10.07.2015 Views

Eu gOStO dE CONfuSAO ˜ - CNM/CUT

Eu gOStO dE CONfuSAO ˜ - CNM/CUT

Eu gOStO dE CONfuSAO ˜ - CNM/CUT

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Ponto de Vista PorMauro SantayanaOs atropelos do novo tempoHá 46 anos, a eleição e posteriorrenúncia de Jânio Quadrosinterromperam um cicloem que as liberdadesdemocráticas conviviamcom o esforço nacional de desenvolvimentoacelerado da economia. Juscelino,em Minas e no governo federal, usou dosistema de economia mista, com a participaçãominoritária de investidoresbrasileiros e o controle acionário, peloEstado, de empresas como a Cemig, aPetrobras e a Eletrobrás.A receita é a mesma da China, hoje:desenvolvimento é questão de Estado.Juscelino conseguira a aliança entre ossetores ativos da sociedade (trabalhadores,intelectuais, empresários, profissionaisliberais da classe média) em tornode uma idéia forte, que era a do nacionalismo.Nacionalismo sem xenofobia, admitiaa inevitável participação do capitalestrangeiro, como fase a ser superada depoiscom a conquista da tecnologia.Ao confrontar-se com o CongressoNacional, Jânio tentou, sem êxito, o golpede Estado, confiando em sua popularidade.O povo suspirou aliviado: o autoritarismode Jânio prenunciava um ditadorinsuportável. Jânio recolheu-se ao ostracismo.Durante o governo de João Goulart,as mesmas forças que se haviam aliadocontra Vargas e foram vencidas porJuscelino se rearticularam, para o golpede 1964. O povo brasileiro pagou muitocaro pelo que obteve de crescimento nos21 anos de governo militar.Agora, é preciso começar tudo de novo.Há dois grandes desafios. Um deles é areconstrução do pacto federativo, com adevolução aos estados da autonomia perdidanestes últimos 43 anos. A legislaçãoO Brasil necessitade reformas estruturaisurgentes. O problemaé encontrar o projetopossível, dentro dos ritosdemocráticosem vigor conflita com princípios da Federação.A União usurpou os direitos dosestados, em matéria de tributos, na educação,na segurança pública, na assistênciaà saúde e nas obras de infra-estrutura. Aspessoas nascem, vivem, trabalham, produzeme morrem nos municípios, e estesse encontram em regiões – os estados– separadas, desde os tempos coloniais,por fronteiras culturais e econômicas bemdefinidas. Vários governadores, tendo àfrente o de Minas e o do Rio de Janeiro,têm insistido nessa restauração do pactorepublicano de 1891.Outro problema grave é o da legitimidadeda representação política. Ela precisaser fortalecida, mas parte da reformaWilson Dias/ABrpolítica que vem sendo proposta, de votaçãoem lista, viola o princípio democrático.O povo deixaria de ser representado,em sua vontade originária, e a representaçãopassaria aos partidos. Os partidos, salvoaqueles de nítida ideologia, como os deesquerda, não representam o povo, mas,sim, as grandes corporações.A “votação” em listas teria alguma coerência,se os atuais partidos fossem denominadospelo que realmente são, emsua presença no Congresso: o partidodos banqueiros (Febraban), o partido dosempresários (CNI-Fiesp/Fierj), o partidodas empresas evangélicas, o partido do latifúndio(UDR), sem falar no partido dabala, dos que defendem os esquadrõesda morte.Outro problema sério, e de difícil solução,dentro dos dispositivos constitucionaisem vigor, é o da separação dospoderes. O Congresso, no regime presidencialista,não existe para associar-seao Poder Executivo, mas para a ele oporse,na fiscalização de seus atos. A Constituiçãodos Estados Unidos, por exemplo,estabelece absoluta separação entremembros do Executivo e do Legislativo.Nenhum membro do Senado ou da Câmarapode ser funcionário do Poder Executivo– a menos que renuncie ao mandato.E funcionário do Poder Executivo nãopoderá ser eleito para o Congresso, a menosque se licencie, bem antes das eleições,sem direito a remuneração, e só volte a seucargo depois de findo o mandato.Os trabalhadores devem estar atentosàs mudanças pretendidas. Qualquer reformaque signifique redução dos direitosde voto direto e nominal, para todosos cargos, terá efeito desastroso para oBrasil.Mauro Santayana é jornalista,colunista do Jornal do Brasil e da Carta Maior2007 ) março ) Revista do Brasil (


Resumo PorPaulo Donizetti (paulo@revistadobrasil.net)Madeira irregular apreendidapelo Ibama em Mato GrossoIgreja verdeA Igreja Católica faz da Campanha da Fraternidade, com o tema Amazônia, uma contundentepregação pela responsabilidade socioambiental das empresas, cobra responsabilidadesdas autoridades públicas e mobiliza fiéis para um meio ambiente saudável.“Nós pecamos contra a natureza quando jogamos lixo pela janela do carro”, comparou obispo de Santo Amaro, dom Fernando Figueiredo, na missa de abertura da campanha.As paróquias católicas devem ajudar, durante a campanha, a popularizar informações arespeito de problemas ambientais e práticas que podem ser adotadas no cotidiano.Wilson Dias/AbrMapa da morteDos dez municípios brasileiroscampeões de homicídios, cincoestão na região em que a florestaamazônica é engolida por negóciosagropecuários: Colniza (1º),com 165,3 mortes por 100 mil habitantesentre 2002 e 2004, Juruena(2º), com 137,8, São José do Xingu(5º), com 109,6, Aripuanã (8º),98,2 – no Mato Grosso – e Tailândia,(7º), 104,9, no Pará. Rio de Janeiroe São Paulo estão na 107ª e182ª colocações, com taxa de homicídiospor 100 mil habitantes de57,2 e 48,2, respectivamente. Relatóriodivulgado em fevereiro pelaOrganização dos Estados Ibero-Americanos endossa indicadoresque ligam a expansão agrícola naAmazônia com assassinatos rurais,desmatamento e trabalho escravo.Leia as reportagens de IberêThenório e Leonardo Sakamotona agência Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br).Emprego e rendaA pesquisa de janeiro do IBGE sobre emprego e renda rendeu diferentesmanchetes nos jornais. Para o Diário de São Paulo e O Estadode S. Paulo, o desemprego subiu para 9,3% e a renda cresceu em 1,1%.Para a Folha de S.Paulo e o Valor Econômico, o emprego ficou estagnadoe a renda cresceu. O primeiro grupo comparou janeiro com omês anterior, quando os empregos temporários gerados em torno dasdemandas de Natal minguam ou desaparecem. O segundo grupo fez acomparação certa, analisou janeiro deste ano com janeiro de 2006.Mais espaço nas decisõesDecreto publicado no último dia 2 no Diário Oficialda União instituiu um grupo de trabalho no Ministériodo Planejamento para criar proposta de participaçãosocial na elaboração e na execução do Orçamento daUnião. O grupo terá representantes do governo e entidadesda sociedade civil, entre elas a Associação Brasileirade Organizações Não-Governamentais (Abong) ea Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).Ainda o PAC e o FGTSOito medidas provisórias que compõem o Programade Aceleração do Crescimento (PAC)movimentam a Câmara dos Deputados. Umadelas, a MP 349, prevê 5,2 bilhões de reaisdo FGTS em projetos de infra-estrutura.A Confederação Nacional dos TrabalhadoresMetalúrgicos (ligada à Força Sindical)e a Confederação Nacional dos Trabalhadoresem Empresas de Crédito (Contec)entraram com Ação Direta de Inconstitucionalidade(ADI) no Supremo Tribunal Federal.Soluções para o impasseO governo havia assegurado que as contas vinculadasdo FGTS não serão afetadas. E já acenou pormeio da Caixa Econômica Federal com garantiasde rentabilidade no mínimo equivalente à habitualcorreção dos saldos do fundo – Taxa Referencial(TR) mais 3% ao ano – para as aplicações no fundode investimento. A proposta pode solucionar oimpasse. Outra alternativa, a participação dos trabalhadoresna gestão dos fundos de investimento,seria, segundo a <strong>CUT</strong>, uma ferramenta mais poderosaque a própria rentabilidade mínima. ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Em busca do 1000º golDiferentes, porém...O Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (Nemge-USP) preparou a atualização do guia Ensino e Educação com Igualdade deGênero na Infância e na Adolescência – Guia Prático para Educadores e Educadoras.A segunda edição do trabalho – direcionado a orientar profissionais deeducação a lidar com os contrastes socioculturais que estão por trás da condutade meninos e meninas na escola – será lançada neste mês de março.Pais fazem reunião com apoio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCPressão no SesiA decisão do Serviço Social da Indústria em São Paulo de cobrarmensalidades em suas escolas continua mobilizando familiares dealunos. O Sesi recebe mensalmente contribuição da indústria sobrea folha de pagamentos dos trabalhadores para que estes – ou seusfamiliares – tenham acesso gratuito a serviços, como educação. Nosúltimos três anos o Sesi foi superavitário. A notícia saiu na Revista doBrasil no final do ano. Já foram recolhidas mais de 50 mil assinaturasem São Paulo contra a medida. A direção do Sesi não quer conversa.Sindicatos, como o dos metalúrgicos do ABC, e pais de alunosdecidiram entrar com representação no Ministério Público pedindoabertura de ação civil contra a cobrança. Neste mês de março, vai haverprotestos em frente ao prédio da Fiesp. Os pais denunciam aindaque muitas escolas estão em péssimo estado de conservação.raquel camargoO xadrez deLula e BushAntes de o presidenteGeorge W. Bush aterrissarno Uruguai paradiscutir acordos comerciaisentre nossovizinho do sul, osEstados Unidos e oNafta (acordo queune EUA, Canadáe México), a visitade Lula ao seu colegaTabaré Vázquezprocurou, com êxito,jogar algum óleo napista de pouso deTabaré, doUruguai: peçaimportantedo jogoBush. O presidente uruguaio ouviu de Lula que semintegração, e sem o Uruguai, não há Mercosul. E garantiucinco acordos comerciais com o Brasil, entreeles dois envolvendo a construção e reforma depontes na fronteira entre Brasil e Uruguai e um,a produção de biocombustíveis. E prometeu: nãodeixa o Mercosul.Cachaça x bourbonNovos lances do xadrez estarão em jogo nas negociaçõesem torno do Fórum Internacional de Biocombustíveis,que reúne, além de Brasil e EstadosUnidos, África do Sul, China, Índia e Comissão <strong>Eu</strong>ropéia.Os norte-americanos, combativos, falam aindada criação de uma Opep do Etanol, em alusãoà Organização dos Países Exportadores de Petróleo.Auxiliares de Lula estão atentos às demandas deBush. E são várias. O álcool pode diminuir a dependênciaamericana do petróleo e é menos poluente.Mas nos EUA é produzido do milho, muito mais caroque a cana, e tem feito subir o preço do grão. Pecuaristasjá começam a chiar por não conseguir bancar a raçãode seus rebanhos. Especialistas também receiamque os EUA tentem gerar pressão de procura sobre acapacidade de oferta brasileira de cana para depoisexercer influência pesada sobre o preço local.ricardo stuckert/pr2007 ) março ) Revista do Brasil (


economiaInjeção de ânimoNas últimas décadas,com o Estado diminuídoem benefício domercado e do capitalprivado, o país ficouanêmico. Agora,o governo buscaequilíbrio paravitaminar, comrecursos públicos,a economia e o ritmodo crescimento ) Revista do Brasil ) março ) 2007Por Caio Gouvêa e João NettoCristovão Colombo saiu doporto de Palos, na Espanha,com três navios. O Santa Maria,capitaneado por Colombo;Pinta, sob o comando deMartin Alonso Pinzón; e Nina, dirigidopor Vicente Yañes Pinzón. Depois de váriosconflitos com a tripulação, em 12 deoutubro de 1492, o vigia do Pinta, Rodrigode Triana, gritou: “Terra!” Desembarcaramna ilha de Guanahani, nas Antilhas,que Colombo batizou de São Salvador. Aexpedição foi patrocinada pelo Estado – acoroa espanhola. Enfim, o mundo descobriusua geografia redonda com dinheiroe investimentos públicos.Criada em 1958 pelo governo dos EstadosUnidos, a estatal Nasa investiu 20bilhões de dólares e coordenou o trabalhode 20 mil companhias privadas e 300mil trabalhadores, que desenvolverame fabricaram componentes e peças, antesde o astronauta Neil Armstrong pisarna Lua, em 1969. Em 20 de julho, às23h56min (hora de Brasília), o mundoparou diante da televisão para assistir àprimeira transmissão ao vivo, via satélite.“Um pequeno passo para um homem,


