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O Brasil de Rugendas nas edições populares ilustradas* - IFCS

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O <strong>Brasil</strong> <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> <strong>nas</strong> edições<strong>populares</strong> <strong>ilustradas*</strong>Celeste ZenhaIntrodução“Numa fria e triste tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> inverno, Emile reuniu todos os seus jovensamiguinhos, e para recreá-los <strong>de</strong> uma maneira digna <strong>de</strong> crianças instruídase bem educadas, ela propôs um jogo on<strong>de</strong> cada um po<strong>de</strong>ria exibir seusconhecimenos geográficos, um jogo que além da novida<strong>de</strong> conta com o atrativoque as imagens e as histórias oferecem, quer dizer, um jogo que é tãoinstrutivo quanto divertido. A volta ao mundo! E ape<strong>nas</strong> o título conquistoutodos os votos. O jogo foi adotado por unanimida<strong>de</strong> e com gran<strong>de</strong> entusiasmo.Emile mostou a sua caixa, a abriu e abandonou todas as riquezas quecontinha aos olhares ávidos <strong>de</strong> seu círculo encantado. Os chineses e os selvagens,a Suíça e o Industão, a Espanha e o <strong>Brasil</strong>, numa admirável mistura,passaram <strong>de</strong> mão em mão; logo a seguir os livros, a ampulheta, o globo, opequeno viajante e finalmente as provas que, <strong>de</strong> uma maneira nova prometiamtantas histórias interessantes, tudo foi minuciosamente visto e longamenteadmirado”. 1Durante o século que suce<strong>de</strong>u a Revolução Francesa, o fascínio pelasviagens e notícias <strong>de</strong> lugares longínquos era partilhado até mesmopelas crianças e, como afirma o texto <strong>de</strong> apresentação do jogo intitulado Opequeno viajante, facilitava a instrução infantil e a disseminação <strong>de</strong> conhecimentos<strong>de</strong> história e geografia. “Distrair educando” era a promessa* Agra<strong>de</strong>ço às seguintes instituições que graciosamente ce<strong>de</strong>ram as imagens reproduzidas nesteartigo: a Biblioteca Nacional — Divisão <strong>de</strong> Iconografia (figuras 2,4,6,8,10,12,13,16 e 20); aPinacoteca Municipal <strong>de</strong> São Paulo — Centro Cultural São Paulo (figuras 1 e 3); a BibliotecaMário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> do Município <strong>de</strong> São Paulo — Divisão <strong>de</strong> Obras Raras (figuras 5, 15 e 19),ao Musée du Papier Peint <strong>de</strong> Rixheim (figuras 14,17 e 18) e à Biblioteca Nacional da França(figuras 9 e 11).Topoi, Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>zembro 2002, pp. 134-160.Topoi5.p65 13417/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 135repetida exaustivamente por um leque bastante amplo <strong>de</strong> produtos que alcançavamcada vez mais popularida<strong>de</strong>. O consumo da ciência e das artessob a forma <strong>de</strong> publicações acessíveis, baratas e fartamente ilustradas se transformouem sucesso empresarial, responsável pelo surgimento <strong>de</strong> novos usospara as imagens produzidas por artistas ou cientistas. O negócio da reproduçãoe venda <strong>de</strong> imagens em larga escala ganhou, ao longo do século XIX,uma dimensão até então impossível <strong>de</strong> ser vislumbrada. A “<strong>de</strong>mocratização”da cultura e da civilização fazia-se <strong>de</strong>sejável e também exeqüível, poisum conjunto excepcional <strong>de</strong> avanços e invenções no terreno da reprodução<strong>de</strong> imagens diminuía os custos e melhorava a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes artefatos,produzidos em quantida<strong>de</strong>s cada vez maiores. Neste contexto, o controlesobre o <strong>de</strong>stino das obras iconográficas diversificava-se e tornava-sedifícil perseguir as suas trajetórias, até mesmo para seus autores originais.Na verda<strong>de</strong>, a questão da autoria mostrava-se complexa, e eventualmenteela passou a ser partilhada entre vários profissionais: o <strong>de</strong>senhista, o gravador,o colorista, o editor e a casa impressora. Enfim, a “reprodutibilida<strong>de</strong>técnica” da imagem aplicada em gran<strong>de</strong> escala numa economia <strong>de</strong> mercadoalterou <strong>de</strong> forma substantiva as relações entre o autor, o artefato iconográfico,o público e o seu comerciante. O aumento no consumo <strong>de</strong> imagensfoi acompanhado <strong>de</strong> alterações qualitativas muito significativas na suaprodução, nos seus usos e nos papéis sociais daqueles que atuavam nesteramo <strong>de</strong> produção e comércio. O presente texto procura analisar, no mercadofrancês <strong>de</strong> imagens reproduzidas em larga escala, a inserção <strong>de</strong> umpequeno conjunto <strong>de</strong> imagens sobre o <strong>Brasil</strong> produzidas em primeiro lugarpor Johan Moritz <strong>Rugendas</strong> no período que se suce<strong>de</strong>u à in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nciapolítica do país. A relação entre as imagens escolhidas, os procedimentosutilizados <strong>nas</strong> suas produções, o público ao qual se en<strong>de</strong>reçavam e o mercadono qual se inseriam possibilitam <strong>de</strong>linear alguns dos contornos quecaracterizam o que Stephenn Bann 2 <strong>de</strong>nomina cultura visual do oci<strong>de</strong>ntedurante a primeira meta<strong>de</strong> do século XIX. Neste sentido, a escolha dasimagens inequivocamente i<strong>de</strong>ntificáveis como <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> expressaprimordialmente a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usos e <strong>de</strong> sentidos que se fazempossíveis nesse momento em que os procedimentos técnicos não somentereproduzem as imagens, mas lhes imprimem uma potência antes <strong>de</strong>sco-Topoi5.p65 13517/08/04, 00:46


136 • TOPOInhecida, tanto no que se refere à sua circulação quanto à proliferação dossentidos, das ativida<strong>de</strong>s e dos valores que passam a gerar.Os <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> um artista aventureiroEm setembro <strong>de</strong> 1821, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Munique, um jovem estudanteda Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas Artes local oferecia seus serviços como <strong>de</strong>senhista aobarão <strong>de</strong> Langsdorff, que então organizava uma expedição científica. JohanMoritz <strong>Rugendas</strong>, com cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenove anos, ce<strong>de</strong>ra ao fascínio que o<strong>Brasil</strong> exercia sobre homens letrados, ávidos tanto pelas <strong>de</strong>scobertas e contribuiçõespara o avanço da ciência quanto pelas aventuras propaladas porviajantes que lá haviam estado. Encanto semelhante àquele que levara ao<strong>Brasil</strong>, na mesma época, dois famosos cientistas também bávaros, J. Spix eK. Martius. O contrato, assinado ainda na Europa, estabelecia a soma <strong>de</strong>mil francos (cerca <strong>de</strong> 160 mil-réis) como rendimentos anuais para <strong>Rugendas</strong>,que se comprometia a ce<strong>de</strong>r ao seu contratante, com exclusivida<strong>de</strong>,toda a produção realizada no <strong>de</strong>correr da expedição. Para esta finalida<strong>de</strong> oartista foi abastecido com todo o material necessário (com exceção da roupa)e recebeu quantia referente a seis meses <strong>de</strong> trabalho.<strong>Rugendas</strong> permaneceu no <strong>Brasil</strong> junto à expedição <strong>de</strong> Langsdorff <strong>de</strong>1822 a 1824. Muitos foram os <strong>de</strong>sentendimentos entre o <strong>de</strong>senhista e aqueleque o contratou. De acordo com Komissarov, 3 Langsdorff registrou emseu diário o <strong>de</strong>sapontamento com <strong>Rugendas</strong>, que freqüentemente recusava-sea mostrar-lhe seus <strong>de</strong>senhos. Além disso, o barão alimentava suspeitas<strong>de</strong> que o jovem artista acalentava a esperança <strong>de</strong> vir a publicá-los sem asua autorização. Sem a perspectiva <strong>de</strong> receber o restante do que havia sidoacordado, <strong>Rugendas</strong> abandonou a expedição e retornou à Europa em 1825.A Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong> — fascículos reunidos nummagnífico album <strong>de</strong> litografiasNa França, um gran<strong>de</strong> editor-litógrafo, G. Engelmann, abraçou oambicioso projeto <strong>de</strong> publicar as imagens realizadas com base nos <strong>de</strong>senhosdo ex-participante da expedição russa ao <strong>Brasil</strong>. A edição dos fascículos teveinício em 1827. Eles traziam um texto atribuído ao alemão Viktor E. Huber,Topoi5.p65 13617/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 137amigo <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, que lhe teria fornecido suas anotações pessoais da viagemempreendida ao <strong>Brasil</strong>. No total, foram impressos 20 fascículos quevieram a formar um álbum com 100 litografias em preto e branco. A obrafoi concluída em 1835 e publicada em francês e alemão em Paris eMulhouse, respectivamente. Cada exemplar era dividido em quatro partes:a primeira continha 30; a segunda, 20; a terceira, 30 e a quarta, 20pranchas. O álbum com duas pranchas <strong>de</strong> Debret foi apresentado ao públicocomo se não tivesse qualquer relação com a expedição ao <strong>Brasil</strong> dobarão <strong>de</strong> Langsdorff.Engelmann possuía um estabelecimento muito bem-sucedido e respeitado,on<strong>de</strong> produzia litografias distribuídas por toda a França, Alemanha,Suíça e outras partes da Europa. Suas ofici<strong>nas</strong> contavam com a participação<strong>de</strong> numerosos profissionais que, recrutados muito jovens, alirecebiam treinamento na técnica <strong>de</strong> impressão litográfica. Nelas foram <strong>de</strong>senvolvidosmuitos procedimentos pioneiramente empregados na produçãodas imagens impressas. O processo litográfico seguia os princípios dainvenção <strong>de</strong> Alois Senefel<strong>de</strong>r e estava baseado no fato <strong>de</strong> que o óleo e aágua se repelem. Ele consistia em lavar a superfície da pedra litográfica comuma solução corrosiva à base <strong>de</strong> água, goma arábica diluída e ácido nítrico;a solução se fixava <strong>nas</strong> áreas que não haviam sofrido a ação da tinta à base<strong>de</strong> óleo utilizada anteriormente para os <strong>de</strong>senhos. Depois a superfície dorelevo <strong>de</strong>lineado pela ação do corrosivo era coberta com uma tinta oleosaque a<strong>de</strong>ria somente às marcas feitas pelo <strong>de</strong>senho. Finalmente, a tinta eratransferida para o papel, que era pressionado contra a pedra através <strong>de</strong> umaprensa. Para ser distinguido dos processos à base <strong>de</strong> entalhe e relevo, esteprocessso foi nomeado <strong>de</strong> planográfico ou superficial. O instrumento maisutilizado era o giz ou lápis, mas havia outros. Uma vez que o <strong>de</strong>senho seencontrava pronto, a tarefa do artista estava concluída, e o que restava eramantido fora <strong>de</strong> seu domínio e se constituía na seara exclusiva dos impressores,on<strong>de</strong> operações complexas ainda eram realizadas. 4 Dessa maneira aimagem podia ser <strong>de</strong>senhada diretamente na pedra ou ainda copiada a partir<strong>de</strong> uma matriz em papel. Evitava-se o longo processo <strong>de</strong> entalhe e umareprodução em larga escala era garantida. Infelizmente, não era possívelintegrar a litografia ao corpo do texto tipográfico, <strong>de</strong> maneira que este tipoTopoi5.p65 13717/08/04, 00:46


