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NIETZSCHE E A CRISE DA CULTURA OCIDENTAL: NIILISMO - IFCS

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Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5<strong>NIETZSCHE</strong> E A <strong>CRISE</strong> <strong>DA</strong> <strong>CULTURA</strong> <strong>OCIDENTAL</strong>:<strong>NIILISMO</strong>Ícaro Meirelles FigueiredoGraduando em Filosofia da UFRRJResumo: O presente trabalho tem por objetivo expor alguns aspectos da análise queNietzsche faz da cultura ocidental, sobretudo da modernidade, e sua crítica aos valoresfundamentais que sustentam a cultura moderna. Nietzsche vê os valores que regem acultura ocidental como valores decadentes, assim como enxerga a história como sendoum processo de decadência e crise. Seguindo esta lógica, ele traz a ideia de niilismocomo desvalorização dos valores supremos, que regiam a cultura até então. Nietzschediagnostica a civilização ocidental como inserida em uma crise niilista.Palavras-chave: Cultura. Nietzsche. Niilismo.Abstract: The objective of this research consists of pointing some aspects ofNietzsche‟s understanding about occidental culture, specially of modernity, and hiscriticism to the fundamental values that support the modern culture. Nietzsche judgesthat the values that sustain the occidental culture are decadents and comprehends thehistory like a process of decadence and crisis. Following this logic, he characterizesnihilism as a depreciation of the supreme values, which conducted the culture until then.Nietzsche declares that the occidental civilization is in a nihilist crisis.Keyword: Culture. Nietzsche. Nihilism.Para que se obtenha uma boa compreensão do pensamento do filósofo alemãoFriedrich Wilhelm Nietzsche, é fundamental conhecer o seu conceito de niilismo, doqual as questões mais importantes de sua filosofia giram em torno.É importante ressaltar que o termo niilismo não é originariamente nietzschiano,já havia sido utilizado na literatura e na filosofia européia do século XVIII. Surge pelaprimeira vez no romance russo Pais e Filhos de Irvan Turgueniev. Mas será emDostoiévski, sobretudo no livro Irmãos Karamazov, na célebre sentença da personagemIvan, niilista, “Se Deus não existe, tudo é lícito” (DOSTOIÉVSKI, 1998, p. 134), que otermo niilismo obtém expressão e força, passando a ser considerado como um problemae uma marca do mundo moderno.26


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5Em Nietzsche, há múltiplos modos de significação do termo niilismo, que passaa ter relevância filosófica decisiva em sua obra tardia, sobretudo a partir de 1881,quando o filósofo se preocupa em mostrar a importância dessa questão em sua críticaaos valores que sustentam a cultura ocidental. Esse conceito assume importância naobra tardia de Nietzsche a partir da investigação da história da moral. Em uma de suassignificações, niilismo quer dizer a doença ou crise ameaçadora na qual a modernidadeestá inserida, a desvalorização dos valores superiores que coloca a humanidade naterrível e angustiante situação de que nada mais tem sentido.O niilismo é apontado como o processo de desenvolvimento da históriaocidental, pois, segundo Nietzsche, a história do ocidente foi construída sobrefundamentos niilistas. Assim, o niilismo está presente em sua lógica interna, semanifestando em diferentes formas, desde a antiguidade, com o eixo de pensamentosocrático-platônico, intensificando-se na moral do cristianismo, e, depois, em suasformas modernas.O Niilismo em suas diferentes manifestaçõesUma das formas de niilismo é o chamado de negativo, no qual Nietzsche afirmaque o homem desvaloriza a vida, nega a vida terrena em prol da vida transcendente. Ouseja, o homem desvaloriza o tempo em prol da eternidade, desvaloriza o humano emprol do divino. A raiz disto, de acordo com o filósofo, encontra-se no idealismoplatônico, com a distinção e oposição entre os dois mundos – inteligível, que seria oreal, o verdadeiro; e o sensível, que seria o enganoso, o aparente. Nesta fase do niilismo,em que a vida é regida por valores superiores, metafísicos, Nietzsche afirma que ohomem, por não conseguir lidar com a realidade do devir, com a finitude da vida, com aguerra e o jogo intenso das forças da vida, acaba por estabelecer racionalmente as ideiasde duração, ser e unidade. O homem, através da razão, então, estabelece a ideia de fim,de sentido da vida, almejando livrar-se da efemeridade do tempo e tornar-se infinito,mergulhando em uma ilusão. Cria-se, portanto, um mundo puramente fictício,metafísico, o mundo superior, o mundo da ideia, a eternidade. O homem inventa ummundo superior e “verdadeiro” para atribuir valor e sentido à sua própria vida.27


