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Empreendedorismo, Trabalho e Qualidade de Vida na ... - Fiec

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Programação oficialApoio culturalApoio institucio<strong>na</strong>l


ABRAM SZAJMAN - AGUINALDO NERIALDA B. DA MOTA - ANA AMÉLIA CAMARANOANA P. FRAIMAN - ANTONIO CARLOSB. DOS SANTOS & ANDRÉ LORENZETTICARLOS HENRIQUE PORTO FALCÃO - CÉLIAP. CALDAS - CLAIRE DA CUNHA BERALDO& MARIA CLOTILDE B. N. M. DE CARVALHODAIZY VALMORBIDA STEPANSKY - DANILOSANTOS DE MIRANDA - DULCINEA MATA R.MONTEIRO - ÉLIO VIEIRA - EULER ESTEVESRIBEIRO JEAN-PIERRE BAUX JEANNE URVOYJOÃO CÂNDIDO DE OLIVEIRA - JOSIER M.VILAR - LIGIA MARIA P. MACACCHERO &ROSILENE SOUZA ALMEIDA - LUCIA FRANÇAMARIANGELS FORTUNY - PAULINA OSORIOPAULO F. VIEIRA - PAULO OKAMOTTOREGINA R. P. CARVALHO - RENATO P. VERASROBERTO MATOSO - SANDRA RABELLOVERA PEDROSA - ZILDA ARNS NEUMANN


Organizador: Juarez Correia Barros Júnior


© Juarez Correia Barros JúniorOrganizador da ObraJuarez Correia Barros JúniorDireção EditorialPaulo Cezar BaldanCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção ExecutivaSegundo Villanueva Fernán<strong>de</strong>zCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção AdministrativaVera Lúcia Ferreira RibeiroCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção do Conselho EditorialRe<strong>na</strong>to P. VerasRevisão do textoFausto RêgoTradução FrancêsCláudia Amaral Vieira Silveira e Mari<strong>na</strong> GiliiTradução EspanholSegundo Villanueva Fernán<strong>de</strong>z – España aquí Ensino <strong>de</strong> EspanholProjeto gráfico e DiagramaçãoNatalli Tami KussunokiCapaJosé Roberto Aguilar - ‘Balalaica’ - 2002Impresso no BrasilEditora EdiconRua: Herculano <strong>de</strong> Freitas, 181 - São Paulo/SP CEP 01308-020Tel.: (11) 3255-1002TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, <strong>de</strong> qualquer formaou por qualquer meio, salvo com autorização, por escrito, do Organizador da Obra.Administração:Instituto para Promoção do <strong>Trabalho</strong> Empreen<strong>de</strong>dor - <strong>Trabalho</strong> e <strong>Vida</strong>Rua Francisco Leitão, 177 - cj. 102 - São Paulo/SP - CEP 05414-020Tel.: (11) 3105-4680 - trabalhoevida@trabalhoevida.com.brDados Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> Catalogação <strong>na</strong> Publicação (CIP)E46<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> / organizadorJuarez Correia Barros Júnior – 1.ed - São Paulo: Editora Edicon, 2009, 500 p.Inclui BibliografiaISBN 978-85-290-0509-61. Velhice - Aspectos sociais. 2. Idosos - Educação. 3. Idosos - Emprego. 4. Idosos- Saú<strong>de</strong> e higiene. 5. Empreen<strong>de</strong>dores idosos. 6. Integração social. 7. Idosos -Condições sociais. I. Barros Júnior, Juarez Correia.CDU 316.346.32-053.9CDD 305.26


Sumário131719212325273749678197111117HistóricoJuarez Correia Barros JúniorA Visão Institucio<strong>na</strong>lCarlos Roberto LupiJosé Barroso PimentelApresentaçãoAntonio Oliveira SantosPrefácioA<strong>de</strong>lmir Santa<strong>na</strong>PosfácioJosé Luiz TellesPara início <strong>de</strong> conversaRe<strong>na</strong>to P. Veras<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>Abram SzajmanO Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> –Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 AnosAgui<strong>na</strong>ldo Aparecido NeriEnvelhecimento Masculino:<strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação SocialAlda Britto da MotaRelações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda entre IdososA<strong>na</strong> Amélia CamaranoReflexão Sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>le seus Riscos <strong>na</strong> AposentadoriaA<strong>na</strong> P. FraimanTempo, <strong>Trabalho</strong> e SatisfaçãoAntonio Carlos B. dos Santos & André LorenzettiTurismo SocialCarlos Henrique Porto Falcão


359375391395405431447459473487489491493495497499Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:Expectativas <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong>Pauli<strong>na</strong> Osorio Parraguez<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>:Análise <strong>de</strong> um Percurso IntrospectivoPaulo Ferreira Vieira<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>Paulo OkamottoAssistência à Saú<strong>de</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>Regi<strong>na</strong> R. Parizi CarvalhoA Inclusão Social do Idoso:Promovendo Saú<strong>de</strong>, Desenvolvendo Cidadania e Gerando RendaRe<strong>na</strong>to P. Veras<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do IdosoRoberto MatosoTrei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH para o Cuidador <strong>de</strong> Idosoe as Novas Perspectivas <strong>de</strong> Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> no Universodo Envelhecimento HumanoSandra RabelloO <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>Vera PedrosaO <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>Zilda Arns NeumannDepoimentosAlencar BurtiJan WiegerinckJesus José BalesJoão Batista InocentiniRaphael MartinelliOzires SilvaRosi<strong>na</strong> D’Angi<strong>na</strong>


HistóricoJuarez Correia Barros JúniorOrganizador do projeto.Este livro é resultado <strong>de</strong> cinco anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação ao tema do<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>, materializados em semináriostécnicos envolvendo testemunhos <strong>de</strong> pessoas e consultores que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mo trabalho, remunerado ou não, como fator <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong>inserção social em todas as ida<strong>de</strong>s. A idéia surgiu, inicialmente, <strong>de</strong>ntro doSEBRAE-SP e tomou corpo e dimensão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong>s mãos da dra. Regi<strong>na</strong>Parizi, diretora executiva da GEAP - Fundação <strong>de</strong> Assistência Social,gestora <strong>de</strong> uma das mais sólidas carteiras <strong>de</strong> assistência <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do país,que conta em sua população <strong>de</strong> beneficiários com mais <strong>de</strong> 60% <strong>de</strong> pessoasacima dos 60 anos. Este apoio foi <strong>de</strong>cisivo para a continuida<strong>de</strong> do projeto.No período <strong>de</strong> 2003 a 2008, vinte e cinco capitais receberam os seminários,realizados em parceria pela GEAP, pelas regio<strong>na</strong>is do SEBRAE e pelasFe<strong>de</strong>rações do Comércio, estas últimas por orientação da Confe<strong>de</strong>raçãoNacio<strong>na</strong>l do Comércio (CNC). A iniciativa recebeu apoio institucio<strong>na</strong>l doInstituto Ethos <strong>de</strong> Cidadania e do SEBRAE Nacio<strong>na</strong>l.


14 HistóricoLogo ficou clara a necessida<strong>de</strong> que uma população que hojevive mais e melhor tem para encontrar estímulos e orientações básicas<strong>na</strong> preparação <strong>de</strong> uma segunda vida profissio<strong>na</strong>l, sob novos parâmetros,<strong>de</strong>safios e objetivos. Clara também ficou a ausência, no Brasil, <strong>de</strong> outrasiniciativas nesta direção, mesmo quando confrontamos com as inúmeras erelevantes ações já existentes, que visam, sobretudo, ao apoio à saú<strong>de</strong>, aolazer, à integração e à participação social das pessoas da terceira ida<strong>de</strong>.Portanto reunir as experiências vividas neste percurso <strong>na</strong>forma <strong>de</strong> um livro surgiu como consequência <strong>na</strong>tural, para preservaçãoe expansão <strong>de</strong>sse entendimento. Nesta nova etapa, ampliamos nossouniverso <strong>de</strong> parcerias, mantendo as pioneiras, e fomos buscar <strong>na</strong> UnATI/UERJ a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção do Conselho Editorial e <strong>na</strong> Universitè du TempsLivres <strong>de</strong> Rennes, França, e <strong>na</strong> Universidad Católica <strong>de</strong> Chile o necessáriocomplemento <strong>de</strong> cenário inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, além <strong>de</strong> inserir o projeto <strong>na</strong>programação oficial do Ano da França no Brasil 2009.Quando apresentados os objetivos <strong>de</strong>ste livro ao Conselho Nacio<strong>na</strong>ldos Direitos do Idoso (CNDI), ao Ministério da Previdência e AssistênciaSocial, ao Ministério do <strong>Trabalho</strong> e Emprego e à Secretaria Especialdos Direitos Humanos da Presidência da República, recebemos apoioimediato, traduzido <strong>na</strong> inserção <strong>de</strong> manifestações oficiais dos titulares dasrespectivas pastas. Já <strong>na</strong> etapa fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> recebimento da contribuição <strong>de</strong>nossos autores, nos <strong>de</strong>paramos mais uma vez com a complexa questão daterminologia mais a<strong>de</strong>quada a ser empregada no título do livro, ou seja,<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> ou noEnvelhecimento ou da Pessoa Idosa. Optamos por dividir a difícil tarefa<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir por uma ou por outra com os nossos autores, <strong>na</strong> esperança <strong>de</strong>chegar a um consenso ou, no mínimo, a uma maioria. E ficamos surpresoscom um resultado que dividiu em três grupos proporcio<strong>na</strong>is as respostas,todos com forte e coerente argumentação. Fomos salvos <strong>de</strong> última horapela informação, trazida pela nossa autora francesa Jeanne Urvoy, <strong>de</strong> que,após décadas <strong>de</strong> utilização da terminologia séniors para fazer referência aeste segmento social <strong>na</strong> França, o governo daquele país acaba <strong>de</strong> i<strong>na</strong>ugurarnova terminologia – <strong>de</strong>sta vez, les aînées – para consolidar a idéia que<strong>de</strong>ve acompanhar esta fase da vida, que é a da experiência acumulada e dasabedoria dos mais velhos. Assim, optamos por terceira ida<strong>de</strong>, <strong>na</strong> certeza<strong>de</strong> que esta discussão não termi<strong>na</strong> aqui e nem agora.


A Visão Institucio<strong>na</strong>lCarlos Roberto LupiMinistro do <strong>Trabalho</strong> e Emprego.O Brasil possui atualmente 17,9 milhões <strong>de</strong> pessoas com ida<strong>de</strong>igual ou superior a 60 anos, representando uma proporção <strong>de</strong> 10% dapopulação brasileira, <strong>de</strong> acordo com dados do Instituto Brasileiro <strong>de</strong>Geografia e Estatística (IBGE). Estudos da Organização das Nações Unidas(ONU) <strong>de</strong>monstram que a população estimada do país para o ano <strong>de</strong> 2025será <strong>de</strong> 220 milhões <strong>de</strong> habitantes, com uma população idosa <strong>de</strong> 30 milhões<strong>de</strong> pessoas, <strong>de</strong>vido à transição <strong>de</strong>mográfica, colocando o Brasil <strong>na</strong> sextaposição <strong>de</strong> país mais velho do mundo.Esse novo perfil populacio<strong>na</strong>l, que se aproxima, <strong>de</strong>manda açõesefetivas do Estado voltadas à garantia dos direitos fundamentais da pessoaidosa e priorida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s políticas públicas que concebam uma velhice comigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos perante os <strong>de</strong>mais indivíduos no Brasil, on<strong>de</strong> apessoa idosa é, não um ser passivo, mas um agente ativo e condutor dasua vida e muitas vezes contribui com sua aposentadoria para compor arenda familiar.