to”. Para o ex-ministro, setores como os deenergia e de transporte rodoviário, doisdos principais focos de investimentos doplano, poderiam contar com maior participaçãodos investidores privados em suanecessária expansão.É unânime, porém, que o aumentodos investimentos é chave para tornar ocrescimento da economia mais robusto,saudável e sustentável. Para alguns analistasdo mercado financeiro, o PAC, sópor prever investimento estatal, tem ineficiênciade berço. Mas esse viés ideológicodo debate não resiste aos números.Conforme estudo feito pelo BNDES,quando se compara o custo médio da máquinapública nos períodos 2000-2002 e2003-2005, os gastos com pessoal e encargossociais da folha registram quedade 6,8% no período – de 5,6% do PIB para5,22%. No mesmo período, os recursosdestinados aos gastos previdenciários eassistenciais e os realizados em educação,saúde e no combate à pobreza cresceram13,1% – passando de 9,26% do PIB para10,48% . Ou seja, os “gastos da máquina”que cresceram, conforme o BNDES, visamà redução das desigualdades. O governoLula está, portanto, gastando maiscom os mais pobres, mas não gastandomais do que arrecada. Ao contrário.O governo FHC teve como meta “economizar”o equivalente a 3,75% do PIB.Neste segundo mandato, o governo Lulapretende fazer uma economia maior, de4,25% do PIB (a meta obtida em todo oprimeiro mandato), mas se comprometea gastar o equivalente a 0,5% do PIB “economizado”em investimentos. Ou seja, aousadia do governo Lula consiste em obter,ao mesmo tempo, a redução da relaçãodívida e PIB – o que FHC nunca conseguiu– e o aumento dos investimentos.banco do Brasil A Rede de Comercialização Solidária de Agricultores Familiares eExtrativistas do Cerrado conta com apoio do BB, que responde por 57% do financiamentoagrícola do país, cerca de 33 bilhões de reais, um terço vai para agricultura familiarFerramentasEssa “economia” (para pagar a dívida)pode ser feita de várias formas. Uma delasé aumentar os dividendos pagos pelas estataisfinanceiras, como o Banco do Brasil,Caixa e BNDES. Esses três foram responsáveispor 44% dos dividendos recebidospela União de 2002 a 2006, em média, tendênciaque deve se manter.Muito além do PAC e dos dividendosque geram, esses bancos públicos são ferramentasvitais para que o Estado interfirano desempenho da economia. O Bancodo Brasil, por exemplo, responde por57% do financiamento agrícola do país.São 33 bilhões de reais, dos quais 6 bilhõesem refinanciamentos, 27 bilhões emdinheiro novo e um terço dos recursospara a agricultura familiar. “O Banco doBrasil assume, de fato, o papel de um bancopúblico”, afirma André Pessoa, sóciodiretorda Agroconsult. Para Pessoa, nãoé possível imaginar o sucesso do setor deagronegócio no Brasil sem a participaçãodo Banco do Brasil.No ano passado, a Caixa EconômicaFederal aplicou 18,1 bilhões de reais emdesenvolvimento urbano, dos quais 13,8bilhões em habitação e 4,2 bilhões em saneamentoe infra-estrutura. “O resultadoestá aí: recorde na aplicação de recursosdo FGTS, recorde nos investimentos de recursosda Caixa e no atendimento às famíliasde baixa renda”, afirma Maria FernandaRamos Coelho, presidente da instituição.Os recursos em habitação atenderam 600mil famílias, das quais 73% têm rendamensal bruta de até cinco salários mínimos.Apenas com recursos do FGTS foramaplicados 7,3 bilhões de reais. Os demaisbancos emprestaram 6,2 bilhões.O papel dos investimentos em construçãocivil é tão importante para a economiae a geração de empregos que o PAC prevêinvestimentos de 106 bilhões de reaisem habitação até 2010. Os 40 bilhões dereais para obras de saneamento previstosFundação Banco do Brasil/divulgação10 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Paulo Santos/divulgaçãoTucuruÍ comforça totalO físico LuizPinguelli Rosaacredita nummodelo de Estadomais agressivo nosinvestimentos. Parao ex-presidenteda Eletrobrás,a estatal, que ésuperavitária,poderia captarrecursos noexteriorno plano equivalem a um incremento de150% na comparação com o que foi investidoentre 2002 e 2005. A meta é aumentarpara 55% o número de domicílios ligadosdiretamente à rede coletora de esgotos, oque beneficiaria 7,3 milhões de moradiase 25,4 milhões de pessoas. No ano passado,48% dos domicílios brasileiros eramligados diretamente à rede de esgotos. Amédia nacional é puxada para cima graçasaos números da Região Sudeste, 84%.No Nordeste, o percentual é de 30%; Centro-Oeste,35%; Norte, 8%; e Sul, 55%.RefluxoDesde meados da década de 90 o setorde energia tem sido foco de polêmicas.O governo Fernando Henrique Cardosoimplementou um modelo baseadona privatização. A gestão Lula concebeuum novo modelo, com regras que impuserammaior controle do Estado. “Nos últimos30 anos, os investimentos públicosdiminuíram cinco vezes, correspondendoatualmente a 0,5% do PIB”, diz CláudioSales, presidente do Instituto AcendeBrasil. “Isso mostra que a capacidadede investimentos do Estado é limitadíssima.”Edmílson Moutinho dos Santos,professor do Instituto de Eletrotécnicae Energia (IEE) da Universidade de SãoPaulo, observa que a América Latina viveuma onda de “refluxo do neoliberalismo”e destaca que não é só a capacidade de investirdo Estado que é limitada. “Existeuma tendência, em momentos de insegurançaem relação a suprimento de energia,de o capital privado se ausentar”, observa,acrescentando que esse capital nãoaparece sem garantia de retorno rápido.O economista Fábio Silveira, da RCConsultoria, insiste que oEstado nunca foi um “empresárioeficiente”. Para ele,reduzir o superávit primáriopara alavancar investimentos“é uma escolhaque trará resultados positivosno curto prazo, masque pode deixar desequilíbriosque prejudicarão opaís mais à frente”. Silveiraacredita que o ideal seria aredução dos juros como forma de induçãoao crescimento. Para isso, é necessárioalterar a estrutura tributária, “tarefaespinhosa”, diz.A redução do superávit com o objetivode permitir maior nível de investimentosdas estatais foi a principal bandeira do físicoLuiz Pinguelli Rosa quando esteve nocomando da Eletrobrás, em 2003. A posturade confronto com a área econômicacontribuiu para que deixasse o governo.A ousadia dogoverno Lulaconsiste em obter,ao mesmo tempo,a redução darelação dívida ePIB – o que FHCnunca conseguiu– e o aumento dosinvestimentosHoje professor de Planejamento Energéticona Universidade Federal do Rio deJaneiro, Rosa não está contente com oPAC, mas não pelas mesmas razões domercado. Ao contrário. O físico acreditaque as estatais deveriam atuar diretamentenos empreendimentos, sem parceriascom empresas privadas. “A Eletrobrástem receita de 20 bilhões a 30 bilhões dereais, tem boa engenharia,está no azul e pode captarrecursos no exterior”, afirma.“A ministra Dilma temvisão desenvolvimentistade esquerda, mas não suficientementeà esquerda.”O diretor de Gás e Energiada Petrobras, Ildo Sauer,considera que o Brasil necessitapromover um planode investimentos compartilhadocom a iniciativa privada, embora,pessoalmente, prefira uma atuação estatalmais forte. Ele acrescenta que existeuma bolha de capital disponível no mundo,da qual empresas como a Petrobras oua Vale do Rio Doce podem captar recursoscom juro mais baixo e contribuir paraa construção de uma infra-estrutura combaixo custo. “Se o Brasil souber captar essesinvestimentos, não poderá discriminarquem irá fazê-los”, observa Sauer.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 11


entrevistaPronto para oconfrontoPaulo Henrique Amorim diz que o monopólio da mídia no Brasil não temparalelo no mundo e que a imprensa trabalha para abreviar o mandatode Lula. Mas vê sinais de mudança nas comunicações no paísGosto dedemocracia,de confronto,de pau. Não depensamentoúnico.Durante ahegemonia doneoliberalismo,aqui impostopor FHC e aimprensa queo cerca atéhoje, criou-seum sistema depensamentoúnicoPor Paulo Donizetti de Souza e Nicolau SoaresQuando Mino Carta comandou a criaçãoda Veja, em 1968, Paulo HenriqueAmorim estava por perto, e acabousendo o primeiro correspondenteda revista em Nova York. Hoje, ele fazquestão de observar que Mino abomina a cria. Dizque considera Veja uma publicação de extrema direita,mas só quando está bonzinho – em seu estado“normal”, chama-a de boletim do pensamento fascista.Graduado na Fundação Escola de Sociologiae Política, de São Paulo, sua formação jornalística,segundo ele próprio, deu-se na imprensa escrita.Em 2005, lançou em parceria com a jornalista MariaHelena Passos Plim-Plim – A Peleja de Brizolacontra a Fraude Eleitoral (Editora Conrad), livro-reportagemsobre o Caso Proconsult, uma tentativade fraudar as eleições para governador do Rio deJaneiro em 1982.No meio eletrônico, Amorim abriu o escritório daGlobo em NY – depois passou por Band, Cultura eRecord, onde permanece, apresentando o programaDomingo Espetacular. Inaugurou as coberturas emtempo real para webTV no antigo Zaz e estreou como multimídia UOL News em 2000. Hoje, hospeda noIG seu site Conversa Afiada.O jornalista acredita que a imprensa “trabalhou,trabalha e trabalhará” pela abreviação do mandatodo presidente Lula e que a mídia é antitrabalhista, eportanto anti-Lula, desde a era Getúlio. Mas crê queo mundo das comunicações dá vários sinais de queestá em processo de mudança no país. Amorim deixaclaro que não gosta de FHC, da Globo, da imprensafarisaica, do Ronaldinho “Fenômeno”, de quem falamal do Rio de Janeiro e de nordestinos. O que elerealmente gosta é de confusão.A TV ainda é o veículo mais influente sobrea sociedade não-organizada. Como você vêo desempenho da TV brasileira na formaçãoda inteligência dos cidadãos?A TV brasileira não nasceu para isso. Ela copiou omodelo americano, que se opôs ao inglês. O modeloinglês veio do rádio. A BBC rádio inspirou a criaçãoda televisão. A certa altura da história americana,com o presidente Roosevelt, o governo teve de escolherentre fazer televisão pública ou privada. Rooseveltescolheu televisão e rádio privados porque eletinha 100% dos jornais americanos contra ele. Então,fez um acordo com os donos de emissoras e deixou alegislação correr na linha da privatização para poderchegar ao povo americano. Roosevelt fez uma reformainstitucional muito importante do ponto de vistados programas sociais. E essa opção política casoucom os interesses econômicos nos Estados Unidosde tal maneira que, quando a televisão saiu da costelado rádio, ela já era uma televisão privada.E o Brasil?Já saiu inspirado pelo modelo americano. A televisãobrasileira já nasceu com o grande conglomeradodo Chateaubriand, que foi substituído pelo conglomeradoGlobo. E a cumplicidade, o vínculo entre oEstado brasileiro e a Rede Globo foi tão profundoque se chegou a uma situação que durante muitotempo permitiu que a Globo, com 50% da audiência,tivesse 75% da verba publicitária – uma situaçãosem paralelo num regime democrático. Essa anomaliaque fez com que a TV brasileira não só não desempenhasseo papel de formar os brasileiros comotambém se tornasse um monopólio virtual, na prática,de um único grupo de televisão, um grupo conservadore que interfere no processo político sempreno lado não-trabalhista.12 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


paulo pepe2007 ) março ) Revista do Brasil ( 13


A TVnão cumpreo papel deformar osbrasileirose se tornoumonopóliovirtual de umúnico grupo,conservador,que interfereno processopolíticosempre nolado nãotrabalhistaA que você atribui esse desempenho? Competênciaestratégica empresarial?Foi uma combinação. Beneficiou o regime militare foi explorada empresarialmente muito bem por RobertoMarinho, que conseguiu sufocar os concorrentes,e escolher os concorrentes. A certa altura do governoGeisel, Roberto Marinho escolheu os adversários. Escolheuo grupo Manchete e o grupo Silvio Santos. Ouseja, ele não só criava as condições que o beneficiavamcomo escolhia com quem queria brigar.Como essa situação começa a mudar?O que muda agora são três fenômenos paralelos.Um é que pela primeira vez a Globo tem umpaulo pepeadversário com grana, a Record. Pela primeira veztem um adversário com dinheiro para enfrentá-lano terreno dela, que é a telenovela. Segundo lugar:pela primeira vez na história do Brasil o governonão é amigo dela. Para o meu gosto, o governo Lulatrata a Globo bem demais, mas não como a tratavamFernando Henrique, José Sarney, e todos osgovernos militares.Mas há quem diga que o ministro das Comunicações,Hélio Costa, é um braço da Globono governo.Não, porque o poder saiu do Ministério das Comunicações.O poder hoje está nas mãos de DilmaRousseff (ministra-chefe da Casa Civil).E terceiro...A democratização do acesso através dos meios decomunicação via internet.Guardadas as devidas limitações da exclusãodigital.Claro, mas elas estão diminuindo. Tem aí o computadorpopular, a instalação de computadores nasescolas públicas, as lan houses. Está acabando o monopólio.Vem aí a revolução do vídeo na internet.Essa coisa monolítica Jornal Nacional-falou-tá-faladonão é mais assim, não. Eles deram o golpe noprimeiro turno, mas não conseguiram no segundo.Alckmin teve no primeiro turno mais votos que nosegundo. E Lula teve contra Alckmin mais votos doque contra Serra.Fale um pouco da sua história, da sua formaçãoprofissional.<strong>Eu</strong> me formei em imprensa escrita. Fui para a televisãocom mais de 40 anos. Minha carreira chegounum ponto em que eu não tinha mais para onde irna imprensa escrita. Fui trabalhar primeiro na TVManchete, depois na Globo, e depois fui para Bandeirantes,Cultura e hoje Record. Minha formação éde jornalismo escrito e por acaso eu me dei bem emtelevisão. Deus me beijou na testa e eu tenho facilidadede me comunicar com a câmera, portanto, como público. Mas minha escola jornalística é a do MinoCarta na Veja. É uma coisa quase pré-histórica.Você diz que a Veja é uma revista de direita.Isso é quando eu estou bonzinho, generoso. A Vejahoje é o boletim do fascio. O Mino repudia a Veja.Como você avalia sua conduta profissionalnas eleições, no pós-eleições, na relaçãocom a política?Por causa do meu trabalho de televisão, procureiser um jornalista, digamos, não-engajado. Porém,a certa altura, achei que meu trabalho na TV14 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Para omeu gosto,o governotrata a Globobem demais,mas pelaprimeira veznão é amigodela; nãotrata comoa tratavamFernandoHenrique,José Sarney, eos governosmilitarespaulo pepecracia, de confronto, de pau. Fui formado assim, soufilho de uma família de classe média baixa e passei aminha vida lutando, eu gosto disso. O que não gostoé de pensamento único. E durante a hegemonia doneoliberalismo, codificado por Margaret Thatcher epor Ronald Reagan, e aqui imposto por FernandoHenrique e a imprensa que o cerca até hoje, criouseum sistema de pensamento único. É isso que euacho que tem de ser desmontado. Acho que essa éminha modestíssima contribuição como jornalista.Não significa que eu seja petista, socialista, nada. Souapenas um jornalista que gosta de confusão.Você acredita que os meios de comunicaçãopodem caminhar para um futuro em que tenhammaior compromisso humanista?A idéia que vem por aí é a seguinte, professor. É adesprivatização dos jornais. Um cara chamado StevenRattner (banqueiro e investidor que já foi repórter doNYT e hoje administra o Quadrangle Group, empresade investimentos em meios de comunicação) defende aseguinte tese: a democracia precisa de jornal independente,objetivo, que não pode tomar partido. Tomapartido na página de opinião e o resto é fato, fato, fato.Aqui nos jornais brasileiros até o horóscopo é partidário,a previsão do tempo. A livre-iniciativa não temgrana para fazer bons jornais independentes. Não seesqueça de que o setor industrial que mais sofre hojeno Brasil é o da imprensa escrita, e é por isso que elestêm esse mau humor. Rattner diz que precisamos criarum novo modelo de negócios para sustentar os jornais.Qual? Fundos públicos, doações de bilionárioscaridosos e humanistas, fundações, sistema de subsídios,como na BBC. Essa combinação deverá garantirum número mínimo de jornais independentes. Éo que ele chama de desprivatização dos jornais. E euacho que é para isso que nós vamos.Os brasileiros têm condições de saber o queestá acontecendo na América do Sul atravésdos nossos jornais?Não, a nossa cobertura internacional é grotesca.Os jornais brasileiros não prestam. A rigor, não temo que ler. Começa que cinco páginas são dedicadasà reforma ministerial que non me ne frega niente.Que me frega quem vai ser ministro das Cidades?Não muda a natureza do café que eu tomo no boteco,com mais ou menos açúcar. Se Marta vai ser ministra,que me interessa? Faça uma enquete na rua epergunte o nome do ministro das Cidades. Ninguémsabe, e é bom que não saiba, não precisa saber, nãointeressa. Por que eles fazem isso? Para demonstrarque Lula não sabe decidir. Era uma coisa que se diziade Getúlio também. Ele ficou com a fama de quecriou a frase “deixa estar para ver como é que fica”. Efoi o homem que mais mudou as estruturas sociaisdo Brasil. E ele mudou o país, mudou o Código deMinas, a lei de gestão do trabalho, criou a Petrobras,a Eletrobrás, mulher passou a votar.Você está acompanhando a cobertura da craterado metrô de SP?Estou esperando o presidente-eleito José Serra sepronunciar sobre o assunto. <strong>Eu</strong> tenho chamado JoséSerra assim porque ele não foi eleito nem prefeitonem governador de São Paulo. Foi eleito presidentee vai assumir em 2010. No intervalo, vai ter de daruma arrumada em São Paulo para não atrapalharmuito, mas ele vai assumir em 2010, está escrito. Acratera se abriu há 45 dias. O que Serra já falou sobreo assunto? Nada! Ele está esperando a imprensaparar de falar no assunto, ele tapa aquele buracoe acha que ninguém vai se lembrar de que aquilose abriu no governo dele, e foi construído pelo antecessordele. Ele não fala mal nem do antecessor,nem do consórcio, nem de ninguém. Não fala malnem da chuva.Nem do modelo de gestão.Aquilo foi construído por um modelo de gestãochamado porteira fechada, que é a coisa mais bemelaborada para se roubar. Como é que se rouba? Fazendoo modelo de porteira fechada. Como se roubamelhor ainda? Fazendo esse modelo no período préeleitoral.A combinação desse modelo com eleição éótima para administrador de má-fé e concessionáriode má-fé. O que é inexplicável, inaceitável, é José Serranão dizer uma vírgula sobre o assunto. Ele não dizmais 4, ele conta Linha 1, 2, 3, 5, para não lembrar daLinha 4. Mas vamos agora fazer a gênese disso. Eleconta com a imprensa de São Paulo. Ontem estiveramaqui em São Paulo três senadores da República.Um do PT, Aloizio Mercadante, um do PSDB, FlechaRibeiro, e outro do PSDB, Eduardo Suplicy.Suplicy é do PT...Você acha?... Os três senadores vieram aqui inspecionaro que estava acontecendo na Linha 4. Serraligou para todos os jornais do país e conseguiuimpedir que saísse uma mísera linha sobre a visita.Uma mísera! Ela não está administrando São Paulo,está administrando a imprensa para que ela nãofale da Linha 4. Ele está contando com que o assuntomorra.E o debate da redução da maioridade penal?Sou a favor da redução, acho que a lei penal brasileiraé frouxa, a lei de execuções penais é frouxa.Acho que político brasileiro tem medo de bandidoe sou a favor de uma lei muito mais rigorosa. Agora,tem causas sociais, tem de mandar o cara para aescola, tem de fazer um apoio para a comunidade,uma série de coisas. Mas a primeira coisa é mudaro Código Penal.16 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