138 • TOPOI<strong>de</strong> imagem só podia acompanhar o texto na forma <strong>de</strong> uma folha avulsa,on<strong>de</strong> eram registrados normalmente os nomes do <strong>de</strong>senhista a partir doqual a pedra havia sido litografada, o litógrafo, a oficina na qual tinha sidoimpressa e uma breve legenda. 5 Des<strong>de</strong> o final do século XVIII, quandoAlois Senefel<strong>de</strong>r fez os primeiros experimentos <strong>de</strong>sse processo, muitosartistas vieram a se especializar nessa técnica, cada vez mais difundida e bemsucedidacomercialmente. Das partituras musicais e cópias <strong>de</strong> quadros famosospassou-se à criação <strong>de</strong> imagens que já tinham por objetivo a reproduçãoatravés <strong>de</strong>ssa técnica <strong>de</strong> impressão on<strong>de</strong> cada artista ganhavanotorieda<strong>de</strong> numa especialida<strong>de</strong>: figuras huma<strong>nas</strong>, paisagens, animais, ce<strong>nas</strong>urba<strong>nas</strong> ou <strong>de</strong> interior, costumes etc. Assim, embora as tarefas dos preparadoresda pedra e dos impressores fossem muito importantes e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ssemainda da habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> artífices sensíveis e bem treinados, a notorieda<strong>de</strong>daqueles que <strong>de</strong>senhavam a pedra distinguia os papéis e as remunerações.Mas, se os artistas eram mais valorizados no quadro <strong>de</strong> trabalhadores envolvidosnessa produção, era indispensável para os donos dos empreendimentoslitográficos o domínio do conhecimento <strong>de</strong> todo o processo técnico.Engelmann não fugia a este mo<strong>de</strong>lo. Apesar dos dotes artísticos quejustificaram sua passagem pela Escola <strong>de</strong> Belas Artes <strong>de</strong> Paris, nunca atingiraqualquer notorieda<strong>de</strong> com seus trabalhos, <strong>de</strong> modo que o empreendimentolitográfico que fundou em Mulhouse parece ter sido mais <strong>de</strong>corrênciada tradição dos negócios familiares <strong>de</strong> seu pai (comerciante <strong>de</strong> tecidos)e <strong>de</strong> seu sogro (proprietário <strong>de</strong> uma estamparia têxtil) do que do resultado<strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s artísticas. Conhecedor e aperfeiçoador dos procedimentostécnicos, Engelmann cercara-se <strong>de</strong> artífices habilidosos formados emsuas ofici<strong>nas</strong>. Além disso, contava com a produção <strong>de</strong> artistas <strong>de</strong> alta reputaçãona arte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar na pedra. Nos ca<strong>de</strong>rnos da Viagem pitoresca ao<strong>Brasil</strong> trabalharam 22 litógrafos. Adam, especializado em figuras, participouda elaboração <strong>de</strong> 31 das 100 pranchas; Deroi, <strong>de</strong> 18; Villeneuve, <strong>de</strong>11; Maurin, <strong>de</strong> 9; Sabatier, <strong>de</strong> 8; Bichebois, <strong>de</strong> 6; Joly e Wathier, <strong>de</strong> 5; JulesDavid, <strong>de</strong> 4; <strong>Rugendas</strong>, Vigneron e Zwinger, <strong>de</strong> 4; o famoso Bonnington,Lecamus e Viard, <strong>de</strong> 3; Monthelier, Tirpene, Arnoul, Bayo e Jacottet, <strong>de</strong> 2;Dupressoir e Leborne <strong>de</strong> ape<strong>nas</strong> uma imagem.Fica claro, portanto, que as imagens da Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong> foramelaboradas a partir dos <strong>de</strong>senhos executados por <strong>Rugendas</strong> mas refei-Topoi5.p65 13817/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 139tos na pedra por outros artistas. Embora houvesse um certo compromissopor parte do litógrafo em guardar as informações da imagem em que sebaseava, eventualmente garantida por uma supervisão do autor da mesma,a reprodução técnica implicava em maiores ou menores alterações <strong>de</strong> acordocom a habilida<strong>de</strong>, gosto e interpretação <strong>de</strong> outro artista. Freqüentemente<strong>de</strong>senhistas e pintores renomados efetuavam a gravação na pedra resguardandoa sua obra <strong>de</strong> possíveis alterações. Exatamente para obter os maisverossímeis e precisos resultados, Engelmann exigira o acompanhamento<strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> no processo <strong>de</strong> elaboração das pranchas, condição prontamenteaceita no momento em que o artista procurava receber algum retornofinanceiro da sua estadia no <strong>Brasil</strong>. Mas, apesar <strong>de</strong> reiterados protestos <strong>de</strong>Engelmann, o engajamento em outras aventuras afastou <strong>Rugendas</strong> das ofici<strong>nas</strong>on<strong>de</strong> as pranchas do Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong> estavam sendo confeccionadasmuito antes da conclusão dos trabalhos. Nos dois anos que antece<strong>de</strong>rama sua viagem para a Itália, em 1831, <strong>Rugendas</strong> não se fazia maispresente e é possível imaginar que os litógrafos tenham ganho maior autonomiaem relação aos originais <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, principalmente a partir dodécimo segundo fascículo, exectutado após essa data. <strong>Rugendas</strong> realizouno total quatro pranchas litográficas. A preservação <strong>de</strong> alguns esboços nosacervos da Biblioteca Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e no Centro Cultural São Paulopermite estabelecer comparações e i<strong>de</strong>ntificar o grau <strong>de</strong> autonomia entreos dois momentos da produção <strong>de</strong>ssas imagens: os <strong>de</strong>senhos assinados por<strong>Rugendas</strong> e as correspon<strong>de</strong>ntes litografias impressas por Engelmann. Emalguns casos é evi<strong>de</strong>nte que as alterações não foram significativas. A prancha<strong>de</strong>nominada Matelots 6 obe<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> maneira precisa ao esboço em todosos seus <strong>de</strong>talhes (figuras 1 e 2). Outras, como a da Rue Droite (RuaDireita) 7 e da Al<strong>de</strong>a <strong>de</strong>s Tapuyos 8 (figuras 3 e 4), sofreram peque<strong>nas</strong> alteraçõespouco significativas, tais como a eliminação <strong>de</strong> figuras. Algumas parecemter sido construídas através da reunião <strong>de</strong> vários <strong>de</strong>senhos avulsos.Também há exemplos, como o do Chatimens (sic) domestiques (castigosdomésticos) 9 (figuras 5 e 6), on<strong>de</strong> alterações importantes foram efetuadasem momentos posteriores ao das primeiras notações a lápis, muitoincipientes. De qualquer forma, é necessário sublinhar o fato <strong>de</strong> que, nocaso da Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong>, a legenda que assinala <strong>de</strong>ssiné d’áprès natureTopoi5.p65 13917/08/04, 00:46


