ouvindo, em resposta, a voz <strong>de</strong> umser que me elucidava:- “<strong>Maria</strong>, minha filha, estás ingressando na existência real. Esquece tudo quanto se relaciona comos teus dias na Terra e busca atenuar a sauda<strong>de</strong> que te calcina, porque as portas do teu lar terrenofecharam-se com os teus olhos.Por enquanto não me po<strong>de</strong>s ver, porém, fui aquele que te orientou em meio dos labirintos doplaneta que abandonaste. Eu era a voz que falava à tua consciência nos instantes difíceis e fui o Cirineuque te amparou nos amargos transes da morte! Acompanhei os teus passos quando te afastaste dastrevas do sepulcro, e a minha mão estava unida à tua quando erravas na obscurida<strong>de</strong> da incompreensão.Des<strong>de</strong> o momento bendito que enten<strong>de</strong>ste em verda<strong>de</strong> a tua situação, tenho espargido clarida<strong>de</strong>ssobre a tua razão e sobre a tua fé. Fazes bem em te voltares para <strong>Deus</strong> nas tuas dolorosas conjeturas.Os pensamentos da criatura, concentrados nele, em seu po<strong>de</strong>r misericordioso, organizam as faculda<strong>de</strong>sespirituais, convergindo as suas possibilida<strong>de</strong>s para maior potência do raciocínio e do sentimento,atributos sublimes da existência das almas. O teu corpo, cuja organização te infun<strong>de</strong> a mais profundaestranheza, é o envoltório <strong>de</strong> matéria quinta-essenciada, que constitui o invólucro sutilíssimo do espírito.Impressiona-te o fato <strong>de</strong> haver<strong>de</strong>s abandonado a forma corporal, conservando outra idêntica; éque não foste bem esclarecida sobre o problema do organismo espiritual, que, tomando as células vivasno imenso laboratório das forças universais, compila o conjunto <strong>de</strong> elementos preciosos à tuatangibilida<strong>de</strong> no orbe terráqueo. O teu corpo material constituía somente uma veste que se estragou navoragem do tempo. Consi<strong>de</strong>ra essa verda<strong>de</strong> para que te escutes no necessário <strong>de</strong>sapego das coisasmundanas”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>22


OS PAIS DA TERRA NÃO SÃO OS CRIADORES ESIM OS ZELADORES- “E meus filhos? – inquiriu mentalmente comovida, entre prantos.- “Ah! Compreendo – murmurou o meu guia invisível – as tuas hesitações e escrúpulos... Louvo aafetivida<strong>de</strong> do teu coração amoroso e sensibilíssimo, porém, faz-se mister que tudo encaressensatamente, aceitando com resignação os ditames da vonta<strong>de</strong> divina.Aqueles a quem emprestaste o potencial das tuas energias orgânicas e que representavam, comoteus filhos, o gran<strong>de</strong> tesouro <strong>de</strong> amor do teu coração, são, como somos, as criaturas do Pai <strong>de</strong> infinitamisericórdia. Os pais da Terra não sã criadores e sim zeladores das almas, que <strong>Deus</strong> lhes confia nosagrado instituto da família. Os seus <strong>de</strong>veres são austeríssimos, enquanto é do alvedrio superior a suapermanência na fase do globo; mas, aquém das fronteiras da carne, é preciso que consi<strong>de</strong>rem os filhoscomo irmãos bem-amados.É necessário, também, que se alheiem às suas lutas e dores, porque o trabalho e o sofrimento sãoleis imperantes no planeta, em prol do seu próprio resgate e re<strong>de</strong>nção psíquica. Nem todos sabemcumprir as obrigações paternais e eu te felicito pelo constante <strong>de</strong>sejo em bem cumpri-las. Se bemsouberes proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ntro da nossa gran<strong>de</strong> família das almas, ser-te-á permitido velar pela rua pequenafamília humana, no minúsculo recanto da terra em que viveste.Vence, pois, o teu mal-estar interior como tens triunfado das mais ru<strong>de</strong>s provas morais!...Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>23


PERTURBADORAS PERGUNTASEscutei enlevada aquela voz dulcíssima, que me embalava com as suas tonalida<strong>de</strong>s maviosas eenxuguei as lágrimas, sentindo-me mais disposta a afrontar a minha nova situação.Ao meu lado inúmeras almas se conservavam silenciosas, abatidas, e outras retiravam-se emcompanhia <strong>de</strong> espíritos fraternos. Acudiram-me, então, ao cérebro, esvaído pelo acúmulo <strong>de</strong> emoções, asmais perturbadoras perguntas.Eu estaria ali sozinha, em relação aos seres amigos que me haviam precedido no Além? Nãopo<strong>de</strong>ria reconhecer uma das antigas afeições da Terra? Antes do meu regresso às paragens si<strong>de</strong>rais, nãohavia voltado à elas quem fora a minha idolatrada mãe?Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>24


MINHA MÃE – A GRANDE CONSOLAÇÃOEntregue a essas amargas inquirições, vi-me pequenina e senil a sensação das lágrimas maternasorvalhando as minhas faces. Recordava-me dos menores <strong>de</strong>talhes do lar, quando experimentei sobre osombros o contato <strong>de</strong> veludosas mãos. Ergui repentinamente o meu olhar e, - oh, maravilha! – vi minhamãe a contemplar-me com a melhor das expressões <strong>de</strong> ternura e amor.Como me senti recompensada, nesse momento inesquecível, <strong>de</strong> todos os infortúnios que houverasofrido! <strong>Uma</strong> inexpremível sensação <strong>de</strong> júbilo dominou-me a alma ao recordar os amargores da Terralongínqua, pois, nesse instante, toda a minha existência estava concentrada naquela afeição,reencontrada para a ventura imortal.Eram os meus temores, as minhas esperanças, os meus afetos, a minha longa sauda<strong>de</strong>; enfimtudo ali estava nos meus prantos <strong>de</strong> imensa alegria. E aquele ente querido, que na Terra para mim fora oanjo do amor maternal, também se sentia sob o impe´rio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> emoção. Compreendi que os nossosespíritos <strong>de</strong> há muito se haviam unido na milagrosa teia das vidas sucessivas, e caí-lhe nos braçosamorosos, misturando os soluços <strong>de</strong> nossos sentimentos.- “Minha mãe – consegui dizer – po<strong>de</strong>rá haver maior felicida<strong>de</strong> do que esta?...”Percebi, a seguir, que era envolvida na onda simpática do seu caricioso olhar, ao mesmo tempoque lhe ouvi a voz repassada <strong>de</strong> infinita doçura:- “<strong>Maria</strong>, estás fatigada pelas emoções consecutivas... Vem <strong>de</strong>scansar um pouco ao meu lado,aqui, filha, junto ao meu coração!...”Ah, minhas pálpebras, então, cerraram-me para o sono brando e tranqüilo e adormeci como umpássaro minúsculo, que repousasse sob a proteção carinhosa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s asas...Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>25


NA VIDA DA ALMA LIVRENum ambiente <strong>de</strong> paz e serenida<strong>de</strong> transcorreram os meus primeiros dias no Além-Túmulo.Não obstante a minha tranqüilida<strong>de</strong>, impressionavam-me, ainda, as sensações corporais, emrazão das profundas raízes <strong>de</strong> sentimentos que me ligavam ao orbe terráqueo. Bastaria que mecolocasse em contato com as recordações da vida que <strong>de</strong>ixara, para que revivessem, em meu mundointerior, inci<strong>de</strong>ntes que presumia inumados para sempre no olvido, junto às mais acerbas lembranças.Avivaram-se, então, as próprias dores físicas que eu experimentara nos meus últimos tempos na Terra; esentia-me alquebrada pela dor e pelos <strong>de</strong>sgostos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>26


NA VIDA DO ALÉM O PENSAMENTO É QUASE TUDOSão essas manifestações <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> fraca e in<strong>de</strong>cisa que mais torturaram os trespassados, noinício <strong>de</strong> sua existência extraterrestre.Na vida livre, o pensamento é quase tudo. Não há nela formas <strong>de</strong>terminadas como no mundo damatéria; e tudo se subordina aos ditames <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> potente.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>27


DIFICULDADE À CONCENTRAÇÃO MENTALMeus parcos conhecimentos a respeito do espírito e <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s dificultavam-me aconcentração do po<strong>de</strong>r mental num objetivo <strong>de</strong>finido, o que auxilia sobremaneira os seres recém-libertosda carne a compreen<strong>de</strong>rem a vida que os ro<strong>de</strong>ia.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>28


A INICIAÇÃO DO ALÉMFrancelina – o espírito boníssimo que me servira <strong>de</strong> mãe – obtivera permissão para acompanharmena iniciação da existência espiritual; e foi guiada por sua meiguice que ingressei nas regiõesmisteriosas, que a morte nos <strong>de</strong>scerra em outros planos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>29


O NINHO ACOLHEDOR DAS ALMAS ERRANTESPara que possas ter idéia do local em que me encontrava, direi que era igual ao dos majestososedifícios daí, divididos em confortáveis apartamentos. Era, como se po<strong>de</strong> dizer, uma gran<strong>de</strong> casa <strong>de</strong>socorros espirituais, um ninho acolhedor <strong>de</strong> almas errantes e enfraquecidas.Havia ali solicitu<strong>de</strong>, zelo e amor fraternais. Muita coisa existe que não se parece com os objetos daTerra; porém, lá vive algo que po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> formas intermediárias entre um e outro plano.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>30


A ELEVAÇÃO PARA A VERDADEE PARA A PERFEIÇÃONum espaçoso recinto, cujo teto era a abóboda estrelejada do infinito, nos reuníamos para orar.Era aí que, em sagrado recolhimento, ouvíamos, extasiados, as mais sublimes lições dos mestres, oselevados espíritos que nos visitavam e que, como guias consoladores, orientavam o nosso pensamentopara concepções grandiosas do universo, confortando-nos em nossa fraqueza e ensinando-nos a vidaexcelsa da verda<strong>de</strong>.Muitas vezes, nos instantes em que nos entregávamos às mais fervorosas orações, víamos <strong>de</strong>scer,das vastidões etéreas que nos cobriam a cabeça, uma profusão <strong>de</strong> pétalas <strong>de</strong> flores, que <strong>de</strong>sapareciamquando aspirávamos os seus perfumes balsâmicos.Explicou-me certo espírito evoluído que esse eflúvios aromáticos eram as manifestações dobenefício da prece, que elevávamos aos paramos da perfeição e que, a eles remontando, voltava aosnossos corações saturados do amor das almas benditas que, por seu saber e suas virtu<strong>de</strong>s, se tornavamcolaboradoras diretas da onipotência divina.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>31


O SÍMBOLO RADIADOR DA ALMA DIVINAEm outras ocasiões, afigurava-se ouvir músicas estranhas e <strong>de</strong> ritmos <strong>de</strong>sconhecidos, que nosembalavam na sua harmoniosa carícia. Às vezes, parecia-me <strong>de</strong>slocada na sua vibração, acompanhado-ano seu interminável caminho, vendo então, no céu, um coração dourado e resplan<strong>de</strong>cente <strong>de</strong> luz, cujaspulsações enchiam <strong>de</strong> melodias todo o universo, como um símbolo radioso e sagraLivro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>32


HOSANAS!Salmos!... Hosanas!...Hinos <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> intraduzível, escutávamos, comovidos, transportados <strong>de</strong> esperança e <strong>de</strong>inenarráveis alegrias.Muitos dos sábios mentores que nos acompanhavam, aproveitavam-se <strong>de</strong>sses ensejos paramaterializarem os seus nobilíssimos pensamentos, transmitindo-nos mensagens que por instantesficavam maravilhosamente grafadas na eterizada tela do Infinito e eram generosos apelos ou profundasexortações, que calavam no mais íntimo dos nossos espíritos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>33


A MARAVILHOSA APRENDIZAGEMFoi-me dito, <strong>de</strong>pois, que tais ocasiões propiciavam esses fenômenos singularmente belos,porquanto se aproveitava a vibração síntese <strong>de</strong> todos os nossos pensamentos reunidos em prece, comogran<strong>de</strong> coeficiente <strong>de</strong> força plasmadora.Espetáculos in<strong>de</strong>scritíveis, contemplados na vida errática, e as mais proveitosas lições ali eramcolhidas; <strong>de</strong>sse meio é que muitas almas regressam ao mundo terreno, ricas <strong>de</strong> conhecimentos, paraacen<strong>de</strong>r os archotes guiadores da humanida<strong>de</strong>.Nesse lugar a educação intelectual e o aprimoramento das possibilida<strong>de</strong>s sensíveis são o principalescopo <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s da criatura.Assim como ten<strong>de</strong>s os vossos livros, que representam o repositório <strong>de</strong> vossa cultura, há tambémuma substância, que retém os gran<strong>de</strong>s pensamentos das almas nobres. Nenhuma lição fica, pois perdidae todos os espíritos procuram assimilar a essência <strong>de</strong>sses profundos ensinamentos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>34


A ILUSÓRIA NUTRIÇÃO DOS ESPÍRITOSEsse ambiente constitui uma gran<strong>de</strong> esfera fluídica, on<strong>de</strong> todas as nossas impressões tomamcorpo <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>.Lá existe, ainda, a nutrição, contudo, o espírito geralmente absorve os elementos, que regeneramsua vitalida<strong>de</strong>, no próprio oxigênio que respira, em inimagináveis condições <strong>de</strong> pureza e nas mais<strong>de</strong>licadas composições químicas da atmosfera.Alguns seres, aí aportando, necessitam, por força dos arraigados hábitos, <strong>de</strong> alimentos análogosaos da Terra, o que obtém por algum tempo, mas apenas na aparência <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>, ilusão esta que éconsentânea com as superficialida<strong>de</strong>s do corpo somático, até que se acostumem com as novasmodalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua existência.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>35


ASSEMBLÉIA DAS ALMAS LIVRESDAS FUTILIDADES TERRENASAltamente instrutivas são as conversações e assembléias dos espíritos. Personalida<strong>de</strong>s eminentesaí se encontram elaborando projetos grandiosos para as suas ativida<strong>de</strong>s porvindouras. Não há lacunaspara as futilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que a vida terrena está farta. Tudo ali é a súmula <strong>de</strong> aspirações edificantes, o queé, aliás, natural, porque estando in<strong>de</strong>ne da fadiga que lhe advém da luta pelo pão diário, po<strong>de</strong> a almaentregar-se às mais santificadas expansões.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>36


A PREPARAÇÃO ÀS LUTAS FUTURASInfluxos abençoados, inspirações salvadoras daí promanam para a humanida<strong>de</strong>; mensagensenviadas pelas almas que, sob qualquer ban<strong>de</strong>ira, viveram como condutores diretos ou indireto dascoletivida<strong>de</strong>s.A vida, pois aí <strong>de</strong>corre como se fosse numa abençoada estação <strong>de</strong> repouso, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>scansa <strong>de</strong>muitas li<strong>de</strong>s e se apren<strong>de</strong>m as mais proveitosas lições para o progresso nas lutas futuras.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>37


O LAR TERRENO ENTREVISTO DOALÉMO tempo aqui não se conta pelos cronômetros terrenos, e o fenômenodo dia e da noite é diversificado, verificando-se em lugar da treva noturnaleve diminuição <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>s da luz solar, a qual se torna esbatida comonum dos vossos lindos crepúsculos, repletos <strong>de</strong> colorações e nuancesadmiráveis, como se a luz interpenetrasse todas as coisas.A vegetação é extremamente interessante e bizarra, em comparaçãocom a da Terra.Imaginai um craveiro florescendo com suas raízes entrelaçadas naprópria atmosfera do mundo, para fazer<strong>de</strong>s uma idéia do que estou<strong>de</strong>screvendo.Poucas flores são mais ou menos semelhantes às dos vossos jardins ea maioria <strong>de</strong>las vos pareceriam extravagantes à primeira contemplação;caracterizam-se, porém, por sua in<strong>de</strong>scritível e invulgar <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>38


A LUZ E A FLORA DO ALÉMAlguns espíritos me disseram que as almas sumamente perfeitas e quejá se tornaram em executores dos <strong>de</strong>cretos do Altíssimo, auxiliam os seresrudimentares do reino mineral e vegetal, ajudando-os na organização <strong>de</strong> suasformas, dos seus pensamentos formosos e sábios, que elas saturam <strong>de</strong>elementos <strong>de</strong> astralida<strong>de</strong>, favorecendo assim o embrião espiritual em suasmanifestações iniciais.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>39


PENSAMENTOS QUE ORIENTAMA FORMAÇÃO DE CRISTAIS E DE FLORESComo po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>screver a serenida<strong>de</strong> e a paz que se <strong>de</strong>sfruta numambiente feliz <strong>de</strong> erraticida<strong>de</strong>? Não há vocábulos ou arroubos <strong>de</strong> imaginaçãopara fazê-lo com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>.Foi aí que encontrei afetos acrisolados e reconheci as amiza<strong>de</strong>s que<strong>de</strong>safiam o tempo e a morte, nesses locais on<strong>de</strong> existem ainda os reflexos davida planetária e on<strong>de</strong> o espírito adquire novas forças para a lutainterminável no progresso universal.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>40