saúdeDe olho nos rinsEspecialistas em doençasrenais fazem campanha paracombater a desatenção e adesinformação. Diagnósticoprecoce e tratamentoadequado podem manteros rins trabalhando sematrapalhar a vida deseu donoPressão em diaA professoraAlexandratem metadeda capacidaderenal, mas comacompanhamentoleva uma vidanormalPor Cida de OliveiraAnálise de urina e creatininano sangue. São exames simples,mas sua função é nobre:revelar possíveis alteraçõesno funcionamento dosrins e mostrar se as impurezas estão sendofiltradas e expelidas adequadamentepelo organismo. Resultados alterados sinalizamque esses órgãos podem não estartrabalhando como deveriam. Os rins eliminamtoxinas e ainda contribuem para aformação do sangue, estimulando a produçãodos glóbulos vermelhos – responsáveispelo transporte de oxigênio às células.Também regulam a pressão sanguíneae o balanço químico de líquidos docorpo. Por isso precisam trabalharem plenas condições.“A doença renal crônica podelevar à perda progressiva e irreversívelde todas as funçõesdos rins, e isso hoje é questãode saúde pública”, alertaGianna Mastroianni Kirsztajn,da Sociedade Brasileirade Nefrologia (SBN) e coordenadorade uma campanhade prevenção (veja no destaque).Quase 2 milhões de brasileirossofrem do mal e 60%deles nem desconfiam. O pior éque esse número pode estar subestimado.Enquanto no Brasil aestimativa considera o risco paraquase 2% da população, nos EstadosUnidos, onde há maior rigorna notificação de ocorrências,a incidência deve atingir 20 milhõesde pessoas, ou quase 7%.Além de dificultar a vida dos pacientes,o problema é oneroso para o sistemapúblico de saúde, que com diálises etransplantes para pacientes em estágiosmais avançados gasta em torno de 1,4bilhão de reais por ano. O aumentodos casos se deve principalmente aoavanço do diabetes, que no Brasil – oitavopaís no ranking mundial – afeta 10milhões de pessoas. Em 2000, eram 4,6mauricio morais18 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


voluntária Os problemas renais de Maria Aparecida começaram aos 20 anos e só seresolveram quando ela recebeu um rim do irmão. Hoje ela é voluntária no Hospital São Paulomilhões. Essa disfunção provoca acúmulode açúcar no sangue, o que danificavasos e nervos. Como eles existem emtodo o corpo, qualquer órgão pode serprejudicado seriamente, inclusive os rins.A lesão renal também tem como causa apressão alta, presente em 30 milhões debrasileiros, dos quais uma escassa parcelacontrola a doença. Resultado: de cada dezpacientes com lesão renal terminal, seteestão com a pressão elevada.A doença renal crônica pode ainda resultarde inflamações de origem desconhecida,assim como de outras doençasque acabam por repercutir nos rins, comprometendoseu funcionamento. É o casodo lúpus eritematoso sistêmico – distúrbiode causas desconhecidas caracterizadopor alterações no sistema imunológico. Osportadores desenvolvem anticorpos quereagem contra as células normais do próprioorganismo, atingindo assim pele, articulações,rins e outros órgãos.A professora de Sociologia AlexandraTopal Celli, de 35 anos, descobriu aos 18que tinha lúpus. Em seguida, uma biópsiarevelou um grave quadro de nefrite (inflamaçãorenal). A capacidade funcionalde seus rins caiu a 40%, exigindo tratamentointenso e prolongado. Passada afase mais aguda, ela foi tratada com medicamentospara normalizar a pressão arteriale controlar a proteinúria – presençade proteínas na urina devido à lesãorenal. “Meus rins hoje funcionam commetade da capacidade, mas consigo levaruma vida praticamente normal”, dizAlexandra.O diagnóstico precoce é fundamental.“O controle adequado das taxas de açúcarno sangue e dos níveis de pressão, com dietas,exercícios físicos recomendados pormédicos e, quando for o caso, medicamentos,pode curar a lesão nos rins ou retardarsua falência”, explica a nefrologista GiannaKirsztajn. O que a preocupa é que o problema,em muitos casos, só dá sinais quandoestá em estágio avançado. Quando osrins já não funcionam adequadamente, háa necessidade de fazer diálise.Foi o que aconteceu com a costureiraaposentada Maria Aparecida Aversente.Aos 20 anos, ela desmaiou na ruae foi levada a um hospital. Somente dezdias depois fez exames que detectaramseus problemas renais e foi direto paraa diálise. Diferentemente da hemodiálise,que consiste na filtragem artificialdo sangue por meio de equipamentos, adiálise peritonial aproveita o revestimentointerno abdominal do paciente para fazeresse trabalho. A aposentada ficou internadapor dois meses e meio, submetida aotratamento. Com a função renal parcialmenterecuperada, seu tratamento passoua ser à base de dieta e medicamentos.“Não foi fácil. Para ajudar, recorri aacupuntura, massagens, psicoterapia e àfé. Muita gente não acreditava que eu sobreviveria”,conta Aparecida. Em 2002, jáaos 43 anos, recebeu um rim do irmão esua vida mudou. O trabalho voluntárioque fazia desde os anos 80 foi intensifica-A importância dos rinsdo. Ela dedica dois dias na semana ao setorde transplantes do hospital da UniversidadeFederal de São Paulo e participa decampanhas preventivas. O trabalho aindaé de formiguinha. Requer muita atençãotanto dos pacientes quanto da própriaclasse médica. Se hoje há 70 mil doentesrenais fazendo diálise, outros 80 milque já deveriam estar submetidos ao tratamentonem sabem – e talvez nem venhama saber – que estão doentes.Saiba maisAcesse www.sbn.org.br, clique em “CampanhaNacional de Prevenção de Doença Renal” eobtenha material informativo gratuiton Limpam do sangue toxinas nocivas, eliminando-as pela urinan Regularizam concentrações de cálcio e fósforo e contribuem para a saúde dos ossosn Ajudam na maturação dos glóbulos vermelhos, cuja falta pode causar anemian Contribuem para o controle da pressão arterial. A hipertensão prolongadadanifica vasos sanguíneos, causando falha renalSão sintomas de doença renal crônican Náuseas, fraqueza, fadiga, desorientação, dificuldade respiratória, palidez,inchaço nas pernas, rosto, olhos, ou no corpo todo. Urina com espuma ouavermelhada indica presença de sanguen Devem fazer exame de urina e de creatinina no sangue pessoas que sentem ossintomas aciman Exames são também recomendados para pessoas com histórico familiar dediabetes ou pressão alta; pessoas acima do peso recomendado; com 65 anos deidade ou mais; com doenças cardiovasculares (infarto, angina ou dor no peito)mauricio morais2007 ) março ) Revista do Brasil ( 19


violênciaAlguns políticos ejornais receitam o ódiocomo remédio contrao crime e atacam oEstatuto da Criança e doAdolescente. Mas poucoou nada fazem pelo seuefetivo cumprimento,que é onde está boaparte da verdadeirasoluçãoMais sabedoria,menos histeriaJoão Wainer/Folha ImagemPor Nilmário MirandaEm 8 de fevereiro o Brasil entrou em estadode choque. Uma gangue rouba um carroe arrasta por 15 minutos uma criança de6 anos, João Hélio, presa ao cinto de segurança,ignorando todos os avisos. A indignaçãotomou conta de todos. A gangue era compostapor cinco pessoas; um deles é adolescente, tem16 anos, seu irmão de 23 era o chefe. Os pais de umdos assaltantes o denunciaram à polícia e se solidarizaramcom os pais de João Hélio.Nas semanas seguintes, jornais e rádios do Rio,emissoras de TV e vários políticos recorrem, comsensacionalismo e tom emocional, beirando a histeria,a uma verdadeira campanha pela redução damaioridade penal para 16 anos (apesar de só um doscinco da gangue ser menor de 18 anos) e contra o Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA). Como seesta questão – os crimes praticados por adolescentes– fosse a causa principal da violência.No dia seguinte, 9 de fevereiro, o presidente Lula,que estava em Salvador lançando campanha contra aexploração sexual de crianças e adolescentes duranteo Carnaval, falou de improviso. Contou que ele edona Marisa ficaram estarrecidos com a brutalidadecontra João Hélio, mas pediu reflexão e prudência,alertando que a redução da maioridade penalnão é a solução para a criminalidade e a violência.Dias depois reuniu os líderes de partidos aliados erecomendou-lhes evitar “legislação de pânico”. Vozessensatas se manifestaram enriquecendo o debatesobre a violência e a criminalidade. A presidentedo Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie,alertou: “Direcionar tudo em relação aos menoresme parece uma atitude persecutória em relaçãoà nossa infância”.O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,apontou medidas concretas para reduzir a impunidadee a insegurança da sociedade com o sistemade Justiça: acelerar a tramitação dos processoscriminais nos tribunais do júri, com a permissãopara ouvir testemunhas de defesa e acusação numamesma audiência; impedir adiamentos de audiênciassem motivos relevantes; acabar com a figura donovo júri quando a pena exceder 20 anos. A Folhade S.Paulo foi um dos poucos jornais a recusar ofulcro do debate na punição a crianças e adoles-20 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


centes e indicou também medidas concretas parareduzir a criminalidade.Vale lembrar que um grupo de criminosos, falandode celulares de dentro dos presídios, aterrorizoue paralisou a maior cidade do país há menos de umano. Neutralizar a criminalidade de dentro dos presídios,impedir celulares nas prisões, viabilizar a revistaem advogados, acelerar os processos nos tribunaisdo júri são medidas necessárias.A certeza da punição e a eficiência na aplicação dapena são mais relevantes que a sua duração. O governoestá no rumo certo ao investir na integraçãodas polícias, criar prisões federais seguras, apostar nareforma do Judiciário e colocar na agenda a reformados Códigos para acelerar os processos. O Senadocontribuiu ao votar projeto de lei do senador AloizioMercadante (PT-SP) agravando a pena de criminososque usam menores nos crimes.OportunismoToda vez que ocorre um crime grave envolvendoadolescentes, políticos e a mídia conservadora responsabilizamo ECA. Por que o ódio? Na verdade, oEstatuto é muito pouco conhecido, apesar de já ter17 anos de vida. São 271 artigos baseados nos artigos227, 228 e 229 da Constituição Federal. O 227 éo principal deles: “É dever da família, da sociedade edo Estado assegurar à criança e ao adolescente, comabsoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,à educação, ao lazer, à profissionalização,à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivênciafamiliar e comunitária, além de colocá-losa salvo de toda forma de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão”.Como se vê, poucos governantes podem dormircom a consciência tranqüila do dever cumprido. Oartigo 228 estabelece a responsabilidade penal aos 18anos e uma legislação especial para as infrações cometidaspelos menores. A implementação do ECA éprecária, sobretudo nos estados mais importantes. OECA deveria fazer parte dos currículos dos cursos deDireito, Pedagogia, Serviço Social e Psicologia, masnão é o que acontece. O Estatuto não só é desconhecidocomo é escandalosamente descumprido sem despertara indignação das elites e da grande mídia. Queefeito teria a redução caso fosse aprovada?Hoje há cerca de 15.500 adolescentes com medidasde internação. Destes, 12 mil com mais de 16 anosseriam tirados de instituições socioeducativas paraas prisões superlotadas.Vozes sensatas se manifestaram enriquecendo o debate sobre a violência e a criminalidade.A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie, alertou: “Direcionar tudo emrelação aos menores me parece uma atitude persecutória em relação à nossa infância”Sérgio Lima/Folha Imagem2007 ) março ) Revista do Brasil ( 21