18A Visão Institucio<strong>na</strong>lDessa forma, o Ministério do <strong>Trabalho</strong> e Emprego busca implementarações que atendam os idosos, aposentados e não aposentados, que queiramtrabalhar. O nosso esforço é direcio<strong>na</strong>r políticas públicas <strong>de</strong> trabalho,emprego e renda para a população idosa no âmbito da qualificação,com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos conhecimentos e capacida<strong>de</strong>s, e domicrocrédito, com a disponibilização <strong>de</strong> crédito para implementação <strong>de</strong>negócios e empreendimentos <strong>de</strong> produção ou comercialização <strong>de</strong> bense serviços. Alcançando, assim, o crescimento social e profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ssapopulação, bem como a sua preparação para os atuais e vindouros <strong>de</strong>safiosdo mundo do trabalho.E os resultados <strong>de</strong>ssas ações po<strong>de</strong>m ser comprovados <strong>de</strong> acordocom os recentes dados da Relação Anual <strong>de</strong> Informações Sociais (RAIS),referentes a 2008. As informações mostram que os trabalhadores comfaixa etária entre 50 e 64 anos conseguiram boas oportunida<strong>de</strong>s nomercado. Foram abertos 376 mil postos <strong>de</strong> trabalho para essas pessoas,o que representa um crescimento <strong>de</strong> 8,17% em relação ao ano anterior.Foi a segunda maior taxa <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> empregos da série, só per<strong>de</strong>ndopara os trabalhadores <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 30 a 39 anos. O estudo também avalioua evolução <strong>de</strong> graus <strong>de</strong> instrução e o <strong>de</strong>staque ocorreu no nível EnsinoMédio Completo. Isso <strong>de</strong>monstra que os idosos estão empenhadas em sequalificar e, como conseqüência, conquistar melhores cargos.


19José Barroso PimentelMinistro da Previdência Social“<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> TerceiraIda<strong>de</strong>” é tema relevante e atual. No mundo inteiro, o número <strong>de</strong> pessoascom ida<strong>de</strong> igual ou superior a 60 anos está aumentando proporcio<strong>na</strong>lmenteà totalida<strong>de</strong> das populações dos diversos países.No Brasil, em 2008, existiam 17,9 milhões <strong>de</strong> pessoas comida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong> 60 anos. As projeções do IBGE (Instituto Brasileiro <strong>de</strong>Geografia e Estatística) indicam que vamos ultrapassar os 64 milhões em2050. Esse crescimento é resultado <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores, entre eles oimportante e <strong>de</strong>sejado aumento da expectativa <strong>de</strong> vida e a queda <strong>na</strong> taxa<strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong>.Diante <strong>de</strong> um mundo com tantas possibilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> umapopulação cada vez mais madura e em ple<strong>na</strong> capacida<strong>de</strong>, os grupos etáriosda terceira ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem receber especial atenção para que tenham acessoaos benefícios da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.


20A Visão Institucio<strong>na</strong>lA nossa Previdência Social vem trabalhando para melhorar cadavez mais o atendimento a toda a socieda<strong>de</strong>, em especial aos 26,7 milhões<strong>de</strong> aposentados e pensionistas que recebem mensalmente seus benefícios,rigorosamente em dia, em qualquer ponto do país.Com um sistema previ<strong>de</strong>nciário sólido, mo<strong>de</strong>rno e estruturado, oEstado brasileiro proporcio<strong>na</strong> segurança e tranquilida<strong>de</strong> aos trabalhadoresque se encontram no mercado <strong>de</strong> trabalho e àqueles aposentados quejá contribuíram muito para o <strong>de</strong>senvolvimento do país. Hoje, o RegimeGeral <strong>de</strong> Previdência Social (RGPS) possibilita ao aposentado e sua famíliacondições dig<strong>na</strong>s. A previdência complementar, que integra a nossaPrevidência Social, é uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação da renda. Dessemodo, o público da terceira ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> aproveitar sua experiência <strong>de</strong> vidapara se <strong>de</strong>dicar às ativida<strong>de</strong>s que julgar convenientes, entre elas açõessociais, ambientais e <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo.Na medida em que a Previdência Social proporcio<strong>na</strong> aos cidadãose cidadãs brasileiros melhores condições <strong>de</strong> bem-estar, o contingente jáprotegido po<strong>de</strong>, como indicam iniciativas materializadas neste livro, somarforças para incluir mais e mais brasileiros nesse sistema <strong>de</strong> proteção.O presente livro aborda o tema <strong>de</strong> forma pioneira, por meio <strong>de</strong>perspectiva inovadora, que po<strong>de</strong> contribuir para dissemi<strong>na</strong>r uma consciênciamais mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> e evoluída <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. Resultado <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quatroanos <strong>de</strong> trabalho com esse público, o Instituto para Promoção do <strong>Trabalho</strong>Empreen<strong>de</strong>dor – <strong>Trabalho</strong> e <strong>Vida</strong> reúne nesta obra discussões importantes,embora frequentemente relegadas a um segundo plano. Sob a ótica <strong>de</strong>diversos autores e opiniões, po<strong>de</strong>-se conhecer novas abordagens sobre arealização pessoal, a sociabilida<strong>de</strong>, a integração e a ocupação saudável dotempo em todas as ida<strong>de</strong>s.


PrefácioA<strong>de</strong>lmir Santa<strong>na</strong>Se<strong>na</strong>dor da República e presi<strong>de</strong>nte do Conselho Deliberativo Nacio<strong>na</strong>l doSEBRAE.<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>Refletindo sobre o tema, observo que poucos <strong>de</strong> nós param paraplanejar o que fazer após a aposentadoria, ou como, muitos dizem, o quefazer <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> após “pendurar as chuteiras”. Contudo esse momento<strong>de</strong> reflexão, que para muitos representa o capítulo fi<strong>na</strong>l da vida, para outros éo recomeço ou o verda<strong>de</strong>iro começo, agora por conta própria.Na socieda<strong>de</strong> atual, mesmo o indivíduo exercendo um alto grau<strong>de</strong> autonomia sobre a sua vida, sobre o seu futuro, o ritual <strong>de</strong> passagempara a aposentadoria ou para a terceira ida<strong>de</strong> produtiva ainda é um ponto<strong>de</strong> interrogação para gran<strong>de</strong> parte da população, sejam empregados,executivos e até mesmo empregadores.Precisamos enten<strong>de</strong>r e fazer enten<strong>de</strong>r que o empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong> significa a chance <strong>de</strong> seguir a vida com alegria e disposição,ficando atento às oportunida<strong>de</strong>s relacio<strong>na</strong>das com a vida ativa nestafaixa etária. Estimular-se, portanto, quanto aos <strong>de</strong>safios que as diversasalter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> negócios compatíveis com essa faixa etária provocam eque, diga-se <strong>de</strong> passagem, são inúmeras.


24PrefácioObservar, com a cautela e a sabedoria características da ida<strong>de</strong>, osriscos e as vantagens <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s e todos os aspectos práticosindicados para construir o seu próprio empreendimento.A cada ano nos aposentamos mais cedo em relação à nossaexpectativa <strong>de</strong> vida. Dados recentes do IBGE <strong>de</strong>monstram que a expectativamédia <strong>de</strong> vida dos brasileiros já alcança os 72 anos, ou quase 20 anos amais, se compararmos com as estatísticas da década <strong>de</strong> 50. E este já é umproblema social e econômico importante, mesmo num país tipicamenteempreen<strong>de</strong>dor, como nos acostumamos a classificar o Brasil.É necessário, portanto, pensarmos em promover, cada vez mais,políticas públicas e iniciativas privadas que criem oportunida<strong>de</strong>s aosempreen<strong>de</strong>dores que, mesmo em ida<strong>de</strong> teoricamente <strong>de</strong> aposentadoria,enxerguem nos ambientes favoráveis à continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>sautônomas e empreen<strong>de</strong>doras a continuação <strong>de</strong> uma vida sadia, porqueseguirá ativa.Por outro lado, não po<strong>de</strong>mos esquecer que no Brasil, atualmente,gran<strong>de</strong> parte dos trabalhadores com mais <strong>de</strong> 50 anos exerce suas ativida<strong>de</strong>spor conta própria, sem carteira assi<strong>na</strong>da, configurando o <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>doempreen<strong>de</strong>dorismo por necessida<strong>de</strong>. Estes ganham 36,3% a mais que amédia, concentram-se principalmente nos setores da construção e no dosserviços domésticos e é o único grupo etário a ganhar espaço no mercado<strong>de</strong> trabalho nos últimos anos.A tendência <strong>de</strong> bom aproveitamento dos profissio<strong>na</strong>is com maiorexperiência foi <strong>de</strong>tectada a partir <strong>de</strong> estatísticas do IBGE, utilizadas paracomparar os índices apresentados pela Pesquisa Mensal <strong>de</strong> Emprego,referentes a maio <strong>de</strong> 2002 e maio <strong>de</strong> 2006, que revelaram o crescimento daparticipação <strong>de</strong> pessoas com mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>na</strong> população em ativida<strong>de</strong>.Eram 15,4% <strong>na</strong>quele ano, e em 2006 alcançaram a 18,1%.


PosfácioJosé Luiz TellesPresi<strong>de</strong>nte do Conselho Nacio<strong>na</strong>l dos Direitos do Idoso.Os cabelos grisalhos têm sido visto por muitos como sinônimo<strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> frente ao atual contexto <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong> econômicaem escala global. Entretanto essa visão que reforça, no senso comum, osestereótipos negativos relativos à velhice vem sendo questio<strong>na</strong>da em váriosâmbitos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. O primeiro fato inconteste é que a socieda<strong>de</strong> globalenvelhece a passos largos e, ao contrário do imagi<strong>na</strong>do, as pessoas semantêm ativas muito em função das conquistas sociais e, em especial, domaior acesso aos serviços <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Outro dado importantediz respeito à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização e <strong>de</strong> participação cidadã <strong>de</strong>ssesegmento populacio<strong>na</strong>l. Foi essa organização que possibilitou, em muitospaíses, a consolidação <strong>de</strong> agenda <strong>de</strong> direitos sociais e políticos relacio<strong>na</strong>dosàs pessoas idosas.No Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a instituição da Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso e doConselho Nacio<strong>na</strong>l dos Direitos do Idoso (Lei nº. 8.842/94), esse segmento<strong>de</strong> nossa população vem lutando por ampliar seus direitos <strong>de</strong> cidadania.