AFETOS QUE DESAFIAM O TEMPO E AMORTEComo po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>screver a serenida<strong>de</strong> e a paz que se <strong>de</strong>sfruta numambiente feliz <strong>de</strong> erraticida<strong>de</strong>? Não há vocábulos ou arroubos <strong>de</strong> imaginaçãopara fazê-lo com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>.Foi aí que encontrei afetos acrisolados e reconheci as amiza<strong>de</strong>s que<strong>de</strong>safiam o tempo e a morte, nesses locais on<strong>de</strong> existem ainda os reflexos davida planetária e on<strong>de</strong> o espírito adquire novas forças para a lutainterminável no progresso universal.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>41


A TERRA –OBSCURO PLANETA DE EXÍLIO E DESOMBRA– VISTA DO ALÉMApós adaptar-me mais ou menos a essa nova vida, ocorreu-me comovos po<strong>de</strong>ria rever e solicitei <strong>de</strong> um instrutor informação a respeito.- “Sabes em que direção está a Terra?” – perguntou ele com bonda<strong>de</strong>.Diante da minha natural ignorância, apontou-me com a <strong>de</strong>stra umponto obscuro que se perdia na imensida<strong>de</strong>, recomendando fitá-loatentamente. Afigurou-se-me vê-lo crescer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um turbilhão <strong>de</strong> sirocosin<strong>de</strong>scritíveis. Parecia-me contemplar a impetuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um furacão aenvolver gran<strong>de</strong> massa compacta <strong>de</strong> cinzas enegrecidas.Tomada <strong>de</strong> inusitado receio, <strong>de</strong>sviei o olhar; porém, o meu solícitoguia, exclamou com brandura:- “Lá está a Terra com os seus contrastes <strong>de</strong>struidores; os ventos dainiqüida<strong>de</strong> varem-na <strong>de</strong> pólo a pólo, entre os brados angustiosos dos seresque se <strong>de</strong>batem na aflição e no morticínio. O que viste é o efeito dasvibrações antagônicas, emitidas pela humanida<strong>de</strong> atormentada nascalamida<strong>de</strong>s da guerra. Lá alimentam-se as almas com a substânciaamargosa das dores e sobre a sua superfície a vida é o direito do mais forte.Triste existência a <strong>de</strong>ssas criaturas que se trucidam mutuamente para viver.São comuns, ali, as chacinas, a fome, a epi<strong>de</strong>mia, a viuvez, aorfanda<strong>de</strong> que aqui não conhecemos... Obscuro planeta <strong>de</strong> exílio e <strong>de</strong>sombra! Entretanto, no universo, poucos lugares abrigarão tanto orgulho etanto egoísmo! Por tal motivo é que esse mundo necessita <strong>de</strong> golpesviolentos e ru<strong>de</strong>s.Busca ver naquelas regiões ensangüentadas o local em que estiveste.Pensa nos que lá <strong>de</strong>ixaste, cheio <strong>de</strong> amargurosa sauda<strong>de</strong>! <strong>Deus</strong> permite e eute auxilio”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>42


O REGRESSO ESPIRITUAL AO LARTERRENODelineei, então, na mente, tudo quanto se relacionava com a minha<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira existência. Primeiramente, vi-me à margem <strong>de</strong> uma encantadorapaisagem marítima avistando um caminho longo, através do qual fui impelidaa seguir.Sentia-me na posse das faculda<strong>de</strong>s volitivas, que obtivera com o meu<strong>de</strong>sprendimento da vida carnal, e, numa fração infinitésima <strong>de</strong> tempo, estavaao vosso lado.Ah! Como vos abracei a todos, emocionada e recolhida! Como acheipequenino o nosso antigo lar e como me penalizou o quadro das vossas dorese dificulda<strong>de</strong>s!Chorei amargamente vendo a miséria do mundo que vos compele aosofrimento e a uma batalha sem tréguas!...Então misturei, com a prece dos encarnados, sofredores e aflitos, aoração <strong>de</strong> minha alma amedrontada, rogando ao Pai Celestial que vosfortificasse na luta re<strong>de</strong>ntora, on<strong>de</strong>, ao lado dos inúmeros prantos e dasalegrias mascaradas, esvoaça o bando das mil tentações que assediam osespíritos no ambiente obscuro da vida carnal, obrigando-os ao esquecimento<strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres e <strong>de</strong> suas austeras obrigações morais.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>43


OS DESENCARNADOS NA GUERRAA gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>sencarnados, para se fazeremcompreendidos no tocante às modalida<strong>de</strong>s da nova existência com todos osseus pormenores, resi<strong>de</strong> justamente na ausência <strong>de</strong> termos comparativos:falta-lhes, em se manifestando nesse sentido, a lei analógica a fim <strong>de</strong> que sepossa assimilar <strong>de</strong>vidamente o que digam.Para darmos a idéia do que seja a nossa vida e os <strong>de</strong>talhes da nossahabitação, muitas vezes é preciso que recorramos às imagens que a terra nosoferece, a tudo quanto o homem, em sua situação temporária, tem guardadona retina.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>44


CONSTRUÇÕES E AMBIENTES DETRANSIÇÃOQUE LEMBRAM OS DA TERRANos planos adjacentes ao mundo, contudo, a vida espiritual transcorreem ambiente semelhante ao da vida terrena.Suas construções, à base <strong>de</strong> uma substância para vós <strong>de</strong>sconhecida,têm, mais ou menos, as disposições que aí se observam; todavia, nasmenores coisas, há um caráter <strong>de</strong> transição, obrigando o espírito a elevarsuas aspirações e seus interesses para o Alto.Nos locais em que me encontrava temporariamente, muitos<strong>de</strong>partamentos haviam que se preparavam às pressas. Decorações,ornamentos, objetos, tudo ali se achava e se confundia, dando perfeita idéia<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s estabelecimentos hospitalares cuidadosamente organizados.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>45


A CHEGADA. NO ALÉM, DOSDESENCARNADOS NA GUERRASurpreendida, vim a saber que os preparativos se <strong>de</strong>stinavam aosrecém-<strong>de</strong>sencarnados da última guerra; e não foi ainda sem surpresa que vichegarem os primeiros ocupantes daqueles alvos leitos, que se perdiam nasvastas enfermarias, graciosas e confortáveis, não sabendo explicar por querazão havia necessida<strong>de</strong> daquele cenário, mundano em <strong>de</strong>masia, on<strong>de</strong> nadafaltava, nem mesmo os instrumentos <strong>de</strong> técnica operatória.De instante a instante eis que chegava uma leva <strong>de</strong> macas, conduzidaspor almas solícitas e <strong>de</strong>votadas.Se muitos hospitais <strong>de</strong> sangue são preparados na Terra, nos infaustosdias <strong>de</strong> lutas fratricidas, mais ainda são as organizações congêneres nosplanos da erraticida<strong>de</strong>. Nem todos, porém, que <strong>de</strong>sencarnam, abrigam-se emsemelhantes lugares, havendo situações especiais, privativas àquelas queelas fizeram jus.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>46


A CARINHOSA RECEPÇÃOAdmirei a <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za com que os seres espiritualizados recebiam osseus irmãos egressos dos combates, on<strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> vidas jovens foramceifadas impiedosamente. Eram, assim recolhidos com a maior bonda<strong>de</strong>,como se fossem feridos penetrando nos hospitais comuns da Terra.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>47


O DERRADEIRO APELO DA VIDA MATERIALMuitos dos que ali ingressavam, manifestavam o seu pavor à morte,rogando em altos brados que os livrassem <strong>de</strong> perecer. Solicitavam aos que oassistiam socorro e auxílio, suplicando que lhes prolongassem a vida emfavor da noiva idolatrada, dos pais carinhosos e queridos, dos seresinesquecíveis que haviam ficado à mercê do abandono e do infortúnio.Era para mim, singularmente interessante, ouvir-lhes essas rogativas,porquanto <strong>de</strong>sconhecia ainda todo o po<strong>de</strong>r somático sobre a inteligênciarecém-<strong>de</strong>sencarnada.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>48


A CONVALESCENÇA DOS DESENCARNADOSEram todos tratados com inexcedível carinho e as suas amargasqueixas obtinham réplicas afetuosas e animadoras promessas.Alimentação e tratamento tudo se assemelhava estritamente ao que sepo<strong>de</strong> verificar na face do orbe, até mesmo certas bagatelas que constituíammotivos <strong>de</strong> prazer para alguns, com o uso do tabaco ou <strong>de</strong> beberagenspreferidas.Tudo ali era confeccionado por entida<strong>de</strong>s zelosas a fim <strong>de</strong> que sepreparassem convenientemente para o conhecimento do que ocorria.Paulatinamente recuperavam suas forças perdidas; e os que se mantinhamnum estado, que po<strong>de</strong>mos classificar como o <strong>de</strong> convalescença, eramseparados dos <strong>de</strong>mais companheiros.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>49


PRIMEIRAS NOÇÕES DO ALÉMRecebiam, então, a vaga noção da verda<strong>de</strong>, observando fenômenosinteressantes, operados por sua vonta<strong>de</strong> sobre as matérias circunstantes,cuja maleabilida<strong>de</strong> os assombrava.Esclarecidos mestres, freqüentemente, lhes dirigiam a palavra comoapóstolo da paz, em excursão nos <strong>de</strong>partamentos militares.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>50


“QUE É A VIDA SENÃO AMOR?”Lembro-me <strong>de</strong> que, certa vez, quando elevado mentor espiritualexaltava os benefícios da fraternida<strong>de</strong>, um dos ouvintes interpelou-o:- “Não se po<strong>de</strong> pregar a paz em tempo <strong>de</strong> guerra!”- “Que é a vida, meu filho, senão amor? E po<strong>de</strong>rá haver amor sempaz? – replicou-lhe docemente o apóstolo. “Foi a malda<strong>de</strong> dos homens queengendrou a guerra, dizimadora dos i<strong>de</strong>ais e das existências. As fúrias daimpieda<strong>de</strong> varrem quase todas as extensões da Terra e os corações sedilaceram ao sopro frio da adversida<strong>de</strong>!... Po<strong>de</strong>ria <strong>Deus</strong>, em sua misericórdia,sancionar esses crimes nefandos? Para sua infinita bonda<strong>de</strong> não existemfranceses ou alemães: há filhos bem-amados da sua sabedoria e do seuamor”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>51


OS MORTOS ANÔNIMOS, O SOLDADODESCONHECIDOHouve, porém, na gran<strong>de</strong> assembléia, que ouvia aquela voz estranha,um surdo clamor <strong>de</strong> protesto.“Serenai o vosso ânimo!” – objetou-lhes calmamente. “Em vãolevantais o vosso clamor <strong>de</strong> protesto... Ouvi-me. Ten<strong>de</strong>s vos preparadoconvenientemente para saber a verda<strong>de</strong>. Já não po<strong>de</strong>is integrar as fileiras <strong>de</strong>combatentes que fornecem mão forte à nefasta política da incompreensãodas leis divinas. Para a Terra, em cuja face presumis continuar, sois mortosanônimos, sois o soldado <strong>de</strong>sconhecido. Aprouve à magnanimida<strong>de</strong> daProvidência que aqui fôsseis acolhidos suavemente, sem abalos prejudiciais.Vossos corpos estão muito distantes, no regaço da Terra benfazeja,estraçalhados por forças cegas e assassinas.Ingressastes em outra vida. Compete-vos, portanto, esquecer osvossos dias, aniquilados pelo ódio execrando!Consi<strong>de</strong>rai a lei <strong>de</strong> amor que <strong>de</strong>ve unir todas as almas como laçoeterno e sacrossanto!”Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>52


GLORIFICAÇÃO DO ESPÍRITO IMORTALEntão, como se estivesse em ação um misterioso po<strong>de</strong>r, a atmosferatransmutou-se, afigurando-me ter-se rasgado gran<strong>de</strong> nuvem.<strong>Uma</strong> paisagem maravilhosa <strong>de</strong>senhou-se na imensida<strong>de</strong>; muitas mãesestendiam seus braços amorosos aos filhos sempre lembrados; muitos serescaros, chorando <strong>de</strong> emoção e alegria, vinham ao encontro daqueles coraçõestomados <strong>de</strong> espanto e <strong>de</strong> receio.<strong>Uma</strong> estrada florida <strong>de</strong>sdobrou-se sobre as nossas cabeças e um hinovibrante se ouviu nas vibrações do éter. Era a glorificação <strong>de</strong> ventura doespírito imortal, on<strong>de</strong> haviam sonorida<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>scritíveis.“Oh, Senhor do Universo, vós, que criaste todas as coisas, conce<strong>de</strong>stelhesa beleza da imortalida<strong>de</strong>.Se<strong>de</strong> bendito por todos os séculos dos séculos, pela dor que nosredimiu e nos lavou todas as culpas, pelas lutas on<strong>de</strong> adquirimos experiênciae <strong>de</strong>nodo moral, pelo vosso amor intraduzível que nos legou todas asfelicida<strong>de</strong>s imorredouras!Como é gran<strong>de</strong>, Senhor, o júbilo do nosso último dia na Terra, se sóem vós buscávamos amparo e consolação, repouso e fortaleza, carinho e<strong>de</strong>voção!”Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>53


A SUPREMA HOMENAGEMTodas as vozes então se reuniram num coro inigualável e, naquele dia,presenciando o esclarecimento <strong>de</strong> algumas almas que daquela hora emdiante, se tornaram em ativas colaboradoras da beneficência si<strong>de</strong>ral, assistiuma das mais comovedoras homenagens prestadas à bonda<strong>de</strong> do Criador.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>54


BELEZAS DE SATURNO A VERTIGINOSAEXCURSÃOUm dos planetas, cuja constituição mais me impressionava, quandoraramente me entretinha com essas questões na Terra, era Saturno,imaginando como seriam pridigiosos os fenômenos da luz em sua superfície,em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu anel e numerosos satélites.Revelando essas preocupações ao espírito benévolo, que prosseguiadispensando-me carinhosa proteção, conce<strong>de</strong>u-me o seu valioso auxílio paraque eu pu<strong>de</strong>sse excursionar àquele orbe distante.Bastou que fixássemos em nossa mente semelhante <strong>de</strong>sejo para queme visse ao lado <strong>de</strong> um boníssimo companheiro, envolto em atmosferadiferente da que me era habitual nas adjacências da Terra.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>55


O SOL AZULADO DE SATURNOVi-me então, numa superfície diversificada, on<strong>de</strong> parecia pisar sobreum amontoado <strong>de</strong> massas mais ou menos análogas ao gelo sentindo-meenvolvida numa temperatura singular.Avistei muito distante, como um novelo <strong>de</strong> luz, levemente azulada, osol; todavia, só pu<strong>de</strong> saber que se tratava <strong>de</strong>sse astro porque me disse oesclarecido mentor e <strong>de</strong>votado guia, tal era a diferença que eu constatava. Aluz se espalhava por todas as coisas, mas, o seu calor era menor, dando-mea impressão <strong>de</strong> frescura e amenida<strong>de</strong>, arrancando do cenário majestoso, queeu presenciava, tonalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um rosa pálido e <strong>de</strong> um azul in<strong>de</strong>finível.Vi, <strong>de</strong>pois, várias habitações <strong>de</strong> estilo gracioso, on<strong>de</strong> predominavamgran<strong>de</strong>s colunatas artisticamente dispostas, <strong>de</strong>coradas com uma substânciapara mim <strong>de</strong>sconhecida, que mudava <strong>de</strong> cor, em lindíssimas nuanças, aosreflexos da luz solar.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>56


UM MUNDO SEM CLOROFILA<strong>Uma</strong> vegetação estranha coalhava o solo branco, às vezes brilhante; aclorofila, porém, que se conhece no planeta terráqueo, <strong>de</strong>via estar substituídapor outro elemento, porque todas as folhagens e ramarias eram azuladas;contudo, os espécimes <strong>de</strong> flores, que eu tinha sob as vistas, eram <strong>de</strong>coloridos variegados, apresentando as mais singulares tonalida<strong>de</strong>s quandorefletiam a luz circunstante. Flores extraordinárias pela sua originalida<strong>de</strong> eperfume ornamentavam todo o ambiente.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>57


OS MONSTROS FEIOS E GRACIOSOSContemplando o espaço, muito acima <strong>de</strong> nós, vi gran<strong>de</strong>s massasmulticores, que tomei por variegadas nuvens, e, ao mesmo tempo notei queseres estranhos evolucionavam nos ares, em gráceis movimentos, apesar <strong>de</strong>me parecerem bizarros. Nada tinham <strong>de</strong> comum com os tipos da humanida<strong>de</strong>terrena, afigurando-se-me extraordinariamente feios com a sua organizaçãoanimalesca, com suas membranas à guisa <strong>de</strong> asas, tão estranhas para mim,as quais lhe facultavam o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> volitar à vonta<strong>de</strong>.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>58