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5Nietzsche afirma que esses valores tidos como superiores, que nasceram com oeixo de pensamento socrático-platônico, fortíssimo na antiguidade, através docristianismo foram propagados e acentuados. O filósofo chega a definir o cristianismocomo sendo um platonismo para o povo. E depois de estabelecidos e disseminados taisvalores metafísicos, ocorre uma profunda desvalorização da vida, desvalorização dotempo, negação do corpo, em virtude da ideia, do mundo supra-sensível, da eternidade.Através da moralidade cristã, nega-se a vida na Terra por um paraíso advindo após amorte.É um período de um longuíssimo arco histórico-filosófico, em que ocorre aascensão dos valores morais, o modo em que esses valores vieram a valer em nossacultura socrático-cristã, sendo estabelecida uma finalidade, um télos que lhe dá sentido.Nietzsche crê que tais valores degeneram a existência, uma vez que geram a negação davida, e são puramente fictícios. O filósofo afirma ainda que esses valores são resultadoda necessidade ingênua do homem de colocar valores superiores como sentido e medidadas coisas, esquecendo que eles não existem, mas são frutos da sua necessidadepsicológica.No entanto, é no período da modernidade que ocorre a desvalorização dosvalores superiores. A crença em um Deus se desmorona, e aquilo que outrora atribuíasentido à vida, a crença no mundo transcendente, se perde, se esvai. Já não se acreditamais no mundo supra-sensível e renega-se então a ilusão da eternidade. Este fenômeno,Nietzsche nomeia de morte de Deus. O anúncio “Deus está morto”, declarado em AGaia Ciência, tem o significado de um abalo cósmico, de uma perda total de sentido,ocasionados pelo afastamento de Deus, fonte divina dos valores que forneciam sentidoao mundo. De acordo com o filósofo, o evento decisivo da modernidade é a morte deDeus, que, em sua conotação niilista, guia à ruína os valores superiores que davamsentido ao mundo. Quando Nietzsche anuncia o fenômeno da morte de Deus, ele nãopretende constatar nenhum acontecimento metafísico sobre a existência ou não de umser superior, nem é uma mera expressão literária ou uma figura estética, mas, querexpressar a derrota da interpretação moral, que é assumida pelos homens modernoscomo a perda total de sentido, abrindo um vazio em suas vidas. É importante ressaltarque, para Nietzsche, a morte de Deus é um acontecimento inegável, o filósofo afirmaque desde Copérnico, com a queda do geocentrismo, o homem deixa de ser o centro e28


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5passa a ser uma incógnita. Com a morte de Deus, sucumbe a interpretação moral daexistência, apesar dos esforços humanos de conservar os valores antigos.Se Deus era a personificação do supra-sensível, a fonte da verdade, o sentido davida, sua morte deixa um grande vazio, uma angustiante ausência de sentido. O homemnão sabe mais no que agarrar-se. É uma extrema experiência de descrença, em que ohomem caminha errante no meio da escuridão, fica à deriva, pois todas as suasreferências foram abaixo. Este niilismo da modernidade, da morte de Deus, é chamadoniilismo reativo, pois é uma reação que a modernidade tem à queda da metafísica e domundo supra-sensível. Pode ser considerado como uma reação explícita aos valoressuperiores instaurados pela criação do Deus cristão.Ao reagir a essa queda dos valores superiores do mundo transcendente, o homemvê-se perdido no único mundo restante: o terreno, que parece agora desprovido desentido. Então, como forma de preencher o profundo vazio deixado, o homem agarra-seàs ideologias e aos antigos valores. Para preencher a função ocupada pelo mundo suprasensívelserá estabelecida e desenvolvida a ideia de uma consciência, de uma razão, deum progresso, uma finalidade.Mesmo descrevendo a iminência da “catástrofe” niilista, Nietzsche admite que ohomem moderno está longe ainda de assumir todas as consequências da morte de Deus.Mesmo com a consciência de que Deus e os seus predicados não designam a essênciadas coisas, ainda não há o abandono total dos valores transcendentes que perderam valore legitimação. A moral atuou como antídoto ao niilismo, apoiando-se no ideal deverdade, pois, para Nietzsche, foi a moral que inventou o sentido da veracidade. Mesmocom a dissolução da moral em sua vertente religiosa, o sentido da veracidade por elainventado continua atuando nas ciências, nas artes, na política, na filosofia, etc. Sendoassim, a modernidade representa, para o filósofo, tanto o esforço de substituir o Deustranscendente por outros valores, como também o vazio aberto pela percepção de que oDeus transcendente já não exerce mais nenhuma influência sobre a existência humana.Portanto, na modernidade há uma ideologia do progresso, uma forte crença narazão, na ciência, na história, um ideal de felicidade, de futuro promissor. É tambémmarcada por grandes movimentos ideológicos, que ganham força, como o feminismo, osocialismo, o anarquismo... Nietzsche considera tais manifestações como sendo umasubstituição da moralidade religiosa, dos valores transcendentes que caíram por terra.29