140 • TOPOIpar visa fundamentalmente garantir a veracida<strong>de</strong> das informações apresentadasna litografia. Se a autoria do <strong>de</strong>senhista é resguardada, ela o é pelaqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> um testemunho. Trata-se <strong>de</strong> uma situação absolutamentediferente daquela on<strong>de</strong> a obra <strong>de</strong> um artista, quase sempre já muitoconhecida (como a Mona Lisa, <strong>de</strong> Leonardo da Vinci, ou a Escola <strong>de</strong> Ate<strong>nas</strong><strong>de</strong> Rafael), é reproduzida pelo valor que ela tem como obra <strong>de</strong> arte,quando a expectativa do consumidor é <strong>de</strong> obter uma cópia a mais fiel possívelda original. Logo, o que o público buscava <strong>nas</strong> imagens da Viagempitoresca era a reprodução mais autêntica possível do que <strong>Rugendas</strong> vira no<strong>Brasil</strong>, e não do que criara: sua maior virtu<strong>de</strong> seria a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reproduzira percepção visual da experiência que vivera, e o tratamento estéticodos registros não <strong>de</strong>veria comprometer jamais a precisão das informaçõesdivulgadas na imagem. Os litógrafos, nessas situações, tinham por tarefanão somente copiar as anotações dos viajantes mas, em alguns casos, complementarcom <strong>de</strong>talhes a composição dos quadros, tornando-os mais agradáveisesteticamente, ou reunindo informações dispersas em diferentes registrosem ce<strong>nas</strong> animadas, permitindo a seus consumidores o transladopara as terras que somente <strong>de</strong>ssa forma podiam conhecer. Porém, não po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>sprezar o fato <strong>de</strong> que, muitas vezes, aquele que realizava o registronão abria mão do trabalho <strong>de</strong> composição, imprimindo, voluntária e<strong>de</strong>terminantemente, sentidos próprios à sua criação. Não é possível, combase nos documentos disponíveis, saber até que ponto <strong>Rugendas</strong> participouno processo <strong>de</strong> elaboração das litografias. Muitos dos registros topográficossão coinci<strong>de</strong>ntes com outros relatos <strong>de</strong> viajantes e com o relevoque ainda se manteve até os nossos dias. No entanto, por diversas vezesanimais foram representados <strong>de</strong> forma imprecisa e até mesmo grotesca,como os jacarés às margens do Rio Caxoeira (sic) assinados por um dos gran<strong>de</strong>sexpoentes da litografia — Bonnington. Talvez os jacarés não tenhamrecebido a mesma atenção <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, que realizou estudos para outrosanimais tais como o quati, a ema e a onça, conservados em São Paulo, 10mas nada confirma esta hipótese. Além disso, a maior verossimilhança noque se refere ao animal mencionado na prancha <strong>de</strong> Zingler, por exemplo,nos <strong>de</strong>ixa ainda mais <strong>de</strong>sorientados. De qualquer modo, apesar dos elogios<strong>de</strong> Humbolt, principalmente aos trabalhos realizados por <strong>Rugendas</strong>Topoi5.p65 14017/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 141durante os anos <strong>de</strong> 1821 a 1826 registrando os espécimes botânicos brasileiros,certas pranchas, especialmente as executadas por Maurin retratandoos índios puris, foram severamente criticadas, o que não chegou a comprometero sucesso da empreitada <strong>de</strong> Engelmann. Apesar das primeirasdificulda<strong>de</strong>s enfrentadas para comercializar as litografias executadas a partirdos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, o conjunto foi bem aceito e, além <strong>de</strong> seconstituir numa fonte <strong>de</strong> rendimentos para o empresário alsaciano, ganhouuma trajetória muito mais ampla através <strong>de</strong> vários outros veículos, algunsdos quais impensáveis para <strong>Rugendas</strong>, como passamos a relatar.Educar e distrairAo chegar a Paris em 1825, vindo do <strong>Brasil</strong>, <strong>Rugendas</strong> recebeu o convitedo gravador Rittner para litografar uma gran<strong>de</strong> vista da floresta brasileira.A prancha, concluída em princípios <strong>de</strong> 1828, passou a integrar oconjunto das obras oferecidas pela Maison Rittner & Goupil, como comprovaa referência do catálogo <strong>de</strong> vendas hoje <strong>de</strong>positado na BibliotecaNacional da França, 11 aparecendo como a única imagem referente ao <strong>Brasil</strong>que consta da lista.Em 1829 uma outra litografia pô<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificada como uma versãoalterada da prancha, intitulada Chasse au tigre 12 e assinada por VictorAdam. Uma sumária publicação <strong>de</strong> Zurique intitulada Jornal pitoresco <strong>de</strong>Varieda<strong>de</strong>s 13 <strong>de</strong>dicou a seção intitulada “Países e folclore” ao <strong>Brasil</strong> e apresentouuma imagem dos Botocudos na caça ao tigre 14 (figuras 7 e 8). Essapublicação, que conta com 4 pági<strong>nas</strong> além da litografia já mencionada,assemelha-se aos “Magasins” franceses ilustrados, en<strong>de</strong>reçados à juventu<strong>de</strong>e ao cidadão que procurasse uma distração instrutiva e civilizada. A prancharecebeu a assinatura do <strong>de</strong>senhista Seipel e do litógrafo Honegger.O trabalho po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rado uma cópia quase perfeita da pranchaassinada por Adam, se as figuras dos índios não portassem botoques,cabelos curtos e se algumas das plantas não tivessem sofrido as alteraçõesnecessárias para encobrir o sexo dos caçadores, cuidado não observado pelaCasa Engelmann. No restante tudo é fielmente reproduzido: a vegetação,a onça ferida pela flecha disparada do arco do indígena, a posição das trêsTopoi5.p65 14117/08/04, 00:46


142 • TOPOIfiguras huma<strong>nas</strong>, até o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> uma caveira sobre o solo <strong>nas</strong> proximida<strong>de</strong>sdo animal atingido. Não há qualquer referência a <strong>Rugendas</strong> ou à Viagempitoresca. O texto discorre sobre o <strong>Brasil</strong> com especial ênfase nos costumesbotocudos. As armas utilizadas na caça ao tigre são <strong>de</strong>scritas e o relatonão contradiz as informações contidas na obra editada por Engelmann, noque toca aos costumes dos botocudos. Talvez a indicação <strong>de</strong> que tais hábitosfossem próprios dos botocudos justificasse, no enten<strong>de</strong>r do editor, aalteração das figuras que ganham semelhança, na versão <strong>de</strong> Zurique, emrelação às imagens publicadas por Engelmann e <strong>de</strong>dicadas a essa tribo. Ficaa questão sobre a escolha da Chasse au tigre, já que a coleção editada naFrança contém outras ce<strong>nas</strong> da vida indígena, inclusive a da família <strong>de</strong>botocudos, que também apresenta as armas por eles utilizadas.Vale notarque as figuras litografadas por Maurin, on<strong>de</strong> os índios portam cabelos lisose compridos, sofreram crítica do público e que, em outra prancha, o próprioAdam representa os índios guerreiros, portando arco e flecha e comos cabelos cortados como os dos botocudos. Infelizmente não nos foi possívelestabelecer a comparação com o esboço original <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, que nãoconsta das coleções dos acervos públicos.O edital que inaugura o periódico La Mosaique, Le livre <strong>de</strong> tout le mon<strong>de</strong>et <strong>de</strong> tous les pays é muito elucidativo quanto à função da imagem e às expectativasque visa aten<strong>de</strong>r:Em meio a esta inumerável quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> livros novos, <strong>de</strong> relatos periódicose <strong>de</strong> jornais <strong>de</strong> todos os gêneros que são um dos traços característicos <strong>de</strong>nossa época, há uma certa temerida<strong>de</strong> ao se colocar nesse rol e sobretudo <strong>de</strong>ousar se proclamar, com confiança. O título que nós escolhemos indicasuficientemente nosso plano, esse título será uma verda<strong>de</strong> e não um rótulo.Nós não nos entregaremos a discussões áridas, nós relataremos sem cessar, ea cada relato nós juntaremos uma gravura que representará aos olhos aquiloque explicaremos ao espírito. Este será um quadro dinâmico, brilhante evariado que será oferecido ao leitor, e como a clareza é uma das principaiscondições da bonda<strong>de</strong> das coisas, nós distribuímos nosso trabalho em váriassessões. 15Uma imagem que tem aqui as funções <strong>de</strong> elucidar e distrair e que <strong>de</strong>veestar comprometida com a veracida<strong>de</strong> da informação, mas que tambémTopoi5.p65 14217/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 143tem por fim facilitar a tarefa do leitor e até certo ponto seduzi-lo. É nessesentido que o referido períodico francês apresentou em 1833 a matériaintitulada Les Indiens du Brésil 16 acompanhada <strong>de</strong> uma “gravura em ma<strong>de</strong>ira<strong>de</strong> topo” 17 ocupando o espaço <strong>de</strong> meia página com a legenda Usagesguerriers. Essa xilogravura po<strong>de</strong> sem dúvida ser consi<strong>de</strong>rada uma cópia dalitografia intitulada Guerillas 18 e assinada por Adam no ca<strong>de</strong>rno 12 da Viagempitoresca ao <strong>Brasil</strong>. Apesar da redução das dimensões, todos os <strong>de</strong>talhesforam mantidos. O texto que acompanha a imagem constitui-se <strong>de</strong> fragmentosretirados dos ca<strong>de</strong>rnos 11 e 12. O primeiro parágrafo refere-se àsarmas dos botocudos e o segundo, extraído do ca<strong>de</strong>rno seguinte, discorresobre as inimiza<strong>de</strong>s entre tribos e algumas das formas <strong>de</strong> celebrarem a vitória.Durante o mesmo ano, La Mosaïque apresenta duas matérias sobre“Os negros”. Na primeira um casal foi usado como ilustração. As duas figuraspo<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas <strong>nas</strong> pranchas 6 e 8 do oitavo ca<strong>de</strong>rno daViagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong>. As duas litografias, assinadas respectivamente porZwinger e Maurin, retratam negros. A primeira imagem refere-se ao trabalhoefetuado no campo e tem por legenda “negro e negra numa plantação”.19 O homem apóia-se num instrumento agrícola, está recostado numaárvore e exibe preso à cintura o cabo <strong>de</strong> um facão. A figura feminina está<strong>de</strong>scalça e usa uma pá para <strong>de</strong>scansar ligeiramente o corpo. Na pranchareferente à Bahia a mulher <strong>de</strong> pé está belamente vestida, com colares epulseiras, tem a cabeça adornada com um pano em forma <strong>de</strong> turbante ecalça chinelas. O homem foi representado portando um barrete frígio vermelho,vestindo calções; está sentado sobre uma pedra e aponta para umacesta <strong>de</strong> peixes <strong>de</strong>positada na areia da praia on<strong>de</strong> se encontram. Na gravurada revista La Mosaïque os casais foram trocados. A figura masculina daprancha 6 está acompanhada pela mulher da outra litografia que teve o rostogirado em direção ao novo companheiro. A árvore foi substituída por ummuro. Como no exemplo dos indíge<strong>nas</strong> não há qualquer menção a <strong>Rugendas</strong>ou à obra editada por Engelmann. O texto trata da escravidão naÁfrica e a sua perpetuação no tráfico para a América. Não há referência ao<strong>Brasil</strong> e a imagem ilustra o aspecto físico dos negros africanos. Como continuida<strong>de</strong><strong>de</strong>ssa matéria, La Mosaïque, num outro texto intitulado “Osnegros (castigos domésticos)”, 20 <strong>de</strong>screve os diferentes castigos empregadospara a punição dos escravos e menciona o instrumento “que a gravuraTopoi5.p65 14317/08/04, 00:46