Mesmo em São Paulo, que insiste na falida Febem, há instituições que funcionam. Em todoo país existem instituições adequadas e práticas criativas com a aplicação do que pede o ECALalo de Almeida/Folha ImagemO país tem 190 mil vagas no sistema prisional, ondese espremem 390 mil presos. Sete em cada dez infraçõescometidas por adolescentes são contra o patrimônio,furtos e roubos, e passíveis de ressocialização.Os estados não investem na liberdade assistida, naprestação de serviços à comunidade e na semiliberdade,que comprovadamente dão bem mais resultado.Os mesmos governantes e políticos que queremimputabilidade aos 16 anos e aumento nas duraçõesdas medidas pouco ou nada fazem para reformarinstituições superlotadas, com déficit em assistênciamédica, educação, profissionalização, atividadesesportivas. Faltam educadores, assistência psicológicae jurídica. A Secretaria Especial dos DireitosHumanos e o Conselho Nacional dos Direitos daCriança e do Adolescente (Conanda) investem nainstituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo(Sinase), com ênfase nas iniciativas demeio aberto, mas estabelecendo um padrão mínimoe melhor para a internação. Os adolescentes esuas famílias denunciam o uso freqüente de métodosviolentos, incluindo a tortura. Dos 15.500 adolescentesinternados, apenas 4% concluíram o ensinofundamental!Mesmo em São Paulo, que insiste na falida Febem,há instituições que funcionam, como na cidade deSão Carlos. Em todo o país, existem instituiçõesadequadas e práticas criativas com a aplicação doque pede o ECA: instituições regidas por educadores,com 30 a 40 adolescentes que apresentam baixareincidência. A delinqüência juvenil tem causas variadase complexas, e as políticas de prevenção devemter precedência.ResultadosDe modo geral, é um fenômeno de regiões metropolitanase de grandes cidades. Segundo a Unesco– órgão das Nações Unidas dedicado à infância – ea Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidênciada República, há em torno de 8 milhões deadolescentes e jovens adultos que saíram da escolano ensino fundamental e não se profissionalizaram,a maioria de famílias desestruturadas.Para esses jovens, estão rompidas as etapas naturaisdo ciclo juvenil: a conclusão dos estudos, a entradano mundo do trabalho, a saída da casa paterna,a construção da própria família. Centenas de milharesdesses jovens pensam o futuro na ótica do risco.A promotora de Infância e Juventude de Belo HorizonteMaria de Lourdes Santa Gema coletou dadosassustadores. Só na capital mineira, em 18 meses (janeirode 2005 a junho de 2006), 1.074 jovens foram22 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


executados com tiros na nuca. Quase todos negros,moradores de favelas, vítimas de guerra do tráfico,por gangues rivais ou por extermínio. São imediatamentesubstituídos por outros.Direcionar o debate sobre segurança pública à puniçãode crianças e adolescentes revela um traço dediscriminação e preconceito, que não deixa de seruma herança da Casa Grande. A escola era proibidapara os filhos dos escravos e obrigatória para os filhosdos senhores. O menino branco era consideradopequeno adulto aos 13 anos e aprendia a ter autoridadecom os escravos. Era estimulado a castigaros negros desobedientes e a seduzir as negras. Oitomilhões de negros e pardos, de uma população de13 milhões em 1888, eram analfabetos sem preparoprofissional para novas ocupações após a Abolição.Nas maiores cidades surgem cortiços e favelas e, naturalmente,a delinqüência.As elites traçaram novas teorias educacionais. Entreas mais progressistas, o higienismo apregoava a salvaçãopela educação, disciplina e controle. Segundo teoriasvigentes, os filhos da elite teriam uma tendêncianatural à virtude, enquanto os filhos da maioria, das“classes perigosas”, seriam propensos à vagabundagem,ao crime, ao alcoolismo, à ignorância.As crianças tenderiam a reproduzir o comportamentodos pais. Tanta gente neste país que suspirasaudosismo e lamenta a extinção dos reformatórios,internatos, do famigerado SAM. Reclamam da proibiçãodo trabalho infantil e gostariam que os “pivetes”fossem transferidos para colônias agrícolas naAmazônia. A discriminação e o preconceito com ascrianças da maioria atravessaram os séculos.Hoje, importantes medidas de combate à exclusãovêm sendo gradativamente implantadas. O governofederal criou uma Secretaria e um Conselho Nacionalde Juventude, há 700 mil jovens participando de programascomo Pró-Jovem, Agente Jovem, EmpreendedorismoJovem, Escola de Fábrica, Soldado Cidadão,entre outros. O ProUni atende mais de 200 mil jovens.Escolas técnicas estão sendo expandidas.No entanto, ainda falta um esforço nacional envolvendomunicípios, estados, empresas e sociedade.Medidas socioeducativas, comprovadamente eficazesna recuperação de menores infratores, existemem algumas regiões do país, mas ainda não predominam.Falta potencializar os investimentos em educaçãode qualidade para todos. “A solução para a criminalidadenão vai acontecer num passe de mágica,mas por ações coordenadas”, acredita o presidenteLula. O Estatuto da Criança e do Adolescente foi umsalto no rumo da inclusão, pela primeira vez na nossahistória, na cidadania da nossa infância.E aí? Não vamos fazer nada?Direcionar o debate sobre segurança pública à punição de crianças e adolescentes revela umtraço de discriminação e preconceito, que não deixa de ser uma herança da Casa GrandeMarlene Bergamo/Folha Imagem2007 ) março ) Revista do Brasil ( 23


especialjr. panelaO nome da leiMaria da Penha denunciou a agressãodo marido e a ineficiência da Justiça. Suapersistência conquistou a lei que ampliaa proteção das mulheres contra aviolência doméstica24 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Por Túlio MunizDois acontecimentos mudaram significativamentea vida de Maria da PenhaMaia Fernandes nas últimas duas décadas.O primeiro, trágico, deixou-a paraplégicaaos 37 anos, em 1983, quandoo próprio marido, Marcos Antonio Heredia Viveros,deu-lhe um tiro nas costas enquanto ela dormia. Osegundo acontecimento, heróico, foi em 2006, quandoela presenciou, no Palácio do Planalto, a promulgaçãoda Lei da Violência Doméstica e Familiar Contraa Mulher, Lei n° 11.340/06, ou simplesmente a“Lei Maria da Penha”.O objetivo é aumentar a proteção contra agressõesfamiliares (de maridos, companheiros ou parentes),inclusive do mesmo sexo, seja de forma física, psicológica,sexual, patrimonial, seja moral. Não serãomais aplicadas penas leves, como trabalho voluntárioe cestas básicas. Estão previstos juizados especiaise atendimento policial específico, o agressor poderáser preso em flagrante e, em contrapartida, a mulhersó poderá retirar a queixa perante o juiz.A farmacêutica Maria da Penha dá nome à lei porter persistido na denúncia da ineficiência da Justiçana apuração e condenação de seu agressor. Duassemanas depois da primeira tentativa de assassinato,em maio de 1983, o ex-marido, professor universitário,tentou eletrocutá-la na hora do banho. Oagressor foi condenado, apelou, teve o julgamentocancelado com erros judiciais e passou apenas 30meses na prisão.Para Penha, a agressão sofrida só foi minimizadaquando, em outubro de 2002, poucos meses antes daprescrição do crime, Marcos Antonio foi julgado econdenado a 19 anos de prisão, os quais cumpre hojeem regime semi-aberto. Um ano antes do julgamento,a Comissão Interamericana de Direitos Humanosacolheu denúncia encaminhada por Penha e váriasentidades de direitos humanos e responsabilizou oBrasil por “negligência, omissão e tolerância em relaçãoà violência doméstica contra as mulheres”, oque deu repercussão ao caso e acelerou a mudançana legislação. Foi também o primeiro caso de aplicaçãoda Convenção de Belém do Pará, um tratadointernacional de proteção aos direitos humanos dasmulheres nas Américas.Passados sete meses da aprovação da Lei Maria daPenha, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheresda Presidência da República quer agora saber oque de fato foi implementado e estudar as conseqüênciasda sua aprovação. Em fevereiro, publicouedital para formação do Observatório de Monitoramentode Implementação e Aplicação da Lei, paracontratar em forma de consórcio organizações nãogovernamentaise instituições universitárias que deverãopesquisar os resultados.A convocação do Observatório se deve às inúmerasdificuldades ainda encontradas. Existem controvérsiassobre a aplicação da lei, não há estrutura policiale judicial condizente com o que foi aprovado,há reclamações de que as denúncias ficam restritasa boletins de ocorrência e o agressor continua comameaças. A reação das próprias mulheres ainda éconfusa: em algumas cidades há estímulo à denúncia;em outras prevalece o medo da perda do maridoprovedor e as denúncias diminuíram. Há aindaregistros de casos como o da mulher que enviou asi própria mensagens ameaçadoras e atribuiu ao exnamorado,que responde processo por crime, ou aque encenou uma agressão por ciúme e foi desmentidapelo próprio pai.A gentesente nosencontrosas mulheresmuitoagradecidas,o movimentode mulheresfoifortalecido,as delegadaspodemtrabalharporqueagora elastêm comosocorreruma mulhervítima deviolênciaSem ressentimentosHoje uma mulher vigorosa esem ressentimentos, Maria daPenha Maia Fernandes dividesua agenda entre a casa ondemora, em Fortaleza, e viagenspor todo o país, nas quaisnarra sua trajetória de vida.No último dia 28 de fevereiro,atendeu à reportagem daRevista do Brasil.Especialistas acreditamque algumas mulheresque já tinham receiode denunciar ficaramainda mais temerosas, eo número de queixas éque tem diminuído, não ode agressões. A senhoraconcorda?Concordo que as queixas têmdiminuído, mas não que asmulheres tenham deixado dedenunciar. Os maridos é quevêem que a lei funciona eestão respeitando mais.O que mudou na sua vidaapós a agressão?Tudo. Tive de me readaptara um novo tipo de vida,superar as dificuldades dadeficiência adquirida. Ficarmenos dependente, termaior autonomia. No iníciohouve dificuldade para criarmeus filhos, um de 1 ano e8 meses e outro de 6 anos,mas tive apoio da minhafamília.E depois de a lei serpromulgada?A dimensão foi tão grandeque nem me lembro queestou de cadeira de rodas. Agente sente nos encontrosas mulheres muitoagradecidas, o movimentode mulheres foi fortalecido,as delegadas podemtrabalhar porque agora elastêm como socorrer umamulher vítima de violência.Têm condições de prevenir eresponsabilizar. Com certezavai refletir no homem, quepensará duas vezes antesde ser violento. O homemvai ver que é muito maisvantajoso não agredir.Como é sua agenda hoje?Minha agenda de março e abrilestá praticamente lotada. Sótenho espaço agora para maio.A senhora cobra paracomparecer a eventos? Doque a senhora vive hoje?Aposentei por invalidez, peloInstituto de Previdência doEstado do Ceará. Trabalhavacomo farmacêutica ebioquímica. Quanto aoseventos, a maioria não éremunerada. <strong>Eu</strong> acho quetenho de estar presentemesmo. Quando uma empresagrande me convida e propõealgo, digo: “Vocês dão o quequiserem”.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 25


EspecialCom M maNair Benedicto/N Imagens/AE26 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Cientistas,trabalhadoras,educadoras, mães.Histórias inspiradorasde mulheres quefazem a diferença naconstrução de umiúsculomundo melhorBrasileira nataJoênia superou várias barreiras,inclusive a da língua, para setornar advogada e defenderseu povo, os uapixanas, quehabitam a floresta em RoraimaPor Cida de OliveiraMayana Zatz e Lygia da Veiga Pereira, da Universidadede São Paulo, são nomes que estão no topo da listaquando o assunto é genética e pesquisas com célulastronco.Assim como o de Lucia Previato, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, é um dos primeirosa ser lembrados entre quem busca compreender, tratar e prevenir adoença de Chagas. Ou Belita Koiller em seu universo de pesquisas teóricassobre elétrons. Em comum entre essas mulheres respeitadíssimasem suas áreas de atuação: o olhar humanista guiando seus passos e oreconhecimento do meio científico internacional.E engana-se quem pensa que a trajetória bem-sucedida das cientistasbrasileiras é recente. De origem tcheca e naturalizada brasileira, JohannaDöbereiner (1924-2000) identificou o papel de algumas bactérias nafixação do nitrogênio em plantas leguminosas, como a soja. O processoé uma forma natural de nutrição que substitui o uso de fertilizantena agricultura. O resultado da sua pesquisa significou a economia debilhões de dólares nos últimos 30 anos com a compra de adubo nitrogenado– caro, nocivo ao solo e às águas – e o reconhecimento da pesquisadoraentre os dez cientistas brasileiros mais citados fora do país.Saindo dos laboratórios e entrando na floresta, o Brasil também encontrarámulheres cuja capacidade de fazer a diferença na vida das pessoasé reconhecida mundo afora. No nordeste de Roraima, fronteiracom a Venezuela e a Guiana, está a reserva indígena Raposa Serra doSol. Em 1,67 milhão de hectares vivem aproximadamente 15 mil índiosmacuxi, taurepangue, patamona, ingaricó e uapixana. Depois de quasetrês décadas de conflitos, em 2005 o governo federal homologoua posse da terra a esses povos. Após essa vitória, a luta,agora, é pelo pleno exercício dos seus direitos civis e políticos.O primeiro passo é a obtenção de documentos. Só no ano passadoemitiram-se mais de 7 mil certidões de nascimento, carteirasde identidade e de trabalho e título de eleitor.A iniciativa é coordenada pelo departamento jurídico doConselho Indígena de Roraima, que tem à frente a advogadaJoênia Batista de Carvalho, 33 anos. De etnia uapixana, ela venceuas dificuldades para aprender a língua portuguesa, estudou “paradefender seu povo” e tornou-se a primeira indígena brasileira a se formaradvogada. “Nosso objetivo é mostrar que os indígenas são cidadãosbrasileiros e nossas especificidades históricas, culturais e tradicionaisnão justificam a exclusão da sociedade”, diz Joênia, casada, mãe e integranteda Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organizaçãodos Estados Americanos.Da floresta de Roraima para o sertão do Piauí, o mundo encontraráoutra brasileira reconhecida internacionalmente, a arqueóloga NièdeGuidon, 74 anos, por sua defesa do Parque Nacional da Serra da Capi-2007 ) março ) Revista do Brasil ( 27


vara. Situada em São RaimundoNonato, essa relíquiahistórica e ambientalconcentra centenas de sítiosarqueológicos e umdos maiores acervos daAgenda cheiaDorina Nowill dirigiu, entre1953 e 1970, o primeiro órgãode educação para cegos. Hoje,aos 88 anos, ela continua aatuar pela integração dosdeficientes visuaispré-história das Américas – que indicam que o continente teriasido habitado há mais de 30 mil anos, contrariando assimteorias mais aceitas pela ciência. O local, patrimônio da humanidade,está ameaçado pela ação de caçadores, invasões e falta deverbas. No ano passado, durante a reunião anual da SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência, Niède ameaçou deixaro país caso o Ibama não fixe um orçamento capaz de preservaro parque que dirige.os 17 anos, era ainda estudante quando começou sua luta pelaintegração, educação, reabilitação, cultura, profissionalização– enfim, pelos direitos das pessoas com deficiência visual atoda forma de inclusão social.E, se a vida é o mais importante dos direitos humanos, a demilhares de crianças brasileiras vítimas da desnutrição poderiater se limitado aos primeiros meses não fosse o trabalhoda Pastoral da Criança. Coordenada nacionalmente pela pediatraZilda Arns Neumann, de 64 anos, a organização ligadaà Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) está presenteem mais de 4 mil municípios brasileiros, disseminandoinformação para a melhora da qualidade da nutrição, da higienee da água. Os 264 mil voluntários inspirados na liderançaserena de Zilda Arns alcançam os lugares mais distantes domauricio moraisLuz e sombrasA professora Dorina Nowill tem 88 anos e agenda cheia.Em 1945 liderou uma campanha que culminou na criaçãode um curso de especialização de professores para o ensinode cegos no Colégio Caetano de Campos, em São Paulo. Umano depois criou a Fundação para o Livro do Cego para suprira falta de livros em braile no Brasil, instituiçãoque mais tarde recebeu seu nome.Entre 1953 e 1970 dirigiu o primeiro órgãonacional de educação de cegos, desenvolveuprojetos, cursos e centros de reabilitação ede prevenção à cegueira. Trabalhou para aOrganização das Nações Unidas e a OrganizaçãoInternacional do Trabalho. Cega desdeIncansávelNiède Guidon é reconhecidamundo afora pela sua luta emdefesa dos sítios arqueológicosdo Parque Nacional da Serra daCapivara, no PiauíARMANDO FAVARO/AE28 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Liderança serenaMoacyr Lopes Junior/Folha Imagempaís para atender crianças menores de 6 anos de mais de 1,5milhão de famílias.Sua experiência-piloto, iniciada em Florestópolis (PR) há 23anos, ampliou-se e hoje é aplicada em mais 16 países na África,Ásia e América Latina. Além do combate à desnutrição, a Pastoralatua na promoção da cidadania das mulheres, que representam92% do total de voluntários. Um de seus grandes desafiosé ampliar para além das atuais 100 mil o número de gestantesacompanhadas, já que o índice de mortalidade ainda está concentradonos períodos perinatal e neonatal, até os primeiros 28dias de vida da criança. E, quando a mãe é acompanhada des-Mulheres pela pazEm 2005 a Fundação Suíçapela Paz criou um comitêpara reunir, em vários países,nomes de mulheres atuantesem favor da paz, do trabalho,da erradicação da pobreza eda proteção ao meio ambientepara indicá-las ao PrêmioNobel da Paz daquele ano.No Brasil, a comissão foichefiada por Clara Charf,ela própria uma mulher quefez história em sua luta pelaliberdade e por um país maisjusto. O grupo apontou 52nomes, número proporcionalà população brasileira, paracompor a lista de mil nomes de154 países almejados pela ONG.As biografias dessasnotáveis, algumas aquimencionadas, foramcompiladas no livro BrasileirasGuerreiras da Paz (EditoraContexto, 2006). Entre elasestão nomes como o daministra do Meio Ambiente,Marina Silva, por sua luta emdefesa da floresta amazônicae das pessoas que nela vivem.Outra acreana, a educadoraConcita Maia, também élembrada na obra, embora sejapouco conhecida do grandeA Pastoral da Criança,coordenada por Zilda Arns,conta com 264 mil voluntáriosespalhados pelo país. Elesatendem filhos de mais de1,5 milhão de famíliaspúblico, como aliás a maioriadas heroínas ali listadas.Por exemplo: CreuzaMaria Oliveira, líder dastrabalhadoras domésticase sindicalista (Bahia);Procópia dos Santos Rosa,líder quilombola em Goiás;Raimunda Gomes da Silva,líder camponesa no Tocantins;ou as ialorixás mãe Hilda emãe Stella. Ironicamente, oNobel da Paz daquele anofoi dividido entre a AgênciaInternacional de EnergiaAtômica e seu diretor geral,Mohamed El Baradei.de o início da gestação, faztodos os exames pré-nataise tem boa alimentação, aschances de a criança nascersaudável são muito maiores.“Para que todas tenham vidaplena, é urgente que haja a melhoria do sistema público de saúdee da qualidade da educação. Os esforços e os investimentosdos governos nos âmbitos federal, estadual e municipal devemgarantir os direitos da criança como prioridade absoluta”, dizZilda Arns.A ministra MarinaSilva foi indicadapelo seu trabalhoem defesa dafloresta e seuspovos2007 ) março ) Revista do Brasil ( 29