O DIA DE DEZ HORASAnte a minha atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> assombro, solicitamente o guia explicou:- Vês, filha, estamos na superfície <strong>de</strong> Saturno, on<strong>de</strong> o dia se compõe<strong>de</strong> <strong>de</strong>z horas e as estações duram mais <strong>de</strong> sete anos consecutivos, segundo acontagem do tempo no planeta que <strong>de</strong>ixaste. Aqui a situação climatérica éeminentemente benéfica, em razão do equilíbrio da obliqüida<strong>de</strong> da eclíptica,propiciando aos habitantes <strong>de</strong>ste venturoso orbe, elementos <strong>de</strong> duradourasaú<strong>de</strong>.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>59


NOVOS ASPECTOS DA LUZO sol, aqui apresenta novos aspectos, porquanto sua luz, emcombinação com os elementos atmosféricos, caracteriza-se por composiçõesque <strong>de</strong>sconheces; e essa clarida<strong>de</strong> eterna e suave, que te provocaadmiração, é conservada em suas vibrações pelos numerosos satélites que arefletem, multiplicando os raios luminosos e caloríficos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>60


MEDIUNIDADE GENERALIZADAAqui ainda existe o colégio sacratíssimo da família, que se reúne sobos imperativos das afinida<strong>de</strong>s naturais.Chegados a certa ida<strong>de</strong>, os saturninos ouvem os espíritos, seus irmãosdas outras esferas do sistema, existindo entre eles a mais po<strong>de</strong>rosamediunida<strong>de</strong> generalizada. Conhecem todas as combinações fluídicasrequeridas ao seu bem-estar, e a eletricida<strong>de</strong> e a mecânica não têm para elessegredos, sabendo utilizar-lhes as forças com plena consciência das usaspossibilida<strong>de</strong>s.Também estão ao par do que ocorre nos outros mundos e todohabitante <strong>de</strong> Saturno po<strong>de</strong> calcular com precisão matemática, <strong>de</strong> ummomento para outro, a posição dos satélites dos outros planetas,respon<strong>de</strong>ndo com acerto qualquer argüição nesse sentido. Conhecem ahistória e os fenômenos dos globos cometários que lhes são familiares, esabem medir a paralaxe das estrelas mais próximas, conservando uma vastaciência das coisas do céu.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>61


A CIÊNCIA UNIDA À FÉEntre eles, a justiça e a verda<strong>de</strong> não são um mito e, há muito, aciência está reunida à fé. Não amontoam as riquezas, que resplen<strong>de</strong>m no soloem que pisam, no qual se conservam matérias preciosíssimas, as quaissomente são retiradas para ornamentação <strong>de</strong> seus lares ou dos templos dasabedoria, on<strong>de</strong> se verificam prodigiosas manifestações da onipotênciadivina.A simplificação da existência, por meio das aplicações do seuextraordinário engenho e <strong>de</strong> suas nobilíssimas concepções acerca dasfinalida<strong>de</strong>s da vida, minorou-lhes as fadigas e os trabalhos, que aqui nãoprecisam ser tão intensos. Po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>dicar com mais <strong>de</strong>voção ao queconcerne à espiritualida<strong>de</strong>, conservando-se acima da ciência terrena noproblemas referentes à medicina; as moléstias incuráveis entre eles são<strong>de</strong>sconhecidas e sagradas instituições recebem os que se avizinham datransição que <strong>de</strong>nominais morte, na Terra. Para eles a morte não existe,porque estão cientes <strong>de</strong> tudo o que ocorre ao espírito liberto.Não são, contudo, seres perfeitos como talvez presumas; são aindafalíveis, mas o que te procuro <strong>de</strong>monstrar é a sua incontestável superiorida<strong>de</strong>sobre o orbe que abandonaste.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>62


ASSEMBLÉIAS AÉREASVendo gran<strong>de</strong>s nuvens multicores, que esvoaçavam no firmamento,expressei minha admiração ao companheiro zeloso, que me esclareceu:- Não são nuvens o que contemplas. São aparelhos gigantescos on<strong>de</strong>os saturninos se reúnem para estudos maravilhosos. Em cada um <strong>de</strong>les seagrupa uma assembléia <strong>de</strong> espíritos se<strong>de</strong>ntos <strong>de</strong> sabedoria. A música, apoesia e todas as artes lhes merecem especial carinho, porquanto um únicoobjetivo os irmana num mesmo i<strong>de</strong>al – a gran<strong>de</strong>za intelectual.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>63


AS ALMAS SOFREDORASNas paragens da erraticida<strong>de</strong> nem todos os lugares são estâncias <strong>de</strong>repouso, <strong>de</strong> aprendizagem ou bem-estar. Há regiões obscuras, atopetadas <strong>de</strong>amargores, formadas pelas consciências polutas que as povoam.Confrangente é a situação das almas sofredoras, que a essesambientes se <strong>de</strong>stinam, porque viverão com o fruto amargo das sementesque espalharam nos dias <strong>de</strong> sua vida temporária.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>64


SATURNO, DOS MARES ROSADOS ...Nesse instante reparei que o dia se findava no hemisfério em que nosachávamos, <strong>de</strong>saparecendo o globo azulado e longínquo do sol nos horizontes<strong>de</strong>sse mundo prodigioso; seu brilho esmaecia e, quando o reflexo cerúleo seobservava em todas as coisas, um cenário esplendoroso e inenarrável<strong>de</strong>scerrou-se ao meu olhar atônito. Nas imensida<strong>de</strong>s do éter acen<strong>de</strong>u-se olampadário maravilhoso; afigurava-se que uma auréola <strong>de</strong> chamas,lindamente coloridas, coroava esse orbe encantado, em meio às luasfulgurantes, que me pareciam vitórias-régias, resplan<strong>de</strong>cendo num mar <strong>de</strong>suavíssimas clarida<strong>de</strong>s.Locomovemo-nos em <strong>de</strong>terminada direção e qual não foi o meuespanto ao <strong>de</strong>parar com gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> substância fluídica, um poucosemelhante à água levemente rosada, elucidando o meu prezado mentortratar-se dos mares saturninos, enquanto apreciava as fontes encantadas eos lagos róseos como se fossem encravados em geleiras alvíssimas.Observei, então, um quadro in<strong>de</strong>scritível; bem no cume <strong>de</strong> um monte,que parecia <strong>de</strong> neve, certo palácio <strong>de</strong> colunas preciosas energia <strong>de</strong> umaalcatifa <strong>de</strong> flores.Resplan<strong>de</strong>ciam os anéis luminosos no firmamento e gran<strong>de</strong> multidãoali se reunia em atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolhimento e prece.Vi, então, elevar-se aos céus constelados uma onda <strong>de</strong> luminosida<strong>de</strong>sfeérica e, da amplidão azul, on<strong>de</strong> evolucionavam os lindos satélites <strong>de</strong>sseorbe <strong>de</strong> sabedoria e ventura, um jorro <strong>de</strong> sol <strong>de</strong>sceu sobre aqueles seressilenciosos e recolhidos.Era a correspondência visível entre dois planos...Nesse instante, porém, o <strong>de</strong>svelado mentor me arrancou do êxtase emque me achava. Saí então, daquela atmosfera <strong>de</strong>nsa, mas cheia <strong>de</strong>encantamentos e <strong>de</strong> maravilhas, levando comigo a visão eterna daqueleceleste orbe <strong>de</strong> harmonia e beleza, que se afigurou, ao meu espíritoacanhado e imperfeito, como prodiosa estância <strong>de</strong> perfeições do Universo.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>65


O CÍRCULO DOS PADECIMENTOSTive ensejo <strong>de</strong> visitar alguns <strong>de</strong>sses núcleos <strong>de</strong> prantos incontáveis eamaríssimos; e neles encontrei alguns <strong>de</strong> meus antigos conhecidos na Terra.Quão dolorosos são os dias que ali pesadamente transcorrem!É, ainda, às impressões arraigadas do corpo físico que se <strong>de</strong>vem essesagrupamentos, on<strong>de</strong> pululam pa<strong>de</strong>ceres <strong>de</strong> toda espécie, mas que existemsob as <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong> uma lei natural, reguladora dos problemas dascompensações.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>66


O PENSAMENTO É TUDOUm espírito po<strong>de</strong> beneficiar-se com o que lhe provém do exterior, maso seu verda<strong>de</strong>iro mundo é aquele criado por seus pensamentos, atos easpirações.O pensamento é tudo.Todas as construções terrenas, todos os portentos, que aí atestam oprogresso, são obras do i<strong>de</strong>al. Nações, cida<strong>de</strong>s, leis, são as exteriorizaçõesdos pensamentos. Também eles são a fonte causal das manifestações doespírito em outros planos, on<strong>de</strong> todas as formas, muitíssimo diferenciadasembora, atestam o ascen<strong>de</strong>nte da alma, sua inteligência e seu po<strong>de</strong>r.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>67


A EXPIAÇÃO DO EGOÍSMO, DA AVAREZAE DA LUXÚRIANos planos da erraticida<strong>de</strong> existem, pois, lugares especificados, on<strong>de</strong>se aliam os seres cujas mentes se afinam pelo mesmo diapasão. Vivem ali osque se apegaram em excesso às futilida<strong>de</strong>s terrestres, sentindo-lhes<strong>de</strong>sconsoladamente a ausência; os que colocaram acima <strong>de</strong> tudo aspreocupações do egoísmo e da avareza; criando com suas idéias fixas todoum mundo <strong>de</strong> moedas e <strong>de</strong> valores fictícios, obsedados pela visão do ouro.No mundo, aqueles que <strong>de</strong>masiadamente se entregaram aos gozoscarnais, somente encontrando nisso o único objetivo da existência, vivemcom os reflexos das suas <strong>de</strong>svairadas paixões, e todos os quadros formadospelas vibrações <strong>de</strong>ssas mentes inferiores e enfraquecidas caracterizam-se porsuas <strong>de</strong>nsas trevas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>68


GRITOS, BLASFÊMIAS, LÁGRIMASSuas exclamações pungiam minh’alma, enchendo-a <strong>de</strong> sofrimentosaspérrimos.- “Oh! <strong>Deus</strong> <strong>de</strong> misericórdia infinita, por que humilhais com tantadureza o meu espírito culpado? Que me valeram os títulos da Terra, suashonrarias e distinções? Não já reconheci toda a enormida<strong>de</strong> dos meus<strong>de</strong>svios, Senhor?”Exprobações como estas eram misturadas com gritos e blasfêmias, aolado <strong>de</strong> soluços e <strong>de</strong> muitas lágrimas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>69


A REGENERAÇÃO E O TRIUNFOSÃO POSSÍVEIS PELO AMORInquiri, então, ao meu esclarecido mentor sobre a causa <strong>de</strong>ssessofrimentos.- “Estas regiões – disse-me ele – “são as que mais se avizinham daTerra e justamente sob o que <strong>de</strong>termina o sagrado estatuto da compensação,porque essas atmosferas pestilentas refletem os sentimentos que lápredominam.A inveja, a avareza, a ambição, o sensualismo, campeiam livremente.Todos os seres, que aqui se amontoam, <strong>de</strong>svairadamente po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scer atéos lugares on<strong>de</strong> anteriormente viveram apegados a tudo quanto constitui osubstrato dos seus prazeres.Não souberam vibrar com os i<strong>de</strong>ais da alma e não quiseram abandonaras ilusões <strong>de</strong> seus dias terrenos.Vivem com a sua própria angústia, acalentando <strong>de</strong>sejos inqualificáveis.Quanto ao possível perdão <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, não se justifica; assim como osinsultos e blasfemos dos homens não o atingem, o Po<strong>de</strong>r criador não sepo<strong>de</strong>ria pessoalizar para conce<strong>de</strong>r beneplácitos.A lei <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é sempre o Amor. Amor é a luz que envolve o universo,é o éter vivificador, é a afeição dos espíritos <strong>de</strong>dicados, é a alegria dos bons,éa luta que aperfeiçoa.A alma culpada po<strong>de</strong>, pela súplica, pelos <strong>de</strong>sejos reiterados,reorganizar o seu mundo interior, equilibrá-lo para a obtenção <strong>de</strong> maior forçaaos novos propósitos <strong>de</strong> regeneração e aperfeiçoamento, captando assim,nesse Amor Universal, os elementos do seu triunfo na luta; mas a prece nãoafasta do caminho aquilo que ela própria buscou com seus pensamentos eatos”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>70


O DESERTO DA EXPIAÇÃO REDENTORAA convite do meu solícito mentor, procurei colocar-me em relaçãodireta com aquelas mentalida<strong>de</strong>s que se <strong>de</strong>batiam nos sofrimentos.Ah! Vi, então, o <strong>de</strong>serto em que se experimentam os que viveram, naTerra, para o seu gozo apenas... Os lagos <strong>de</strong> sangue em que se asfixiavam osantigos dominadores, responsáveis pela eclosão da mais horrorosas lutasfratricidas. As lágrimas pungentes <strong>de</strong>rramadas pelos traidores sensíveis. Ouvio gemido <strong>de</strong> todos quantos haviam prevaricado, fugindo criminosamente aocumprimento <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres.Senti que o pranto minava dos meus olhos e um mal-estar inexplicávelatacou-me; todavia o meu companheiro espiritual arrancou-me <strong>de</strong>ssa penosaimpressão, convidando-me para uma rogativa, que elevamos sentidamente atodas as forças benéficas do Universo para que assistissem aquelas almasflageladas nos pa<strong>de</strong>cimentos a que tinham feito jus, <strong>de</strong>rramando sobre elasos eflúvios da paz e da resignação, nas suas provas re<strong>de</strong>ntoras.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>71


A SEMENTE DA PAZ E DA ESPERANÇANesse instante em que pedíamos com fervor, vi que um foco <strong>de</strong> luzatravessava a pesada atmosfera, banhando aquelas frontes imersas nomartírio. Nenhuma <strong>de</strong>las percebeu aquele clarão; somemte em alguns notei aeflorescência <strong>de</strong> uma estranha ansieda<strong>de</strong>, que representava ligeiro alívio aomesmo tempo...Escutei, em seguida, o meu guia dizer:- “Vamos, filha! A nossa prece foi ouvida. Se os sofredores nãoconseguiram receber seus benefícios imediatamente, pelo estado <strong>de</strong> dor e <strong>de</strong>endurecimento em que se encontram, basta, para a nossa alegria, quealgumas <strong>de</strong>ssas almas vagamente tenham sentido o sagrado influxo dosnossos apelos; porque hoje, nesses corações que experimentaram o anseioda felicida<strong>de</strong> e da perfeição, plantamos com as nossas rogativas sinceras oslírios perfumados da paz e da esperança”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>72


OBSERVAÇÕES DE UMA ALMALogo que me habituei à nova vida na erraticida<strong>de</strong>, um dos espetáculosmais empolgantes era o <strong>de</strong> contemplar a Terra à certa distância.Po<strong>de</strong>m os espíritos locomoverem-se como o faziam na Terra, lenta epesadamente, mas não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que assim se proceda.Graças às nossas faculda<strong>de</strong>s volitivas, vencemos as maiores distânciascom rapi<strong>de</strong>z inimaginável, po<strong>de</strong>ndo estacionar em qualquer ponto até a zonaque nos é possível atingir em nossas condições <strong>de</strong> relativo <strong>de</strong>senvolvimentoespiritual.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>73


UMA VISITA À TERRAEu quis, então, ver o orbe terráqueo, dos lugares on<strong>de</strong> o ar rarefeita seper<strong>de</strong> nas extensões infinita e viventes do éter. Desejava saber se eu po<strong>de</strong>riaver o planeta em seus movimentos rotatórios, porém o que senti em tãogran<strong>de</strong>s alturas foi um imenso torvelinho, como se as atmosferas fossemagitadas por furações <strong>de</strong>struidoras.Muito abaixo vi massas informes e indistintas... Aproximando-megradativamente contemplei a Terra que se afigurou não um ponto móvel noespaço, porém fixo e obscuro. Muito ao longe, ainda vi nessa manchaescurecida, que se ia avolumando, alguns <strong>de</strong>talhes como nesgas cinzentas eoutras claras como espelhos gigantescos: eram as gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s e osoceanos que eu tinha sob as vistas <strong>de</strong>slumbradas. A ação do sol dava a tudoisto um tom maravilhoso; todavia, aproximando-me mais, experimenteiin<strong>de</strong>scritível medo. Não vi o movimento <strong>de</strong> rotação do orbe; o que meamedrontava é que me parecia aportar em uma gran<strong>de</strong> esfera líquida, cujasextremida<strong>de</strong>s se perdiam numa substância leitosa, com relação à cor, porqueeu não podia pon<strong>de</strong>rar a sua estrutura íntima.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>74