26PosfácioO marco central <strong>de</strong>ssa luta foi a promulgação, em 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003, doEstatuto do Idoso. Legislação abrangente aos direitos sociais da populaçãoidosa, o Estatuto reafirma, em seu Capítulo IV, o direito “ao exercício<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l, respeitadas suas condições físicas, intelectuais epsíquicas”. Além disso, estabelece a proibição da prática <strong>de</strong> “discrimi<strong>na</strong>çãoe a [<strong>de</strong>] fixação <strong>de</strong> limite máximo <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, inclusive para concursos,ressalvados os casos em que a <strong>na</strong>tureza do cargo o exigir”.Reconhece-se, portanto, <strong>na</strong> lei que o trabalho faz parte da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>social do ser humano. O seu afastamento por motivos discrimi<strong>na</strong>tóriosem função da ida<strong>de</strong>, por conseguinte, <strong>de</strong>veria ser exceção. Infelizmentenão é essa a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas idosas que buscam manterseu vínculo laboral. Apesar <strong>de</strong> estarem no auge <strong>de</strong> sua experiência,muitas empresas acabam dispensando esses(as) trabalhadores(as) única eexclusivamente motivadas pelo fator etário.O Conselho Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Direitos do Idoso tem trabalhado parafazer com que o texto da Lei do Estatuto do Idoso se converta em ações epolíticas coerentes com as expectativas da população idosa. A valorizaçãodo trabalho e a luta incessante contra a discrimi<strong>na</strong>ção etária <strong>de</strong>vem fazerparte da agenda <strong>de</strong> toda a nossa socieda<strong>de</strong>.O livro “Empreendorismo, <strong>Trabalho</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> TerceiraIda<strong>de</strong>” traz, por meio <strong>de</strong> seus autores, reflexões <strong>de</strong> diversas or<strong>de</strong>ns acercadas possibilida<strong>de</strong>s que o trabalho representa para a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dapopulação idosa. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> obra que <strong>de</strong>verá ser referência paratodos aqueles que buscam inovação a partir da valorização do trabalho edo empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>na</strong>s fases mais maduras da vida.


Para início <strong>de</strong> conversa27Re<strong>na</strong>to P. VerasMédico, Professor, Diretor da UnATI/UERJ.As pági<strong>na</strong>s que virão a seguir compõem um mosaico <strong>de</strong> opiniões,propostas, dados, análises e diagnósticos sobre um tema que é muitocaro a cada um <strong>de</strong> nós – quando <strong>na</strong>da, porque esperamos todos viverlongamente, com a melhor saú<strong>de</strong>, a máxima disposição, em ple<strong>na</strong>ativida<strong>de</strong>, confortavelmente amparados pela família, pelas instituições epela socieda<strong>de</strong>.O envelhecimento é inevitável. Suas consequências físicastambém – ainda que hoje contemos com muito mais recursos e tecnologiapara amenizar os déficits funcio<strong>na</strong>is. Mas é possível e <strong>de</strong>sejável elimi<strong>na</strong>ro preconceito, <strong>de</strong>sfazer estereótipos, ampliar a autonomia e o espaço<strong>de</strong> participação do idoso como cidadão, contribuinte, profissio<strong>na</strong>l e serhumano com direitos, <strong>de</strong>veres, conquistas e superações. Alguém capaz <strong>de</strong>amar e ser amado; <strong>de</strong> trabalhar, contribuir, ter idéias, gerar renda, ensi<strong>na</strong>re – como não? - apren<strong>de</strong>r.Ao contrário do que diz o lugar-comum, a vida não começa aos


28Para Início <strong>de</strong> Conversa40, tampouco se encerra aos 60 ou 70.Vemos hoje, segundo nos mostram diversas análises <strong>de</strong>mográficas,que vem ocorrendo um envelhecimento progressivo da população.Precisamos, portanto, nos antecipar aos efeitos <strong>de</strong>sse fenômeno e começar adiscutir seriamente as questões que perpassam o universo da terceira ida<strong>de</strong>.“<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, trabalho e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida” é fruto <strong>de</strong>ssaconstatação. Reunimos aqui um time multidiscipli<strong>na</strong>r <strong>de</strong> colaboradorespara abordar os mais diversos aspectos relacio<strong>na</strong>dos ao envelhecimento.Cada um trouxe a sua contribuição para o <strong>de</strong>bate, formando um painelque consi<strong>de</strong>ramos extremamente rico e abrangente e que oferecemosa você como uma reflexão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para a compreensão daproblemática da pessoa idosa nos dias <strong>de</strong> hoje.Abram Szajman, presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração do Comércio do Estado<strong>de</strong> São Paulo (Fecomercio) e do Conselho Deliberativo do Serviço <strong>de</strong> Apoioàs Micro e Peque<strong>na</strong>s Empresas <strong>de</strong> São Paulo (Sebrae-SP) nos fala daspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. Dados recentes,ele afirma, <strong>de</strong>monstram que aumenta progressivamente o número <strong>de</strong>negócios criados e administrados por pessoas com mais <strong>de</strong> 60 anos. Genteque troca a aposentadoria por uma revisão da própria vida, que conduz aum olhar voltado para um novo horizonte profissio<strong>na</strong>l – às vezes sem as“amarras” das ativida<strong>de</strong>s anteriores, às vezes ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong>scorti<strong>na</strong>ndo novosou adormecidos interesses.Na mesma linha, o professor e psicólogo Agui<strong>na</strong>ldo AparecidoNeri, da PUC-Campi<strong>na</strong>s (SP), aborda os <strong>de</strong>safios e as oportunida<strong>de</strong>s nomundo do trabalho para quem tem mais <strong>de</strong> 50 anos. E prepara uma série <strong>de</strong>recomendações para que se elabore um projeto <strong>de</strong> vida pós-aposentadoria.De vida, sim, pois o potencial produtivo não se esgota <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>,nem <strong>de</strong>ve encerrar a motivação para apren<strong>de</strong>r, empreen<strong>de</strong>r e conquistar.“Para alguns, a aposentadoria representa um novo começo. Eles esperamter liberda<strong>de</strong> para retomar velhas metas e estabelecer novas. Enfim,oportunida<strong>de</strong> para uma vida ple<strong>na</strong>. É a gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> para fazercoisas que foram postergadas <strong>de</strong>vido a outras priorida<strong>de</strong>s”, afirma.Professora e pesquisadora da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, AldaBritto da Motta nos apresenta uma análise do envelhecimento masculino,que encerra sentimentos contraditórios: <strong>de</strong> um lado, observa, os fantasmasdo <strong>de</strong>sgaste do corpo, não mais “a<strong>de</strong>quado” ao trabalho; <strong>de</strong> outro, o alívio


Re<strong>na</strong>to P. Veras29das obrigações pesadas. É uma dicotomia que po<strong>de</strong> conduzir à paralisia eao <strong>de</strong>sânimo: sem a perspectiva do trabalho e enfrentando o preconceitocontra a velhice, diz a autora, é difícil renovar projetos <strong>de</strong> vida.O envelhecimento também acarreta mudanças <strong>na</strong>s relaçõesfamiliares. E é justamente esse o tema da economista A<strong>na</strong> Amélia Camarano,da Escola Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Ciências Estatísticas e do Instituto <strong>de</strong> PesquisaEconômica Aplicada (IPEA). A partir <strong>de</strong> dados da Pesquisa Nacio<strong>na</strong>l porAmostra <strong>de</strong> Domicílios (PNAD), a autora apresenta um retrato da situaçãodos idosos como “chefes <strong>de</strong> famílias”, num quadro <strong>de</strong> aumento progressivoda expectativa <strong>de</strong> vida, e i<strong>de</strong>ntifica novos “arranjos familiares” em que apolítica <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social <strong>de</strong>sempenha um papel significativo.Dentro do núcleo familiar ou mesmo em outros espaços da vidasocial, muitas vezes registram-se ocorrências <strong>de</strong> assédio moral. A reflexãosobre esses episódios e seus riscos para a aposentadoria é feita pelapsicóloga A<strong>na</strong> Fraiman, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP). Descrevendotodo o contexto histórico <strong>de</strong>ssas relações, a autora adverte para o risco<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong>, como um todo, acabar endossando a cultura do assédiomoral, criando um monstro que termi<strong>na</strong>rá por elimi<strong>na</strong>r qualquer traço <strong>de</strong>solidarieda<strong>de</strong>.Um novo olhar para a terceira ida<strong>de</strong> é, portanto, mais do quenecessário. E é essa a proposta lançada no artigo assi<strong>na</strong>do a quatromãos pelo jor<strong>na</strong>lista André Lorenzetti e pelo economista Antonio CarlosBraga dos Santos, gerente e presi<strong>de</strong>nte do grupo Age - <strong>Vida</strong> Ativa <strong>na</strong>Maturida<strong>de</strong>. Eles partem <strong>de</strong> um diagnóstico elementar: a primeira ida<strong>de</strong> édo aprendizado; a segunda, dos resultados; e a terceira ficou injustamenteestigmatizada como uma etapa <strong>de</strong> improdutivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cadência. Mas issopo<strong>de</strong> mudar, garantem. E o voluntariado, por exemplo, po<strong>de</strong> ser uma práticatransformadora nesse cenário. Os autores sugerem aos que ingressaram <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong> dividir o tempo entre o trabalho voluntário, o lazer e o focoem novos interesses, conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s. Afi<strong>na</strong>l, por que não?O trabalho voluntário é uma gran<strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tiva que se abre parao recém-aposentado, como nos mostra Zilda Arns, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lda Pastoral da Pessoa Idosa e também fundadora da Pastoral da Criança.Fazendo uma radiografia das ações <strong>de</strong> voluntariado no país a partir <strong>de</strong>dados das Pastorais, ela mostra como essa participação, além <strong>de</strong> ampliaros espaços <strong>de</strong> cidadania e representativida<strong>de</strong> da população idosa, tor<strong>na</strong> o