144 • TOPOIrepresenta manipulado por um colono do <strong>Brasil</strong>”. Esta é a única referênciaao país on<strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> havia <strong>de</strong>senhado “d’après nature” a cena litografadapor Deroi. Embora a imagem exibida na revista tenha sofrido a supressão<strong>de</strong> algumas figuras, expediente necessário <strong>de</strong>vido ao sentido vertical da folha<strong>de</strong> papel e das dimensões que a ilustração <strong>de</strong>veria ocupar, ela obe<strong>de</strong>ce, comgran<strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, ao trabalho executado para Engelmann. A comparaçãocom o esboço <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> preservado na Biblioteca Estadual Mário <strong>de</strong>Andra<strong>de</strong>, em São Paulo, nos permite arriscar dizer que a gravura teria sidocopiada da litografia e não do registro produzido no <strong>Brasil</strong> e negociado porseu autor na Europa. É importante frisar que embora o empreendimento<strong>de</strong> Engelmann ainda não estivesse totalmente concluído em 1834, as pranchasreproduzidas nos periódicos acima mencionados integravam os ca<strong>de</strong>rnosque já haviam sido colocados em circulação. A única dúvida que semantém pesa sobre a litografia Chatimens domestiques que, <strong>de</strong> acordo comNewton Carneiro, 21 estudioso da figura <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, provavelmente teriavindo a público entre os anos <strong>de</strong> 1834 e 1835. Se essas imagens foramreproduzidas com base simplesmente nos ca<strong>de</strong>rnos distribuídos porEngelmann, sem o seu conhecimento e anuência, isso indica uma significativarapi<strong>de</strong>z na apropriação das imagens colocadas no mercado <strong>de</strong> impressõese na ampliação do âmbito da sua circulação.De fato, a década <strong>de</strong> trinta do século XIX é consi<strong>de</strong>rada pelos estudiososda história das edições na França como um período significativo naampliação da produção <strong>de</strong> artigos ilustrados (fascículos, livros e jornais)nos quais o emprego da “gravura em ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> topo” possibilitava a impressãoda imagem no corpo do texto. Seu maior inconveniente, <strong>de</strong> acordocom Michel Melot, 22 era a execução lenta e trabalhosa. O trabalho aindaexigia os recursos <strong>de</strong> dois especialistas, o <strong>de</strong>senhista e o gravador, sendoque este último esculpia o <strong>de</strong>senho na ma<strong>de</strong>ira através <strong>de</strong> instrumentosespeciais, como os buris. Como as tarefas não podiam ser mecanizadas, elaspassaram a ser distribuídas, única alternativa que se colocava para a indústria.Logo foi possível empregar vários gravadores na execução <strong>de</strong> umamesma imagem gravada em pequenos cubos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira posteriormenteaparafusados entre si e engastados na caixa tipográfica, on<strong>de</strong> ela dialogavacom o texto impresso. Portanto, o avanço que esse procedimento trouxe,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu emprego pelo inglês Thomas Bewick, restringiu-se ao proces-Topoi5.p65 14417/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 145so <strong>de</strong> reprodução da ilustração junto ao texto. O modo <strong>de</strong> gravação permanecia<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da habilida<strong>de</strong> daqueles que esculpiam a ma<strong>de</strong>ira produzindoimagens através <strong>de</strong> traços, tramas e pontilhados, o que requeriatempo e implicava a obtenção <strong>de</strong> um resultado eventualmente criticadopelos círculos <strong>de</strong> artistas mais conceituados e mesmo pelos editores que consi<strong>de</strong>ravamas vinhetas gravadas em metal como os produtos mais preciosose requintados.Alguns autores atribuem o sucesso comercial das ilustrações executadasatravés da gravura em ma<strong>de</strong>ira como a a<strong>de</strong>quação do produto a seupúblico. De acordo com Melot, a simplicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma ingênua,da imagem produzida através <strong>de</strong>ssa técnica, era a<strong>de</strong>quada ao consumo <strong>de</strong>um público iletrado, <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> conhecimento no campo das artes. Asobras do próprio Thomas Bewick po<strong>de</strong>riam ser tomadas como exemplo<strong>de</strong>ssa função pedagógica da ilustração. Portanto, teria se evi<strong>de</strong>nciado nosmeios mais cultivados o estabelecimento <strong>de</strong> uma certa diferenciação no valoratribuído à imagem artística e àquela produzida em gran<strong>de</strong> escala para ummercado que se ampliava vertiginosamente. De qualquer maneira, a técnicada “gravure sur bois <strong>de</strong> bout”, como era chamada, literalmente invadiu omercado editorial francês através <strong>de</strong> uma enxurrada <strong>de</strong> imagens que seinfiltraram no texto escrito. Neste momento <strong>de</strong>cisivo da história da imagemimpressa, o seu processo <strong>de</strong> produção ampliava o mercado <strong>de</strong> trabalhopara <strong>de</strong>senhistas e gravadores em <strong>de</strong>trimento dos créditos dados à autoriados mesmos. <strong>Rugendas</strong> não foi poupado. Sua obra foi incansavelmentereproduzida, e os registros <strong>de</strong> suas aventuras no <strong>Brasil</strong> levaram divertimentoe cultura para setores pouco privilegiados das populações européias. Noentanto, os lucros do consumo das suas imagens, como os <strong>de</strong> tantos outrosartistas mantidos no anonimato, restringiram-se às livrarias e editoras quecolocavam no mercado textos ilustrados numa escala numérica até entãoinédita na história do livro.As vistas do <strong>Brasil</strong> da Companhia ZuberTalvez o exemplo mais surpreen<strong>de</strong>nte dos usos da obra <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX seja o panorama <strong>de</strong> vistas do <strong>Brasil</strong> confeccionadopela companhia Zuber <strong>de</strong> papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>. Produzido com oTopoi5.p65 14517/08/04, 00:46