cidadaniaNão olho mais para a Amazôniaapenas calculando o tamanho diárioda destruição. Focos de resistênciaalimentam a esperança. Cominformação, prevenção de doenças,direito ao trabalho, à educação,ao riso, populações ribeirinhastransformam a realidade30 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Reportagem e fotos de Carline PivaJovens ribeirinhos da Amazôniaparaense olham atentos para a impressoraa laser: nasce o primeirojornal “Folha do Aruã” produzidono computador. As notíciasda comunidade localizada na margemesquerda do Rio Arapiuns, antes datilografadase ilustradas com recortes de revistas,ganham agora um toque de modernidade.Vagarosamente, as manchetesdo informativo são digitadas pelas mãosainda pouco experientes dos oito jovensrepórteres: “Movelaria já está quase pronta”;“Telecentro capacita jovens e garantemais acessos”; “Classe Carinho: leia aspoesias dos estudantes”.“Para que serve essa tecla alt?” “Por quetudo sai em letra maiúscula?” “Criei oe-mail sbichomuitosalegre@hotmail.com,mas não funciona. Ou será que era obichosmuitoalegre?”As perguntas eramincessantes na oficina de jornal comunitáriopatrocinada pelo Projeto Saúde& Alegria (PSA) – coordenada pela autoradesta reportagem. “<strong>Eu</strong> sou uma jovemmuito esforçada com os trabalhosdo meu grupo. Com esse treinamento,vamos ser muito mais capazes do que jásomos”, agradece Danieledos Santos, de 18 anos,que também escreve oe-mail de contato e a suasenha pessoal para acessá-lo.“Não”, explica acoordenadora, “a senhaé sigilosa. Não conte aninguém.”Pouco a pouco, os moradoresdas 60 famíliasde Cachoeira de Aruã“Folha de Aruã”Daniele: “Com essetreinamento, vamos ser muitomais capazes do que já somos”vão aprendendo a convivercom mais essa novidade.A primeiradelas foi a chegadarecente daenergia elétrica, por meio deuma pequena hidrelétrica,que permitiu a criação de umcentro de internet via satéliteno meio da floresta. Antes, aenergia provinha de um barulhentoe malcheiroso motor adiesel. As benfeitorias são frutoda união de várias entidadesparceiras. Há 20 anos, a organizaçãonão-governamental PSA, sediada emSantarém (PA), desenvolve as mais diversasações para melhorar a qualidade de vidade 143 populações tradicionais que beiramos rios Arapiuns, Tapajós e Amazonas. Aatuação envolve prevenção e tratamento dedoenças; iniciativas para melhorar a organizaçãocomunitária e a geração de renda;produção e manejo agroflorestal; educação,cultura e comunicação.A oportunidade de conviver com umBrasil mais rústico e contribuir para odesenvolvimento sustentável dessa regiãome motivou a deixar o conforto davida em São Paulo para atuar como jornalistavoluntária da Rede Mocoronga deComunicação Popular do Saúde & Alegria.Antes de prosseguir, um parêntese:a expressão “mocorongo”, na Região Sudesteempregada com sentido pejorativocontra pessoas de pouca instrução e jeitorústico, quer dizer simplesmente naturalde Santarém, santareno.Exercício de cidadaniaA Rede promove a produção e a circulaçãode notícias entre as comunidades pormeio de jornais e programas de rádio feitospela liderança juvenil. Nas oficinas decapacitação, todos bastante interessadosem ouvir as explicaçõesde como fazer uma entrevista,enquete, seção cultural,além das clássicasperguntas que compõemuma reportagem: o que,quando, como, onde, porquê. Após a introduçãoteórica, os jovens definemde forma participativaos assuntos a seremabordados. Vamosentrevistar as cozinheiras!O tema da enquetepode ser: por que existetanta gravidez na adolescência?Ou: o que o presidentepode e deve fazer pela juventude?A produção dos informativos visa aguçaro senso crítico dos repórteres paraque eles promovam o debate entre os comunitáriosem busca de soluções para osproblemas locais, como o desmatamentopredatório promovido pelo plantio dasoja e pela indústria madeireira. A idéiaé mexer no clima de passividade em quevivem as comunidades isoladas da Ama-2007 ) março ) Revista do Brasil ( 31


O barco da saúdeNa gestação de seu oitavofilho, Geisa Dias Oliveirarealiza pela primeira vez umexame pré-natal. Ouve ocoração do feto palpitandodentro de sua barriga.“Assim a gente sente maisconfiança de que vai nascercom saúde”, diz a moradorade Acaratinga, comunidadeda Floresta Nacional doTapajós. O enfermeiroReidevandro Machadoda Silva mede a barriga eexplica que está de acordocom o esperado para seismeses de gravidez.A consulta é feita no barcoAbaré, nome indígena para“amigo” ou “aquele quecuida”. Navegando pelaságuas verdes do Rio Tapajós,a Unidade Móvel de Saúdedo Projeto Saúde & Alegrialeva atendimento médico eodontológico de altíssimaqualidade para mais de 70comunidades ribeirinhas dosmunicípios de Aveiro, Belterrae Santarém.Além de receber umtratamento humanizado,Geisa e os demaispacientes podem fazerexames laboratoriais (ode sangue fica pronto emum minuto e meio!), tomarvacinas e, se necessário,voltam para casa com omedicamento adequado,fornecido gratuitamente.Na recepção, as palhaçasMacaxeira Jackson e MissCâmbia (as arte-educadorasEdicleise da Silva Rego e ElisLucien) esbanjam risadaspara mostrar às criançasa importância da higienebucal.Em uma região de difícilacesso aos serviços desaúde, o Abaré aportacomo se fosse um milagre.Na verdade, é resultadodo comprometimentode várias parcerias. Aorganização holandesaTerre des Hommes cedeu2,6 milhões de reais paraa construção do barco; ocombustível e a equipede funcionários ficampor conta do PSA; osmedicamentos são obtidosem parceria com asprefeituras; e os agentescomunitários de saúdede cada localidade atuamna triagem dos pacientese na disseminação decampanhas educativas. Osribeirinhos agradecem.Geisa faz opré-natal noAbaré (acima).Com educadoras,as criançasrecebembem-humoradaslições de higienee saúde.Para a região, oAbaré é comoum milagrezônia. Acostumadas a receber benefíciosdo governo, muitas delas simplesmenteesperam o progresso chegar embrulhadoem uma caixa de presente. Dentro de umaenraizada cultura de assistencialismo, emuma região cercada por crimes e pela impunidade,o jovem, principalmente, senteque não há saída. Ele teme. Pistoleiros jánão esperam os líderes sindicais ficaremfamosos para assassiná-los. As ameaças demorte acontecem cada vez mais cedo.A educação pela comunicação insisteem reverter esse quadro, tornando aspessoas mais conscientes de seus direitose possibilidades. Um caminho longo. Escreversobre os acontecimentos serve tambémcomo resgate e documentação da culturalocal; suas histórias, a lenda do botoconquistador, os “jogos olímpicos” promovidospela escola. Dessa forma, o saberpopular, costumeiramente transmitido deforma oral, passa a ser registrado.conectadosUma pequena hidrelétricapermitiu a montagem deuma central de internetvia satélite32 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Superação Definida a pauta, apurar as informações é uma tarefa difícil para muitos deles, que sofrem com o excesso de timidezDefinida a pauta, os repórteres têmduas horas para apurar as informaçõese elaborar as matérias. Uma tarefa difícilpara muitos deles, que sofrem com oexcesso de timidez. Natália de Sousa, deSuruacá, conta que, ao pedirem a opiniãode seu amigo, ele “tremia tanto, tanto, quenem conseguiu falar”.Outra dificuldade é o domínio da línguaportuguesa, conseqüência de anos deestudos em rede escolar precária. Idéiasaparecem truncadas no papel. A palavratimidez ganha estranhas versões: tímides,timideis, intimides, imtimides. Os repórteresconcordam que necessitam ler maispara escrever melhor. A montagem do informativodepende dos materiais disponíveisna comunidade. Pode ser manuscrito,datilografado ou redigido no computador.Pode receber como ilustrações recortes derevistas ou desenhos feitos à mão.Finalizado, o jornal segue até a sede doPSA em Santarém, em viagens que chegama durar até 20 horas em barcos de linha,onde são feitas fotocópias que retornarãopara ser distribuídas na localidade. Umprocesso que exige disposição e paciênciapara navegar no lento ritmo das águas amazônicase cumprir seu papel socioeducativo.Nada comparável ao jornalismo imediatoe nervoso das grandes cidades.Sorrisinhos paralelos surgem quandodeparo com a animação eletrônica deuma loira provocante despindo as peçasíntimas do seu já escasso vestuário. Odescanso de tela erótico do computadoranuncia uma longa lista de sites pornográficoscadastrados entre os endereçosprediletos. Mesmo constrangida, acabodividindo o espaço de ensino da oficinade jornal com a sedutora personagem.“Vamos ter certeza de que os jovensaprenderam realmente a mexer com a internetquando eles forem capazes de apagara pornografia dos sites favoritos”, dizCaetano Scannavino Filho, coordenadordo Projeto Saúde & Alegria.Brincadeiras à parte, sabemos que, maisdo que fornecer computadores, o grandedesafio é vincular a chegada da interneta uma proposta educativa séria, que estejapreferencialmente em sintonia coma escola local. Muitos moradores conseguemvisualizar a internet como uma ferramentade progresso. Com a criação desites comunitários e blogs, é possível divulgaro artesanato local e receber encomendas.Ao mostrar a beleza exuberantedas regiões, estimula-se o ecoturismosustentável. Entre os projetos futuros doSaúde & Alegria está a criação de um portalda Rede Mocoronga na internet, agilizandoo intercâmbio de notícias entre ascomunidades e o restante do Brasil e domundo. Será a consagração da Amazôniarevelada pelos próprios ribeirinhos.Aplausos finaisSentada em um canto escuro do barracãocomunitário a fim de não chamar aatenção antes da hora, abro o estojo comblush, purpurina e várias cores vibrantesde sombras e batons. Arrisco um azulpara o contorno da boca, uma bolinhaamarela no nariz e um colorido estranhoao redor dos olhos. O suor está prestes aescorrer pelo rosto quando se abrem ascortinas do Gran Circo Mocorongo.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 33