A LEI DA GRAVITAÇÃO SUBORDINADA ÀVONTADEMas uma voz salvadora murmurava aos meus ouvidos:- “Não suponhas que te vais mergulhar nas extensões aquosas dosoceanos terrestres; o receio é injustificável porque a lei da gravitação agoraestá subordinada ao teu íntimo querer. Já não estás sob as leis físicoquimicasda Terra, cujas medidas e pesos nada mais significam para nós.Pensa no local aon<strong>de</strong> mais <strong>de</strong>sejaria retornar, i<strong>de</strong>aliza-o na mente segundo astuas lembranças e a vonta<strong>de</strong> te guiará ao lugar <strong>de</strong> tuas preferências”.Atentando bem nas advertências do mentor que me seguia,impulsionada pelo meu <strong>de</strong>sejo, mu<strong>de</strong>i <strong>de</strong> rumo e, como pensava nos serescaros, que no mundo havia <strong>de</strong>ixado, repentinamente achei-me entre eles nanossa antiga habitação.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>75


A AURA DA TERRA E A LIGAÇÃO DAHUMANIDADEAOS PLANOS INVISÍVEISDa volta das regiões atmosféricas do planeta, fui induzida pelo meupreclaro companheiro a contemplar o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> aura da Terra.Vi a princípio as camadas <strong>de</strong> espaço que lhe são imediatas como um todohomogêneo numa cor uniforme.Mas o meu guia exclamou:- “Busca ver como a humanida<strong>de</strong> se une pelo pensamento aos planosinvisíveis. O teu golpe <strong>de</strong> vista abrangeu a paisagem, procure agora aos<strong>de</strong>talhes”.Fixando atentamente o quadro, notei que filamentos estranhos, emposição vertical, se entrelaçavam nas vastidões sem confundirem. Nãohaviam dois iguais e as suas cores variavam do escuro ao claro maisbrilhante. Alguns se apagavam, mas outros se acendiam em extraordináriasucessão e todos eram possuídos <strong>de</strong> movimento natural, sem uniformida<strong>de</strong>em suas particularida<strong>de</strong>s.- “Esses filamentos” – disse-me com bonda<strong>de</strong> – “são os pensamentosemitidos pelas personalida<strong>de</strong>s encarnadas; são reflexos cheios <strong>de</strong> vida,através dos quais po<strong>de</strong>mos avaliar os cérebros que os transmitiam. Aospoucos conhecerás quais são os da concupiscência, os da malda<strong>de</strong>, os dapureza, os do amor ao próximo.Esses raros, que aí vês e que se caracterizam pela sua alvurafulgurante, são os emitidos pela virtu<strong>de</strong> e quando nos colocamos em imediatarelação com uma <strong>de</strong>stas manifestações, que nos chegam dos espíritos daTerra, o contato direto se verifica entre nós e a individualida<strong>de</strong> que nosinteressa.”Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>77


A PRECE DA AFLIÇÃO MATERNALAguçada a minha curiosida<strong>de</strong>, quis entrar em relação com umpensamento luminoso que me seduzia, abandonando todos os outros, quenos circundavam, para só fixar a atenção sobre ele. Afigurou-se-me que os<strong>de</strong>mais <strong>de</strong>sapareciam, enquanto me envolvia nas irradiações simpáticasdaquele traço <strong>de</strong> luz clara e brilhante.Ouvi, então, longínqua voz a exclamar:- “Meu <strong>Deus</strong>!... Meu <strong>Deus</strong>!... Aten<strong>de</strong> ao meu coração <strong>de</strong> mãe<strong>de</strong>samparada. Se falta a mim e aos meus filhos a proteção do mundo, nãovos falte a tu providência misericordiosa! Valha-me neste vale <strong>de</strong> lágrimas atua bonda<strong>de</strong> infinita, oh! Pai nosso que estais no céu...”Ouvindo essa prece comovedora, vi igualmente uma figura <strong>de</strong> mulherajoelhada e banhada em pranto. Num átomo <strong>de</strong> tempo, por intermédio <strong>de</strong>extraordinária interligação <strong>de</strong> pensamentos, pu<strong>de</strong> saber qual a razão das suaslágrimas, das suas preocupações e como eram amargos os seus sofrimentos!Sensibilizada com as manifestações daquela alma exilada, instintivamenteenviei-lhe pensamentos consoladores, pronunciando palavras <strong>de</strong> fé e <strong>de</strong>esperança.Como havia pressentido, via-a meditar por instante com o olhar cheio<strong>de</strong> estranho brilho, levantando-se reconfortada para enfrentar a luta,sentindo gran<strong>de</strong> alívio.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>78


O BÁLSAMO DO CONFORTOAh, como me senti feliz em haver <strong>de</strong>rramado sobre aquela almasofredora o bálsamo do conforto! Já sabia como proce<strong>de</strong>r para consolar osinfortunados e os infelizes, que aceitam a sua cruz com abnegação e<strong>de</strong>votamento, e se elevam espiritualmente, espalhando nos espaços a luz <strong>de</strong>seus corações resignados, a luz que é o distintivo dos redimidos emcontraposição com os orgulhosos, que na Terra somente buscam as suascoroas, as quais rolam apodrecidas no sepulcro.Continuei a reconhecer o valor das angústias <strong>de</strong>puradoras para os queresgatam na Terra as faltas do passado ou lutam pela evolução psíquica,reconhecendo que as dores constituem <strong>de</strong> fato os imperecíveis tesouros domundo.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>79


NOS DOMÍNIOS DAS RECORDAÇÕESNos planos da erraticida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> me encontrava, poucos eram os serescuja mente, em toda a intensida<strong>de</strong> das suas vibrações, já havia <strong>de</strong>sabrochadoo domínio das lembranças relativas às existências passadas.Nesses tempos imediatos ao post-mortem, repontados <strong>de</strong> impressõesfísicas, as quais persistem em algumas entida<strong>de</strong>s anos a fio, a vida é quasecópia da existência da personalida<strong>de</strong> terrena e foi assim que conheciinúmeros companheiros, que duvidavam dos ensinamentos dos mestresquando se referiam aos pretéritos longínquos; e alguns <strong>de</strong>les measseveravam não po<strong>de</strong>rem admitir a multiplicida<strong>de</strong> das existências da alma.Semelhantes crenças eram o atestado da ignorância <strong>de</strong> quantos asabrigavam, pois, como nos planos terrestres, ou nas regiões que vos sãoainda impon<strong>de</strong>ráveis, a natureza não dá saltos.Naquele ambiente misturavam-se os protestantes, os católicos, osprofessos <strong>de</strong> outras seitas, inclusive espíritos que militam nas hostes domaterialismo mais avançado na superfície da Terra, e se aquelas falanges <strong>de</strong>almas não eram más, também não eram perfeitas. Não discutiamacaloradamente, mas cada uma preferia guardar os seus pontos <strong>de</strong> vista emmatéria religiosa, acariciados durante a vida inteira pela mais estranha<strong>de</strong>voção.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>80


A REVELAÇÃO DECISIVA PARA OSRELIGIOSOS E OS ATEUSÉ verda<strong>de</strong> que nós, os católicos, não encontrávamos o purgatório e osseus instrumentos <strong>de</strong> suplício <strong>de</strong>purados, nem o inferno <strong>de</strong> anjos e virgens.Os protestantes <strong>de</strong> certas escolas reconheceram-se <strong>de</strong>spertos, sem o sonoem que se diz estarem mergulhados os mortos, à espera do juízo final.Nós, os religiosos, não acharemos o que nos prometiam as nossasIgrejas, como os ateus não encontrarão o nada em que acreditaram. Aposição <strong>de</strong> todos, porém, nesse assunto, era <strong>de</strong> expectativa, segundopresumi, e cada qual se escorava nas suas interpretações pessoais, à espera<strong>de</strong> que os acontecimentos corroborassem às suas <strong>de</strong>sconfianças.A ignorância, <strong>de</strong> que dávamos testemunho com as nossas dúvidas emfase daquilo que os pregoeiros da verda<strong>de</strong> nos vinham ensinar, era oriunda<strong>de</strong> nossa persistência no atraso espiritual, infensos a toda idéia nova earraigados em benefício do nosso progresso. Essa resistência obstava anecessária amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> estado vibratório do nosso espírito para que nele<strong>de</strong>sabrochassem as recordações adormecidas. É assim que justifico aignorância havida com respeito ao passado.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>81


A NECESSIDADE DE DIFUSÃO DASVERDADES ESPIRITUAISAtravés <strong>de</strong>stas palavras reconhecereis como se faz precisa a difusãodas verda<strong>de</strong>s espiritualistas no mundo; só elas servem <strong>de</strong> base a todos osedifícios religiosos, escoimando a mente <strong>de</strong> fardos perigosos.Habituada a acatar incondicionalmente os ensinamentos da Igreja,mantinha também as minhas vacilações quanto à crença nas existênciaspassadas. Por que não me lembrava <strong>de</strong>las, já que não possuía mais o corpoterreno? Já que a morte me havia arrebatado dos planos materiais, eranatural que não tivesse justificativa aquele esquecimento.Entretanto, todos os mentores espirituais, que nos dirigiam, discorriamsobre o nosso pretérito longínquo... Falavam dos compromissos a resgatar,das dívidas penosas, das lutas necessárias ao nosso <strong>de</strong>senvolvimento.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>82


A EXPLICAÇÃO DO MESTREIntrigada com esses problemas procurei, como sempre fiz, apelar paraas almas beneméritas que nos guiavam em nossa ignorância. Um <strong>de</strong>ssesmestres explicou-me.- “A <strong>de</strong>scrença e a hesitação <strong>de</strong> que vos achais possuída é, ainda,questão das idéias reflexas, das quais só o tempo, aliado ao bom <strong>de</strong>sejo, vospo<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>spojar. A vossa mente é quase a mesma que no mundo voscaracterizava. É preciso meditar muito sobre esta condição, porque asimpressões que trouxestes po<strong>de</strong>m perdurar por longo tempo, caso não<strong>de</strong>sejeis com sincerida<strong>de</strong> evitar essa ignorância e cegueira espirituais”.Solicitei a sua assistência e auxílio ao que ele prometeu coadjuvar nomesmo instante, a fim <strong>de</strong> me certificar quanto à realida<strong>de</strong> das existênciastranscorridas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>83


VISÕES COMOVEDORAS DO PASSADOPediu que me conservasse mentalmente numa atitu<strong>de</strong> passiva e, comas mãos sobre a minha fronte, colocou-se na posição <strong>de</strong> magnetizador. Aprincípio senti a sensação <strong>de</strong> abalo, mas sem o mais leve traço <strong>de</strong> sono ou <strong>de</strong>inconsciência, experimentando antes um extraordinário aumento <strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z eobservando maior agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> percepções.Comecei, então, a ver, não exteriormente, mas em meu íntimo, umasérie <strong>de</strong> coisas e <strong>de</strong> acontecimentos a que me sentia indissoluvelmente ligadasem o saber. Vi seres aos quais me pressentia jungido por inquebrantáveisalgemas e lhes ouvi a voz terrível ou acariciadora... Eu ia compreen<strong>de</strong>ndotodos esses fatos que se sucediam uns aos outros.Ah! Se vi algo nesses panoramas retrospectivos que me trouxe gratosprazeres ao coração, também enxerguei as misérias <strong>de</strong> minh’almanecessitada <strong>de</strong> esclarecimento e re<strong>de</strong>nção e, - se não é possível relatar todasas visões daqueles minutos em que me coloquei sob o império da excitaçãovibratória provocada pela bonda<strong>de</strong> do meu guia com os seus po<strong>de</strong>rososfluídos, - posso dizer-vos <strong>de</strong> uma cena tocante, eternamente gravada emmeu espírito.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>84


HISTÓRIA DE UMA REENCARNAÇÃOExperimentei nessas sensações <strong>de</strong> volta ao passado o vácuo <strong>de</strong> meucoração envenenado pela atração dos gozos mundanos, antes <strong>de</strong> retornar aoorbe para minha <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira encarnação; vi-me como um ser errante, sem<strong>de</strong>stino, crucificado pelo isolamento e pela con<strong>de</strong>nação da consciência poluta.Perambulando, mas retida no mesmo lugar como se fora chumbada ao solo,encontrei alguém que reconheci ser um espírito querido à minha existência.Aproximei-me, então, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> longa ausência, daquela que me serviu <strong>de</strong>mãe, a quem conhecestes. Como me sensibilizou vê-la naquela situação <strong>de</strong>humilda<strong>de</strong>, lutando com mil asperezas num <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> pobreza ingrata!Acerquei-me daquela jovem <strong>de</strong> faces maceradas nos trabalhos elembrei as alegrias mentirosas <strong>de</strong> que fomos partícipes no passado. Tiveímpetos <strong>de</strong> incitá-la a abandonar as tristezas da sua vida material, mas umavoz imperiosa or<strong>de</strong>nou que eu me prostasse <strong>de</strong> joelhos.Contemplei genuflexa o seu semblante cheio <strong>de</strong> serena gran<strong>de</strong>za noinfortúnio e chorei, chorei, muito, exclamando:- “Oh! Tu que já sorveste comigo, na taça das efêmeras felicida<strong>de</strong>s daTerra, o mesmo vinho <strong>de</strong> envenenado sabor, e que hoje resgatas na túnicados pobres e dos humilhados as dívidas <strong>de</strong> outrora, ajuda-me em meus bons<strong>de</strong>sejos!... Eu quero também escon<strong>de</strong>r nos trapos da plebe anônima esofredora as úlceras da minha enorme <strong>de</strong>sdita. Lavarei com lágrimas asnódoas da minha consciência. Seja eu sangue do teu sangue, carne da tuacarne! Dá-me das tuas vestes e das tuas preocupações, dá-me <strong>de</strong>ssas doresque hoje te crucificam e <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>sgostos que <strong>de</strong>sfazem os teus enganos eilusões, porque só eles, só esses sofrimentos salvadores, balsamizarão asminhas feridas, <strong>de</strong>volvendo-me a paz consoladora.Recebe-me, oh espírito bem amado, afaga-me em teu carinhosoregaço para eu adormecer esquecendo!... Eu tenho necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olvidonuma luta nova!...”Nessas rogativas sinceras, vi que o rosto daquela mulher se cobria <strong>de</strong>lágrimas; pensamentos tristes e amargosos envolviam-na. É que os meusapelos repercutiram no seu coração.Chorando, chorando, senti-me exausta <strong>de</strong> forças, sem po<strong>de</strong>r erguermeda prostação; vibrações <strong>de</strong> uma brisa misteriosa varriam, entretanto, domeu cérebro esgotado, as mágoas e as preocupações.Eu perdia a consciência <strong>de</strong> mim mesma... É que dava o primeiro passopara o meu renascimento na Terra e, segundo os meus <strong>de</strong>sejos, aquelamulher me recebia em seu seio para, igual a ela, sorver o fel da provaçãore<strong>de</strong>ntora e, imitando-a, fui também mãe para sofrer e me redimir.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>85


A HISTÓRIA VIVA DAS COISASDepois <strong>de</strong> nos adaptarmos à vida livre dos espaços, quando o ser nãose encontra <strong>de</strong> baixo <strong>de</strong> paixões absorventes e a sua consciência se <strong>de</strong>spovoadas lembranças penosas, compreen<strong>de</strong>-se quão sublimes são os atributos dasalmas, ornamentos luminosos do incomparável dom divino da inteligência.<strong>Uma</strong> das faculda<strong>de</strong>s, acerca da qual ouvia maravilhosas dissertações,era a que fornecia ao espírito o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> penetrar o passado longínquo, nãopara se examinar individualmente, mas para o estudo <strong>de</strong> épocas, <strong>de</strong>costumes, <strong>de</strong> civilizações, <strong>de</strong> raças, lendo a história viva da evoluçãohumana. Eu ainda não me aventurara nesse terreno para o qual me julgavabalda <strong>de</strong> forças; todavia, alguns estudiosos sentiam com tamanhaintensida<strong>de</strong> a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> auscultar o pretérito da humanida<strong>de</strong>, que solicitavam oauxílio <strong>de</strong> mestres aptos a coadjuvá-los para isso.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>86


PARA DESPERTAR A CONSCIÊNCIAESPIRITUALOrganizavam-se, então, reuniões no ambiente em que me encontrava,on<strong>de</strong> vários mentores espirituais operavam, como se fossem êmulos <strong>de</strong>Mesmer, em experiências magnéticas. Espíritos <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> relação com opassado entregavam-se passivamente como os sujets nesses estudos, com adiferença <strong>de</strong> que não perdiam a consciência do seu “eu”, conservando-seatentos a todo o ensinamento.Esses estudos não eram, pois, completamente análogos aos vossos;representavam somente o esforço <strong>de</strong> uns para que se <strong>de</strong>spertasse com maisrapi<strong>de</strong>z a consciência espiritual, em toda a gran<strong>de</strong>za do seu po<strong>de</strong>r vibratório.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>87