146 • TOPOIfim <strong>de</strong> ornar as residências da burguesia e das classes médias européias <strong>de</strong>acordo com gosto do momento, este conjunto <strong>de</strong> imagens ganhou umarepercussão comparável à dos <strong>de</strong>mais veículos por on<strong>de</strong> circularam os registrosapropriados <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>. Elaborado <strong>de</strong> acordo com as técnicas maisrefinadas do ramo, esse produto atingiu um sucesso <strong>de</strong> mercado notável.O consumo <strong>de</strong>ssas imagens <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, ainda pouco conhecidas, revela aexistência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda por “figuras exóticas”, e teve como efeito a disseminação<strong>de</strong> imagens sobre o <strong>Brasil</strong> tão fascinantes quanto verossímeis,que tinham por maior virtu<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer sonhar, <strong>de</strong> transportarpara terras longínquas aqueles que, <strong>de</strong> suas poltro<strong>nas</strong>, as contemplavam. Opapel <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> na história da produção <strong>de</strong>sse artefato <strong>de</strong>corativo, emborafundamental, está longe <strong>de</strong> permitir que o consi<strong>de</strong>remos seu protagonista.De fato, sua participação se aproxima mais à daquela própria <strong>de</strong> umanti-herói, ou do personagem <strong>de</strong> uma tragédia, incapaz <strong>de</strong> exercer qualquerforça sobre o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> sua obra, que ganha o mundo guiada por outrasmãos. O uso criativo dos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> para a elaboração <strong>de</strong> umpanorama reproduzido em papel para ser afixado em pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> residênciasfoi resultado do empreendimento <strong>de</strong> um rico industrial <strong>de</strong> Rixheim,na Alsácia, e acionista da companhia <strong>de</strong> Engelmann <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1816. A companhiaJean Zuber <strong>de</strong> papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>, como outras manufaturas, tais comosuas concorrentes instaladas em Paris, lançou no mercado mundial as “vistas”<strong>de</strong> países longínquos ou imaginários. No Museu do Papel <strong>de</strong> Pare<strong>de</strong>,em Rixheim, estão expostos exemplares que têm por tema a China, a Américado Norte, a Índia e a Itália. De acordo com Bernard Jacqué, 23 os panoramas,assim <strong>de</strong>nominados ape<strong>nas</strong> no século XX, obtiveram gran<strong>de</strong> sucesso<strong>de</strong> mercado entre os anos 1804 e 1860 e po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados exemplos<strong>de</strong> uma “visão exótica on<strong>de</strong> se projetam os valores industriais conquistadoresdo mundo” num momento em que “o mundo das luzes ganha as coresdo romantismo”. Um sonho verossímil on<strong>de</strong> a civilização dialoga com anatureza exuberante e sensual que nem sempre po<strong>de</strong> ser controlada e, porisso mesmo, mantém o seu mistério e o seu fascínio. Para construir essesverda<strong>de</strong>iros portais oníricos os artistas <strong>de</strong>veriam ter, além do talento necessáriopara suscitar, através da representação gráfica, a imaginação dos espectadores,informações as mais precisas possíveis sobre o motivo, no casoTopoi5.p65 14617/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 147o país escolhido para ser representado. Em resposta à proposta <strong>de</strong> Zuber,Deltil, contactado para <strong>de</strong>senhar “a paisagem <strong>de</strong> vistas da América do Sul”,lhe encaminha um primeiro esboço do trabalho acompanhado <strong>de</strong> uma cartada qual foi extraída a passagem abaixo reproduzida:Acho que a escolha do tema é extremamente feliz (...) um tema europeu eque po<strong>de</strong> circular <strong>nas</strong> quatro partes do mundo. Alem disto, não é fantasioso,como os que passam como as modas, e é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> acontecimentospolíticos, não incomodando a ninguém e sendo interessante para todos. Estetema <strong>de</strong>ve, na minha opinião que eu creio ser também a sua, obter o maiorsucesso. Ape<strong>nas</strong> uma dificulda<strong>de</strong> existiu e eu vos adianto que ela me trouxeembaraços dos quais não me livrei sem dificulda<strong>de</strong>s, era, como eu já vos disse,o problema <strong>de</strong> reunir um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> figuras e <strong>de</strong> costumes variados,<strong>de</strong> animais ferozes e domésticos, <strong>de</strong> antropófagos e europeus <strong>de</strong> embarcaçõesà vela e florestas virgens, combates, caças e plantações on<strong>de</strong> negros enegras serão vistos ocupados com trabalhos tranqüilos. Não é mais suficiente,no momento em que nos encontramos, representar vistas <strong>de</strong> paisagens emonumentos, é necessário falar à imaginação, é necessário ação, movimentoe que todo o interesse repouse sobre os personagens que são sempre o sujeitoprincipal apesar do título da obra não anunciar nada além da paisagem. 24A fonte buscada por Deltil foi encontrada <strong>nas</strong> ofici<strong>nas</strong> <strong>de</strong> Engelmann.Dessa maneira, as Vistas do <strong>Brasil</strong> foram elaboradas com base nos <strong>de</strong>senhos<strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, sem que nada <strong>de</strong> realmente novo fosse inventado, através dacombinação <strong>de</strong> vários elementos às vezes presentes em <strong>de</strong>senhos diferentes.Alguns motivos foram repetidos, outros excluídos ou alterados, masem cada centímetro do panorama é possível reconhecer os registros <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>.Na <strong>de</strong>scrição encaminhada a Zuber, Deltil se refere à divisão daViagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong> em oito quadros principais sendo que a cada umcorrespon<strong>de</strong>ria um tema ali representado. A menção ao título da obra editadapor Engelmann não foi ao acaso e, obe<strong>de</strong>cendo à divisão proposta pelopróprio Deltil, é possível i<strong>de</strong>ntificar algumas das litografias da CasaEngelmann que evi<strong>de</strong>ntemente foram reagrupadas <strong>de</strong> acordo com critériosmuito diferentes daqueles que orientaram a empreitada em que <strong>Rugendas</strong>participara <strong>de</strong> forma ativa e <strong>de</strong>cisiva.O primeiro quadro representa, na proposta <strong>de</strong> Deltil, “uma vista doRio <strong>de</strong> Janeiro tomada da Igreja Nossa Senhora da Glória. O tema é a caçaTopoi5.p65 14717/08/04, 00:46


148 • TOPOIaos touros selvagens”. 25 Apesar do sentido invertido as pranchas 9 (assinadapor Bichebois e Adam) e 5 (por Bonnington e Adam) são facilmentereconhecidas. 26 O primeiro plano, on<strong>de</strong> a caça aos touros selvagens estárepresentada, sofreu alterações maiores do que a imagem <strong>de</strong> fundo, reproduzidaquase que na sua integrida<strong>de</strong>. Alguns touros e cavaleiros a mais foramsuficientes para a obtenção <strong>de</strong> maior ação na cena que na litografiarecebe a localização das margens do Rio das Velhas, em Mi<strong>nas</strong> Gerais. Osegundo quadro “representa um encontro dos índios com os viajantes europeus”.Uma das poucas litografias executadas pelo próprio <strong>Rugendas</strong>, oregistro do encontro da expedição Langsdorff com os indíge<strong>nas</strong> brasileiros,cujo esboço encontra-se <strong>de</strong>positado na Biblioteca Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,serviu como mo<strong>de</strong>lo para Deltil que simplesmente adornou as cinturas doscorpos nus dos habitantes da floresta e substituiu o papagaio por uma arara<strong>de</strong> efeito plástico mais impressionante. 27 O terceiro e quarto conjuntosrepresentam “o interior <strong>de</strong> uma floresta virgem do <strong>Brasil</strong>”. Nos primeirosplanos “a caça ao crocodilo” e “uma caça ao tigre (ou onça)”, “no fundouma ponte <strong>de</strong> lianes, diversos <strong>de</strong>talhes dos costumes dos selvagens”. 28 Avisão da vida selvagem, integrada a uma natureza exuberante, generosa, mastambém hostil, foi composta por duas das litografias da Viagem pitorescaao <strong>Brasil</strong> reinventadas na primeira meta<strong>de</strong> do século XIX: a Chasse au tigre(assinada por Adam) e a Pont <strong>de</strong> Lianne (assinada por Joly). A cena queapresenta o selvagem <strong>de</strong>spido transportando uma criança nos ombros, através<strong>de</strong> um precária ponte em meio à floresta on<strong>de</strong> a magnífica vegetaçãoconduz ao infinito, constitui-se numa verda<strong>de</strong>ira visão do mundo fascinanteainda intocado pela civilização. O crocodilo à espreita e a onça enfrentadacom armas trazem o lado ameaçador do que po<strong>de</strong>ria ser apresentadocomo paradisíaco. O quadro seguinte “representa um comboio num<strong>de</strong>sfila<strong>de</strong>iro” e embora acrescido <strong>de</strong> muitos elementos, principalmente cavaleiros,baseou-se <strong>nas</strong> figuras das pranchas que receberam as legendasHabitans <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> e Convoi <strong>de</strong> diamants passant par Caïete. A seguir, umacena <strong>de</strong> combate entre europeus e os índios que, <strong>de</strong> acordo com a explicação<strong>de</strong> Deltil, “freqüentemente <strong>de</strong>vastavam as plantações”. A litografiaintitulada Guerillas foi utilizada praticamente sem alterações. A violência<strong>de</strong>sta cena é sucedida pelo trabalho diligente dos negros nos dois últimosTopoi5.p65 14817/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 149quadros, sendo que essas quatro últimas faixas foram elaboradas em totalacordo com a prancha intitulada Recolte du cafe assinada por Deroi, acrescidado mar como plano <strong>de</strong> fundo on<strong>de</strong> várias embarcações navegam e oemprego do amarelo parece sugerir a presença do sol que se põe. Essacosntrução pictórica correspon<strong>de</strong> ao projeto explicitado por Deltil on<strong>de</strong>uma série <strong>de</strong> ações se suce<strong>de</strong>m num cenário para on<strong>de</strong> o espectador é capaz<strong>de</strong> viajar tranqüila e confortavelmente instalado na sua sala <strong>de</strong> estar.Uma jornada plena <strong>de</strong> situações pitorescas que atraem a curiosida<strong>de</strong> e estimulama imaginação. Assim, da poltrona <strong>de</strong> sua casa, o europeu po<strong>de</strong> sonharcom o <strong>Brasil</strong>. Apesar da utilização dos registros <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> ter sidotão importante, vale a pena indicar algumas questões que neste artigo nãoserão aprofundadas. O caráter documental dos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>,resguardado e, até certo ponto, valorizado por Engelmann, é substituídopor um simples compromisso com a verossilhança que permitiu a reuniãoaleatória <strong>de</strong> informações que correspondiam, <strong>nas</strong> pranchas da Viagem pitorescaao <strong>Brasil</strong>, a situações geográficas distintas. Dessa maneira, a paisagemcomposta por Deltil é fictícia e as ações que ali se <strong>de</strong>senrolam tem pormeta privilegiada o prazer e a diversão no lugar da transmissão do conhecimentoadquirido durante uma expedição científica. Além disso, o tratamentodado à escravidão merece ao menos um pequeno comentário. Apresença do conflito <strong>nas</strong> relações escravistas, apresentado em vários dosregistros <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> litografados por Engelmann, está ausente das ce<strong>nas</strong>do panorama da Zuber. A menção ao trabalho realizado pelos negros se dáprincipalmente nos dois últimos quadros on<strong>de</strong> as ativida<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>senrolam<strong>de</strong> maneira tranqüila e harmoniosa. A elegância dos trabalhadoressupervisionados por capatazes estáticos, a plasticida<strong>de</strong> com que foram vestidose a composição dos grupos não <strong>de</strong>ixou lugar a qualquer cena <strong>de</strong> violênciatransformando tarefas penosas em ativida<strong>de</strong>s suaves. As ativida<strong>de</strong>sagrícolas parecem leves e o resultado compensador. As situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradaçãoda dignida<strong>de</strong> inerentes à escravidão, mencionadas no texto e em váriasdas pranchas da Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong> — <strong>de</strong>ntre as quais po<strong>de</strong>mos citara do castigo executado em praça pública, on<strong>de</strong> os negros são severamenteespancados, e a do porão do navio negreiro —, estão ausentes do panorama<strong>de</strong> Zuber. Obviamente as escolhas recaíram sobre elementos muitoTopoi5.p65 14917/08/04, 00:46