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5Dessa forma, Nietzsche considera as “ideias modernas” como sendo sintomas da doençado niilismo moderno. Os valores divinos caem em descrédito, porém o homem recorreoutros valores para continuar atribuindo um sentido ao mundo (romantismo,nacionalismo, razão, história, progresso). O homem continua então a negar a vida, anegar os instintos, a realidade do devir, motivado por tais valores. Este é o niilismomoderno, o niilismo reativo. Para Nietzsche, a história é um jogo de dados ao acaso; oacaso, a insensatez, a falta de sentido predominam na história da humanidade. Não háum sentido ou uma causalidade, tampouco um progresso. Nós experimentamos o tempocomo caminhando para frente, por isso a ilusão do progresso histórico se forma em nós.No entanto, para Nietzsche, a história não caminha para um progresso; ao contrário, emsuas considerações sobre a história da humanidade, ele constata situações de regresso,movimentos de redução da força vital, de aniquilamento da vontade.Então, de acordo com Nietzsche, os valores modernos não são capazes demascarar o niilismo por muito tempo – o ponto de interrogação niilista, deixado pelamorte de Deus, emergiria pouco a pouco, perpassando todos os domínios do saber e doagir. Nietzsche diagnostica todas as suas formas e disfarces, para abarcar o sentido deseu movimento de radicalização. São diagnosticados, desse modo, os traços niilistas nasciências naturais, na política, na economia, na história, na arte e na cultura em geral.Assim, o filósofo considera os valores modernos como decadentes, e declara que amodernidade caminha rumo a uma grande crise, a uma catástrofe niilista.Nietzsche afirma que “a moral foi um grande antídoto contra o niilismo teórico eprático”. Portanto, ele procura mostrar que a posição extrema de interpretação moralcristã – de fornecer um sentido e um valor ao mundo – se reverte no seu oposto, nacrença na ausência de sentido e de meta, como se não houvesse nenhum sentido naexistência, como se tudo fosse em vão. A verdade, sendo instituída como valorsupremo, fornece um sentido ao homem, afastando de si a ameaça niilista do em vão, dovazio de sentido. Entretanto, quando o valor da verdade se desmorona e perde o sentido,o que resta é o niilismo.O niilismo então se radicaliza e se manifesta em sua forma passiva. No niilismopassivo, ocorre a eliminação de todos os valores e o homem mergulha em umadescrença absoluta, em um profundo vazio de sentido. Ocorre quando se tiver procuradoem todo o acontecer um sentido que não está nele, até que aquele que procura perde o30