INVESTIGAÇÕES ESPIRITUAISSabendo contudo que, com a ajuda do recolhimento em precesconstantes, cada um <strong>de</strong> per si, paulatinamente, po<strong>de</strong>ria fazer as suasinvestigações, esperei pacientemente a minha vez. A princípio, quando meentregava a esses exercícios, parecia-me adquirir um segundo estado mentalem que os meus pensamentos eram coisas movimentadas, ativas epalpáveis. Nada havia neles <strong>de</strong> abstrato ou <strong>de</strong> imaginário, caracterizando-setodos os elementos por traços especiais.Até hoje não sei se os quadros por mim lobrigados eram umretrospecto <strong>de</strong> minh’alma às suas próprias existências passadas ou se fuiobservadora <strong>de</strong> paisagens, fotografadas para sempre nos raios da luz que noscircundavam em toda a parte.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>88


OS ERROS DA HISTÓRIAVi, primeiramente, os quadros atinentes ao passado local da cida<strong>de</strong> emque nascera, os quais são em <strong>de</strong>masia sem relevo para que a eles me refira.A minha visão, porém, foi ampliando-se esten<strong>de</strong>ndo-se no espaço e notempo com relação à existência da pátria. Contemplei, emocionada, em razãodo fenômeno que se operava, os seus gran<strong>de</strong>s acontecimentos históricoscomo revoluções intestinais, lutas com o estrangeiro, fatos políticos e sociais.Vi o <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> muitas cenas, don<strong>de</strong> se irradiam efeitos benéficosou nefastos para todo o país, porém a tudo assistia admirada <strong>de</strong> não ver assolenida<strong>de</strong>s e pompas <strong>de</strong> que se faz a história acompanhar nos seus erros<strong>de</strong>scritivos.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>89


FAMINTOS DE LUZ E DE PAZEm quase nenhuma das personalida<strong>de</strong>s que se me <strong>de</strong>paravam aosolhos, via a auréola <strong>de</strong> glória que a posterida<strong>de</strong> lhes havia dado; ao contrário,pu<strong>de</strong> constatar que inúmeros daqueles, que são venerados pelos homenscom o incenso <strong>de</strong> um falso patriotismo, não passavam <strong>de</strong> míseras almasfracassadas em seus bons propósitos, conservando-se, além dos véus físicos,famintas <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> paz.O que mais me comoveu, nos quadros animados, que eu via daexistência coletiva da nacionalida<strong>de</strong>, foram os rasgos <strong>de</strong> heroísmo, osromances <strong>de</strong> miséria e dor, as páginas sangrentas da escravidão do Brasil. Viseres crucificados em suplícios dantescos, perseguidos por dores lancinantes,infligidas por senhores <strong>de</strong>salmados e cruéis; mas pu<strong>de</strong> saber também quenaquelas vestes <strong>de</strong> infortúnio e pa<strong>de</strong>cimentos se ocultavam antigosdominadores e verdugos da humanida<strong>de</strong> em eras <strong>de</strong> antanho, os quaisresgatavam penosamente as dívidas <strong>de</strong> outrora.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>90


OS DÉSPOTAS À PROCURA DAREDENÇÃO MORALPo<strong>de</strong>rosos e déspotas romanos, inquisidores da igreja, algozes dascoletivida<strong>de</strong>s, inúmeros tiranos <strong>de</strong> todas as épocas buscaram a purificaçãopelos trabalhos do cativeiro, dominando climas bravos, <strong>de</strong>vassando florestasinóspitas e afrontando vexames na procura <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong>nção moral.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>91


MOMENTOS INICIAIS DA COLONIZAÇÃODO BRASILMinha visão estendia-se mais e mais e vi o solo brasileiro habitadopelos aborígenes, admirando as suas bizarras manifestações <strong>de</strong> crença, suamaneira especialíssima <strong>de</strong> viver, vi a chegada dos primeiros colonizadores e aluta que se travou entre eles e os naturais. Auscultando os pretéritoslongínquos, tenho pessoalmente razões para acreditar que o continenteamericano nada tinha <strong>de</strong> novo e que foi das suas grandiosas extensões quesaíram, aos magotes, os emigrantes para a criação dos surtos civilizadores <strong>de</strong>outras terras.Era para mim, portanto, um mundo novo <strong>de</strong> sensações, po<strong>de</strong>r regredirao passado, sentir a ansieda<strong>de</strong> dos agrupamentos coletivos e vibrar com asua vida intensa.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>92


A FERVOROSA INVOCAÇÃO A HORUSCerta ocasião eu quis experimentar se não po<strong>de</strong>ria ver algo fora dosassuntos relacionados com o recanto do mundo em que vivera e tomei paraisto, um antigo documento guardado por egiptólogos com atenção e carinho.Tratava-se <strong>de</strong> um papiro, que trazia uma inscrição hieroglífica, da qualnão pu<strong>de</strong> saber <strong>de</strong> relance a expressão textual; todavia, revirando-o nasmãos, senti alguma coisa <strong>de</strong> extraordinário. Entrei em relação com o estadovibratório do seu antigo possuidor quando ali grafara o complicado texto esoube logo que se tratava <strong>de</strong> uma fervorosa invocação a Horus, formuladapor um sacerdote tebano, em momento <strong>de</strong> angustiosa expectativa. O quesenti, então, foi algo comparável ao que experimentam todos quantospossuem o dom da psicometria.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>93


NO ANTIGO EGITORelacionei-me com a existência do sacerdote em apreço e senti assuas impressões no instante em que formulara a sua rogativa... Vi ao meulado a gran<strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong> e não muito longe divisei o vulto da esfingegigantesca no <strong>de</strong>serto <strong>de</strong> areia, porém não trazia em si o vestígio do tempo edas tempesta<strong>de</strong>s. Sobressaía do seu aspecto imponente, grandioso, oesplendor das eras faraônicas... Lobriguei no corpo majestoso da pirâmi<strong>de</strong>uma porta lateral, on<strong>de</strong> penetrei acompanhando aquele sábio egípcio emsuas meditações profundas; atravessei corredores sinuosos e câmarasescuras, repletas <strong>de</strong> ar sombrio, como se fossem povoadas <strong>de</strong> espectrosameaçadores.Chegada a certa altura, <strong>de</strong>sci por caminhos tenebrosos, on<strong>de</strong> haviamos maiores perigos para uma alma encarnada; símbolos terríveis seapresentavam àquele iniciado e admirei a coragem <strong>de</strong>sse homem <strong>de</strong> nervosférreos, que não temia a sombra, a ameaça e a morte.Através <strong>de</strong> peripécias inenarráveis, chegamos a um templosubterrâneo <strong>de</strong> regulares proporções, entre cujas pare<strong>de</strong>s se abrigavammuitos homens silenciosos, bizarramente trajados. Eu vi, porém junto <strong>de</strong>lesmuitos seres espirituais; e <strong>de</strong>ntre os presentes <strong>de</strong>stacava-se a figuramajestosa e complacente <strong>de</strong> um velho que, certamente, era o supremohierofante ou gran<strong>de</strong> sacerdote da comunida<strong>de</strong>. Vi-o esten<strong>de</strong>r os braçoshorizontalmente, pronunciando palavras num idioma para mim ininteligívelmas das quais pu<strong>de</strong> alcançar a essência, penetrando-lhe o pensamento.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>94


A VIDA, ETERNO FENÔMENO DOS JOGOSVIBRATÓRIOSAssisti a cerimônias extravagantes e esquisitas, regressando, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> terminadas, pelos mesmos caminhos a que me referi. Aquele iniciado, aografar as idéias no papiro, experimentava a lembrança dos seus venerandosmestres. As vibrações da sua mente haviam impregnado aquele objeto e asua prece estava ali patente e imortal.Concluída a minha experiência, ouvi a voz do meu guia a exclamar:- “Consi<strong>de</strong>ra, minha filha, como todas as coisas têm a sua história!... Avida é o eterno fenômeno dos jogos vibratórios e tempo virá em que as almasna Terra compreen<strong>de</strong>rão o papel do espírito na sua esfera infinita <strong>de</strong>influenciação. Nessa era nova, os homens verão mais além e hão <strong>de</strong>construir, com os seus conhecimentos, a felicida<strong>de</strong> eterna.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>95


JESUS É O CAMINHO, A VERDADE E AVIDAPareceu-me que eu havia concluído um curso <strong>de</strong> preparação na vidaerrática, porque, naquele dia, fui levada por amorosos e <strong>de</strong>votados guias aum local maravilhoso pela sua amplitu<strong>de</strong> e beleza.Tratava-se <strong>de</strong> uma esfera fluídica, comparando-se as matérias<strong>de</strong>licadas <strong>de</strong> sua constituição com os elementos grosseiros, característicos daTerra. <strong>Uma</strong> vasta superfície, como um campo divino, tínhamos sob os nossosolhos; a clarida<strong>de</strong>, que se espalhava, iluminando-o, era abundante, mas nãoofuscava, <strong>de</strong> forma que, sobre as nossas frontes, víamos o zimbório celeste,recamado <strong>de</strong> estrelas tremeluzindo... Mais me impressionavam porém asflores estranhas, <strong>de</strong> bizarros contornos, que espargiam no ambiente umcapitoso aroma...Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>96


O LÚCIDO MENSAGEIRO DO SENHORParecia que nos achávamos num templo maravilhoso do infinito, semlimites nos portentos <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za. Elementos <strong>de</strong> vida penetravamprofundamente em nosso ser, enchendo-nos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>liciosa sensação <strong>de</strong>bem-estar agradabilíssimo.Verda<strong>de</strong>ira multidão <strong>de</strong> almas ali se conservava, quando, numagraciosa elevação da substância que constituía a superfície <strong>de</strong>sse orbe, comose fora um cômoro <strong>de</strong> névoas opalinas, materializou-se um dos mais lúcidosmensageiros do Senhor, que já me foi dado ouvir na existência do Além-Túmulo.<strong>Uma</strong> túnica <strong>de</strong>licada e leve, à maneira romana, caía-lhe dos ombros,mas o que sobremaneira nos encantava era o extraordinário po<strong>de</strong>r atrativoque se irradiava <strong>de</strong> toda a sua personalida<strong>de</strong>.As suas palavras <strong>de</strong>rramavam-se nas nossas almas, como bálsamos<strong>de</strong>liciosos, tal a profun<strong>de</strong>za do seu ensinamento aliada à mais encantadoramagia.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>97


PELA OBRA GRANDIOSA DARESTAURAÇÃO DAS CRENÇAS PURASNão me é possível reproduzir com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> absoluta tudo quantoescapou dos seus lábios, apenas, nas minhas expressões grosseiras, possosintetizar a moral da sua inesquecível preleção:“Irmãos, - iniciou ele, - em vossas experiências nos planos daerraticida<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>stes como são fugazes as ilusões do mundo físico!...Felizmente já vos <strong>de</strong>spojastes do corpo <strong>de</strong> impressões materiais, queconserváveis <strong>de</strong>ntro das lembranças nocivas daquilo que, em sua maiorparte, constituía o lado prejudicial da vossa existência passada. Repousastesno fim <strong>de</strong> labutas insanas e penosos trabalhos, reconstituindo o vossoorganismo espiritual, combalido nas lutas.Agora faz-se preciso que vos reergais para as tarefas dignificadoras!Na face longínqua da Terra estão ainda, sonhando e pa<strong>de</strong>cendo aqueles queamastes; na superfície <strong>de</strong>sse orbe distante, lutam os homens, obsecados peloorgulho e pela impenitência. Lá, todo um campo ilimitado <strong>de</strong> trabalhos se<strong>de</strong>sdobra às vossas vistas. Guerras <strong>de</strong>struidoras, sentimentos aviltantes,corações aflitos, coletivida<strong>de</strong>s sofredoras, trabalhadas pelas mais durasprivações, leis absurdas, ignorância, martírio, insânias, tudo se confun<strong>de</strong>,esperando a luz espiritual.Os homens têm lutado por muitos séculos procurando a verda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong>ela não se po<strong>de</strong> encontrar. Um dia lhes foi dado contemplar a face luminosado Divino Plenipotenciário. Houve regeneração parcial dos abusos que seperpetravam e observou-se gran<strong>de</strong> argumento da civilização. As criaturashumanas, porém, esqueceram muito <strong>de</strong>pressa o Sublime Enviado. Os abusos<strong>de</strong> toda espécie reapareceram; a verda<strong>de</strong> foi obscurecida e o erro serestabeleceu no mundo.Os homens, no seu afã <strong>de</strong> saber, criaram então as filosofias e asciências, as quais, contudo, não po<strong>de</strong>m ir além da matéria, em sua expressãomais grosseira. No orbe terreno, pois, verifica-se atualmente o eclipse dasluzes espirituais.Cabe-nos operar o movimento grandioso <strong>de</strong> restauração das crençaspuras. Voltemo-nos para o solo ingrato daquele mundo <strong>de</strong> experiências eprovas, on<strong>de</strong> o pão, que nutre o corpo, se mistura com os prantos amargososdas almas.Trabalhemos! Levantemos as criaturas humanas da sua inércia moral.Verifiquemos a nossa ação sob as vistas amoráveis daquele que é o Caminho,a Verda<strong>de</strong> e a Vida...”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>98


A MISSÃO CONSOLADORA DOSESPÍRITOS NA TERRAMas, nesse momento, houve naquela maravilhosa preleção, estranhostaccato. Um relâmpago in<strong>de</strong>scritível, esplêndido na sua beleza e silêncioiluminou as profun<strong>de</strong>zas do ilimitado. Eu não saberia contar o que se passouentão; um sentimento intraduzível <strong>de</strong> êxtase e veneração se apo<strong>de</strong>rou <strong>de</strong>nossas almas fazendo-nos curvar, cheios <strong>de</strong> compunção e <strong>de</strong> lágrimas.Todos os espíritos, que ali se confraternizavam, sentiram como eu,nessa hora, uma energia nova e, sem saber relatar o que se passara,adquirimos uma força que não possuíamos, uma estranha iluminação,fazendo-nos volver à superfície da Terra, para a qual trazemos a missãoconsoladora.Des<strong>de</strong> esse instante integramos às fileiras dos que pugnam peloaparecimento <strong>de</strong> uma nova era para a humanida<strong>de</strong> e, laborando ao lado <strong>de</strong>todos quantos se experimentam sob o aguilhão da carne, esclarecendo-os econfortando-os, <strong>de</strong> forma indireta, sem que sintam <strong>de</strong> maneira tangível ainfluência <strong>de</strong> nossa ação, nós queremos dizer a todos os homens como nosfoi dito, naquele inenarrável momento:- Sigamos a Jesus!... Ele é o Caminho, a Verda<strong>de</strong> e a Vida!...E que o Celeste Enviado, na sua infinita misericórdia, faça cair emtodos os corações a luz maravilhosa do divino relâmpago do seu amor.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>99


UM ADEUSMeu filho, aí estão, nas minhas cartas <strong>de</strong>spretensiosas, as primeirasimpressões do meu espírito na vida do Além-Túmulo.Por mais que me esforçasse, não pu<strong>de</strong> ser fiel nas minhas <strong>de</strong>scriçõesreferentes ao aspecto que formam os ambientes dos <strong>de</strong>sencarnados.Objetos e panoramas, que não se coadunam com as coisas conhecidasna Terra, é natural que permaneçam alheios à compreensão do homem e daísurge a dificulda<strong>de</strong> para que a alma liberta se manifeste com o objetivo <strong>de</strong>esclarecer as criaturas terrenas quanto à vida extracarnal.Minhas páginas refletem justamente o panorama dos planos daerraticida<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senrolar da última catástrofe mundial, que enlutou milhares<strong>de</strong> corações, quando se verificou o meu afastamento da vida material. Elaspo<strong>de</strong>m, aos olhos dos incrédulos, estar repletas <strong>de</strong> afirmações audaciosas epouco acessíveis ao entendimento. Mas a morte é soberana e um dia oscrentes e os <strong>de</strong>screntes atravessarão os caminhos da vida errática e hão <strong>de</strong>se certificar no sentido das coisas espirituais.Ao fim <strong>de</strong>ssa série <strong>de</strong> minhas elucubrações, dou graças a Jesus porhavê-las conseguido e ao caridoso Guia, que me auxiliou na exposição dasidéias, ajudando-me nas <strong>de</strong>ficiências da minha incultura.Nos momentos em que me aproximava <strong>de</strong> ti para escrever, sentia-lhea salutar influência, ditando-me trechos inteiros para que eu os transmitissecom a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> possível.Vezes inúmeras corrigia a pobreza das minhas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>expressão e a ele <strong>de</strong>vo o que pu<strong>de</strong> grafar por teu intermédio.Possivelmente, meu filho, mais tar<strong>de</strong> prosseguirei escrevendo algo <strong>de</strong>novo; contudo, enquanto se cale a minha voz, continua <strong>de</strong>sempenhando atarefa que se foi confiada, fazendo jus ao salário do bom trabalhador.Nós sabemos o quanto tens sofrido no cumprimento dos teus <strong>de</strong>veresmediúnicos.Sacrifícios, dificulda<strong>de</strong>s e provações, inclusive os espinhos aguçados,que polvilham as tuas estradas, tudo isso representa o meio <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção quea magnanimida<strong>de</strong> do Senhor nos oferece na Terra, para o nosso resgateespiritual.Suporta pois corajosamente, com serenida<strong>de</strong> cristã, os revezes da tuaexistência.Exerce o teu ministério, confiando na Providência Divina.Seja a tua mediunida<strong>de</strong> como harpa melodiosa; porém, no dia em quereceberes os favores do mundo como se estivesses ven<strong>de</strong>ndo os seusacor<strong>de</strong>s, ela se enferrujará para sempre. O dinheiro e o interesse seriamazinhavres nas suas cordas.Sê pobre, pensando n’Aquele que não tinha uma pedra on<strong>de</strong> repousara cabeça dolorida e, quanto à vaida<strong>de</strong>, não guar<strong>de</strong>s a sua peçonha nocoração. Na sua taça envenenada muitos têm perdido a existência feliz noplano espiritual como se estivessem embriagados com um vinho sinistro.Não encares a tua mediunida<strong>de</strong> como um dom.O dom é uma dádiva e ainda não mereces favores do Altíssimo <strong>de</strong>ntroda tua imperfeição.Refleti que, se a Verda<strong>de</strong> tem exigido muito <strong>de</strong> ti, é que o teu débito éenorme diante da Lei Divina.100