150 • TOPOIdiversos daqueles selecionados pelos editores das revistas, que, através <strong>de</strong>algumas matérias curtas, efetuaram verda<strong>de</strong>ira propaganda antiescravista eque, para ilustrá-las, utilizaram-se dos trabalhos <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>. Além dosexemplos já citados no presente artigo, vale a pena indicar a utilização dafamosa cena do negro fujão conduzido pelo capitão-do-mato tomada porilustração do texto sobre a situação dos negros em São Domingos veiculadono volume três do Magasin Universel em 1835. 29 O <strong>Brasil</strong> <strong>de</strong> Zuberevita a polêmica e a reflexão, dando lugar ao prazer e ao <strong>de</strong>vaneio. Mesmoo combate presente no panorama circunscreve os seus atores à atmosfera<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> heróica incompatível com a escravidão <strong>de</strong>scrita por <strong>Rugendas</strong>em suas imagens e no próprio texto que acompanha a obra editada porEngelmann.A narrativa iconográfica <strong>de</strong> Deltil obteve um sucesso que compensouos investimentos técnicos e financeiros necessários à sua realização material.As trinta faixas <strong>de</strong> 54 centímetros <strong>de</strong> largura por 173 <strong>de</strong> altura quecompõem as Vistas do <strong>Brasil</strong> foram elaboradas <strong>de</strong> maneira muito complexae quase artesanal. Na primeira impressão <strong>de</strong>sse trabalho foram utilizadas1.693 pranchas gravadas em ma<strong>de</strong>ira e empregadas trinta tonalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>cores: quatro azuis, quatro violetas, quatro vermelhos, seis cinzas, quatroamarelos, seis tons <strong>de</strong> pele, um marrom e um preto. Nesse processo cabiaprimero ao <strong>de</strong>senhista apresentar os quadros que eram gravados em matrizes<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira após a separação das cores a serem utilizadas em cada uma.Antes <strong>de</strong> ser impresso com as imagens, o papel recebeu um fundo colorido.O efeito da luz do sol no céu azul foi obtido através do emprego datécnica do irisé que sobrepôs duas cores produzindo um dégradé que vai doazul da parte superior da imagem ao bege da altura do horizonte para baixo.Depois as pranchas foram impressas <strong>de</strong> acordo com a cor da tinta empregadaem cada matriz, que foi precisamente ajustada no local exato quecada fragmento ocupa no <strong>de</strong>senho, o que requer uma gran<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>dos impressores. Para tanto era utilizado como referência um sistema <strong>de</strong>picotes <strong>nas</strong> bordas das matrizes e <strong>de</strong> pontos impressos <strong>nas</strong> mesmas que indicavamon<strong>de</strong> cada elemento do <strong>de</strong>senho <strong>de</strong>veria se encaixar. Assim, asmatrizes correspon<strong>de</strong>ntes a cada cor eram impressas sucessivamente naconfecção das faixas. A primeira impressão das Vistas do <strong>Brasil</strong> ainda foi feitaTopoi5.p65 15017/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 151em folhas <strong>de</strong> papel coladas uma a uma <strong>nas</strong> extremida<strong>de</strong>s até que uma faixafosse completada. As impressões seguintes se utilizaram <strong>de</strong> bobi<strong>nas</strong> contínuas,o que proporcionou um resultado ainda melhor. Cada impressãoproduzia cerca <strong>de</strong> 150 exemplares. De acordo com Bernard Jaqué, 30 Zuberven<strong>de</strong>u 19 conjuntos ainda não terminados no exercício <strong>de</strong> 1829 e 228 no<strong>de</strong> 1830, quando as vendas reunidas <strong>de</strong> todos os tipos <strong>de</strong> panoramastotalizaram 598. Durante o século XIX, foram feitas mais nove reimpressõescorrespon<strong>de</strong>ntes aos anos <strong>de</strong> 1832, 1834, 1840, 1845, 1854, 1857, 1862,1866 e 1876. O sucesso obtido, principalmente no mercado europeu enorte-americano, justificou a ajuda financeira dada por Zuber a Engelmannem 1833 para concluir a Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong>, que então havia tidosua confecção interrompida <strong>de</strong>vido aos problemas financeiros enfrentadospelo empresário.O pastiche <strong>nas</strong> vinhetasFinalmente cabe mencionar o que po<strong>de</strong>ria ser i<strong>de</strong>ntificado como aapropriação menos significativa da obra <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>. Ainda em 1835, aCasa Steinmann edita em Basel, na Suíça, um álbum <strong>de</strong>nominado Souvenirs<strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, composto por 12 pranchas, litografadas por Fre<strong>de</strong>ricSalathé, sendo duas confecionadas a partir dos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> Kretschmar,uma tendo por base o trabalho <strong>de</strong> Victor Barrat e as <strong>de</strong>mais feitas a partirdos registros do próprio Steinmann. As litografias cuidadosamente aquareladasà mão foram ornadas com uma vinheta on<strong>de</strong> alguns dos motivospresentes na obra <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> são entrelaçados com arabescos, abacaxis ebromélias. Ali encontramos a ponte <strong>de</strong> cipó, a caçada ao tigre, o negro daplantação, a colheita <strong>de</strong> café, as negras do Rio <strong>de</strong> Janeiro, os índios palmiteiros.Tudo em pequeninos quadros simplificados a<strong>de</strong>quadamente para afunção que lhes foi atribuída: simples ornamento, mas, obviamente emblema,imagem que i<strong>de</strong>ntifica, distingue e imprime características ao paísque ali é representado. Os <strong>de</strong>senhos utilizados por Engelmann ganhamimportância talvez maior do que a <strong>de</strong> documentar uma expedição científica.O <strong>Brasil</strong> <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>, ou pelo menos alguns <strong>de</strong> seus fragmentos, passama integrar um repertório <strong>de</strong> informações, mas também <strong>de</strong> sonhos muitoTopoi5.p65 15117/08/04, 00:46