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5ânimo. Então, se toma consciência do longo desperdício da força, o tormento do emvão.O niilismo com estado psicológico terá de ocorrer, primeiramente, quandotivermos procurado em todo acontecer por um “sentido” que não está nele: demodo que afinal aquele que procura perde o ânimo. Niilismo é então o tomarconsciênciado longo desperdício de força, o tormento do “em vão”, ainsegurança, a falta de ocasião para se recrear de algum modo, de aindarepousar sobre algo – a vergonha de si mesmo, como quem se tivesseenganado por demasiado tempo... (<strong>NIETZSCHE</strong>, 2008, p. 124.)Ocorre a eliminação de todos os valores, só que desta vez não são criados novosvalores. A falta de criação de novos valores gera um processo de depreciação pela vida.Vemos que não alcançamos a esfera em que pusemos nosso valores – comisso a outra esfera, em que vivemos, de nenhum modo ainda ganhou emvalor: ao contrário, estamos cansados, porque perdemos o estímulo principal.Foi em vão até agora! (<strong>NIETZSCHE</strong>, 2008, p. 130.)No homem, o resultado desse processo é a decadência, o nojo pela vida, oobscurecimento da existência humana. Perde-se a fé no homem. Tudo desce, descende,torna-se mais ralo, mais plácido, prudente, manso, indiferente, medíocre... “O queconstitui hoje nossa aversão ao „homem‟? - pois nós sofremos do homem, não hádúvida.” (<strong>NIETZSCHE</strong>, 2012, p. 31)Esse homem é fraco, medíocre, insosso, entediado, postado diante do absurdo ea espera da morte. Nietzsche diz que esse homem, que a cultura moderna produziu, émenos capaz de vida, não é afirmador da vida. Não crê, mas também não cria. Oniilismo passivo é caracterizado pela impossibilidade de aceitar que haverá umaperfeiçoamento do homem, o niilista passivo é aquele que não acredita no progresso dahumanidade. É o niilismo em que o homem aparece como incapaz de amor, comoincapaz de desejo e como incapaz de criação. A esperança se esvai. Tudo é em vão. Ohomem não deu certo. Assim o niilismo se manifesta como uma lacuna, como umaameaça latente, como temor, horror diante da ausência de sentido.Tanto no niilismo negativo quanto no niilismo reativo, o homem negava a vidaem nome de valores superiores a ela; em um por valores divinos, em outro por valoreshumanos (ideia de progresso, romantismo, razão). Diferentemente destes, o niilista31


Revista Aproximação – Edição extraordinária – N° 5passivo é aquele que não tem mais esperanças, ao mesmo tempo em que não crê maisno divino, no paraíso e no transcendente, também não crê mais no homem, noprogresso. Considera que o homem não deu certo e se angustia com isso, ou seja, nadamais vale à pena. Há o torturante sentimento de vazio.A possibilidade de superaçãoDe acordo com Nietzsche, é através da radicalização do niilismo que se abre apossibilidade para seu ultrapassamento, para a superação da crise, para umatransvaloração de todos os valores. Quando todos os velhos valores tiverem ruído, e ohomem experimentar o vazio, a ausência de sentido, então deve-se criar valores novos.A claridade surge quando o niilismo se radicaliza, após a morte de Deus.Quando, no niilismo passivo, o homem já não suporta mais a falta de sentido da suaexistência, é o momento decisivo para Nietzsche. Abre-se então a possibilidade do além dohomem após a morte de Deus para a afirmação da vida. Chega o momento em que o homemdeve agir, abrindo-se para o devir e para o tempo. Deve transformar a vida em umaexperiência de criação e aniquilamento. E Nietzsche considera que a história sairia doperíodo de obscurantismo para o período de claridade. Seria o tempo do grande meio-dia, damais terrível claridade.O fim do ciclo niilista é o fim da negação da vida, da desvalorização da vida, davida regida pelo nada, e a abertura ao trágico, ao eterno retorno. Nietzsche propõe entãoa superação deste ciclo niilista através da afirmação da vida, do tempo, do devir; vivercomo se cada instante fosse retornar eternamente; afirmar a eternidade do instante,dando intensidade, peso ao instante em que se vivem – esse é mandamento do eternoretorno. O eterno retorno é um pensamento capaz de elevar a vontade do homem ao seumáximo de potência. Assim, a história da humanidade sairia do período deobscurantismo e chegaria ao período de claridade, seria o momento do “mais claromeio-dia”.O Niilismo e a CulturaAssim, Nietzsche relaciona diretamente o niilismo à história da culturaocidental. O niilismo, segundo Nietzsche, já está presente desde o início da instauração32

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