30Para Início <strong>de</strong> Conversaenvelhecimento mais equilibrado, harmonioso e saudável. “É, até mesmo,um meio <strong>de</strong> prevenir ou atenuar doenças”, alerta. “O idoso se sente maisdisposto, com mais perspectivas e sentido <strong>de</strong> vida, abando<strong>na</strong>ndo, assim,aquilo que até pouco tempo antes era comum ver <strong>na</strong> população idosa: oisolamento, uma imagem negativa <strong>de</strong> si mesmo – ou uma imagem negativaque a socieda<strong>de</strong> fazia <strong>de</strong>le”.A aposentadoria, como vemos, po<strong>de</strong> ser uma fase ativa, ao contráriodo que propagam os estereótipos. É isso o que propõe a vice-diretora daUniversida<strong>de</strong> Aberta da Terceira Ida<strong>de</strong> (UnATI), professora Célia Caldas.Para ela, “somos nós que atribuímos o significado que esta fase da vidaterá”. E é necessária uma preparação para que o aposentado aproveite aomáximo esse período, investindo em sua saú<strong>de</strong> física e mental, valorizandoo autocuidado e o aproveitamento máximo <strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s eseus objetivos. O aumento da expectativa <strong>de</strong> vida da população brasileiraestabelece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> refletir: é preciso dar um novo significado aessa etapa da existência huma<strong>na</strong>.Aos olhos do mercado, a maior longevida<strong>de</strong> da população formaum atraente público consumidor. Os produtos e serviços para a terceiraida<strong>de</strong> estão cada vez mais em evidência. E a socióloga Daizy Stepanskyfaz uma interessante análise das transformações da ca<strong>de</strong>ia produtiva<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas pelas mudanças <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, Ao fi<strong>na</strong>l, constata que éimperativo que os olhares se voltem para a população idosa para alémdos estereótipos. A publicida<strong>de</strong>, adverte, não po<strong>de</strong> prescindir do idoso:“Ele representa o testemunho do passado, do bom tempo antigo, daautenticida<strong>de</strong>, da confiabilida<strong>de</strong>. Representa a ficção <strong>de</strong> paz, <strong>de</strong> ausência<strong>de</strong> contradições e <strong>de</strong> conflitos”, afirma.Em outra vertente das diversas questões que dizem respeitoà terceira ida<strong>de</strong>, o educador e consultor <strong>de</strong> Recursos Humanos ÉlioVieira discute o sentido do trabalho e da educação nessa etapa da vida. Eilustra seus argumentos com a própria experiência: Vieira, aos 60 anos,candidatou-se a um doutorado pela PUC <strong>de</strong> São Paulo. E venceu. “Estarenvolvido num curso, numa ofici<strong>na</strong> ou num trabalho significa estar vivo”,aconselha. “Significa que estamos conjugando os verbos ser, estar e fazerno presente do indicativo. E lembre-se: só os vivos po<strong>de</strong>m fazer isso”.O espírito empreen<strong>de</strong>dor, como vemos, é algo que não morre coma ida<strong>de</strong>. Os temores <strong>de</strong> quem precisa dar o primeiro passo são <strong>na</strong>turais,


Re<strong>na</strong>to P. Veras31mas superáveis. É o que nos mostra <strong>na</strong> prática o psicólogo e consultorem Recursos Humanos Paulo Ferreira Vieira, que expõe claramente issoa partir <strong>de</strong> suas próprias incertezas ao escrever seu artigo para este livro.“Empreen<strong>de</strong>r”, afirma, “subenten<strong>de</strong> o sonho que norteia. Existe o norte,mas não existe a certeza do que se vai encontrar ao longo e ao fi<strong>na</strong>l daviagem em todos os <strong>de</strong>talhes. O risco é inevitável!”. Por isso, recomenda,é preciso ter paciência para construir aos poucos, aceitando a ajuda dascircunstâncias.O empreen<strong>de</strong>dorismo é tema também <strong>de</strong> Paulo Okamoto, presi<strong>de</strong>ntedo Serviço Brasileiro <strong>de</strong> Apoio às Micro e Peque<strong>na</strong>s Empresas (SEBRAE). Oaumento da expectativa <strong>de</strong> vida abre a perspectiva <strong>de</strong> uma gama <strong>de</strong> serviçose oportunida<strong>de</strong>s para as pessoas acima <strong>de</strong> 60 anos. E, mais uma vez, apalavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m é planejamento. “Como em qualquer ida<strong>de</strong>, é preciso sepreparar, fazer um bom plano <strong>de</strong> negócios, conhecer o mercado em que<strong>de</strong>seja atuar”, adverte. “O diferencial será uma maior disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tempo para apren<strong>de</strong>r e uma sabedoria que só a ida<strong>de</strong> confere”.A participação dos idosos no mundo do trabalho é a reflexão quefaz também o economista e consultor empresarial Roberto Matoso, queaponta as vantagens <strong>de</strong> contar com essa vivência e esse conhecimentoacumulado, em especial em funções que, objetivamente, não <strong>de</strong>veriamabrir mão <strong>de</strong>sses atributos. Isso, segundo ele, vale até mesmo para ospostos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> uma empresa, muitas vezes ocupados exclusivamentepor jovens executivos. “Como imagi<strong>na</strong>r uma equipe para resolver umproblema sem a participação <strong>de</strong> executivos mais idosos?”, questio<strong>na</strong>.“Além da experiência e da percepção mais apurada, os idosos representamum olhar menos imediatista. Até um simples veículo precisa <strong>de</strong> aceleradore freio para manter-se em velocida<strong>de</strong> com segurança”, justifica.Continuar a apren<strong>de</strong>r e continuar a ser uma pessoa ativa, sim,mas sem abrir mão da qualida<strong>de</strong>. É o que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, em seu artigo, EulerRibeiro, médico geriatra, ex-<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, relator do capítulo daPrevidência da Constituinte e hoje i<strong>de</strong>alizador e diretor da Universida<strong>de</strong>Aberta da Terceira Ida<strong>de</strong> em Ma<strong>na</strong>us (AM). Seu tema é a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidano trabalho - um aspecto fundamental para, como afirma, não somenteaumentar a longevida<strong>de</strong>, mas “colocar vida nesses anos a mais”. Porqueo trabalho, por si, não basta. É preciso que traga consigo as sensações <strong>de</strong>prazer e bem-estar.


32Para Início <strong>de</strong> ConversaMas o que se quer dizer exatamente quando se fala em qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida? A psicóloga Vera Pedrosa <strong>de</strong>dica seu artigo a <strong>de</strong>strinchar esseconceito que, a alguns olhos, po<strong>de</strong> parecer <strong>de</strong>masiadamente subjetivo. Porum lado, há quem associe qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida a bens materiais. Por outro, éem seu nome que algumas empresas adotam programas <strong>de</strong> benefícios paraseus empregados. E há mesmo um espaço importante a ser preenchidocom programas voltados especificamente para o profissio<strong>na</strong>l da terceiraida<strong>de</strong>, aliados a ações <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social empresarial. Vera mostraque essa iniciativa apresenta gran<strong>de</strong>s vantagens tanto para os empregadosquanto para as próprias companhias.<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida e bem-estar são ingredientes que <strong>de</strong>vem estarpresentes já no dia seguinte ao da aposentadoria. E é dos dilemas quese iniciam nesse dia que nos fala João Cândido <strong>de</strong> Oliveira, consultor<strong>de</strong> Previdência Social da Fe<strong>de</strong>ração da Agricultura do Estado do Paraná(FAEP). A aposentadoria é um rito <strong>de</strong> passagem que encerra dúvidas,questio<strong>na</strong>mentos e incertezas, mas não <strong>de</strong>ve gerar traumas se for encaradocom a <strong>de</strong>vida antecedência. Principalmente quando a intenção é recomeçar(sim, porque a aposentadoria não significa o fim da vida profissio<strong>na</strong>l ouda vida útil, que po<strong>de</strong> prosseguir numa consultoria, numa prestação <strong>de</strong>serviços ou mesmo numa ativida<strong>de</strong> voluntária). Planejar é garantir que atransição se dê da melhor forma, evitando a “síndrome da inutilida<strong>de</strong> e do<strong>de</strong>scarte”.Por falar em síndromes, é preciso haver uma atenção toda especialà saú<strong>de</strong> da população idosa. É época <strong>de</strong> doenças crônicas, da exigência<strong>de</strong> maiores cuidados e <strong>de</strong> consumo mais frequente dos serviços médicohospitalares.E Josier Marques Vilar, médico, professor da Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, diretor da Pronep e presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dosHospitais e Clínicas do Município do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong>talha as tendênciase os <strong>de</strong>safios que surgem <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong> com o envelhecimentopopulacio<strong>na</strong>l. “Nenhum planejamento feito por governos e organizaçõessociais previu no passado o impacto econômico que o envelhecimentotraria para toda a socieda<strong>de</strong>”, observa. “Estamos, assim, diante <strong>de</strong> umagran<strong>de</strong> conquista <strong>de</strong> todos nós e <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> problema para resolvermos:como transformar o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l em um diferencialcompetitivo para as populações <strong>de</strong> todo o mundo?”.A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica que se <strong>de</strong>senha vai exigir do po<strong>de</strong>rpúblico uma reestruturação capaz <strong>de</strong> incluir todo esse novo contingente,


Re<strong>na</strong>to P. Veras33garantindo acesso a saú<strong>de</strong>, moradia e transporte, bem como os <strong>de</strong>maisbenefícios sociais. É o que observa a diretora executiva da GEAP –Fundação <strong>de</strong> Segurida<strong>de</strong> Social, Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi Carvalho. Aliás, aGEAP é uma das empresas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que possui um gran<strong>de</strong> percentual <strong>de</strong>pessoas envelhecidas entre seus associados, e possui em alguns estadosbrasileiros programas exitosos para este grupo etário. Portanto, Regi<strong>na</strong>colocou em prática sua vivência <strong>de</strong> gestora e em seu artigo trabalhou comindicadores <strong>de</strong>mográficos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, comparando-os com indicadores dosbeneficiários da própria GEAP.Além do aumento das <strong>de</strong>spesas com saú<strong>de</strong> pública, a mudançaacelerada do perfil <strong>de</strong>mográfico traz uma questão não menos importante:o pagamento das pensões. Em especial no caso do Brasil, um dos poucospaíses em que muitos recebem o benefício, mas permanecem <strong>na</strong> ativa.É esse o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Lucia França, mestre em Psicologia Social,especialista em Gerontologia e consultora <strong>de</strong> empresas em programas <strong>de</strong>preparação para a aposentadoria. Para ela, “os governos <strong>de</strong>verão sustentaros aposentados <strong>de</strong> forma dig<strong>na</strong>, enquanto que as organizações precisamencontrar o equilíbrio entre empregar trabalhadores mais velhos quequeiram continuar trabalhando e criar oportunida<strong>de</strong>s para as geraçõesmais novas”.Diante <strong>de</strong>sse quadro, Re<strong>na</strong>to Veras, professor da Universida<strong>de</strong>do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ) e diretor da Universida<strong>de</strong> Aberta daTerceira Ida<strong>de</strong> (UnATI), traz uma questão-chave: o que é preciso fazer paraque o idoso usufrua os anos a mais <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> forma ple<strong>na</strong> e saudável? Oponto <strong>de</strong> partida, afirma, são políticas públicas para a terceira ida<strong>de</strong>, comserviços <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, ética, humanismo e, sobretudo, criativida<strong>de</strong> paraencontrar soluções. Soluções que favoreçam o cuidado com a saú<strong>de</strong>, amanutenção <strong>de</strong> um bom padrão <strong>de</strong> vida, o exercício pleno da sua cidadaniae possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> renda.Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora <strong>de</strong> Projetos <strong>de</strong> Extensão da UnATI/UERJ e membrodo Conselho Estadual <strong>de</strong> Defesa da Pessoa Idosa do Rio <strong>de</strong> Janeiro, SandraRabello <strong>de</strong>staca a importância da profissio<strong>na</strong>lização dos cuidadores <strong>de</strong>idosos e chama atenção para as novas perspectivas <strong>de</strong> trabalho no campodo envelhecimento humano. A partir da prática diária da própria UnATInesse campo, a autora traz questões <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância sobre a corretaformação <strong>de</strong>sses recursos humanos.