152 • TOPOImais amplo do que o do público consumidor da Viagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong>.Certamente o ornato em volta da prancha complementa e sublinha o sentidoda imagem central que não <strong>de</strong>ve ser por ele ofuscada. Não nos <strong>de</strong>teremosmuito no trabalho <strong>de</strong> Steinmann, que preten<strong>de</strong>mos analisar com maisvagar em outra oportunida<strong>de</strong>, mas algumas informações são interessantespara compreen<strong>de</strong>rmos a amplitu<strong>de</strong> do circuito percorrido pelos registros<strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong>.Johann Jacob Steimann chegou ao <strong>Brasil</strong> no ano em que <strong>Rugendas</strong>retornou à Europa, contratado para instalar uma oficina litográfica no ArquivoMilitar. Embora estivesse a serviço do governo brasileiro, o suíçorealizou trabalhos por conta própria, utilizando-se das instalações, das prensase dos aprendizes que lhe foram fornecidos pela imperador do país recém-in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Devido à sua ambição financeira teve vários <strong>de</strong>sentendimentoscom aqueles que o contrataram, que finalmente passaram aduvidar das suas habilida<strong>de</strong>s, conforme a correspondência abaixo reproduzidadocumenta:Oferece-me também apresentar a V. Ex a a 2 a e 3 a estampa dos <strong>de</strong>senhos topográficospelos quais V. Ex a não <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> conhecer, comparando-as coma 1 a estampa o melhoramento que temos obtido na perfeição da gravura sobrepedra, apesar <strong>de</strong> ser esta maneira <strong>de</strong> estampar mui precária e melindrosa,pois po<strong>de</strong>m competir com as gravuras en taille-douce; e permita-me V. Ex aenviar juntamente algumas estampas a lápis, que o alferes Abelê <strong>de</strong>senhou,para os nossos ensaios indispensáveis para o aumento <strong>de</strong>ste novo estabelecimento,o qual ele se tem <strong>de</strong>dicado com mui louvado zelo, ao mesmo tempoque os trabalhos a pena, e a tira-linhas, do Litógrafo Steimann, não correspon<strong>de</strong>mao que <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>via esperar. / Para instrução dos aprendizes tenhoprincipiado a redigir um opúsculo sobre os preceitos e processos litográficos,aproveitando-me <strong>de</strong> alguns autores que têm escrito sobre esta matéria. 31Embora a acusação mereça uma investigação maior, vale notar que olitógrafo Steinmann recorreu ao amigo Salathé na elaboração do álbum quefoi editado <strong>nas</strong> suas ofici<strong>nas</strong> <strong>de</strong> Basel. Salathé converteu-se num profissionalmuito prestigiado pelas casas impressoras e produziu muitas outras vistasdo <strong>Brasil</strong> “d’après” inúmeros outros artistas, tendo participado da elaboração<strong>de</strong> pranchas para o livro <strong>de</strong> Victor Frond intitulado <strong>Brasil</strong> pitorescoTopoi5.p65 15217/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 153mais <strong>de</strong> duas décadas <strong>de</strong>pois. Já Steinmann, após o retorno do <strong>Brasil</strong> em1833, manteve-se na pequena cida<strong>de</strong>zinha suíça, embora seu álbum tenhasido comercializado na França pela Maison Rittner & Goupil, importantedistribuidora <strong>de</strong> estampas do século XIX. Mas, qualquer que tenha sido arepercussão do Souvenirs <strong>de</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, a utilização dos <strong>de</strong>senhos daViagem pitoresca ao <strong>Brasil</strong>, no ano em que o seu último fascículo foi concluído,evi<strong>de</strong>ncia a rapi<strong>de</strong>z no processo <strong>de</strong> apropriação e reutilização <strong>de</strong>imagens, que <strong>de</strong>sta maneira tornavam-se cada vez mais <strong>populares</strong>. Tal procedimentofoi repetido em 1843, agora no <strong>Brasil</strong>, pela editora Laemmert,que como várias outras casas lançou um conjunto <strong>de</strong> vistas da capital doimpério intitulado Album pittoresco do Rio <strong>de</strong> Janeiro, com pranchas assinadaspor Edouard von Schutz. Em 1853 o Jornal do Commercio anunciava:Em Casa <strong>de</strong> E. E H. Laemmert, rua da Quitanda n. 77, se acha à venda oAlbum Pittoresco do Rio <strong>de</strong> Janeiro, contendo doze lindíssimas vistas brasileiras,a saber: o panorama do Rio <strong>de</strong> Janeiro em quatro folhas; Nossa Senhorada Glória com a vista da Barra, N. Senhora da Conceição, morro doCastello com o largo do Paço e a Praça do Mercado; São Bento; Palacete <strong>de</strong>S. M. I. em S. Christovam; Cemitério inglez; praia Vermelha e Pão <strong>de</strong> Assucar,Cascata da Tijuca com uma elegante capa em que se acham representadasmais 16 vistas peque<strong>nas</strong> do interior do paiz, objetos <strong>de</strong> história natural,physionomias <strong>de</strong> indige<strong>nas</strong> etc. 32Das 16 vistas que constam da apresentação na capa mencionadas nanotícia acima estão a colheita <strong>de</strong> café, os costumes <strong>de</strong> Goyaz e a ponte <strong>de</strong>cipós com os índios palmiteiros, concebidas para o álbum editado porEngelmann. Além dos sucessos <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> encontramos emolduradas porpapagaios, micos, abacaxis e bromélias outras imagens que po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificarcom os <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> Debret e dos naturalistas Spix e Martius. Dessamaneira as imagens consumidas no mercado europeu voltavam ao <strong>Brasil</strong>em edições nacionais, auxiliando a venda e repercussão <strong>de</strong> outras vistas litografadasno Rio <strong>de</strong> Janeiro. As ofici<strong>nas</strong> litográficas cariocas começavama se <strong>de</strong>senvolver e a se constituir numa importante ativida<strong>de</strong>, integrandoinúmeros empresários e profissionais <strong>de</strong>dicados à produção e ao comércio<strong>de</strong> imagens da nossa cida<strong>de</strong> e do Império brasileiro. De alguma forma, o<strong>Brasil</strong> dos índios nus, dos negros sensuais, das florestas exuberantes, on<strong>de</strong>Topoi5.p65 15317/08/04, 00:46


154 • TOPOIo exotismo da flora e da fauna aguçavam a curiosida<strong>de</strong> dos estrangeiros,passava a integrar um repertório nacional <strong>de</strong> imagens que aos poucos seampliará, ganhando novas características técnicas e estéticas e contribuindopara forjar outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Mas isso já seria uma outra história.Marinheiros. 18,4 x 36,3 nanquim e lápis. J. M. <strong>Rugendas</strong>.Matelots. J. M. <strong>Rugendas</strong>. Voyage pittoresque dans le Brésil.Paris: Engelmann & Cia, 1835. Prancha 12 da quarta divisão.Topoi5.p65 15417/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 155Al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Tapuios. Nanquim e lápis. J. M. <strong>Rugendas</strong>.Al<strong>de</strong>a Tapuyos. J. M. <strong>Rugendas</strong>. Voyage pittoresque dans le Brésil.Paris: Engelmann & Cia, 1835. Prancha 10 da terceira divisão.Topoi5.p65 15517/08/04, 00:46


156 • TOPOICastigo <strong>de</strong> palmatória. 15,4 x 22,4 cm lápis sobre papel. J. M. <strong>Rugendas</strong>.Chatimens domestiques tapuyos. J. M. <strong>Rugendas</strong>. Voyage pittoresquedans le Brésil. Paris: Engelmann & Cia 1835. Prancha 10 da quarta divisão.Topoi5.p65 15617/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 157“Botocuten auf <strong>de</strong>r Tiergeriagd”. In Malerisches Unterhaltungsblatt.N. 3, Zurich, 1829.Chasse au Tigre. J. M. <strong>Rugendas</strong>. Voyage pittoresque dans le Brésil.Paris: Engelmann & Cia, 1835. Prancha 13 da terceira divisão.Topoi5.p65 15717/08/04, 00:46