Consi<strong>de</strong>ra tudo isso e não te <strong>de</strong>svies da humilda<strong>de</strong>.Nos tormentos transitórios da tua tarefa, lembra-te que és assistidopelo carinho dos teus Guias intangíveis.Nas noites silenciosas e tristes, quando elevas ao Ilimitado a tuaoração, nós, estamos velando por ti e suplicamos a <strong>Deus</strong> que te concedafortaleza e resignação.A vida terrena é amarga, mas é passageira.A<strong>de</strong>us, meu filho!... Dentro <strong>de</strong> todas as hesitações e incertezas do teuviver, recorda-te que tens neste outro mundo, para on<strong>de</strong> voltarás, uma irmã<strong>de</strong>votada que se esforça para ter junto dos filhos, que <strong>de</strong>ixou na Terra, omesmo coração, extravasante <strong>de</strong> sacrifício e amor.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>101


NO PLANO DOS DESENCARNADOSAinda há pouco tempo, meu filho, manifestaste o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> que eu te<strong>de</strong>screvesse o local on<strong>de</strong> agora me acho no plano espiritual. É bastante difíciluma <strong>de</strong>scrição literal, com respeito ao meu novo ambiente, mas vou tentarfazê-lo, apesar das <strong>de</strong>ficiências naturais que se me apresentam.A terra é o centro, isto é, a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> esferasespirituais que a ro<strong>de</strong>iam <strong>de</strong> maneira concêntrica. Não posso precisarnúmero <strong>de</strong>ssa esferas, porque elas se alongam até um limite que a minhacompreensão, por enquanto, não po<strong>de</strong> alcançar.Quanto mais evoluído o ser, mais elevada será a sua habitação, atéalcançar o ponto em que essas esferas se interpenetram com as <strong>de</strong> outrosmundos mais perfeitos, seguindo os espíritos nessa escala ascen<strong>de</strong>nte doprogresso, sob todos os seus aspectos. Somente agora consegui passar àsegunda esfera, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> penosos labores em favor do burilamento <strong>de</strong>minha personalida<strong>de</strong>. Procurarei resumir o mais possível para oferecer-teuma idéia do meu habitar.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>102


UMA TERRA APERFEIÇOADAAqui, filho, sinto-me surpreendida, porque vejo uma espécie <strong>de</strong>continuação do planeta que <strong>de</strong>ixamos. Imagina a Terra, cheia <strong>de</strong> suas belezasnaturais, porém, moralmente mais aperfeiçoada e terás a imagem <strong>de</strong>ssasegunda esfera que me serve <strong>de</strong> habitação.Temos casa, pássaros, animais, reuniões, institutos como os dasfamílias terrenas, on<strong>de</strong> se agrupam os espíritos através das mais santasafinida<strong>de</strong>s.A arte aqui é mais linda e mais perfeita e, como o culto a <strong>Deus</strong>, fazparte integrante <strong>de</strong> todas as coisas <strong>de</strong> nossa nova vida, há muita alegriaentre nós. Eu, por exemplo, sinto-me ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> companheiros muitobondosos, com quem me entrego às tarefas que me são afetas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>103


COMO NUM GRANDE DISTRITOO local on<strong>de</strong> nos encontramos é como se fora gran<strong>de</strong> distrito terreno,sob a orientação <strong>de</strong> um chefe. Ainda outro dia, <strong>de</strong>sejavas saber as coisasmais pormenorizadamente e eu busco satisfazer-te a curiosida<strong>de</strong>.Nosso governador chama-se Aulus, se é que posso transmitir-te onome em linguagem equivalente ao dicionário terreno. É um elevado espírito,cujo progresso e superiorida<strong>de</strong> estamos distantes <strong>de</strong> alcançar. Foi um dosmártires anônimos do cristianismo nascente e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> épocas remotas,semelhante entida<strong>de</strong> vem acendrando a sua evolução que segue em altosvôos para o regaço do amor <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. Chamamo-lo Príncipe, se é quepo<strong>de</strong>mos dizer-te tudo, <strong>de</strong> modo que possas compreen<strong>de</strong>r.E, quanto a nó, que o obe<strong>de</strong>cemos alegremente, integrados noconhecimento da hierarquia que aqui é alguma coisa bem mais sagrada que aque se conhece na Terra, não estamos inativos. Toda a ativida<strong>de</strong> do distritoespiritual sob a administração <strong>de</strong> Aulus se compõe <strong>de</strong> núcleos <strong>de</strong>stinados asocorros e auxílios a quantos se <strong>de</strong>batem entre as incertezas e as lágrimas daTerra.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>104


AS ORAÇÕES DOS HOMENSNossa especialida<strong>de</strong> é examinar as preces dos seres terrenos, acudindoàs casas <strong>de</strong> oração ou a qualquer lugar on<strong>de</strong> há um espírito que pe<strong>de</strong> e quesofre. As rogativas <strong>de</strong> cada um, então, são anotadas e examinadas por nós,procurando estabelecer a natureza da prece, os seus méritos e <strong>de</strong>méritos,sua elevação ou inferiorida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>rmos <strong>de</strong>terminar os socorrosnecessários. Até as orações das crianças são tomadas em consi<strong>de</strong>ração:qualquer pedido, qualquer súplica, tem a sua anotação particular. Há oraçõessublimes que se elevam da Terra até o nosso distrito, tão puras elas são,todavia, que atravessam as nossas regiões como jatos <strong>de</strong> luz, buscandoesferas mais altas e mais elevadas que a nossa. Existem, igualmente, asimprecações mais negras e mais dolorosas. Todas, contudo, merecem onosso particular carinho e acurada atenção.Há muitos espíritos elevados sob as or<strong>de</strong>ns imediatas <strong>de</strong> Aulus, e quevêm até nós transmitindo as or<strong>de</strong>ns necessárias. Chamamo-los anjos, para tedar a expressão do respeito e da veneração que esses elevados seres nosmerecem, e sempre um <strong>de</strong>sses anjos chefia as nossas expedições paraaten<strong>de</strong>r os que erram e pa<strong>de</strong>cem, nos torvelinhos da luta material.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>105


A ESCADA DE LUZDa esfera em que me encontro percebo perfeitamente que existe umaescada <strong>de</strong> luz atravessando os abismos ligando as esferas uma às outras. Aregião imediatamente vizinha da Terra abriga muitos sofredores e muitos<strong>de</strong>sesperados. Aí, freqüentemente, <strong>de</strong>scemos para buscar irmãos nossos quesuplicam e choram, implorando o socorro e o auxílio <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>.Nessa região há organizações perfeitas e inúmeras <strong>de</strong> muitos espíritosdo mal, que, reunindo-se uns aos outros, formam congregações nefastas eterríveis. Nosso combate é contínuo para por os encarnados a salvo <strong>de</strong> suastraições e sevícias.Temos igualmente horas <strong>de</strong> repouso, on<strong>de</strong> formamos projetossantificados e belos, acerca dos nossos bem-amados que aí estão para nóscomo mortos, sepultados nos túmulos da carne. Muitas almas amantes, quepo<strong>de</strong>riam ter ascendido a planos mais superiores e formosos, aquiprosseguem ajudando aos que pelejam, estacionando voluntariamente nessasesferas inferiores, nas quais me encontro, para esperarem um noivo, um pai,um irmão, uma mãe, muitos queridos do coração.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>106


NO AMBIENTE ESPIRITUALAinda aí observarás que se existem os abismos tenebrosos como asregiões infernais <strong>de</strong> certos planos na erraticida<strong>de</strong>, ou como os purgatórios daTerra, há também o recurso da bonda<strong>de</strong> divina, que constantemente conce<strong>de</strong>a cada qual um anjo tutelar, um estímulo sagrado em favor <strong>de</strong> seuaperfeiçoamento e re<strong>de</strong>nção.Há entida<strong>de</strong>s, aqui, que só cuidam da confecção dos trajes <strong>de</strong> seuscompanheiros, há música e instrumentos mais perfeitos e mais adaptáveis àharmonia que os conhecidos na Terra. Temos festas e assembléias seletas,meios <strong>de</strong> comunicação, visões à distância, através <strong>de</strong> processos que oshomens estão ainda muito longe <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r. Todos os nossos trabalhos eativida<strong>de</strong>s são regulados por leis <strong>de</strong> vibrações daí <strong>de</strong>sconhecidas. A nossamatéria é mais <strong>de</strong>licada, o mundo vegetal muito mais soberbo e mais rico,minerais também os há, mais complexos e mais formosos nas suas estranhacolorações.Mas já é tar<strong>de</strong> e precisamos nos separar. Pretendo revelar ainda muitacoisa <strong>de</strong> nossas ocupações e do nosso modo <strong>de</strong> vida, tendo obtido apermissão superior para isso. Por hoje é só. Fiquem todos na paz <strong>de</strong> Jesus,nosso Divino Salvador.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>107


NAS REGIÕES DA LUZDesejo prosseguir, nesta noite, meu filho, sobre as dissertações arespeito dos panoramas, em cujo seio se <strong>de</strong>senvolvem as nossas ativida<strong>de</strong>sespirituais. Assim como as almas encarceradas na Terra têm, às vezes,quando se tornam dignas <strong>de</strong> semelhantes conhecimentos, visões perfeitas etranscen<strong>de</strong>ntes em relação à vida real dos planos da espiritualida<strong>de</strong> pura,assim também alguns <strong>de</strong> nós, quando <strong>de</strong>monstramos resignação aos ditamesdo Alto e boa vonta<strong>de</strong> na execução da tarefa que nos é <strong>de</strong>signada,conseguimos a companhia <strong>de</strong> amigos, cheios <strong>de</strong> sabedoria, que nosarrebatam temporariamente da esfera a que pertencemos, conduzindo-nos àvisão grandiosa <strong>de</strong> outras manifestações mais elevadas da vida superior, noseio dos espaços infinitos. Foi assim que consegui a viagem a Saturno, já<strong>de</strong>scrita.Apenas, <strong>de</strong>ntro da insipiência <strong>de</strong> nossa evolução, ignorantes da nossacondição <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que a existência da Terra perfeitamente caracteriza,contemplamos esses mundos grandiosos, cenários sublimes <strong>de</strong>exteriorizações aperfeiçoadas da vida, mas sem compreen<strong>de</strong>r os fenômenosdo seu <strong>de</strong>sdobramento nesses meios, para nós totalmente <strong>de</strong>sconhecidos eignorado.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>108


UMA EXPÉDIÇÃO DE ESTUDOSAinda há pouco tempo, eu mais dois companheiros, fomos escolhidospara uma expedição <strong>de</strong> estudos, atinentes à luz e, sem que eu esperasse,elevado mentor nos conduziu bondosamente a um plano cuja beleza jamaissuspeitei existir. Quando nos afastamos da esfera que nos serve <strong>de</strong> habitaçãonunca nos sentimos, <strong>de</strong> forma imediata, muito à nossa vonta<strong>de</strong>. É o mesmoque acontece ao homem terreno quando arrebatado inopinadamente do seumeio.Há, sempre, nos que se mudam, no tocante às condições ambientais, asensação <strong>de</strong> estranheza. Felizmente, semelhantes emoções pouco nosdominam em razão <strong>de</strong> termos ampliado as nossas faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação,educando a vonta<strong>de</strong> e disciplinando os sentimentos.Como dizia, porém, atravessamos abismos <strong>de</strong> luz e hiatos dosespaços, cheios <strong>de</strong> frio e <strong>de</strong> treva, não obstante o nosso mentor e guiaasseverar que o espaço nunca está vazio, havendo em todos os seusrecantos, manifestações <strong>de</strong> vida, que nem sempre nos é dado conhecer.Em certa altitu<strong>de</strong>, contemplamos o orbe terreno que não era mais queuma estrela <strong>de</strong> imensida<strong>de</strong>, brilhando com luz avermelhada, refletindo aclarida<strong>de</strong> do sol que por sua vez se nos afigurava uma lâmpada maior que as<strong>de</strong> uso comum, até que o centro radioso do nosso sistema e seuscompanheiros que rodopiam na imensida<strong>de</strong>, em condições <strong>de</strong> planetasopacos, figuravam pirilampos perdidos ao longe, no silêncio aparente doinfinito. Mas, o espetáculo ao nosso lado era sedutor e <strong>de</strong>slumbrante.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>109


TRES SÓIS DE CORES DIVERSASPenetramos numa atmosfera rosada, plena <strong>de</strong> luz, mas <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong>suave, que se irradiava espalhando sons <strong>de</strong>ntro da mais harmoniosa dascadências que os meus ouvidos escutaram nas condições <strong>de</strong> minha nova vida.Sobre as nossas frontes, contemplávamos, então, um sol magnífico, cor-<strong>de</strong>rosaquase enrubescido, emprestando ao ambiente, em que nos movíamos,as mais estranhas cambiantes. Todavia, não ficou aí a novida<strong>de</strong>. A seguir,percebemos que uma estrela esver<strong>de</strong>ada brilhava no infinito dos céus,misturando as suas clarida<strong>de</strong>s esmeraldinas com as tonalida<strong>de</strong>s róseas, quese estampavam em todas as coisas e, <strong>de</strong> repente, enquanto uma <strong>de</strong>ssasestrelas se encontravam no zênite e a outra prestes a <strong>de</strong>saparecer noshorizontes <strong>de</strong>sse planeta maravilhoso, outro sol surgia, amarelo, cor <strong>de</strong>laranja amadurecida, tonalizando como um elemento novo as paisagens. Asousadas concepções dos pintores terrenos ficariam aquém das sublimesrealida<strong>de</strong>s por nós observadas, referentes aos efeitos da luz, nesse sistema<strong>de</strong> encantamento.O elemento sólido do orbe que pisávamos, num dos mundosprivilegiados que giram em torno <strong>de</strong>sses três sóis <strong>de</strong> cores diversas, eraformado <strong>de</strong> substâncias que não é possível <strong>de</strong>screver. Mas, lá, observei, aexistência <strong>de</strong> oceanos e florestas, jardins, minerais, animais e muitas outrascoisas que equivalem aos objetos e manifestações da vida sobre a Terra.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>110


PLANOS APERFEIÇOADOS DE LUZVi que os seres pensantes <strong>de</strong>sse maravilhoso orbe, todavia, são muitosuperiores aos homens e cuidam somente <strong>de</strong> trabalhos elevados e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mdivina, cuja vitalida<strong>de</strong> essencial não posso transladar à linguagem terrenaainda tão imperfeita para reproduzir aquilo que constitui algo <strong>de</strong> inacessívelao entendimento dos homens atuais.Ali estudamos, eu e os amigos que me acompanhavam, sob osesclarecimentos do nosso mentor, muitas novida<strong>de</strong>s atinentes aos estudos daluz e das suas vibrações no seio do éter, base primordial <strong>de</strong> todas asconstruções e organizações da matéria, em todos os mundos.Devo dizer-te, contudo, que os felizes habitantes <strong>de</strong>sse mundo,alumiado pelos três sóis e on<strong>de</strong> não se conhece a palavras noite, sombra ouescuridão, pu<strong>de</strong>ram nos ver e enten<strong>de</strong>r, mas nós não conseguimos penetrarnos seus problemas, nem na elevação e na superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus labores,<strong>de</strong>vido ao nosso estado moral. Apenas o nosso Mestre podia conversar comeles, mas pelo que pu<strong>de</strong> observar, <strong>de</strong>vo acrescentar que são criaturasaltamente dotadas <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> e aguçada inteligência.<strong>Uma</strong> gran<strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> se irradia dos seus pensamentos, porque nossentimos maravilhosamente bem dispostos enquanto estivemos em contatodireto com seu ambiente.As suas moradias são caracterizadas por uma arquiteturaeminentemente interessante. Quase todas as casas possuem torres como sefossem agulhas, tão elevadas que são e ali, a luz tem aplicações que euprópria não consegui compreen<strong>de</strong>r, tal a transcen<strong>de</strong>ntalida<strong>de</strong> dos seustrabalhos, isto é, das ativida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> são empregadas as suas vibrações.Fiquei sabendo, porém, que a luz dos astros, em sua substânciaintrínseca, contém potencialida<strong>de</strong>s profundas <strong>de</strong> natureza elétrica. Mesmo naTerra, futuramente os homens chegarão a compreen<strong>de</strong>r essas coisas quandosouberem dissecar e enten<strong>de</strong>r o espectro solar. Mas já é tar<strong>de</strong>. Tenho outrosafazeres e voltarei breve. <strong>Deus</strong> te abençõe e conceda a cada um a sua santapaz.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>111