Hora da minha estréia como palhaça,dançando a coreografia de Brega do Cloro,ensaiada às pressas com as minhascompanheiras de equipe Raquel Fernandese Danielle Oliveira. “Se for 10 litroscoloque/ 20 gotas, meu bem/ Ao enchernão esqueça da mexidinha/ Espere sómeia horinha/ Pra poder então beber/Use cloro na água/ Use cloro na água...”Os passos saem completamente errados,garantindo ainda mais diversão.A Noite Cultural é o momento maisaguardado de cada encontro, um showde talentos em que os comunitários viramartistas, apresentando músicas, esquetesde teatro e dança. Em lugares inóspitos,a arte envolve como se fosse puramagia. O pescador vira cantor de paródias.O estudante, envergonhado, prefereGran Circo MocorongoMinha estréia como palhaça dançandoa coreografia de Brega do Clorocolocar uma máscara e brilhar como o solnuma peça teatral. A apresentadora pedeo silêncio da platéia e ri, tentando disfarçara falta de quatro dentes. Saio com osentimento de que fizemos alguma diferençanaquelas vidas.A linguagem lúdica do circo mambembepermeia todas as iniciativas do Saúde& Alegria, que tem como símbolo um palhaçojogando malabares. Prevenir paranão ter de tratar as doenças, educar, gargalhar,brincar, transformar para melhora realidade amazônica.Ao final de três meses de voluntariado,não olho mais para a Amazônia apenas calculandoa área equivalente a tantos camposde futebol que vai sendo destruída por minuto.Conheci de perto focos de resistênciaque alimentam as esperanças. Cabe atodos nós ajudar de forma mais ativa. Retornopara São Paulo com um preciosoensinamento dado por Magnólio Oliveira,advogado, palhaço e coordenador do Núcleode Educação, Cultura e Comunicação:“A alegria não tira a nossa seriedade”.‘Gritei que iria cortar o pescoço deles’As regiões do Lago Grande,Nova Olinda e territóriosquilombolas de Santarémpouco significam para amaioria dos brasileiros. <strong>Eu</strong>fazia parte dessa parcela,até que fui convidada aescrever o relatório de umencontro de três dias comesses moradores, situados nooeste do Pará. Ummundo de grilagemde terras, denúnciasde corrupção contrafiscais do Ibama,pesca predatória,desmatamento emmassa, extinçãode animais, posseilegal de terras eameaças de mortese abriu para mim. Históriasmarcantes de pessoascomuns que acompanham deperto a destruição do lugaronde nasceram. Sem dinheiropara contratar advogadosde peso, esses comunitárioscontam apenas com seutestemunho para protestar.“Às vezes, remanescentede quilombo nega a origemporque na cabeça dele negronão vale nada. As pessoasque não têm esclarecimentonão lutam devidamente pelosseus direitos”, desabafaAntônio Pinto, do quilombode Murumurutuba.Maria Ivete: líderNo encontro promovidopelo Projeto Saúde &Alegria, os moradoresprocuraram unir esforços ebuscar soluções conjuntase definitivas para osproblemas da Amazônia. Umclima bem diferente do quevivi entre os jovens tímidosda floresta. Aqui, as ameaçassofridas parecemincentivar aindamais a causa.“Eles tentaramentrar em casaduas vezes, nãosei se para roubarou para me pegarmesmo. Na última,estava sozinha egritei que iria cortaro pescoço deles com aminha Tramontina, mas nofundo eu tava me tremendotoda. Se me deixarem viva,até 2008 estarei à frente doSindicato. Disseram que vãodeixar baixar a poeira dairmã Dorothy (assassinadaem fevereiro de 2005 porpistoleiros e fazendeirosenvolvidos em disputa deterras) para então me pegar”,conta Maria Ivete Bastosdos Santos, presidente doSindicato dos Trabalhadorese Trabalhadoras Rurais deSantarém.Mulher de personalidadeforte, Ivete tem tudo parase tornar a nova mártir dafloresta. Esse povo, porém,não suporta mais que sujemsuas matas com o sanguede seus líderes. O cantodos pássaros não pode sertrocado pelo ronco fatal damotosserra.Os comunitários elaboraramNum mundo dedesmatamento,grilagemde terras ecorrupção, acomunidadeune esforçose se vale datecnologia paraacompanhar,com mapasde satélite, amovimentaçãodos invasoresum mapa demonstrando ondeestão localizados os recursosnaturais, como é feito o usoda terra e quais os principaisconflitos identificados. Odocumento denunciando asirregularidades deverá serencaminhado à imprensa eàs autoridades competentesainda neste semestre.34 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Retratopaulo pepeEntre cobras e lagartosOs pais não gostavam de bichos, e o pequeno Del Nero,com apenas 7 anos, encontrou uma coral no HortoFlorestal. No meio de uma confusão causada pelaserpente entre os visitantes, a criança, percebendoque ela corria perigo, tomou-a nas mãos e saiu correndo.Cuidou dela durante três anos escondido dos pais e, quandoeles descobriram, teve de soltar seu bichinho de estimação naquelemesmo horto. Depois disso, Del Nero trabalhou em uma loja deaquário, foi frentista, cobrador de ônibus, passou em um concursopara a Polícia Militar e transferiu-se para a Polícia Civil.Nessa fase, ele já tinha em casa – ainda sem permissão doIbama – cerca de dez lagartos teiús. Uma denúncia anônimana Polícia Ambiental fez com que regularizasse a situação dosanimais e abrisse o Pró Répteis, um criadouro conservacionistaque mantém jacarés, lagartos, iguanas, quelônios, artrópodes,tartarugas e diversas espécies de serpentes. Em fevereiro de2007 pediu exoneração da polícia e assumiu o cargo de professorefetivo de Biologia em uma escola estadual.Desde a fundação do criadouro, em 2001, o professor DelNero faz trabalhos de educação ambiental com crianças e criaseus “bichinhos” como animais de estimação: beija os jacarése algumas serpentes, faz carinho em caranguejeiras e pegaescorpiões com as mãos. “Esses são animais dos quais ninguémgosta, a primeira reação das pessoas é matar. Por issoeu escolhi protegê-los desde criança”, afirma o biólogo, aos 40anos. Ainda hoje quando vai visitá-lo, na zona norte da capitalpaulista, sua mãe se assusta com as novas “aquisições” dofilho. Por sorte, ao contrário dela, sua mulher, Silman, adoraos “bebês” e ajuda na sua criação (www.prorepteis.bio.br).(Por Xandra Stefanel)2007 ) março ) Revista do Brasil ( 35


ComportamentodasafioVanderlei e Ana:“Parece maisinteressante edesafiador educaruma pessoa doque gerá-la”jailton garcia36 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


Filho, paraque sabê-lo?Por Miriam SangerOpoeta Vinicius de Moraeseternizou a questão: “Filhos?Melhor não tê-los.Mas se não os temos comosabê-los?” A verdade é quecada vez mais as pessoas, em especial asmulheres, refletem a respeito da questãoe têm resolvido “não sabê-los”. De acordocom os Indicadores Sociodemográficosdivulgados pelo IBGE no final do ano, emtrês décadas a taxa média de fecundidadecaiu de 5,8 filhos por família para2,3. E declinou de 63% para 53% o percentualde casais com filhos no país nosúltimos dez anos. O tradicional padrãodas famílias brasileiras formadaspor pai, mãe e filhos começaa minguar.Hoje são várias as configurações:mães ou pais solteiros, casais comapenas um filho ou sem nenhum. Avontade de não gerar filhos faz partede uma filosofia levada a sério e muitobem estudada. Envolve aspectos diversos:situação financeira, status profissional,desejo de manter a liberdade, de dedicar-seexclusivamente ao parceiro ouparceira e até motivos ideológicos.O redator Vanderlei Campos é casadohá 15 anos com Ana. Ela tem 42 anos. Ele,41, fez vasectomia aos 25. “Foi uma questãoque até gerou polêmica, pois tive deimplorar ao meu médico que convencesseo cirurgião. Mas eu estava completamentedeterminado e consciente”, contaVanderlei. Sua decisão foi política. “Achoque o mundo não corre o risco de extinçãoe prescinde do meu patrimônio genético.Se eu tiver algum dia um impulsoCresce no Brasiluma tendência jáconsolidada na<strong>Eu</strong>ropa e nos EstadosUnidos: a dos casaissem herdeirosIndesejadoCasais com filhos no paísFonte: IBGE63%há 10 anos53%hojeSXCincontrolável de ser pai, o que não faltano Brasil são crianças precisando de um.Outra questão: me parece mais interessantee desafiador educar uma pessoa doque gerá-la”, conta. O caso de Vanderlei éraro. A classe médica é refratária a decisõestão precoces de esterilização, sobretudode quem nunca foi pai.Na maioria dos casos, a opção por nãoter filhos nada tem a ver com falta de carinhopor crianças nem com falta de dinheiro.A redução da fecundidade tem muitomais a ver com a escolarização e a participaçãocrescentes das mulheresno mercado de trabalho. “A opçãodos casais por não ter filhosestá muito ligada ao estilo de vida”,explica a professora Elisabete Dória Bilac,socióloga e pesquisadora do Núcleode Estudos de População (Nepo)da Universidade de Campinas (Unicamp-SP), que estudou o tema. E não é novidadenem no Brasil, nem fora daqui.Fenômeno mundialNa Alemanha, 30% das mulherescom diploma universitário não têm filhos,segundo a revista norte-americanaNewsweek. Nos Estados Unidos, de 1985para 2005, o percentual de famílias semfilhos subiu de 9,5% para 15,7%. Na décadade 90 foi criada no país a expressãoDINK (double income, no kids) family –família com renda dupla, sem crianças.No Japão, 56% das mulheres com 30 anosainda não tiveram filhos. Isso tem afetadoinclusive alguns costumes.Em várias nações européias, por exemplo,já há estabelecimentos com plaquetasem suas portas com dizeres como “sóadultos são bem-vindos”. Estão surgin-2007 ) março ) Revista do Brasil ( 37


do por todos os lados – atémesmo no Brasil, no casode alguns hotéis, pousadase condomínios – empreendimentosconcebidos exclusivamentepara casaissem filhos. Até a indústriaautomobilística entrou namoda: há uma fábrica japonesaque, em vez de oferecerassentos para bebês,apresenta como opcional acomodaçõespara cachorros. E na Inglaterra e no Canadájá existem instituições com nomescomo Associação dos Livres de Filhos.“Muitos casais, até mesmo os mais jovens,têm projetos de vida que não incluema maternidade ou a paternidade.E essa escolha está normalmente ligada aprofissionais de renda mais alta. Mesmoaqueles que se decidem apenas por um filhotêm renda acima de cinco salários mínimosper capita. Estão unidos somentepelo laço amoroso, ambos são profissionaise estão indisponíveis para a dedicaçãoparental”, analisa a professora Elisabete.Segundo outra pesquisa realizada pelaUnicamp, a decisão final parte da mulher.“Claro que o homem participa da discussão,mas a pesquisa deixou claro que aposição deles nesse assunto não é decisiva.Teoricamente, eles participam e negociam,mas a decisão final é delas”, diz a pesquisadora,para quem o fenômeno é maisum fruto da emancipação feminina e vai,inclusive, contra todos os estereótipos.“A mulher não age mais de acordo comvelhos padrões e não se sente menos femininapor causa disso. Ela pode, sim,optar por ter ou não ter filhos. Em outraspalavras, conquistou a autonomiatambém no campo reprodutivo”, explica.O IBGE verificou que nas casas comandadasfinanceiramente pelas mulhereshouve, nos últimos dez anos, aumentode 3,5% dos casamentos sem filhos.ContraculturaMas ainda existem cobrançasexternas. “Minha família, decultura católica, estranha muitominha decisão. Não entendopor quê: foi algo natural, semnenhuma crise”, diz o jornalistaVanderlei. Acontece da mesmaforma com o casal Maria Luizae Alexandre Augusto Rivero,Na maioria doscasos, as mulherestêm assumidomais abertamentea liberdade deoptar por nãogerar filhos e aestão exercendo,apoiadas pelomaridoambos de 43 anos, que engrossamcomunidades brasileirasdo Orkut que levamnomes como Casais semFilhos por Opção ou Casalsem Filhos Ltda. Ele é artistaplástico, ela é contadora eo casamento já completou16 anos. Ambos concordam:a vontade de curtirintensamente o relacionamentoentre os dois foi um dos fatores queafastaram a hipótese de filhos.“Sem crianças na casa, a vida a dois émais rica – isso tem sido muito bom paraa gente. E sobram mais recursos para viajar,fazer programas melhores etc.”, afirmaMaria Luiza. “É verdade que, até certomomento da vida, imaginei que teria umfilho. Mas nunca foi um sonho ou umavisão romântica, do tipo ‘quero um molequecom quem vou jogar futebol’. Alémdisso, a vida é mais fácil para nós”, concordaAlexandre. “Temos total liberdadepara passear, posso aceitar qualquerserviço e, mais importante, me dedicartotalmente à minha mulher, com quemtenho um casamento muito feliz”, contaele. “Em certo momento, percebi que nãoqueria abrir mão de meus estudos ou dehoras de trabalho para cuidar de um filho”,resume Maria Luiza.A secretária Sara de Almeida Barros,de 40 anos, e seu marido, o policial militarWellinghton de Oliveira Barros, 36,também formam um par sem filhos, masque adora crianças – assim como o juramos casais Maria Luiza e Alexandre e Vanderleie Ana. “Dos 20 aos 25 anos, tivemuita vontade de ter um filho. Depoisme desliguei da idéia. Quando me caseicom Wellinghton, há dez anos, já sabiaque não teríamos um herdeiro. Mas issonem de longe quer dizer que não gostede crianças. Tenho muito jeito com elas,sou aquela tia que conforta os sobrinhos erola no chão para brincar com eles”, contaSara. Já ele se designa como “reserva técnicada família”. “Parei de contar o númerode sobrinhos quando cheguei no 15º.Troco fraldas, ajudo a alfabetizar, brincoe educo. Faço com o maior prazer, assimcomo minha mulher, que participaDecididaSara, com Wellinghton:“Não serei uma mulherfrustrada pelo fato de nãoter tido um filho. Esse éum ponto importante”jailton garcia38 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


da farra. A convivência com eles é muitoprazerosa para a gente”, descreve.Dos outros é refrescoA frase clássica “criança é uma delícia,principalmente quando está dormindo” émuito usada entre aqueles que não pretendemgerar prole. E está intimamenteligada ao fator “liberdade”, que estes casaiscitam repetidamente. Sara frisa muitoesse aspecto. “Quando me casei, estavainiciando uma fase de muita independência,conquistada a duras penas. Isso provocouuma certa desconexão com minhafamília: eu gostava da minha autonomia enão queria perdê-la. Nem abrir mão delapara cuidar de um bebê”, lembra a secretária.“Acho que foi uma decisão certa paramim, sobre a qual refleti muito. E minhaconclusão final foi: não serei uma mulherfrustrada pelo fato de não ter tido um filho.Esse é um ponto importante.”O apoio do marido foi fundamental.Wellinghton, assim como Alexandre,“bancou” a decisão da mulher. Emboratodos citem a tal cobrança da sociedadee da família como um padrão, observaSara, muitas amigas com filhos vêm aela se queixar da “trabalheira” e chegam ainvejar sua condição. “Vejo muitas mãesque tiveram seus filhos para garantir quenão ficarão sozinhas na velhice. Pura ilusão.Ter um filho não significa estar acompanhadopara sempre. Além disso, estoucerta de que ele não ajuda nem atrapalhaas relações amorosas. No máximo, se tornaum álibi para o que acontece.”No entanto, é preciso deixar claro: nãoter filhos não é uma tendência que se alastraabertamente. O padrão ainda é “pai,mãe e filhos”, com as mulheres se dividindoentre as tarefas domésticas, o cuidadocom os filhos e a profissão. Assim comoo modo de vida “dona-de-casa e mãeperíodo-integral”também resiste, e emmuitos casos igualmente por opção. “Masnão há dúvida de que, com toda a ondade emancipação feminina, o padrão de reproduçãoestá se diversificando. Ou seja,a mulher conquistou a liberdade de escolherentre gerar um núcleo familiar comfilhos ou não. Não existe mais um modeloúnico”, resume a professora Elisabete. Adiferença é que o modelo sem filhos, coma decisão predominantemente da mulher,tem se mostrado um modelo mais bemdefinido de compartilhamento.ConvictosMaria Luizae Alexandre:“Sem criançasna casa, a vidaa dois é maisrica. Isso temsido muito bompara a gente”rodrigo queiroz2007 ) março ) Revista do Brasil ( 39


históriaJoão deBarrodas eternasconstruçõesPense numa marchinha de Carnaval, numamúsica tradicional de festa junina, numa cançãode estória infantil tão antiga quanto eterna... Comcerteza você pensou numa obra de BraguinhaPor Guilherme BryanUm dos mais importantes nomes da históriada música brasileira, Carlos AlbertoFerreira Braga completaria 100anos no próximo dia 29 de março. Noveentre cada dez marchinhas cantadasnos bailes de Carnaval por todo o país certamenteforam compostas por ele, o popular Braguinha– ou João de Barro. Se parece exagero, comece a listar:Linda Lourinha, Vai com Jeito, Pirata da Pernade Pau, Pastorinhas (esta com Noel Rosa), Balancê,Cadê Mimi?, Chiquita Bacana, Touradas de Madri eYes, Nós Temos Bananas (com Alberto Ribeiro).“Ele foi um grande compositor/letrista. E a principal,e melhor, característica do Braguinha carnavalescoé o modo como ele trata a mulher, acompanhandosua evolução, inclusive no vestir-se (oudespir-se), a cada nova onda”, conta o crítico musicalJoão Máximo.Mas não foi só como autor de marchinhas que Joãode Barro se imortalizou. Canções folclóricas ou dasafra que viria a se chamar MPB também estão noseu rico repertório. Quem não se lembra, por exemplo,dos versos de Copacabana, com Alberto Ribeiro,que se tornou praticamente um dos hinos do Rio deJaneiro – “Copacabana princesinha do mar/ pelasmanhãs tu és a vida a cantar”. Ou da letra de Carinhoso,música de Pixinguinha? São também suas asletras de Cantores do Rádio, com Alberto Ribeiro eLamartine Babo; Capelinha de Melão, com Alber-to Ribeiro, e Pedido a São João, indispensáveis nasfestas juninas; Dama das Camélias, com Alcir PiresVermelho; A Saudade Mata a Gente, com AntônioAlmeida; e Sorri, versão para Smile, de Charles Chaplin,John Turner e Jeoffrey Parsons.Aluno de Arquitetura da Escola Nacional de BelasArtes, no Rio de Janeiro, virou João de Barro (opássaro “construtor”) para fazer média com seu pai,que não o desejava em ambientes malvistos como osda música popular. Seus primeiros sucessos vêm doCarnaval de 1933, com Moreninha da Praia e TremBlindado, quando integrava, ao lado de Noel Rosa,Alvinho e Almirante, o Bando dos Tangarás.Quando trabalhou como diretor artístico da gra-40 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