158 • TOPOINotas1“Par une froi<strong>de</strong> et triste soirée d’hiver, Emile a réuni tous ses jeunes amis, et pour les récréerd’une manière digne d’enfants instruits et bien élevés, il propose un jeu où chacun mettra augrand jour ses connaissances géographiques, un jeu qui au mérite <strong>de</strong> la nouveauté joindra, ditil,l’attrait <strong>de</strong>s images et <strong>de</strong>s histoires, en un mot un jeu aussi instructif que amusant: Le tourdu mon<strong>de</strong>! E titre seul a enlevé tous les suffrages; le jeu est adopté à l’unanimité et a <strong>de</strong>mandéun grand bruit. Emile présente sa boîte, l’œuvre et abandonne toutes les richesses qu’elle contientaux regards avi<strong>de</strong>s <strong>de</strong> son cercle enchanté. Les chinois et les sauvages, la Suisse et l‘Indostan,l’Espagne et le Brésil, dans un admirable pêle-mêle, passent <strong>de</strong> mains en mains; puis après, leslivres, le sablier, le globe, le petit voyageur, et jusqu’à ces gages <strong>de</strong> forme nouvelle qui promettenttant d’histoires intéressantes, tout est minutieusement regardé, et longuement admiré.” Le tourdu mon<strong>de</strong> ou jeu du petit voyageur. Récréation instructive accompagnée d’une revue pittoresque<strong>de</strong> l’univers en trois parties: Astronomie, causeries familières — Géographie Physique oumerveilles <strong>de</strong> la nature, géographie politique, ou souvenirs <strong>de</strong> voyage.2Bann, Stephen. Printmakers, painters and photographers in nineteenth-century France.London: Yale University Press, 2001.3Komissarov, Boris. Expedicao Langsdorff ao <strong>Brasil</strong> — 1821-1829. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EdiçõesAlumbramento; Livroarte, 1988. Vol. 1.4Sobre os procedimentos técnicos utilizados na confecção <strong>de</strong> litografias durante o séculoXIX ver Ferreira, Orlando da Costa. Imagem e letra. São Paulo: Edusp, 1994; Griffths,Antony Prints and printmaking. An introduction to the history and techniques. London:British Museum Publications Limited, 1980 e Courboin, François. La gravure en France<strong>de</strong>s origines a 1900. Paris: Librairie Delagrave, 1923.5Esse processo também foi utilizado na confecção <strong>de</strong> produtos menos nobres tais comorótulos para embalagens, menus <strong>de</strong> restaurantes, cartões <strong>de</strong> apresentação, santinhos paraprimeira comunhão e para luto etc.6<strong>Rugendas</strong>, Johnn Moritz Voyage pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann & Cia 1835.Prancha 12 da quarta divisão.7I<strong>de</strong>m. Prancha 13 da terceira divisão.8I<strong>de</strong>m. Prancha 10 da terceira divisão.9I<strong>de</strong>m. Prancha 10 da quarta divisão.10Esses esboços <strong>de</strong> <strong>Rugendas</strong> estão <strong>de</strong>positados na Biblioteca Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> em SãoPaulo.11A coleção dos catálogos <strong>de</strong> venda da Maison Goupil encontra-se na Biblioteca Nacionalda França e o Museu Goupil em Bor<strong>de</strong>aux possui cópias <strong>de</strong>sse material.12<strong>Rugendas</strong>, Johnn Moritz. Op.cit.Prancha 13 da terceira divisão.13Malerisches Unterhaltungsblatt N.3 Zurich, 1829.14Botocuten auf <strong>de</strong>r Tiergeriagd in Malerisches Unterhaltungsblatt N.3 Zurich, 1829, p. s/n.Topoi5.p65 15817/08/04, 00:46


O BRASIL DE RUGENDAS NAS EDIÇÕES POPULARES ILUSTRADAS • 15915“Au milieu <strong>de</strong> cette innombrable quantité <strong>de</strong> livres nouveaux, <strong>de</strong> récits périodiques et <strong>de</strong>journaux <strong>de</strong> tous genres qui seront un <strong>de</strong>s traits caractéristiques <strong>de</strong> notre époque, il y a une sorte<strong>de</strong> témérité à venir se mettre sur les rangs, et surtout d’oser se proclamer d’avance plus utile etplus agréable que qui que ce soit. Nous le faisons cependant avec confiance. Le titre que nousavons choisi indique assez notre plan; ce titre sera une vérité et non pas une divise. Nous nenous livrerons pas à <strong>de</strong>s discussions ari<strong>de</strong>s; nous raconterons sans cesse, et a chaque récit serajoint une gravure qui représentera aux yeux ce que nous expliquerons à l’esprit. Ce sera untableau animé, brillant et varié qui sera placé <strong>de</strong>vant le lecteur; et comme la clarté est une <strong>de</strong>sprincipales conditions <strong>de</strong> la bonté <strong>de</strong>s choses, nous avons partagé notre travail en plusieursdivisions”. La Mosaïque, Le Livre <strong>de</strong> Tout le mon<strong>de</strong> et <strong>de</strong> tous les pays, Paris, 1833. Tome1.p. 2 (grifos meus).16La Mosaïque, Le Livre <strong>de</strong> Tout le mon<strong>de</strong> et <strong>de</strong> tous les pays. Paris, 1834. Tome 2. p. 33.17Em francês a expressão correspon<strong>de</strong> a “gravure sur bois <strong>de</strong> bout”, ou seja, xilografia esculpidana “superficie perpendicular às fibras das pranchas que são partes recortadas a discosobtidos pela serragem transversal do tronco da árvore” Ferreira, Orlando da Costa. Imageme letra, São Paulo: Edusp, 1994, p. 44.18<strong>Rugendas</strong>, Johnn Moritz. Op.cit. Prancha 17 da terceira divisão.19I<strong>de</strong>m. “Nègre & négresse dans une plantation”. Prancha 6 da segunda divisão.20“Les nègres (châtiments domestiques)”. La Mosaïque, Le Livre <strong>de</strong> Tout le mon<strong>de</strong> et <strong>de</strong> tousles pays. Paris, 1834. Tome 2, p. 188.21Carneiro, Newton. <strong>Rugendas</strong> no <strong>Brasil</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Kosmos, 1979.22Melot, Michel. Le texte et l’image. In Chartier, Roger e Martin, Henri-Jean. L’Histoire<strong>de</strong> l’édition française. T. 3 Le temps <strong>de</strong>s éditeurs: du romantisme à la belle époque. Paris: Fayard,1990.23Jacque, Bernard. 1830-1862, D’Un Brésil à l’autre: <strong>de</strong>ux papier peints panoramiques,<strong>de</strong>ux visions et <strong>de</strong>ux Langages décoratifs. Fribourg: Musée d’Art et d’Histoire, 2000.24Carta <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1829. “J’en crois le choix du sujet extrêmement heureux en ce quec’est (...) un sujet Européen et qui peut avoir cour dans les quatre parties du mon<strong>de</strong>. En suiteil n’est pas sujet <strong>de</strong> fantaisie, lesquels ordinairement passent comme les mo<strong>de</strong>s et il est indépendant<strong>de</strong>s événements politiques en ce qu’il ne blesse personne et qu’il peut être intéressant pour tous.Ce sujet doit d’après mon avis qui je crois est déjà le vôtre avoir le plus grand succès. Une seuledifficulté existait et je vous avance qu’elle m’a longtemps embarrassé et que je ne m’en suis pastiré sans peine, c’était comme je vous l’ai dit <strong>de</strong> réunir un grand nombre <strong>de</strong> figures et <strong>de</strong> costumesvariés, <strong>de</strong>s animaux féroces et <strong>de</strong>s animaux domestiques, <strong>de</strong>s anthropophages et <strong>de</strong>sEuropéens, <strong>de</strong>s vaisseaux â voile et <strong>de</strong>s forêts vierges, <strong>de</strong>s combats, <strong>de</strong>s chasses et <strong>de</strong>s plantationsou l´on verra <strong>de</strong>s négresses et <strong>de</strong>s nègres occupés a <strong>de</strong>s travaux paisibles. Il ne suffit plus au tempsque nous sommes <strong>de</strong> représenter <strong>de</strong>s vues <strong>de</strong> paysage et <strong>de</strong> monuments, il faut parler al´imagination, il faut <strong>de</strong> l´action, du mouvement et que tout l’intérêt se porte sur les figuresqui sont toujours le sujet principal malgré le titre <strong>de</strong> l’ouvrage qui n’annonce que du paysage”.25Descrição da maquete das Vistas do <strong>Brasil</strong> encaminhada a Zuber por Deltil.Topoi5.p65 15917/08/04, 00:46


160 • TOPOI26<strong>Rugendas</strong>, Johnn Moritz. Op.cit Prancha 5 e 9 da primeira divisão.27I<strong>de</strong>m. Prancha 1 da terceira divisão.28Descrição do esboço do painel feita por Deltil e enviada a Zuber em 1829 <strong>de</strong>positadono Musée <strong>de</strong> Papier Peint a Rixheim.29Le Magasin Universel, Imprimerie <strong>de</strong> Pommeret et Guénot, Paris 1835, tome 3, p.12530Jaqué. Op.cit.31Correspondência do briga<strong>de</strong>iro Xavier <strong>de</strong> Brito ao con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lajes citado por Ferreira,Orlando da Costa. Op. cit., p. 338. Grifos meus.32Jornal do Commercio. 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1852.ResumoO presente texto procura analisar, no mercado francês <strong>de</strong> imagens reproduzidas emlarga escala, a inserção <strong>de</strong> um pequeno conjunto <strong>de</strong> imagens sobre o <strong>Brasil</strong> produzidasem primeiro lugar por Johan Moritz <strong>Rugendas</strong> no período que se suce<strong>de</strong>u àin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia política do país. A relação entre as imagens escolhidas, os procedimentosutilizados <strong>nas</strong> suas produções, o público ao qual en<strong>de</strong>reçavam-se e o mercado noqual se inseriam possibilita <strong>de</strong>linear a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usos e <strong>de</strong> sentidos que se fazempossíveis nesse momento em que os procedimentos técnicos não somente reproduzem asimagens, mas lhes imprimem uma potência antes <strong>de</strong>sconhecida, tanto no que se refereà sua circulação quanto à proliferação <strong>de</strong> seus sentidos, das ativida<strong>de</strong>s e dos valoresque passam a gerar.AbstractThis text intends to analyze a small group of images <strong>de</strong>picting Brazilian landscapes,animals and inhabitants and originally drawn by Johan Moritz <strong>Rugendas</strong> during theyears following Brazil’s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce, in 1822. These images were reproduced andsold in the French market in the following years. The study of the relationship betweenthe drawings, the reproduction techniques, the publishers and the potential buyers allowsfor the un<strong>de</strong>rstanding of the diversity of uses and meanings generated by the diffusionof the images.Topoi5.p65 16017/08/04, 00:46

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