NAS ESFERAS VIZINHAS DA TERRANão são poucos os que na morte presumem o encontro inesperado <strong>de</strong>uma fonte inesgotável <strong>de</strong> onisciência e julgam, na sua inércia, intelectual,que os espíritos são criaturas sobrenaturais, cuja zona lúcida já atingiu ozênite do conhecimento.Tais julgamentos são absolutamente falsos não só na sua base comona sua estrutura, porquanto supõem que o espírito encarnado representaoutra individualida<strong>de</strong>, conferindo à carne <strong>de</strong>terminados po<strong>de</strong>res, que ela estámuito longe <strong>de</strong> possuir na sua situação <strong>de</strong> elemento passivo e maleável. Amatéria, com o seu complexo atômico. Nada mais significa que umrevestimento temporário, condição necessária à tangibilida<strong>de</strong> do ser.Todavia, somente quando as lesões orgânicas, <strong>de</strong>ntro das provaçõesindividuais, geram obstáculos ao surto evolutivo da personalida<strong>de</strong>, tem elauma zona <strong>de</strong> influência natural sobre o <strong>de</strong>senvolvimento moral dosindivíduos.Por exemplo, os loucos (não obsessos), os cegos <strong>de</strong> nascimento, osque surgem do berço com graves <strong>de</strong>slizes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m corporal, semelhantesespíritos têm a empecer-lhes o círculo do progresso na atuação doorganismo. Mas, na generalida<strong>de</strong> dos homens, a matéria nada mais é que aveste temporária, que o fenômeno da morte nos faz trocar por outra,diferente em suas expressões estruturais, porém, sempre à mesma base <strong>de</strong>or<strong>de</strong>m material, <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s do novo plano on<strong>de</strong> teremos<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver as nossas ativida<strong>de</strong>s. É, portanto, natural que o nossoambiente em gran<strong>de</strong> parte ainda seja caracterizado pelas idéias e concepçõesda Terra.São inúmeros os que examinam as nossas <strong>de</strong>scrições do espaço,imbuídos <strong>de</strong> idéias preconcebidas, incapazes <strong>de</strong> nos criticar com isenção <strong>de</strong>ânimo.Contudo, isso não altera a nossa maneira especialíssima <strong>de</strong> viver aqui.As leis naturais são sempre as mesmas. A or<strong>de</strong>m, na sua expressão divina,não po<strong>de</strong> ser modificada. Se os núcleos humanos entrassem no torvelinho <strong>de</strong>uma conflagração universal e se todas as criaturas per<strong>de</strong>ssem a vida em seusexcessos, o sol não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> fazer o seu percurso na imensida<strong>de</strong>; a luaprosseguiria com as suas mudanças, as correntes polares seriam as mesmas,a natureza continuaria criando sob o olhar misericordioso <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e asestrelas entre os seus reflexos, sorririam, <strong>de</strong> longe, para a Terra silenciosa e<strong>de</strong>sabitada. É inútil, portanto, revoltar-se ou sentir incompreensões em facedas nossas exposições da vida real. A crítica não <strong>de</strong>strói as realida<strong>de</strong>s, pormais judiciosas que nos apareça.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>112


A VIDA EM TODA A PARTENossa vida aqui é o prolongamento da vida humana. Não existemvazios no Universo. Todas as zonas interplanetárias estão repletas <strong>de</strong> vida emsuas manifestações multiformes. <strong>Uma</strong> gota d’água encerra um universoinfinitesimal on<strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> microscópica vive, trabalha epalpita.Se <strong>Deus</strong> se conserva inatingível ao nosso entendimento atual,porquanto não po<strong>de</strong>mos concebê-lo segundo a nossa individualida<strong>de</strong>, únicoíndice que possuímos para apreciar os outros, também a Vida comomanifestação <strong>de</strong> sua divinda<strong>de</strong> ainda não é compreendida por nós, em toda aintensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas gran<strong>de</strong>zas multiformes.Aqui, <strong>de</strong>senrolam-se as nossas ativida<strong>de</strong>s, a maneira dos homens, enessa segunda zona on<strong>de</strong> me encontro e aguardo oportunida<strong>de</strong> feliz parareencarnar-me na Terra, apenas o que observo é que os homens são maisaperfeiçoados em seu modo <strong>de</strong> sentir, consi<strong>de</strong>rando-se totalmente eliminadoa hipótese <strong>de</strong> guerras e dizimações <strong>de</strong> quaisquer obras. Há mais impulsos <strong>de</strong>fraternida<strong>de</strong> nestes núcleos <strong>de</strong> seres, on<strong>de</strong> se agitam os sentimentoshumanos em sua generalida<strong>de</strong>.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>113


AS AFINIDADES RACIAISO amor, a esperança, a tristeza, a fé, a confiança, o caráter, asincerida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>mais atributos da personalida<strong>de</strong> humana, aqui estão vivos,palpitantes. Tenho observado porém, que apesar <strong>de</strong> livre do perigo das lutasfratricidas, entre todos existe gran<strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> racial,parecendo-me que a questão das raças aí na Terra está subordinada a umforte ascen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> natureza espiritual.Os saxões, os latinos, os árabes, os orientais, os africanos, formamaqui gran<strong>de</strong>s falanges, à parte, e em locais diferentes uns dos outros. Nosnúcleos <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, conservam os costumes que os caracterizavam eé profundamente interessante observarmos <strong>de</strong> perto como essas imensascolônias espirituais diferem uma das outras, apesar <strong>de</strong> se encontraremligadas pelos mais santos laços da fraternida<strong>de</strong> e do amor.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>114


HEGEMONIA DE JESUS - A ESFERACHEIA DE SOLMuitos dos componentes <strong>de</strong>sses núcleos tão arraigadamenteconservam o modo <strong>de</strong> pensar que possuíam no planeta terráqueo, que rarossão os que não relutam em aceitar a hegemonia espiritual <strong>de</strong> Jesus Cristo,como orientador e guia do orbe que <strong>de</strong>ixamos e ao qual ainda estamosligados por fortes elos <strong>de</strong> natureza afetiva, segundo o grau <strong>de</strong> progresso quejá alcançamos.É comum notarmos, então, pregadores do evangelho do Mestre portoda a parte, esclarecendo as consciências e iluminando os raciocínios.Inúmeras colônias <strong>de</strong>sconhecem ainda a mensagem da Boa Nova, apesar <strong>de</strong>terem as suas leis <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> fraternida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> amor, como a Terra aspossuía antes do cumprimento das profecias que anunciavam o aparecimentodo Senhor.Mas, há sobre todas essas esferas, falando <strong>de</strong> oitiva, segundo asexplicações que tenho recebido <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s mestres da espiritualida<strong>de</strong>, umaesfera cheia <strong>de</strong> sol, <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong> bendita e <strong>de</strong> belezas inenarráveis, on<strong>de</strong>promana a fonte que po<strong>de</strong>remos chamar inspiracional.Do seu centro, dimanam todos os elevados conhecimentos quefelicitam as leis humanas e os seus raios são refletidos pelas mentes queestão em correspondência direta com a sua gran<strong>de</strong>za, em concepções <strong>de</strong>bonda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> tolerância, <strong>de</strong> sabedoria e <strong>de</strong> amor.Assim está explicado porque, muito antes <strong>de</strong> Cristo, já existiam naÍndia gran<strong>de</strong>s pensadores, essencialmente evangélicos nas suas doutrinas,pois a Grécia, o Egito e o Oriente já possuíam as teorias <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>fraternida<strong>de</strong> humana. Dessa esfera grandiosa, parte o equilíbrio para todas ascorrentes espirituais entre a Terra e as esferas que lhe são concêntricas.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>115


CONTINUAÇÃO DA TERRAÉ <strong>de</strong>sse modo que tenho visto aqui muitas extravagâncias <strong>de</strong>costumes. Por exemplo, na primeira esfera, mais apegada à Terra e às suasilusões, temos muitas organizações à maneira do planeta.São inúmeras as congregações <strong>de</strong> espíritos que se <strong>de</strong>dicam àsalvaguarda <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais religiosos sobre o orbe terráqueo. A Igrejaromana, por exemplo, têm aí organizações, conventos, irmanda<strong>de</strong>s, que<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m os seus erros e, assim, <strong>de</strong> facção em facção, po<strong>de</strong>reiscompreen<strong>de</strong>r a imensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa luta, Nas colônias <strong>de</strong> antigosremanescentes da África vim conhecer costumes esquisitos, como bailadosestranhos, ao som <strong>de</strong> músicas bizarras que me <strong>de</strong>ram a impressão <strong>de</strong>fandangos, tão da preferência dos escravos no Brasil.A luta estabelecida não é pequena. A nossa existência é a continuida<strong>de</strong>da vida material com todas as suas características.Vem daí o nosso contínuo conselho para preparar<strong>de</strong>s uma vida melhor,pela aquisição <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong>s e conhecimento. Assim como tenho visitado outrosmundos e outros ambientes, cujas belezas constituem um sagrado estímulopara minha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> progredir e apren<strong>de</strong>r, igualmente muita coisalamentável tenho presenciado, optando sempre pela exortação fraterna, a fim<strong>de</strong> que saibas aproveitar proficuamente o vosso tempo na face do orbe queatualmente habitais.Desejaria dizer-vos algo quanto às manifestações <strong>de</strong> vida sobre asuperfície <strong>de</strong> Marte, mas temos <strong>de</strong> contar convosco o tempo, se estamos aovosso lado, e é assim que observo o adiantamento das horas. Se <strong>Deus</strong>permitir falarei na próxima semana <strong>de</strong> outros ensinamentos obtidos por mimnessa Terra distante.<strong>Deus</strong> vos dê boa-noite e vos abençoe.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>116


O PLANETA MARTEMeus amigos, é com permissão dos nossos Guias dos planossuperiores que <strong>de</strong>sejo prosseguir, nesta noite, as minhas narrativas <strong>de</strong> Além-Túmulo. Não está em nós a presunção <strong>de</strong> resolver incógnitas científicas enem <strong>de</strong>rrogar os <strong>de</strong>cretos do Altíssimo, que, do lado <strong>de</strong> cá, nos merece amais sublime <strong>de</strong> todas as venerações. Escrevo esta impressões somenteobjetivando a consolação dos que sofrem, visando a amplitu<strong>de</strong> dasesperanças dos que nos compreen<strong>de</strong>m, a fim <strong>de</strong> que aguar<strong>de</strong>m, confiantesna bonda<strong>de</strong> d <strong>Deus</strong>, o prêmio compensador da vida em outras paragens maisfelizes, on<strong>de</strong> a alegria não se extingue, como na Terra, e a paz é umavibração permanente do pensamento <strong>de</strong> todas as criaturas.Aqui, tenho aprendido que há mundos <strong>de</strong> todas as espécies,diversificados em sua natureza como a essência dos sentimentos das almas.Mundo <strong>de</strong> dor, <strong>de</strong> ventura, <strong>de</strong> aprendizado, <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong> regeneração.Todas essas distantes pátrias, que os vossos telescópios focalizam,<strong>de</strong>ntro da noite imensa, não po<strong>de</strong>riam estar vazios e abandonados. Não secompreen<strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> edificada, rica <strong>de</strong> monumentos e obras, semhabitantes e sem vida. Os planetas, que rolam no infinito, constituem afamília universal, por excelência. Cada um <strong>de</strong>les comporta uma humanida<strong>de</strong>,irmã <strong>de</strong> todas as outras que vibram na imensida<strong>de</strong>.É toda vaida<strong>de</strong> do homem terreno afirmar-se a única criatura pensantedo Universo, mesmo porque a Terra é um dos planos mais obscuros e maisrepletos <strong>de</strong> amargura para quantos já experimentaram algo das felicida<strong>de</strong>simorredouras, que a evolução do sentimento e do raciocínio po<strong>de</strong> facultar.Para as almas acendradas no amor, a Terra é bem o recanto do exílio e dassombras.Todavia, vós outros, os que estudais, tomados da disposição benéfica<strong>de</strong> conhecer a vida espiritual, em suas mais remotas e múltiplasmodalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>veis arquivar no coração o tesouro divino da esperança. Sena atualida<strong>de</strong> as dores vos assediam, sabeis que a vida não se circunscreveno âmbito mesquinho do orbe terráqueo. Patrimônio da criação e divinda<strong>de</strong><strong>de</strong> todas as coisas, é ela a vibração luminosa que se esten<strong>de</strong> pelo infinito,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za e do seu sublime mistério.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>117


A VIRGEM VERTIGINOSAMas eu vos prometera falar <strong>de</strong> minha excursão ao planeta que vos évizinho e vou me <strong>de</strong>sviando em consi<strong>de</strong>rações doutrinárias e filosóficas,esquecendo o escopo <strong>de</strong> minha visita.É para a vossa ciência uma afirmativa audaciosa, dizer-vos que pu<strong>de</strong>ver o planeta Marte, i<strong>de</strong>ntificando-me com os seus elementos a fim <strong>de</strong>conhecer <strong>de</strong> mais perto as suas belezas ignoradas.A verda<strong>de</strong>, porém, tem igualmente as suas revelações pelos caminhosda fé. Nem tudo se mostra somente nas análises frias dos laboratórios e dassuas retortas. As gran<strong>de</strong>s realida<strong>de</strong>s primeiramente falam ao coração. Naatualida<strong>de</strong>, à mingua <strong>de</strong> elementos mais positivos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m material, nós vosfalamos como se fôssemos vítimas <strong>de</strong> nossos surtos imaginativos, mas diavirá que os homens hão <strong>de</strong> verificar, com as positivida<strong>de</strong>s requeridas, averacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossas afirmativas.Como das outras vezes, meus amigos, não pu<strong>de</strong> fazer sozinha umaexcursão <strong>de</strong>ssa natureza. O guia <strong>de</strong> sempre conduzia os meus passos. E foiassim que bastou um pensamento forte <strong>de</strong> nossa vonta<strong>de</strong>, concentrada nesseobjetivo, para que efetuássemos essa viagem vertiginosa, cuja duração foi <strong>de</strong>poucos segundos, <strong>de</strong> acordo com a vossa contagem do tempo aí na Terra.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>118


A PAISAGEM DE MARTEVi-me à frente <strong>de</strong> um lago maravilhoso, junto <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong>, formada<strong>de</strong> edificações profundamente análoga à da Terra. Apenas a vegetação eraligeiramente avermelhada, mas as flores e os frutos particularizavam-se pelavarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cores e <strong>de</strong> perfumes.Percebi, perfeitamente, a existência <strong>de</strong> uma atmosfera parecida com ada Terra, mas o ar, na sua composição, afigurava-se muitíssimo mais leve.Assegurou-me, então o mestre, que me acompanhava, que a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> emMarte é sobremaneira mais leve, tornando-se a atmosfera muito rarefeita.Vi homens mais ou menos semelhantes aos nossos irmãos terrícolas,mas os seus organismos possuíam diferenças apreciáveis. Além dos braços,tinham ao longo das espáduas ligeiras, ligeiras protuberâncias à guiza <strong>de</strong>asas que lhes prodigalizavam interessantes faculda<strong>de</strong>s volitivas. Percebi quea vida da humanida<strong>de</strong> marciana é mais aérea. Po<strong>de</strong>rosas máquinas,muitíssimo curiosas na sua estrutura, cruzavam os ares, em todas asdireções. Vi oceanos, apesar da água se me afigurar menos <strong>de</strong>nsa e essesmares muito pouco profundos. Há ali um sistema <strong>de</strong> canalizações, mas nãopor obras <strong>de</strong> engenharia dos seus habitantes, e sim por uma <strong>de</strong>terminaçãonatural da topografia do planeta que põe em comunicação contínua todos osmares.Não vi montanhas, sendo notáveis as planícies imensas, on<strong>de</strong> osfelizes habitantes <strong>de</strong>sse orbe <strong>de</strong>sempenham as suas ativida<strong>de</strong>sconsuetudinárias. As águas são muito mais raras. As chuvas quase que senão verificam, mostrando-se o céu geralmente sem nuvens. Afirmou-me oprotetor que gran<strong>de</strong> parte das águas <strong>de</strong>sse planeta <strong>de</strong>sapareceram nasinfiltrações do solo, combinando-se com elementos químicos das rochas,excluindo-se da circulação ordinária do orbe.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>119