de Walt Disney – Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio,Dumbo e Bambi. Agradecido, o próprio Disneydeu-lhe um relógio de ouro.Carinhoso,consideradauma dasmúsicas maisbonitas daMPB, é umaparceria deBraguinha,que feza letra, ePixinguinha,que compôsa melodiaSó sucessosAlgumas das inesquecíveismúsicas de Braguinhan Linda Lourinhan Vai com Jeiton Pirata da Perna de Paun Pastorinhas*n Balancên Cadê Mimi?n Chiquita Bacanan Touradas de Madrin Yes, Nós Temos Bananas*n Copacabana**Em parceriavadora Continental, o ex-futuroarquiteto projetou tambémnomes como Radamés Gnattali,Antonio Carlos Jobim, Lúcio Alves,Dick Farney, Doris Monteiro,Tito Madi, Nora Ney, Jorge Goularte Jamelão. Ele e seu parceiroAlberto Ribeiro foram ainda contratadospelo norte-americano Wallace Downeypara assessorá-lo na direção e no roteiro de filmescomo Alô, Alô, Carnaval (1936), Banana da Terra(1938) e Laranja da Terra (1940). Na década de 1940,João de Barro seria o responsável por dublagens eversões brasileiras das trilhas sonoras das animaçõesMarco Antônio Cavalcanti/Ag. O GloboPela estrada aforaNessa época, Braguinha encantou-se com o universoinfantil, iniciando uma safra de produções queficaria arquivada na memória de muitas gerações. Oselo Disquinho lançou uma série das mais tradicionaisestórias e fábulas infantis em versão nacional. Ascanções das trilhas sonoras entraram para a história:Tem Gato na Tuba (Todo domingo/ Havia banda/ Nocoreto do jardim... / Pum, pum pum – miau/ Pum,pururum, pum, pum – miau), Pela Estrada Afora(...<strong>Eu</strong> vou bem sozinha / Levar esses doces para a vovozinha),Quem Tem Medo do Lobo Mau.Com produção sofisticada, no final da década de1970 os disquinhos de vinil colorido já tinham alcançadoa marca de 5 milhões de cópias vendidas.Já nos anos 90, ao serem relançados 25 títulos da coleçãoem CD, a euforia foi tão grande que todos osexemplares se esgotaram rapidamente. “As cançõespara crianças talvez sejam a única parte da obra deBraguinha que vai chegar viva ao fim deste milênio”,acredita João Máximo.Com mais de 420 músicas de sua autoria, essa maquininhade sucessos foi interpretada pelos mais importantesartistas das mais diferentes fases da músicabrasileira. Entre tantos outros, estão Orlando Silva,Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Ângela Maria,Mario Reis, Elis Regina, Carmen Miranda, João Bosco,Gal Costa, Maria Bethânia. Se inúmeras vezes oprestígio e a fama levam muitos artistas a esqueceras dificuldades de sua classe, Braguinhanão faz parte desse time.Com Alberto Ribeiro, OswaldoSantiago e Vicente Celestino, emoposição à Sociedade de AutoresTeatrais, que também controlavaas composições musicais, elefundou a Associação Brasileirade Compositores e Autores, queoriginaria a União Brasileira dosCompositores, presidida por AlbertoRibeiro durante dez anos.Sempre que se refletir a respeitode como a música brasileirase tornou uma das mais respeitadase admiradas do mundo, onome de Braguinha virá como umde seus principais responsáveis. Pela vastidãode sua obra e também pelo modo como encaravaa vida. “Sua frase favorita era: ‘A vida só gostade quem gosta dela’. Por isso é que quase chegou aos100”, finaliza João Máximo. Braguinha se foi na vésperado último Natal. Faltou pouco, mesmo, para eleficar para a festa de seu centenário.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 41


MúsicaExageradoCazuza começouem 1982 comovocalista doBarão Vermelho.Em 1985 seguiucarreira solo e fezseis discos até1990, ano em quemorreumuseu degrandes nofolha imagem42 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


arquivo/aevidadesPanis etcircensisRita Lee, ArnaldoBaptista e SérgioDias misturavampsicodelia,Beatles, músicaconcreta,erudita e samba,em 1966. OsMutantesfizeram partedo movimentoTropicalista ecomeçaram afazer sucessona apresentaçãode Domingo noParque, comGilberto Gil, no3º Festival deMúsica PopularBrasileira da TVRecord (1967)O rock brasileiro já tem mais de meio século dehistória e muitos ingredientes para compor oprimeiro arquivo do gênero no Museu da Imageme do Som. E o público já dá seus pitacosPor Vitor Nuzzi e Xandra StefanelOrock nacional está prestes a virar museu. Eorganizado por um fã assumido de AdoniranBarbosa. “Quando perguntaram a Adoniransobre samba paulista, ele respondeu:‘Todo samba é igual, o meu só é diferentenos versos’. Pode haver diferenças de nuances de melodia,sotaque ou interpretação, mas a letra é por onde começama aparecer essas diferenças: samba da Bahia fala de Bonfimou vatapá, samba do Rio fala de Copacabana ou doMangue, samba paulista fala da Praça Clóvis ou de Jaçanã”,observa o jornalista e pesquisador Ayrton Mugnaini Jr.,curador do Arquivo do Rock Brasileiro. Ele lembra que ossotaques valem para qualquer gênero. “Do mesmo modo,a valsa, o fox e o rock, ritmos estrangeiros, começam a seabrasileirar quando passam a falar de Brasil ou pelo menosem português do Brasil e de um jeito brasileiro.”MakeupCom letras políticase performanceirreverente, osSecos&Molhadosgravaram seu primeirodisco em 1973. Nosvocais contaram comNey Matogrossodivulgação/ae


eproduções: mauricio MoraisPreciosidadesEntre milhares de discos epublicações que farão parte doacervo do Museu do Rock, a RdBpinçou algumas como 1º Festivalde Iê-Iê-Iê, 1960, que tem atéMoacir Franco cantando rock; LPLos Increibles (Os Incríveis), lançadoapenas na Argentina, 1965; uma rara gravação dePor um Triz, 1972, de Walter Franco; Baby Face, umadas primeiras revistas de rock no Brasil, 1962; e apérola suprema: o terceiro disco do grupo Joelho dePorco, do qual foram prensadas apenas 100 cópiasO Arquivo do Rock é uma idéia de velhosroqueiros com ouvidos abertos a outrossons. A Associação Cultural Dynamite,comandada por André Luiz “Pomba”Cagni, produtor e músico, conseguiu patrocínioda Petrobras e apoio do InstitutoMoreira Salles, para restauração de áudios,e do Museu da Imagem e do Som(MIS), para abrigar o futuro acervo. Elesesperam ter boa parte pronta até julho. Ejá estão recebendo doações e palpites dosfãs do gênero.A analista de crédito Kelly Sena Lira,19 anos, também estudante de Psicologia,não vê a hora de conferir álbuns,LPs e quinquilharias. “Como peças usadaspor cantores e bandas, instrumentos,rascunhos de composições”, explicaa admiradora de Renato Russo. “Omuseu tem de ter tudo sobre ele, que éo maior dos maiores do rock brasileiro.Também gosto muito do Raul (Seixas),mas o Renato está acima de qualquercoisa”, diz Kelly, para quem falta “críticasocial no nosso rock”.O vendedor Leilson Pinheiro Varela,20 anos, curte mais black music, mastambém ouve seus rocks, com preferênciapara CPM 22 e Charlie Brown Jr. “Omuseu seria um point a mais pra galera.Gostaria que tivesse coisas relacionadasao punk”, palpita. “Show de bola”, afirma ovendedor e body piercer Artur Batista, de25 anos. “O rock é uma cultura, um jeitode viver. E tem muita história pra contar,não só essas bandinhas de hoje em dia.Rock é inovação constante. Começou láatrás, com o blues, e veio avançando.”Rock-cançãoSe o rock tem raízes no blues – o próprionome da banda Rolling Stones vemde uma canção do bluesman Muddy Waters–, quem poderia supor que no Brasilos primeiros a cantar rock foram artistasidentificados com o samba-canção?Em 1955, na esteirado sucesso de um filme,Nora Ney gravou Rock Aroundthe Clock, de Bill Haley e SeusCometas. A mesma Nora, ironicamente,gravaria Cansei deRock, em 1961. E quem ajudoua trilhar os primeiros passosdo rock verde-amarelo foininguém menos que CaubyPeixoto, com Rock’n’Roll emCopacabana, de Miguel Gustavo,que ganharia fama mesmocom Pra Frente, Brasil, o“hino” da seleção brasileira de1970.Artur Batista gostaria tambémde um museu de cera. “Com os melhores.Com o Cazuza, por exemplo, essemaluco revolucionou o rock. Cássia Ellertambém. Seria bacana ter peças de roupasde roqueiros. Tenho só 25 anos, nãovi o Cazuza quando ele estava bombando.Acho que um museu é legal por isso”, dizPioneiroAcredite se quiser,um dos primeiroscantores a gravarrock no Brasil foiCauby Peixoto,com Rock’n’Rollem Copacabanaele. Cazuza morreu em 1990, quando Arturtinha 8 anos.O estudante de cursinho João Vitor deAlmeida, 25 anos, aumenta a lista de reivindicações:biografias, pôsteres, quadros.“Seria legal para mostrar as bandasque sumiram. Ouço bastante Mutantes,Secos&Molhados, Camisa de Vênus, BiquíniCavadão, Garotos Podres, algumascoisas dos Ratos de Porão, a fase mais antigado Capital Inicial, LegiãoUrbana e até Otto, que misturarock com vários ritmos.”Dono da Baratos&Afins – tradicionalloja instalada na Galeriado Rock, no centro de São Paulo–, Luiz Calanca, 54 anos, apóia aidéia do Arquivo no MIS. Paraele, a exemplo de tantos outrosdivulgaçãosetores, o rock padece de um maltipicamente brasileiro, a falta dememória. “É quase impossívelfazer um museu completo, porqueo Brasil não tem memóriae tivemos muita gente fazendorock, e dos bons, sem ficar famosa.Não que isso vá ser umafalha, mas é preciso atualizar omuseu sempre, ouvir sugestões das pessoase pesquisar”, sugere Calanca, que começoua ouvir rock aos 12 anos. “Meu primeiro LPfoi Meu Bem, do Ronnie Von, com uma versãode Girl, dos Beatles. Muito legal.” Dos 90mil vinis de sua loja, Calanca calcula que umterço é rock.44 ) Revista do Brasil ) março ) 2007


E ele também faz a sua lista de objetosindispensáveis, como equipamentos e setsde gravação antigos, publicações, enciclopédias.“Revistas como Bizz, a Rolling Stonebrasileira dos anos 70, A Música do PlanetaTerra foram como bíblias para mim,porque antes existiam muitos bons críticosde música.” Calanca elegeu Dom Quixote,dos Mutantes, a música-símbolo do rocknacional (A vida é um moinho/ É um sonhoo caminho/ É do Sancho, o Quixote/Chupando chiclete...), ao lado de Panis etCircensis. “Também acho que Tom Zé é onosso Frank Zappa, o papa da invenção.São Paulo merece abrir o museu do rocknacional. Tem tudo a ver”, completa, comum último pedido para o acervo: a primeiraguitarra dos Mutantes. “Ela existe, mas seráque o Sérgio (Dias) doaria?”, questiona.Então, a reportagem encaminhou apergunta ao dono da guitarra e um doscriadores da histórica banda, que voltouà ativa em 2006. “Depende da estruturapor trás do museu”, diz Sérgio Dias. “Sefor uma coisa governamental, eu pensariaa respeito; particular, não.” Calancapode ter esperanças. Sérgio tambémdá sugestões sobre o que não pode faltar,além de estrutura, apoio financeirooficial, programação variada. “Não bastaexpor. Isso perde o sentido depois depouco tempo. Tem de ser algo que movaas pessoas e interaja com a cena do rocknacional.” Algo meio mutante.Maluco belezaO baiano Raul Seixasencontrou o sucessomisturando rock combaião, mas começoufazendo cover de ElvisPresley. Compôs paraJerry Adriani, Renato eSeus Blue Caps e SérgioSampaio. Foi parceiro doescritor Paulo Coelhojuan luiz guerra/divulgaçãoEra um garoto que amava o rock e o Adoniranmauricio moraisAyrton Mugnaini Jr.é curador do Arquivodo Rock Brasileiro,que deve ficarpronto em julhoQuando o rock chegouao Brasil era associadoa mau comportamento,delinqüência. E hoje?Parece que ainda é um pouco,apesar de muita gente jáfazer rock com guitarras altasperfeitamente domesticadoaté em publicidade.Quantos grupos você já viunascer e morrer em curtoespaço de tempo?Quase a mesma quantidadede grãos de areia que jápisei na praia...Você queria teruma banda derock quandogaroto?Queria e tive várias, muitaspreservadas em fitas de roloe cassete. Só em Sorocaba,onde morei de 1969 a 1979,foram The Paranoic MarketBoys, o Trânsito Maluco deMarte, Repolho Nervoso...Nos anos 60, muitosmúsicos ilustres se uniramcontra a guitarra elétricana música brasileira.Foi uma xenofobia tão idiotaque tendo a acreditar na tesede que foi armação da TVRecord para promover seuscontratados roqueiros e nãoroqueiros.É possível falar de rockgenuinamente brasileiro?Sim, desde que tenha algumelemento marcantementebrasileiro, nem que sejam asletras.Você já falou que o AdoniranBarbosa desfruta de umacerta simpatia entre o povodo rock. Por quê?Ele mesmo responde nestesamba: “<strong>Eu</strong> gosto dosmeninos desse tal de iê-iê-iêporque com eles canta a vozdo povo”. Mas era uma coisa“nada contra, eles lá e euaqui”. Tanto é que em outrosamba, Rua dos Gusmões,ele despreza uma mulher quegosta muito de rock: “Trocaro samba pelo iê-iê-iê/nãopode ser”.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 45


viagemPara refrescaras idéiasFoz do Iguaçu é ponto de encontro de Brasil, Argentinae Paraguai, habitat de muitos povos, patrimônionatural da humanidade e diversão certa paraquem procura sossego ou aventuraPor Krishma CarreiraChegar a Foz do Iguaçu deavião é como flutuar sobreum imenso tapete verde. Láembaixo, depois de cruzara porta do aeroporto, a impressãoinicial prevalece. Chama tambéma atenção que uma região tão bonitado país seja tão pouco visitada por brasileiros.Os estrangeiros transformam olugar em uma Babel. Tudo a ver com essacidade do extremo oeste do Paraná, depouco mais de 300 mil moradores, entreeles descendentes de italianos, alemães,libaneses, argentinos, paraguaios, chineses,ucranianos e japoneses. O climaé subtropical úmido mesotérmico. Em46 ) Revista do Brasil ) março ) 2007bom português: verões quentíssimos einvernos gelados. Os roteiros de Foz sãofreqüentados por todas as idades. Diversãopura, com aulas a céu aberto sobrefauna e flora.Um passeio imperdível é o do Macuco.A aventura começa com uma pequenacaminhada no Parque Nacional do Iguaçuaté o salto do Macuco – uma quedad’água de 20 metros de altura. Ali os turistasentram em um jipe elétrico comvisual militar, não-poluente, silencioso epercorrem três quilômetros selva adentro.Os sons emitidos pelos animais aguçama curiosidade quanto à sua origemem meio à densa mata nativa. Lá pelastantas, o carro pára e começa a caminhadaaté o Rio Iguaçu. Só isso já pode parecermuito para quem está habituado àvida cinzenta e barulhenta da cidade. Masa emoção começa mesmo em um barcobimotor que espera no leito do rio. Criançase adultos acomodam-se com capas dechuva e coletes salva-vidas. A medida desegurança parece desnecessária diante daserenidade das águas, que dura até a primeiracurva.Aí, a embarcação já começa a ser jogadaaqui e ali em busca de aventura pelo cânionque conduz até as cataratas. Da Gargantado Diabo, bem diante dos olhos,brota uma pequena chuva. O condutordesvia a rota do barco. Enquanto se tema impressão de que a emoção ficou paratrás, o piloto e o cinegrafista que registrao passeio vestem uma grossa capa de