34Para Início <strong>de</strong> ConversaMas e a situação das mulheres, como fica? Pauli<strong>na</strong> Parraguez,antropóloga social e professora do Departamento <strong>de</strong> Antropologia daFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Sociais da Universida<strong>de</strong> do Chile, se propõe a discutir,a partir da realida<strong>de</strong> chile<strong>na</strong>, os efeitos do crescimento da participaçãofemini<strong>na</strong> no mercado <strong>de</strong> trabalho e, por consequência, a presença cada vezmaior das mulheres <strong>na</strong> população idosa. Discrimi<strong>na</strong>das não ape<strong>na</strong>s pelaida<strong>de</strong>, mas também pela condição <strong>de</strong> gênero, elas vivem uma experiênciasingular, que justifica a análise atenta e aprofundada que lhes <strong>de</strong>dica aautora.Outra reflexão curiosa e estimulante que trazemos nesta publicaçãodiz respeito ao conceito <strong>de</strong> turismo social, abordado com proprieda<strong>de</strong>por Carlos Henrique Porto Falcão. Professor <strong>de</strong> turismo da Universida<strong>de</strong>Veiga <strong>de</strong> Almeida, no Rio <strong>de</strong> Janeiro (RJ), e técnico em turismo socialdo Serviço Social do Comércio (SESC), ele contou com o apoio <strong>de</strong> umaequipe formada por Fer<strong>na</strong>ndo Dysarz, Luis Antonio Guimarães da Silva,Patrícia Carmo dos Santos e Roberta Barreto Miranda para mostrar comoa ativida<strong>de</strong> turística po<strong>de</strong> fomentar relações e situações a vida capazes <strong>de</strong>influenciar indivíduos e comunida<strong>de</strong>s. O artigo faz uma análise geral eapresenta dados obtidos a partir da experiência <strong>de</strong>senvolvida com o temapelo próprio SESC.A política social <strong>de</strong> atenção ao idoso é o mote para Claire da CunhaBeraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> Barbosa Nunes Maia <strong>de</strong> Carvalho, assessorastécnicas do SESC, tratarem do trabalho social realizado com idosos pelainstituição. A ação teve início <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 60 e, segundo as autoras,revolucionou o trabalho <strong>de</strong> assistência social, quebrando o paradigma doatendimento exclusivamente asilar <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do ao público da terceira ida<strong>de</strong>.Elas <strong>de</strong>screvem a trajetória <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong>senvolvido pelo SESC até osdias <strong>de</strong> hoje, agora com o respaldo da Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso paraaten<strong>de</strong>r uma realida<strong>de</strong> que se transformou gradualmente nesses quasequarenta anos.Num campo <strong>de</strong> atuação diverso, outras duas assessoras técnicasda entida<strong>de</strong>, Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeida,<strong>de</strong>screvem o projeto SESC Ler, <strong>de</strong> alfabetização e educação <strong>de</strong> jovens eadultos no interior brasileiro. Elas apresentam uma série <strong>de</strong> resultadose relatos <strong>de</strong> experiências vividas no âmbito <strong>de</strong>ssa iniciativa por homens emulheres idosos.


Re<strong>na</strong>to P. Veras35O SESC também está presente com o diretor do seu DepartamentoRegio<strong>na</strong>l em São Paulo, o sociólogo Danilo Miranda, que escreve sobrea trajetória da instituição no campo educacio<strong>na</strong>l e, particularmente,recordando seu papel pioneiro, no contexto latino-americano, <strong>de</strong> integraçãodo idoso <strong>na</strong> vida social – seja em seus centros sociais, nos eventosespecialmente direcio<strong>na</strong>dos para esse público, <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estudo ereflexão sobre as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa fase da vida, no <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s ou <strong>na</strong> atualização <strong>de</strong> conhecimentos.A velhice, a terceira ida<strong>de</strong> ou como quer que a chamemos é umafase <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> novos significados, como bem observa a educadora epsicóloga Dulcinea da Mata Monteiro, que trata - com profundida<strong>de</strong>e, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za – da mudança <strong>de</strong> paradigma suscitadapela aposentadoria: vencer os mitos e preconceitos e buscar um novoposicio<strong>na</strong>mento, fundado nos princípios da realida<strong>de</strong> (sua bagagem,seus valores, suas necessida<strong>de</strong>s) e do prazer (a satisfação com a própriavida). Citando o poeta português Fer<strong>na</strong>ndo Pessoa, trata-se <strong>de</strong> esqueceros caminhos que levam sempre aos mesmos lugares e fazer a travessia.Do contrário, como acrescenta o poeta, “teremos ficado para sempre àmargem <strong>de</strong> nós mesmos”.Estas, enfim, são as reflexões iniciais que trazemos aqui, numaprimeira amostra do trabalho que foi produzido e compilado nestapublicação. Não há, apesar da abrangência dos aspectos abordados <strong>de</strong>ntrodo imenso universo da terceira ida<strong>de</strong>, qualquer pretensão <strong>de</strong> esgotar oassunto. Ao contrário, o que preten<strong>de</strong>mos é instigar, provocar ainda maisreflexão, estimular um <strong>de</strong>bate permanente.As questões que envolvem o envelhecimento humano são um temaatual e que vem ganhando cada vez mais importância no Brasil e em todoo mundo. Leia, comente, repercuta, participe: é o convite que <strong>de</strong>ixamos avocê.


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong><strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>Abram SzajmanPresi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração do Comércio do Estado <strong>de</strong> São Paulo (FECOMERCIO)e do Conselho Deliberativo do Serviço <strong>de</strong> Apoio às Micro e Peque<strong>na</strong>sEmpresas <strong>de</strong> São Paulo (SEBRAE-SP).Vem aumentando significativamente, nos últimos anos, o número<strong>de</strong> negócios criados e administrados por pessoas com mais <strong>de</strong> 55, 60 anos<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> - as que chegaram ao período que se convencionou chamar <strong>de</strong>terceira ida<strong>de</strong> e que se aposentaram ou estão prestes a se aposentar. Aomesmo tempo, é cada vez mais expressivo o contingente <strong>de</strong> empresas quefacilitam as situações para seus funcionários chegados a essa etapa davida. Imbuídas <strong>de</strong> alto grau <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social, promovem cursos,dão trei<strong>na</strong>mento, oferecem-lhes uma gama <strong>de</strong> novos conhecimentoscapazes <strong>de</strong> ajudá-los a estabelecer seu próprio negócio ou então, aprimorarexpertise para funções <strong>de</strong> consultoria ou assistência técnica diferenciada,atuando como free-lancers ou como prestadores <strong>de</strong> serviços, autônomosou terceirizados.Esses indicadores <strong>de</strong>spretensiosos <strong>de</strong> comportamento da produçãoe do trabalho <strong>na</strong> economia brasileira <strong>de</strong> hoje, ainda que não aferidoscientificamente, ressaltam tendências que, se consolidadas e expandidas


38Abram Szajmancom eficácia, permitirão ao país invejável salto qualitativo em seu processo<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Elas <strong>de</strong>cretarão, certamente, o fim da obsolescênciaprecoce que hoje se faz do conhecimento técnico e científico, da experiênciaprofissio<strong>na</strong>l, ainda que altamente qualificada, da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>re da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar e executar, com talento e inovação, processos eprodutos <strong>de</strong> alto significado econômico e social. Também trarão <strong>de</strong> voltaà produção e ao cotidiano das empresas gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>isdos mais diferentes matizes, que, além dos predicados funcio<strong>na</strong>is, têmgran<strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> para o enfrentamento <strong>de</strong> problemas, maior serenida<strong>de</strong> eexperiência <strong>de</strong> vida para superar <strong>de</strong>safios, visão abrangente e alta confiançapara o planejamento e o entendimento, além <strong>de</strong> uma compreensão mais<strong>de</strong>senvolvida para enten<strong>de</strong>r reações pessoais e do comportamento humano.É, portanto, uma lista <strong>de</strong> ingredientes essenciais para driblar com sucessoas adversida<strong>de</strong>s. Ou seja, a recuperação, a custo zero, <strong>de</strong> pessoas que, porsuas características intrínsecas e competências adquiridas, darão respostasacima da média às necessida<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.O século dos idososNo caso brasileiro, a importância <strong>de</strong>ste processo é capital, poisvivemos, mais do que os outros países <strong>de</strong> características semelhantesàs nossas, o século dos idosos. As boas políticas públicas voltadas paraassistência social, saú<strong>de</strong> e educação reduziram, a um só tempo, tanto oíndice <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> quanto o <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>. Por isso o país envelhece auma taxa expressiva.O índice <strong>de</strong> envelhecimento <strong>de</strong>monstra mudanças <strong>na</strong> estruturaetária da população brasileira. Em 2008, para cada grupo <strong>de</strong> cem crianças<strong>de</strong> até 14 anos, existiam 24,7 idosos <strong>de</strong> 65 anos ou mais. Para 2050,estima-se que existirão para este mesmo grupo 172,7 idosos.Dados recentes do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística(IBGE) dão conta <strong>de</strong> que o Brasil já chegou a uma taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> <strong>de</strong>1,8 filho por mulher, índice abaixo do nível <strong>de</strong> reposição das gerações (1,95por mulher). Em 1970, a mulher brasileira tinha em média 5,8 filhos.A expectativa <strong>de</strong> vida do brasileiro, que era <strong>de</strong> 41 anos em 1960,atingiu 72,7 anos em 2008. Dessa forma, as projeções do IBGE indicamque a população brasileira passará dos atuais 190 milhões <strong>de</strong> habitantes


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>39para 220 milhões em 2040, quando então começará a <strong>de</strong>cli<strong>na</strong>r até atingir215 milhões em 2050.Dados do IBGE apontam que em 2000, para cada pessoa com 65anos ou mais, havia 12 pessoas <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 15 a 64 anos. As previsões para2050 indicam a proporção <strong>de</strong> uma para três consi<strong>de</strong>rando-se os mesmosgrupos. A parcela dos que têm 65 anos ou mais aumentará dos atuais quase7% para 23%. A estimativa é <strong>de</strong> que em 2050 o número <strong>de</strong> pessoas acimados 55 anos ou mais corresponda a 37% da população brasileira (hoje são14%), posicio<strong>na</strong>ndo o Brasil entre os seis países com maior contingente <strong>de</strong>idosos do mundo. Em 2050, os brasileiros com mais <strong>de</strong> 80 anos somarão12 milhões – hoje eles são 2,4 milhões.As respostas eficazes a este <strong>de</strong>safio não são fáceis, mas existem esão exequíveis. Uma das primeiras a ser consi<strong>de</strong>rada implica, certamente,a mudança radical da cultura <strong>de</strong> organizações dos mais diferentes setores,dos mais variados portes, que ainda insistem em encarar seus empregadose colaboradores mais idosos como produtos que superaram a “ida<strong>de</strong>competitiva”, estando, portanto, fora do mercado, apesar <strong>de</strong> a OrganizaçãoMundial da Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> rever seus próprios critérios, estabelecer que aida<strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte da velhice, hoje, é a <strong>de</strong> 75, não a <strong>de</strong> 65 anos, como elamesma acreditava até há pouco. Mais grave, entretanto, é que, para muitasadministrações a<strong>de</strong>ptas da teoria, o fim da “ida<strong>de</strong> competitiva” começa aos40, 45 anos. E termi<strong>na</strong>, inexoravelmente, aos 60 anos, compreen<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong>fio a pavio, todo o profícuo período da meia-ida<strong>de</strong>.Romper as limitações culturais já conhecidas é, evi<strong>de</strong>ntemente,fundamental. Desenvolver novas estratégias e táticas para a <strong>de</strong>finitivasolução do problema, imprescindível. Vivemos, ainda hoje, sobressaltadosante o ribombar <strong>de</strong> uma crise, no último trimestre do ano passado [2008],que prometia ofuscar <strong>de</strong>finitivamente o brilho do sistema capitalista. O<strong>de</strong>scarrilamento da roleta virtual, movida a dinheiro imaginário, <strong>de</strong>smoralizouo sistema fi<strong>na</strong>nceiro, travou a produção, afugentou o consumidor einstaurou a <strong>de</strong>sconfiança nos fundamentos da economia. A insegurançaassentou praça. O pior não aconteceu, mas quem dirá, em sã consciência,que não acontecerá? Então, como um fantasma, a crise paira no ar, assumea dimensão que as imagi<strong>na</strong>ções lhe emprestam, mas interfere com realismono dia a dia das pessoas e das instituições, ora <strong>de</strong>sfazendo negócios, <strong>de</strong>poisabortando investimentos, mais adiante <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando <strong>de</strong>semprego.