A EVOLUÇÃO MARCIANAAssegurou-me, ainda, o <strong>de</strong>svelado mentor espiritual, que ahumanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marte evoluiu mais rapidamente que a da Terra e que <strong>de</strong>s<strong>de</strong>os pródromos da formação dos seus núcleos sociais, nunca precisou <strong>de</strong>struirpara viver, longe das concepções dos homens terrenos cuja vida nãoprossegue sem a morte e cujos estômagos estão sempre cheiros <strong>de</strong> víscerase <strong>de</strong> virtualhas <strong>de</strong> outros seres da criação.O dia ali é igual ao da Terra, pois conta 24 horas e quase 40 minutos,mas os anos constam <strong>de</strong> 668 dias, tornando as estações mais <strong>de</strong>moradas,sem transformações bruscas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m climática que tanto prejudicam asaú<strong>de</strong> humana.Disse-me, ainda, o mestre <strong>de</strong>svelado, que os marcianos já<strong>de</strong>scobriram gran<strong>de</strong> parte dos segredos das forças ocultas da natureza.Conhecem os profundos enigmas da eletricida<strong>de</strong>, sabendo utilizá-la commaestria. Nas questões astronômicas, são eminentemente mais adiantadosdo que seus companheiros da Terra, compreen<strong>de</strong>ndo todos os fenômenos e amaior parte dos mistérios da natureza do vosso planeta.Vi lá formidáveis aparelhos fotoelétricos que registram, com precisãomatemática, a quase totalida<strong>de</strong> das expressões fenomênicas dos mundos queestão mais próximos <strong>de</strong>sse orbe maravilhoso. Em vez do satélite, que iluminaas vossas noites, observei que Marte é servido por dois. Duas luas queparecem gravitar uma em torno da outra, porém menores, muito menoresque a vossa.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>120


GRANDE ESPIRITUALIDADETodavia, o que mais me admirou não foram as expressões físicas<strong>de</strong>sse planeta, tão adiantado em comparação com o vosso. Nele a socieda<strong>de</strong>está constituída <strong>de</strong> tal forma, que as guerras ou os flagelos seriamfenômenos jamais previstos ou suspeitados. A vibração <strong>de</strong> paz e <strong>de</strong> harmoniaque ali se experimenta irradia aos corações felicida<strong>de</strong>s nunca sonhadas naTerra. A mais profunda espiritualida<strong>de</strong> caracteriza essa humanida<strong>de</strong>, rica <strong>de</strong>amor fraterno e respeito ao Criador.Não me é possível <strong>de</strong> momento falar-vos sobre a organização <strong>de</strong> suascoletivida<strong>de</strong>s, regidas à base do melhor da fraternida<strong>de</strong>. Espero, porém,ainda fazê-lo com a permissão <strong>de</strong> nosso Pai.E como o nosso amigo Emmanuel ainda necessita escrever, voucolocar aqui o ponto final, suplicando a Jesus que envolva a todos nós avibração luminosa e divina da bênção do seu amor.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>121


NO LIMIAR DOS GRANDESACONTECIMENTOSNo local on<strong>de</strong> nos encontramos, muito profundo e crescente é o nossointeresse pelos estudos, os quais vão sendo aperfeiçoados por nós, ao preço<strong>de</strong> iniciativas nem sempre facilmente conquistadas.Como já tive ocasião <strong>de</strong> observar, as minhas ativida<strong>de</strong>s se<strong>de</strong>senvolvem em torno <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s que apenas se<strong>de</strong>dicam aos problemas <strong>de</strong> socorro espiritual a todas as almas que sofrem ese redimem na Terra, no cadinho das renúncias e dos gran<strong>de</strong>s sacrifícios.Ultimamente, estivemos reunidos em extraordinários movimentos,junto à ponte a que já me referi, e que atravessa a distância incomensurávelque separa o vosso orbe da primeira esfera que lhe é concêntrica. Sãoinúmeros os espíritos que se <strong>de</strong>batem do lado oposto àquele em que nosencontramos, esforçando-se para realizarem a difícil travessia.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>122


ESPÍRITOS ALUCINADOSDolorosos são os espetáculos que vimos presenciando porque essasalmas perturbadas e sofredoras estão constituindo uma turba imensa <strong>de</strong>alucinados e <strong>de</strong> loucos. Muitos dos nossos companheiros corajosamenteatravessam o abismo (em certas ocasiões esses movimentos oferecemperigos para os espíritos inexperientes <strong>de</strong> minha esfera, perigos esses <strong>de</strong>natureza fluídica, condizentes portanto, com os elementos <strong>de</strong> nossa matéria eorganização) mas são frustrados os seus esforços no sentido <strong>de</strong> consolaressas criaturas amotinadas.Figurai alguém sob o império <strong>de</strong> um sofrimento in<strong>de</strong>scritível; a dor lheimpressiona <strong>de</strong> tal maneira, <strong>de</strong>sorganizando-lhe a faculda<strong>de</strong> sensorial, quesemelhante criatura é incapaz <strong>de</strong> ouvir o consolo fraterno ou a amigaexortação.É talvez <strong>de</strong>vido a esse estado <strong>de</strong> extrema perturbação que as almasaflitas, em cujo socorro estamos ocupados, não nos ouvem, entregando-se àsmais dolorosas imprecações. Súplicas, brados angustiosos, soluços, gemidos,repercutem junto <strong>de</strong> nós e temos procurado, no refúgio da prece a <strong>Deus</strong>, osrecursos necessários para essas coletivida<strong>de</strong>s espirituais, egressa do planetanestes últimos dias. São muito raras as individualida<strong>de</strong>s que conseguem ouviro nosso chamado ou apren<strong>de</strong>r as nossas observações.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>123


A TAREFA DA SALVAÇÃOTemos aqui instrumentos semelhantes a barcos salvadores, on<strong>de</strong>alguns espíritos conseguem se transportar para o nosso meio, para seentregarem a tratamento e a repouso que lhes são necessários, porém, ascondições psíquicas <strong>de</strong>ssas almas são muito lamentáveis. Demasiadocomovedores são os gritos maternos, as preces fervorosas e angustiadas quetemos ouvido, filhas do gemer opresso <strong>de</strong> mãos infelizes. A todos buscamosoferecer o concurso <strong>de</strong> nossa assistência, todavia é difícil lograrmos umresultado imediato e efetivo.Não obstante a incompreensão, com a qual somos geralmenterecebidos, ainda conseguimos evitar muitos males e afastar muitosinfortúnios, <strong>de</strong>ntro das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossa influência indireta.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>124


UM NOVO CICLO ESVOLUTIVOInterpelamos os Mestres que nos dirigem sobre os quadros dolorosos aque vimos assistindo, com infinita mágoa, em virtu<strong>de</strong> das <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras lutasfratricidas que se vêm <strong>de</strong>senrolando na superfície do planeta. E os nossosvenerandos mentores espirituais sempre nos elucidam, explicando que aTerra se acha em vias <strong>de</strong> conhecer um novo ciclo evolutivo.Explicam-nos, então, que esses movimentos objetivam não só ocumprimento exato das provações individuais e coletivas dos homens e dospovos, como também representam um trabalho <strong>de</strong> drenagem sobre asmultidões humanas, selecionando as almas então encarnadas nesse mundo.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>125


AS CORRENTES MIGRATÓRIASOs nossos Mestres nos falaram das gran<strong>de</strong>s correntes migratórias quemodificam as civilizações, asseverando que o mundo atual se encontra àbeira <strong>de</strong>sses movimentos inevitáveis. Compreen<strong>de</strong>mos, então, que todos osprogressos da civilização terrestre <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da economia, sobre cuja baserepousa todo o edifício da organização social.Soubemos assim que, em tempos remotíssimos, quando o planeta seencontrava em véspera <strong>de</strong> inaugurar nova posição progressiva, ocorreu o<strong>de</strong>slocamento das raças arianas que invadiram os territórios europeus. Ocongestionamento <strong>de</strong> certos países, o problema da economia regulamentada,a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expansão que muitas nacionalida<strong>de</strong>s experimentam nostempos mo<strong>de</strong>rnos constituem uma <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong>ssascorrente migratórias, cuja passagem é assinalada por guerras <strong>de</strong>struidoras,ensaiando novas soluções para as magnas questões da vida coletiva.Afirmam, portanto, os nossos guias que apenas começamos apresenciar os gran<strong>de</strong>s acontecimentos que, fatalmente, terão <strong>de</strong> ocorrer nosanos vindouros. As raças amarelas e <strong>de</strong>terminados núcleos da civilizaçãooci<strong>de</strong>ntal requerem expansão e nova fonte econômica para a solução dosproblemas que os assoberbam; e, nesses dolorosos movimentos, masnecessários, a humanida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>pura, aperfeiçoando-se cada vez mais para oseu glorioso futuro espiritual. Reconhecendo-se embora tudo isso, para asalmas dotadas <strong>de</strong> pouca experiência, com respeito a esses enigmas dospovos, os quadros isolados, como nos é dado conhecer, são profundamenteangustiosos.Mas a dor, a dor soberana que aí na Terra dobra toda a cerviz esubjuga todas as frontes, essa está igualmente aqui conosco, na aquisição <strong>de</strong>ensinamentos, exercendo a sua função <strong>de</strong> remo<strong>de</strong>lar e <strong>de</strong> aperfeiçoar toda aglória suprema da vida.Todavia, Senhor, vós que sois a gran<strong>de</strong>za e a misericórdia suprema doUniverso, esten<strong>de</strong>i as vossas mãos magnânimas para a Terra, mansão <strong>de</strong>sombras e <strong>de</strong> provações, on<strong>de</strong> irmãos nossos se entregam ao maisproveitoso dos aprendizados.Dá-lhes fortaleza <strong>de</strong> ânimo e resignação nos embates contra aadversida<strong>de</strong> dolorosa, alçando os seus olhos para os vossos impériosresplan<strong>de</strong>centes, on<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>mos as luminosas afirmações da VidaEspiritual.Protegei-me a todos, Senhor, integrando as suas consciências nocaminho retilíneo da salvação e os seus entendimentos na compreensãoprofunda das vossas leis. Que a Terra conheça a nova era do amor e dafraternida<strong>de</strong> espiritual.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>126


UMA PALAVRA AOS SOFREDORESPáginas recebidas em 30.10.1936Concluindo a segunda edição do nosso volume, <strong>de</strong>dicadas àsorfãzinhas, meu filho <strong>de</strong>sejaria que eu dirigisse uma palavra aos sofredores.Mas não posso dizer-lhes mais do que já lhes disse no conjunto <strong>de</strong>minhas páginas <strong>de</strong>spretensiosas e humil<strong>de</strong>s. Contei a todos os que sofrem,com palavras simples, as minhas impressões <strong>de</strong> Além-Túmulo, tentandodirigir-me, em particular, a todos os sofredores, para os quais o vento doinfortúnio é mais frio.Muitos espíritos passaram, <strong>de</strong>spreocupadamente, os olhos pelaspáginas em que procurei gravar as emoções <strong>de</strong> minh’alma, não obstante asdificulda<strong>de</strong>s insuperáveis para me fazer compreendida. Outros lamentaram aausência <strong>de</strong> característicos científicos em meus comunicados, ansiosos dorigorismo das críticas minuciosas.Estas cartas, todavia, não foram grafadas para as teorias científicasque florescem no século, à beira da estrada do Espiritismo evangélico.Consagrando o meu respeito e a minha veneração aos estudos dos sábiosterrenos, eu não saberia correspon<strong>de</strong>r aos seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> conhecimentosuperior, <strong>de</strong>ntro da minha insipiência individual.Escrevi-a pensando nas mães sofredoras, cujo coração dilacerado nãotem outra luz, no caminho escuro da Terra, que as esperanças e súplicaspostas no Céu; vejo-lhes, daqui, as amargas dificulda<strong>de</strong>s e os acerbos<strong>de</strong>sgostos e sinto-lhes, comovida, a tortura dos aflitos, clamando pelamisericórdia infinita <strong>de</strong> Jesus. Grafei-as pon<strong>de</strong>rando as expectativas ansiosasdos homens <strong>de</strong>solados que as dores cercam e humilham, nos carreirosaspérrimos do <strong>de</strong>ver e das obrigações mais penosas.Sim!... A falange on<strong>de</strong> me encontro para executar as mais santas<strong>de</strong>terminações espirituais, sabe <strong>de</strong> muitas misérias ocultas e <strong>de</strong> muitaslágrimas <strong>de</strong>sconhecidas... Nem sempre os gran<strong>de</strong>s infortúnios secircunscrevem às casas públicas do sofrimento. Sob as sedas faustosas e sobo som <strong>de</strong> músicas festivas, buscamos cicatrizar as úlceras cancerosas eparalisar os soluços em muitos corações que se purificam na Terra.Não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhemos as ativida<strong>de</strong>s preciosas dos espíritos insatisfeitosque alargam atualmente os horizontes científicos do século, com o concursodo Além-Túmulo. Mas consi<strong>de</strong>ramos a expansão evangélica e moralizadora doEspiritismo como seu objetivo primordial.A Europa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os fins do século passado, não se encontra repleta <strong>de</strong>fenômenos supranormais, servida pelas constituições medianímicas maispo<strong>de</strong>rosas? Gran<strong>de</strong>s mestres não têm oferecido ao continente inteiro o fruto<strong>de</strong> seus exames e <strong>de</strong> pesquisas, no caminho largo das ciências terrestres?Entretanto, há muitos anos sucessivos, a confusão ali se estabeleceunas almas, envenenando as fontes culturais do Velho Mundo.Nos terríveis enganos políticos da Igreja católica romana, a Europainteira se prepara, aguardando inquieta, a guerra cruel dos extremismos.Entre a ciência humana e a sabedoria espiritual sempre existiuconsi<strong>de</strong>rável distância. A primeira é filha do labor inquieto e transitório doshomens. A segunda é filha das gran<strong>de</strong>s e abençoadas revelações das almas.Na primeira sobram as dúvidas amargosas e as hipóteses falíveis. Nasegunda vibram as gran<strong>de</strong>s e eternas esperanças do coração do iluminado127


i<strong>de</strong>al da vida superior.Dentro das ciências terrestres prevaleceram, em todos os tempos, as<strong>de</strong>screnças inquietantes e angustiosas; os trabalhos dissolventes <strong>de</strong> críticados campos adversos sempre objetivaram a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> patrimôniossagrados do ser.Ainda agora, muitos jornalistas e estudiosos eminentes, às vezesfalando <strong>de</strong> Crookes e <strong>de</strong> Lombroso procuram <strong>de</strong>smerecê-los, acusando-oscomo possuídos <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong> compreensão, no trato com os fenômenosespíritas. E, nesse movimento <strong>de</strong> acusações, per<strong>de</strong>-se um tempo precioso, apar <strong>de</strong> muitas energias que po<strong>de</strong>riam se empregar na construção do edifícioda felicida<strong>de</strong> humana.Fenômenos? O homem nunca encontrará outro maior que a vida <strong>de</strong>Jesus, localizada na História. Mensagens elucidativas? Po<strong>de</strong>ria haver algumamaior que a da palavra permanente do seu Evangelho?É para vós, os espíritos sofredores da Terra, que o Espiritismo trouxeuma aleluia <strong>de</strong> esperanças e glorificações. Heróis obscuros e ignorados domundo; alguém sabe dos vossos sacrifícios, <strong>de</strong> vossas renúncias e <strong>de</strong>dicaçõesque o planeta terreno não po<strong>de</strong> conhecer!...Chorai vossas lágrimas remissoras <strong>de</strong> olhos postos no Céu, on<strong>de</strong> seguardam todos os vossos prantos e on<strong>de</strong> são conhecidas todas as vossaspreces e aspirações.Apren<strong>de</strong>i nas experiências penosas da Terra a soletrar o abecedário doamor, da pieda<strong>de</strong> e da resignação, porque se viveis a dolorosa angústia dasalmas infortunadas e incompreendidas no mundo, há no Céu quem vosestenda as suas mãos carinhosas e compassivas.Trabalhai, sofrei e confiai na misericórdia divina, pois não forampronunciadas para os espíritos satisfeitos e felizes aquelas divinas palavras:“Bem aventurados os aflitos na Terra, pois que a eles pertencem asalegrias do Céu”.Livro <strong>Cartas</strong> <strong>de</strong> uma <strong>Morta</strong> - Psicografia <strong>Chico</strong> <strong>Xavier</strong>128

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