Passeio debarco atéo salto doMacucochuva. E logo se sabe por quê. O bimotoravança contra a cachoeira.É de perder o fôlego. Pena queseja impossível manter os olhosabertos. Quem tem mais sede deaventura pode fazer esse mesmocaminho com botes infláveisimpulsionados por remos, o famosorafting, do qual nem mesmo os remadoresde primeira viagem se arrependem.Depois de ver as cataratas pelo rio, chegaa hora de conhecê-las do alto. Poucoantes de o Iguaçu encontrar o Rio Paraná,existem 275 saltos com altura média de60 metros. Destes, 19 são muito grandes– três no lado brasileiro e o restante nolado argentino. É preciso admitir: o ladodos hermanos é muito mais bonito.Adilson Borges/parque nacional do iguaçu/ibamaQuati,presençaconstanteParquedas AvesDe tremelétrico, oua pé, peloParque doIguaçuAdilson Borges/ibamaAdilson Borges/ibama krishma carreira krishma carreira krishma carreiraDurante o passeio, aparecem surpresasaqui e ali. Pássaros, lagartos e até jacarésvez por outra se deixam fotografar. Osquatis são presença constante. Parecidoscom os animais do filme Os Sem-Floresta– em que bichos passam a correr atrásde comida dos homens depois que a florestadeu lugar a um condomínio –, elesadoram roubar salgadinhos e tomam atérefrigerante. São meigos e fazem a festacom a criançada. Outra presença constanteno passeio são as borboletas. Incontáveisespécies. Elas chegam a grudar napele para se alimentar de suor – tem gostopara tudo.Parte da viagem pelo lado argentino éfeita a bordo de um trem charmoso quepercorre sete quilômetros – um alíviopara quem não pára de andar em buscade novidades. Na Argentina, só tem umproblema: tudo é muito caro. Ao lado daestação de trem, um picolé é vendido por10 reais.De volta a Foz do Iguaçu, um roteiroque não exige muita caminhada é o Parquedas Aves – são cerca de 150 espéciesdo Brasil, da Austrália, da África e daÁsia. Os viveiros são gigantes, tão grandesque o visitante nem se dá conta de estarlá dentro. Alguns pássaros se deixamacariciar. No parque, pode-se conhecero casuar – ave que emite um som semelhanteao de uma onça. Ali vivem tambémflamingos, um urubu-rei, papagaiosameaçados de extinção e borboletas de 25espécies. Sem contar jacarés, sucuris, jibóiase os sagüis (faça um passeio virtual:www.parquedasaves.com.br).Quem tem mais “bala na agulha” podearriscar um passeio de iate pelos riosIguaçu e Paraná, ou ir ao cassino no ladoargentino, ou fazer compras na vizinhaCiudad del Este, no Paraguai. Fora daépoca de desova e reprodução, de outubroa março, as águas do Rio Paranápermitem aos mais sinceros pescadoresencontrar grandes argumentos para suashistórias. Quem não tem paciência paratanto que preserve a disposição para aculinária local. Os pratos à base de pescado– especialmente o dourado assado– fazem bastante sucesso.Saiba maisTelefone: 0800-451516www.fozdoiguacu.pr.gov.brwww.portalfoz.com.br2007 ) março ) Revista do Brasil ( 47


Curta essa dica PorCláudia Motta (claudiamotta@revistadobrasil.net)O menino e seu tigreAs histórias do menino Calvin e Haroldo, seu tigre, são lidas por milhões de jovens emtodo o mundo. Desde 1985, quando foram criados por Bill Waterson, mais de 30 milhõesde cópias de 17 álbuns foram vendidas. Agora, com O Mundo É Mágico (168 páginas),a editora Conrad inicia a publicação completa das tiras da dupla no Brasil. O dia-a-diado hiperativo garoto de 6 anos e seu maior amigo é recheado de fantasia, sátiras sociais,políticas, culturais. R$ 17 a R$ 35.Grande nomeEm especial exibido pela TVGlobo em 1980, Paulinho daViola apresenta sucessos desua carreira e da história dosamba com a Velha Guardada Portela, os maestrosCopinha e Radamés Gnatalli,além de Zezé Motta, EltonMedeiros, Jair do Cavaco,Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento daMangueira. Está tudo no DVD Série Grandes Nomes– Paulinho da Viola (Gravadora Trama, R$ 56, emmédia). A propósito, vale recordar: a vida de Paulinhoé contada e cantada num belo documentário escritopor Joana e Zuenir Ventura e Izabel Jaguaribe – MeuTempo É Hoje (2003). De R$ 42 a R$ 55.Riso como remédioEles são fundamentais: o riso e osDoutores da Alegria. A ciência jácomprovou os benefícios do primeirocomo tratamento complementar nacura de doenças. Longe da depressão,conseqüência das longas internações,os pacientes são mais colaborativos ea cura fica mais próxima. Os Doutoresda Alegria, por sua vez, não trazema cura, mas conforto e riso sempre que é possível. O grupo foicriado em 1991 e virou organização sem fins lucrativos que realizacerca de 50 mil visitas por ano em hospitais de São Paulo, Rio eRecife. O objetivo – levar alegria a crianças hospitalizadas, seuspais e profissionais de saúde – pode ser conferido no comoventee engraçado documentário Doutores da Alegria, o Filme, jádisponível em DVD (direção de Mara Mourão, 96 minutos).Jazz às pampasA banda Delicatessen surgiu em Porto Alegre egravou seu primeiro CD, o Jazz+Bossa, no ano passado. Produzidopor Beto Callage e Carlos Badia – também violonista –, o discoconta com o baixista Edu Martins e o baterista Mano Gomes. A vozde Ana Krüger, afinadíssima, lembra o estilo intimista das grandescantoras de jazz. Vale conferir! De R$ 13 a R$ 35.48 ) Revista do Brasil ) março ) 2007divulgaçãoRio Grande da SerraO Desenvolvimento Socioeconômico de RioGrande da Serra (Editora Publisher Brasil, 82páginas) resgata a história da formação da cidadeconsiderada “prima pobre” entre as sete queformam o ABC paulista. A autora, Maria RitaSerrano, presidente do Sindicato dos Bancáriosda região e da Associação Cidadania e Vida,apresenta dados sobre a formação, emancipaçãopolítica e os indicadores que demonstram asingularidade da cidade. A publicação é apoiadapor entidades sindicais da região (bancários,metalúrgicos e químicos), pela Fetec-<strong>CUT</strong>, pelaAssociação de Pessoal da Caixa EconômicaFederal e pela empresa Dura Automotive.Lançamentos em 24 de março em Santo André(16h, na livraria e editora Alpharrabio) e 31 demarço em Rio Grande da Serra (16h, AssociaçãoCidadania e Vida). R$ 15, com renda revertida ainvestimentos sociais na cidade.


Homenagemao TomMattDamon eLeonardoDi CaprioEnfim juntos, Scorcese e o OscarMartinScorceseDepois de sete indicações para melhordiretor, enfim Martin Scorcese levouum Oscar. Os Infiltrados (The Depart)– que faturou também melhor filme,roteiro adaptado e montagem –, fielao seu estilo, sustenta do começo aofim um refinado clima de suspense. Enquanto a lei mantémseus homens infiltrados para conhecer cada passo do chefãomafioso Frank Costello (Jack Nicholson), a organizaçãocriminosa também tem seus espiões no departamentopolicial. Nicholson, Leonardo Di Caprio, Matt Damon,Mark Wahlberg, Alec Baldwin e Martin Sheen dão show.O DVD já está nas locadoras e à venda. R$ 45 (duração de138 minutos, classificação indicativa de 18 anos).divulgaçãoOs 80 anos que Tom Jobimfaria em janeiro foi motivode homenagem feita pelocompositor e arranjador MárioAdnet no álbum Jobim Jazz,distribuído pela Tratore. Orepertório é equilibrado, commúsicas de algum sucesso,como Tema Jazz, Só DançoSamba, e outras desconhecidas,entre elas Domingo Sincopado,Paulo Vôo Livre, Bate-Bocae Meninos, <strong>Eu</strong> Vi. Tambémtem Polo Pony, da trilha deum filme musicado por Tomno exterior (The Adventure,Inglaterra, 1970), e o Frevo deOrfeu, do filme Orfeu Negro(Brasil, França, Itália, 1959).Participações de Joyce, HélioDelmiro, entre outros.De R$ 29,90 a R$ 35,90.As mulheres esuas históriasO livro nasceu de um programa derádio francês que fez enorme sucesso aodivulgar com clareza e entusiasmo, paraum público de não especialistas, o conteúdo demais de 30 anos de pesquisas e reflexões acadêmicas.Minha História das Mulheres foi transformado emlivro pela historiadora Michelle Perrot. Traduzidoe publicado no Brasil pela Editora Contexto (192páginas), narra em cinco capítulos as alterações sociaisna vida das mulheres. Retrato sensível da evolução dopapel e do espaço da mulher na sociedade. R$ 35.Fantástico mergulhoPara quem gosta de livros em que a entrega étotal, e se mergulha sem vontade de voltar à tona,<strong>Eu</strong> Receberia as Piores Notícias dos Seus LindosLábios (de Marçal Aquino, Companhia das Letras,232 páginas) é prato cheio. Aquino é autor de O Invasor,que virou filme dirigido em 2001 por Beto Brant. Em As PioresNotícias, o narrador Cauby, fotógrafo, encontra o céu e o infernoao lado de seu grande amor, Lavínia, numa cidade do Pará. Ahistória se entrelaça no clima úmido e quente com a de outrospersonagens fundamentais na composição da trama. Maiores oumenores os dramas, não importa. Todos cumprem seu destino. E édisso que trata Marçal Aquino. R$ 39.2007 ) março ) Revista do Brasil ( 49


Crônica PorJosé Roberto ToreroPapo cabeçana internetFê: E aí?Dado: Firmeza. E aí?Fê: Show de bola. Fez o homework?Dado: Que homework?Fê: O que a profe pediu.Dado: Putz, caraca! A de história, né?Fê: Só.Dado: Que saco, esqueci! Qual que eraa bagaça mesmo?Fê: Espera que eu vou ver....Dado: Achou?Fê: Espera, pô! Ah, tá aqui: diga porque o dia 31 de março mudou a históriado nosso país.Dado: Tem idéia?Fê: Nadica.Dado: Então a gente se fala tipo daquia pouco. Bj.Fê: Bj.(Meia hora depois.)Fê: E aí, foi no Google?Dado: Fui. E vc?Fê: Total.Dado: Matou a charada?Fê: Matei.Dado: Então fala aí, gata, por que o 31de março mudou a história do nossopaís?Fê: Se liga: no dia 31 de março de 1889a Torre Eiffel foi dedicada à cidade deParis.Dado: Bizarro. Mas o que isso tem aver tipo com o Brasil?Fê: Ah, sei lá! Antes não tinha atorre, entendeu? Aí os brasileirosnão entravam numas de ir pra fora,conhecer o mundo. Fez a torre, aí abriupra ir, visitar e os caras começaram aviajar. Por isso que tem tantobrazuca lá fora, tá ligado?Dado: Louco.Fê: Você achou algum treco?Dado: Uma pá de coisa!Fê: Fala uma.Dado: Tipo, eu achei quenesse dia, em 1492, uns reislá expulsaram os judeus daEspanha.Fê: E aí? Onde que o Brasil entra nessa?Dado: É que aí os judeus tiveram queir pra Alemanha, o Hitler caiu em cimados caras e eles vieram pra cá.Fê: Pra Higienópolis?Dado: Tudo a ver.Fê: Sabe, cara, tô achando que pode seroutra coisa.Dado: Tipo o quê?Fê: É que eu também achei isso, ó:no dia 31 de março de 1900 saiu oprimeiro anúncio de carro da história.Era uma firma da Filadélfia, meu, e elespublicaram o anúncio num jornal quechamava Saturday Evening Post. Vai veré isso, porque aí os brasileiros acharamo anúncio o maior chique, começarama comprar carro e acabou dando essescongestionamentos.Dado: Sei não, nada a ver... <strong>Eu</strong> estounuma de que é uma coisa mais... sabe?,um troço mais zoado.Fê: Mas, meu!, o quê?Dado: Sei lá, um treco tipo guerra,entende?Fê: Nadica.Dado: <strong>Eu</strong> li num lugar aí que teve umarevolução aqui.Fê: Aqui? No bairro? Xi, agora só vousair na rua de capacete.Dado: Pô, gata, é sério!Fê: Rs, rs, rs, rs.Dado: Olha só: parece que teve umarevolução mesmo, tipo um negóciocom general.Fê: Se liga, vc acha que teve guerraaqui?Dado: Pô, de repente teve, sei lá...Fê: Com esse negócio de espião,granada, metralhadora? Você pirou!Daqui a pouco vc vai dizer quetorturaram neguinho no Brasil.Dado: Pode ser. Que nem fizeram noIraque. <strong>Eu</strong> vi no YouTube.Fê: Ai, meu, sei lá... pra mim isso éviagem sua.Dado: Pô, a gente fica com o que,então?Fê: Paris, meu. Relaxa que é aquelelance da Torre Eiffel.Dado: Tá bom, vou na sua. Me atacha asua pesquisa que eu colo no arquivo.Fê: Tá indo... Tá indo... Foi.Dado: Valeu. Agora eu vou jogar umasduas horas de Mortal Annihilation.Fê: E eu vou dar um rolêno Shopping. Blz?Dado: Blz.José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV (Pequeno Dicionário Amoroso, Retrato Falado),colunista de Esporte na Folha de S.Paulo e blogueiro (blogdotorero.blog.uol.com.br)50 ) Revista do Brasil ) março ) 2007

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!