40Abram SzajmanExorcizar este fantasma e cortar a dinâmica da crise é a tarefaurgente que se impõe à socieda<strong>de</strong> brasileira. Mas como fazer? Acredito quemediante atitu<strong>de</strong>s inovadoras, ousadas, capazes <strong>de</strong> contrariar os manuais<strong>de</strong> gestão e virar os planos <strong>de</strong> negócios <strong>de</strong> cabeça para baixo – o quepo<strong>de</strong>ria levar o Brasil a alto patamar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. A volta <strong>de</strong> partesignificativa dos brasileiros da terceira ida<strong>de</strong> ao mercado <strong>de</strong> trabalho, aoempreen<strong>de</strong>dorismo, seria uma <strong>de</strong>ssas atitu<strong>de</strong>s. Trata-se <strong>de</strong> um contingente<strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> pessoas que têm 50 anos ou mais, que hoje gastammais <strong>de</strong> 7 bilhões <strong>de</strong> reais por ano e que po<strong>de</strong>m viver com boa saú<strong>de</strong> atéos 85 anos, segundo diversos estudos. Novamente agregadas à economiaativa, <strong>de</strong> um lado, elas estariam contribuindo para um salto qualitativo nomercado <strong>de</strong> trabalho e no empreen<strong>de</strong>dorismo. De outro, constituindo ummercado consumidor ainda mais forte, mais exigente e mais sofisticadodo que aquele que representam hoje. Produção e consumo ativados seriamos dois principais componentes do antídoto à crise, atual ou futura. Todossabemos que o Brasil precisa, <strong>de</strong>sesperadamente, <strong>de</strong> um mercado internoforte, em constante expansão. Apesar da maior abertura ao comércioexterno, as empresas brasileiras, em geral, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, primordialmente,do mercado interno. Mesmo as que exportam muito têm <strong>na</strong> exportação ocomplemento, não a principal ativida<strong>de</strong>. Ao assumir programas calcadosno aumento da produção e do consumo, o país estaria abraçando ummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> crescimento continuado, um novo círculo virtuoso <strong>de</strong> progresso<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma economia ainda mais globalizada.A vez do BrasilO momento certo para <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar estas ousadias talvez seja o queestamos vivendo hoje, com um olho no risco e o outro <strong>na</strong> oportunida<strong>de</strong>. Emmarço passado, o SEBRAE São Paulo divulgou o seu estudo “Cenários paraas MPEs [Micro e Peque<strong>na</strong>s Empresas] no Brasil 2009 - 2015”. Um trabalho<strong>de</strong> fôlego, abrangente e competente, com acurada análise da economiabrasileira em face da economia mundial e também indicador preciso doscaminhos que po<strong>de</strong>rão ser trilhados pelas nossas MPEs, as gran<strong>de</strong>s geradoras<strong>de</strong> emprego e renda no país. A pesquisa consi<strong>de</strong>rou os dados econômicos,as séries estatísticas e as projeções vindas das fontes mais confiáveis daintelligentzia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para oferecer um painel substantivo do futuro imediatodo Brasil, com informações que talvez possam fazer do leitor, cético, umnovo crente. Depois <strong>de</strong> dissecar as origens, as razões e as consequências


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>41da crise fi<strong>na</strong>nceira inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o estudo mostra, ainda em suas primeiraspági<strong>na</strong>s, que as “especificida<strong>de</strong>s da economia brasileira” permitiram que elase colocasse ainda em posição confortável em relação a outras economias,mesmo as <strong>de</strong> países também emergentes.Reservas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is elevadas, sistema fi<strong>na</strong>nceiro sólido ecapitalizado, geração <strong>de</strong> emprego maior do que a observada antes dacrise, reversão das altas taxas <strong>de</strong> juros, 15 anos <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> econômica,redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s mediante recuperação dos salários mais baixos,crescimento econômico puxado pelo consumo interno, especialmente dasfamílias, maior diversificação dos mercados <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino das exportaçõesnos últimos anos e avaliações positivas das agências <strong>de</strong> risco foramos predicados atribuídos pelo estudo à economia brasileira. E, mesmoreconhecendo a existência potencial <strong>de</strong> impactos negativos, o estudoconsi<strong>de</strong>rou também o potencial <strong>de</strong> impactos positivos ou neutros que,somados, superam os <strong>de</strong>mais.Além da vantagem oferecida pelas chamadas especificida<strong>de</strong>s daeconomia, o país vive momento <strong>de</strong> fortes transformações, apresentando,entre elas, evolução positiva dos principais indicadores sociais. Sãotransformações que <strong>de</strong>finem, segundo “cenários”, as seguintes tendências<strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>: expansão da renda real do trabalhador, redução da<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> renda, expansão da escolarida<strong>de</strong>, expansão da expectativa<strong>de</strong> vida (e envelhecimento), expansão da participação da mulher nomercado <strong>de</strong> trabalho, expansão <strong>de</strong>sigual dos setores econômicos (aceleradaem serviços, mo<strong>de</strong>rada no comércio, mo<strong>de</strong>sta <strong>na</strong> indústria), terceirizaçãodas metrópoles, expansão <strong>de</strong> ca<strong>na</strong> e soja, novas oportunida<strong>de</strong>s (novastecnologias + tendências citadas), expansão forte das tecnologias <strong>de</strong>informação e comunicação, as TICs (informática, internet, celular etc.).Especificida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> economia, fortes transformações estruturais. Asconclusões do SEBRAE São Paulo não <strong>de</strong>ixam dúvida <strong>de</strong> que, se houveresforço pelo crescimento, ele tem <strong>de</strong> ser feito já. Eis algumas das razõespara isso, expostas em “cenários”:• Economia mundial:– Retomada do crescimento mundial em 2010/2013(após <strong>de</strong>saceleração <strong>de</strong> 2008/2009).- O mundo está mudando: “novo eixo econômico: leste asiático”.


42Abram Szajman• Economia brasileira:– Taxa <strong>de</strong> câmbio: flutuação próxima a R$ 2,30/dólar(após turbulência <strong>de</strong> 2008/2009).– Inflação com tendência ao centro da meta inflacionária em2009 (4,5% ao ano).– Crescimento brasileiro “puxado” pelo consumo doméstico, emfunção do aumento <strong>de</strong> renda do trabalhador, do emprego e docrédito (<strong>de</strong>manda exter<strong>na</strong> <strong>de</strong>saquecida).• Indicadores sociais:– Aumento da classe C (queda das classes D e E).– Redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais.– Aumento da expectativa <strong>de</strong> vida.– Melhora da renda.– Melhora dos indicadores sociais (exemplo: escolarida<strong>de</strong>).– Avanço das mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho.• Tendências setoriais:– O comércio continuará sendo o setor com maior número <strong>de</strong> MPEs.– Forte expansão dos serviços (em especial <strong>na</strong>s regiõesmetropolita<strong>na</strong>s, com maior varieda<strong>de</strong>, quantida<strong>de</strong> esofisticação).– Expansão da ca<strong>na</strong> e da soja, em <strong>de</strong>trimento da maioria das<strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s agropecuárias.De acordo com o estudo, em 2015 existirão pelo menos 8,8 milhões<strong>de</strong> empreendimentos registrados no país, sendo 4,8 milhões no comércio,2,9 milhões nos serviços e 1 milhão <strong>na</strong> indústria. Os homens continuarãosendo a maioria dos empreen<strong>de</strong>dores (apesar do forte avanço das mulheresempreen<strong>de</strong>doras). Empreen<strong>de</strong>dores terão maior renda, maior escolarida<strong>de</strong>,ficarão mais velhos (faixa etária: 40/50 anos), utilizarão <strong>de</strong> forma maisintensiva internet, computadores e celulares (TICs).Outras tendências evi<strong>de</strong>nciam o aparecimento <strong>de</strong> novos negóciosassociados a novas necessida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, educação, serviçospessoais, serviços para idosos e pessoas sozinhas, “enclausuramento”,qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Haverá aumento do ritmo <strong>de</strong> inovações “incrementais”


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>43e “novas tecnologias” (<strong>na</strong>notecnologia, biotecnologia, novos materiais,informática, microeletrônica, novos produtos e processos).O Brasil empreen<strong>de</strong>dorFaz poucos meses que o Global Entrepreneurship Monitor (GEM)Brasil, <strong>de</strong> 2008, foi divulgado. Maior projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre a ativida<strong>de</strong>empreen<strong>de</strong>dora no mundo, cobrindo 60 países responsáveis por quase95% do PIB global e que abrigam dois terços da população mundial,ele influencia <strong>de</strong> modo positivo a formulação <strong>de</strong> políticas, programas eações institucio<strong>na</strong>is que preten<strong>de</strong>m apoiar o <strong>de</strong>senvolvimento da ativida<strong>de</strong>empreen<strong>de</strong>dora nos países. Há nove anos no país, o Projeto GEM Brasiltem como instituição executora o Instituto Brasileiro <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> eProdutivida<strong>de</strong> (IBPQ) e, como principal promotor da pesquisa, o SEBRAENacio<strong>na</strong>l. O projeto é um valioso acervo <strong>de</strong> informações <strong>de</strong>talhadas sobreo comportamento do empreen<strong>de</strong>dor brasileiro. Este arquivo abrangente <strong>de</strong>dados nos revela muitas surpresas e, talvez a mais surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>las, aconstatação <strong>de</strong> que, a <strong>de</strong>speito do que muitos dizem, por <strong>de</strong>sinformaçãoou má fé, o Brasil é, sim, um país empreen<strong>de</strong>dor. Portanto, se há vocaçõespara o empreen<strong>de</strong>dorismo, por que não aproveitá-las em um amplo projeto<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, como o aqui proposto?O Brasil ocupou a 13ª posição no ranking mundial <strong>de</strong>empreen<strong>de</strong>dorismo, elaborado pelo GEM em 2008, e esta foi a primeiravez, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a pesquisa é realizada no Brasil, em que o país ficoufora do grupo dos <strong>de</strong>z países com maiores taxas <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo.A mudança se <strong>de</strong>ve, entretanto, à alteração no conjunto <strong>de</strong> paísesparticipantes da pesquisa, e não significa, necessariamente, uma piorarelativa do Brasil. A compensação que merece <strong>de</strong>staque é o fato <strong>de</strong> que,pela primeira vez <strong>na</strong> série <strong>de</strong> pesquisas GEM, o Brasil atinge a razão<strong>de</strong> dois empreen<strong>de</strong>dores por oportunida<strong>de</strong> para cada empreen<strong>de</strong>dor pornecessida<strong>de</strong>, uma constatação importante, que mostra um salto qualitativono empreen<strong>de</strong>dorismo brasileiro. Outros dados relevantes: os brasileirosten<strong>de</strong>m a empreen<strong>de</strong>r mais <strong>de</strong> uma vez e a socieda<strong>de</strong> brasileira tem umaimagem positiva do papel do empreen<strong>de</strong>dor, reconhecendo nele alguémque possui status, competência e respeitabilida<strong>de</strong>. As mulheres brasileirasestão bem classificadas no ranking do empreen<strong>de</strong>dorismo: ocupam o 10ºlugar entre as mais empreen<strong>de</strong>doras do mundo e formam um exército <strong>de</strong>


44Abram Szajman5,5 milhões <strong>de</strong> empresárias em estágio inicial, com negócios <strong>de</strong> até trêsanos e meio <strong>de</strong> existência.O Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial em termos<strong>de</strong> participação <strong>de</strong> jovens empreen<strong>de</strong>dores (25%), sendo superado somentepelo Irã (29%) e pela Jamaica (28%). Mas, em contrapartida, possui umdos menores índices <strong>de</strong> participação do adulto, que tem entre 55 e 64 anosno empreen<strong>de</strong>dorismo (3%), colocando-se <strong>na</strong> quadragésima posição entreos 42 países a<strong>na</strong>lisados. A taxa <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo <strong>na</strong> faixa etária <strong>de</strong>55 a 64 anos em 2008 é <strong>de</strong> 3%, inferior à média do período 2001-2008(5,5%). Este adulto, que em 2001 representava 10,5% dos empreen<strong>de</strong>doresbrasileiros, hoje representa somente 3,4%. No Chile, quarto do ranking,13% dos empreen<strong>de</strong>dores situam-se nessa faixa etária. O Brasil quaseempata com a Índia, o país que tem a menor participação <strong>de</strong>sse grupo emsua dinâmica empreen<strong>de</strong>dora (2%). Esta constatação é preocupante quantoao futuro, pois, conforme já vimos antes, o envelhecimento da populaçãobrasileira é real.O terceiro volume da série “PNDA-2007 primeiras análises”mostra que a população brasileira atingirá, em 2030, um contingente<strong>de</strong> aproximadamente 204,3 milhões <strong>de</strong> pessoas, e o grupo populacio<strong>na</strong>lque mais cresce é o que está situado acima dos 30 anos. A tendência dapopulação é viver mais após os 60 anos, pois a expectativa média <strong>de</strong> vidasubiu para 72,7 anos. Segundo o IBGE, estima-se que até 2015 cerca <strong>de</strong>20% da população tenha mais <strong>de</strong> 55 anos. A Fundação Sea<strong>de</strong>, por sua vez,prevê que até 2020 a população com mais <strong>de</strong> 50 anos represente 46% dototal <strong>de</strong> homens e 50% do total <strong>de</strong> mulheres.Mudando o rumoEste cenário evi<strong>de</strong>ncia a necessida<strong>de</strong> urgente <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong>rumo. Estimulando as boas potencialida<strong>de</strong>s do brasileiro em relação aoempreen<strong>de</strong>dorismo, trazer para este universo o homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong>, aterceira ida<strong>de</strong>, aposentado ou não, <strong>de</strong>ntro da proposta que formulamosantes: a <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>sse núcleo <strong>de</strong> pessoas, essenciais tanto para a produçãoquanto para o consumo, colu<strong>na</strong>s <strong>de</strong> sustentação <strong>de</strong> uma economia dinâmicae em constante expansão. Um estudo recente sobre o empreen<strong>de</strong>dorismopaulista, elaborado pelo SEBRAE São Paulo, elenca várias atitu<strong>de</strong>s quepo<strong>de</strong>m contribuir para a reversão do quadro. Ele contempla o estado <strong>de</strong> São


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>45Paulo, on<strong>de</strong> existem mais <strong>de</strong> 4.5 milhões <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dores e candidatosa empreen<strong>de</strong>dores, on<strong>de</strong> os pequenos negócios respon<strong>de</strong>m por 99% dasempresas e mais <strong>de</strong> 60% das pessoas ocupadas <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s privadas.Mas, abstraindo-se a magnitu<strong>de</strong> dos números (São Paulo, com PIB superioraos 500 milhões <strong>de</strong> dólares, respon<strong>de</strong> por 32% do PIB brasileiro, tem 29%das empresas formalmente registradas, 22% da população), os obstáculosao empreen<strong>de</strong>dorismo paulista não são muito diferentes dos oferecidos aoutros estados: nem todos os 600 mil candidatos anualmente voltados aoempreen<strong>de</strong>dorismo chegam lá – <strong>de</strong>sistem por falta <strong>de</strong> recursos pessoais,falta <strong>de</strong> apoio, excesso <strong>de</strong> burocracia e impostos. Dos que conseguemempreen<strong>de</strong>r, 29% não completam o primeiro ano <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento e 56%fecham as portas antes <strong>de</strong> completar cinco anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>. Por que istose dá?A primeira e evi<strong>de</strong>nte razão da mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas encontraseno comportamento empreen<strong>de</strong>dor pouco <strong>de</strong>senvolvido. Outra importantecausa é a falta <strong>de</strong> planejamento antes da abertura do negócio. Uma terceirarazão po<strong>de</strong> ser encontrada <strong>na</strong> gestão <strong>de</strong>ficiente do negócio durante osprimeiros anos da ativida<strong>de</strong>. Acredita o SEBRAE São Paulo, entretanto,que a reversão <strong>de</strong> tendência é viável. Para isso, propõe duas iniciativascapazes <strong>de</strong> aumentar as chances <strong>de</strong> sucesso dos empreendimentos: melhoraro preparo dos empreen<strong>de</strong>dores em termos <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dora, <strong>de</strong>planejamento e <strong>de</strong> gestão empresarial e melhorar o ambiente econômico,mediante políticas públicas <strong>de</strong> apoio aos pequenos negócios. No âmbitodas políticas públicas, pe<strong>de</strong>-se todo apoio aos empreen<strong>de</strong>dores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>antes da abertura da empresa até o seu fechamento, pois é fundamentala adoção <strong>de</strong> medidas que visem <strong>de</strong>sburocratizar o cotidiano das MPEs,em especial <strong>na</strong>s etapas <strong>de</strong> abertura e mesmo encerramento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s.É importante também reduzir o peso dos impostos (e viabilizar o seurecolhimento simplificado) e ampliar o acesso das MPEs ao crédito e àscompras gover<strong>na</strong>mentais. Estas ações <strong>de</strong>vem ser realizadas no âmbitodos governos fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal. Especificamente no âmbitodo município, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>senvolvidas diversas outras ações, inclusive,em parceria com prefeituras e/ou entida<strong>de</strong>s locais (exemplos <strong>de</strong> açõesque po<strong>de</strong>riam ser <strong>de</strong>senvolvidas: educação empreen<strong>de</strong>dora <strong>na</strong>s escolas,estímulo à criação <strong>de</strong> cooperativas, distritos industriais, feiras e exposições,cursos comportamentais, <strong>de</strong> planejamento e <strong>de</strong> gestão empresarial paraempreen<strong>de</strong>dores e mecanismos <strong>de</strong> acesso ao microcrédito).


46Abram SzajmanTodo esforço <strong>de</strong>ve ser feito em favor das MPEs, que representam99% do total <strong>de</strong> empresas do país, 29% do faturamento do setor privado,20% do PIB brasileiro e 2% do valor das exportações. Quanto à geração<strong>de</strong> postos <strong>de</strong> trabalho, elas constituem, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, um “colchão social”,abrigando a maioria das ocupações formais e informais, respon<strong>de</strong>ndopor 56% dos trabalhadores com registro em carteira. Por isso a Lei Geraldas Micro e Peque<strong>na</strong>s Empresas, sancio<strong>na</strong>da em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, foirecebida com entusiasmo: ela traz diversos benefícios para os micro epequenos empreendimentos, como o estímulo ao seu estabelecimento e<strong>de</strong>senvolvimento, por meio da redução <strong>de</strong> exigências burocráticas e dacriação <strong>de</strong> um sistema tributário diferenciado e simplificado favorável aosegmento.Entre outras vantagens, a Lei ainda implementará uma base <strong>de</strong>dados <strong>de</strong> informação única e integrada e um sistema único <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong>impostos, em que as receitas são automaticamente transferidas à União,aos estados e municípios. E permitirá, certamente, aos empreen<strong>de</strong>doresconduzir melhor seus negócios, simplificando a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sobreos processos administrativos, fiscais e tributários que envolvem a gestão<strong>de</strong> uma empresa, e isso basicamente <strong>de</strong>vido à redução expressiva dasexigências que dificultam o ato <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r no Brasil. A exemplo da LeiGeral, outros mecanismos <strong>na</strong> área <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento e crédito, educação epesquisa <strong>de</strong>veriam ser criados para permitir às MPEs vida longa e profícua.Definidos os mecanismos que viabilizassem <strong>de</strong> vez este tipo <strong>de</strong> empresa,os novos empreen<strong>de</strong>dores (os novos empresários) po<strong>de</strong>riam dirigir suasmelhores energias para escolher um - ou vários – setores ou segmentos<strong>de</strong> atuação <strong>de</strong>ntre uma gama <strong>de</strong> novos negócios que, <strong>de</strong> acordo com oSEBRAE São Paulo, <strong>de</strong>vem condicio<strong>na</strong>r o futuro do empreen<strong>de</strong>dorismo, asaber:- co-soluções: prédios ecológicos, cursos, brin<strong>de</strong>s ecológicos etc.;- preocupação com a saú<strong>de</strong>: cursos, ativida<strong>de</strong>s, lojasespecializadas (ex.: vitami<strong>na</strong>s, áreas da saú<strong>de</strong>);- sensação <strong>de</strong> insegurança: lojas <strong>de</strong> segurança, sistemas <strong>de</strong>segurança, serviço “leva e traz”;- mais tempo em casa: serviços do tipo “em domicílio” e “plug e use”;- pessoas que moram sozinhas: comodida<strong>de</strong> no lar, serviçosdomésticos especializados;- estética e aparência: cirurgias plásticas, serviços e produtos


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>47associados etc.;- busca espiritual e mística: retiros, roupas, produtos, livros, entreoutros;- responsabilida<strong>de</strong> social: créditos <strong>de</strong> carbono, comércio justo,reciclagem, ações sociais etc.;- aumento do número dos animais <strong>de</strong> estimação: pet shop, novosserviços (ex.: passeio, hotel, convivência, cemitério etc.);- emancipação do consumo das crianças: centros <strong>de</strong> experiênciae lazer, brinquedos, cursos e livros para pais etc.;- população com + <strong>de</strong> 60 anos: lojas especializadas (ex. calçados,serviços, revival), educação on-line; filtros especializados;shopping virtual (<strong>de</strong> bairro) etc.;- mundo digital.


O Envelhecimento noUniverso do <strong>Trabalho</strong> –Desafios e Oportunida<strong>de</strong>sDepois dos 50 Anos49Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido NeriProfessor e coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor <strong>de</strong> Especialização da PUC-Campi<strong>na</strong>s, psicólogo,mestre em Administração e consultor <strong>de</strong> Recursos Humanos; diretor do sitewww.seniorida<strong>de</strong>.com.brCompetência-chave para este século:saber envelhecer com dignida<strong>de</strong>Envelhecer com dignida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> forma contributiva para asocieda<strong>de</strong> talvez seja um dos maiores <strong>de</strong>safios para homens e mulheresneste século. A humanida<strong>de</strong> já viveu épocas em que o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio erachegar até a fase adulta, pois a expectativa <strong>de</strong> vida era muito inferior àque conseguimos para os dias <strong>de</strong> hoje. Durante séculos, a humanida<strong>de</strong>lutou contra doenças e aci<strong>de</strong>ntes ambientais para conseguir, em algumaspartes <strong>de</strong>ste planeta, ampliar significativamente as perspectivas <strong>de</strong> vivermais e melhor. A ciência e a política, a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas da socieda<strong>de</strong>,conseguiram melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> boa parte dos cidadãos domundo e empurraram a velhice para muito mais longe.Este século verá o ser humano romper muitas barreiras e superarlimites, graças, principalmente aos progressos <strong>na</strong> ciência e a conquistas <strong>na</strong>política e no respeito aos direitos humanos.São perceptíveis mudanças <strong>na</strong> forma pela qual os veículos <strong>de</strong>divulgação <strong>de</strong> massas se referem ao segmento <strong>de</strong> pessoas que conseguem


50 Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Nerichegar <strong>de</strong> forma mais bem-sucedida à velhice. Não queremos adotar nestetexto um tom ape<strong>na</strong>s positivo, como Dychtwald 1 , ao proclamar que com avelhice chegam os “anos po<strong>de</strong>rosos” (The Power Years), ou da “revoluçãoprateada”, ao citar histórias <strong>de</strong> pessoas que conseguiram chegar àmaturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma saudável e produtiva. Uma parte significativa dosseres humanos ainda não consegue fugir dos resultados <strong>de</strong> uma vida combaixa qualida<strong>de</strong> e poucos recursos. Ainda temos muito o que apren<strong>de</strong>rem termos <strong>de</strong> envelhecimento para po<strong>de</strong>rmos oferecer mais orientação,recursos e políticas públicas para as pessoas envelhecerem melhor.Esta condição <strong>de</strong> vida mais longeva, entretanto, exigirá do serhumano soluções inovadoras para agregar mais qualida<strong>de</strong> a esta vida. Nãobasta só viver mais tempo, mas viver melhor. Algumas situações inusitadasjá começam a influenciar a socieda<strong>de</strong>, com as consequentes influênciassobre o modo <strong>de</strong> viver e envelhecer:- A maioria <strong>de</strong> nós viverá mais do que a geração dos nossos pais.É claro que muitos <strong>de</strong> nós tiveram pais e avós longevos, mas issonão era uma regra ou não acontecia com a maioria das pessoas.Isso significa que os referenciais <strong>de</strong> envelhecimento que sempretivemos não valerão tanto mais.- A socieda<strong>de</strong> precisará se acostumar com a nossa in<strong>de</strong>pendência epresença nos principais focos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Os livros <strong>de</strong> alfabetizaçãosempre mostraram os avós como pessoas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e muitasvezes doentes, infantilizadas ou exóticas. Não é mais o queacontece à nossa volta. É comum vermos gran<strong>de</strong>s atores, músicos,políticos, empresários e cientistas que já passaram dos 60 anos eprometem estar <strong>na</strong> ativa por muitos anos mais. Listar os ídolos danossa juventu<strong>de</strong> que ainda estão fazendo sucesso <strong>na</strong> música, nocinema, <strong>na</strong>s artes em geral e <strong>na</strong> gestão <strong>de</strong> negócios é uma tarefamuito reconfortante se você já estiver entrando <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>. Onúmero <strong>de</strong> residências mantidas por pessoas aposentadas mostraque eles não são mais aqueles velhos que ficavam “encostados”<strong>na</strong>s casas dos filhos. Em muitas residências, são eles que trazem,com suas aposentadorias, a única renda fixa para a sobrevivênciada família.- As famílias precisarão apren<strong>de</strong>r a conviver com mais <strong>de</strong> duasgerações presentes. A convivência entre as gerações ensi<strong>na</strong>ráos mais jovens a conviver com os mais velhos. Mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>envelhecimento saudáveis po<strong>de</strong>rão ser observados pelos maisjovens. As empresas também começam a se preocupar com o “mixgeracio<strong>na</strong>l”. Os trabalhadores estão querendo ficar mais tempo<strong>na</strong>s empresas ou voltam para contribuir como consultores ouassessores, trabalhando junto com as novas gerações. As empresas


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos51mais competentes e aquelas preocupadas com a sustentabilida<strong>de</strong>dos seus negócios estão usando este mix <strong>na</strong> direção certa. Elasperceberam que equipes compostas por trabalhadores jovens emaduros são mais efetivas e mais estáveis.- Todos os esquemas <strong>de</strong> vida relacio<strong>na</strong>dos com ida<strong>de</strong> precisarãoser mudados. O aumento da expectativa <strong>de</strong> vida está exigindomudanças <strong>na</strong>s políticas publicas e em todos os procedimentosrelacio<strong>na</strong>dos com ida<strong>de</strong>, como, por exemplo, a aposentadoria.Determi<strong>na</strong>r por lei quando uma pessoa <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>radaidosa é um risco, nos dias <strong>de</strong> hoje. Envelhecer é um projetoindividual e difícil <strong>de</strong> ser normatizado, principalmente porleis que uniformizam os direitos para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os maisfrágeis.- Esta geração está po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>finir e influenciar o tipo <strong>de</strong>envelhecimento que quer ter. Temos esta condição, sim, <strong>de</strong><strong>de</strong>cidir e assumir que envelhecer po<strong>de</strong> ser melhor do que foi atéhoje. Hoje sabemos que a velhice po<strong>de</strong> ser uma etapa <strong>de</strong> vidacheia <strong>de</strong> realizações e <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crescimento pessoalcontinuo. São várias as tentativas <strong>de</strong> rotular esta nova direção:melhor ida<strong>de</strong>, terceira ida<strong>de</strong>, feliz ida<strong>de</strong>, velhice ou maturida<strong>de</strong>.O fato é que estes rótulos nem sempre conseguem sugerir oque o processo <strong>de</strong> envelhecimento significa nos dias <strong>de</strong> hoje. Aconclusão que tiramos do contato com pessoas que se renovamcom a maturida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> que eles não querem ser rotulados, massim respeitados como seres humanos que têm 50, 60, 70 ou maisanos <strong>de</strong> experiência <strong>de</strong> vida e ainda muito mais a contribuir eusufruir.Preparando-se para viver muito maisdo que se havia pensado e sonhadoUm envelhecimento bem-sucedido é fruto <strong>de</strong> esforços quecomeçam muito cedo <strong>na</strong> vida das pessoas. Alguns buscam a fonte da eter<strong>na</strong>juventu<strong>de</strong> e se envolvem com estratégias e modismos para tentar postergarou diminuir o impacto do fator ida<strong>de</strong>. Outros procuram caminhos paraconviver com as mudanças associadas à ida<strong>de</strong>, envelhecer bem e marcarsua passagem pelo mundo <strong>de</strong> forma dig<strong>na</strong> e realizadora.Neri (2008) consi<strong>de</strong>ra três principais pilares: a evitação da doença,um sentido para a vida e o uso constante dos recursos intelectuais,emocio<strong>na</strong>is e sociais. A evitação da doença é, sem dúvida, o aspecto quemais tem apresentado progressos <strong>na</strong> área do envelhecimento. As ciênciase as políticas envolvidas com a promoção da saú<strong>de</strong> têm conseguido


52Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Neriprogressos com ativida<strong>de</strong>s educacio<strong>na</strong>is, assistenciais e preventivas. Eos resultados serão melhores ainda quando as condições <strong>de</strong> saneamentobásico forem melhoradas em nosso país. Encontrar um sentido para a vidae manter em funcio<strong>na</strong>mento os recursos intelectuais, sociais e emocio<strong>na</strong>iscomplementam as ações que contribuem para o envelhecimento bemsucedido.Ter um motivo para sair da cama pela manhã contribui para aca<strong>na</strong>lização das energias e para a atuação focada em resultados saudáveise socialmente úteis. É este o sentido que queremos indicar para umenvelhecimento bem-sucedido.Estes fatores, atuando <strong>de</strong> forma conjunta, estimularão oprotagonismo <strong>na</strong> fase adulta. Alguns autores, citados por Neri (2005),associam este protagonismo ao conceito <strong>de</strong> gerativida<strong>de</strong>. Ela po<strong>de</strong> seapresentar <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> preocupação com a socieda<strong>de</strong>, com a próximageração ou com a cidadania. Ao envelhecerem, as pessoas se esforçampor ser mo<strong>de</strong>los, por preocuparem-se com a ecologia, por serem melhorescidadãos, pais e avós.Se as empresas prestassem mais atenção nisso, envolveriam ostrabalhadores mais velhos nos processos <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento e formação dasnovas gerações <strong>de</strong> trabalhadores. Esta força <strong>de</strong> trabalho grisalha po<strong>de</strong>riaocupar um espaço maior <strong>na</strong> preparação dos jovens trabalhadores, para queassumam novos papéis e <strong>de</strong>safios. São gerativos quando ficam satisfeitospor terem feito um bom trabalho e servido <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para os mais jovens.É gerativo aquele que fica satisfeito por ter feito um trabalho importante,por assumir <strong>de</strong>safios crescentes para melhorar os serviços da empresa. Sãogerativos como cidadãos ao se preocuparem com a ecologia e com o que<strong>de</strong>ixarão para a próxima geração. É <strong>na</strong>tural que pessoas gerativas estejamenvolvidas com movimentos <strong>de</strong> direitos e cidadania. Como pais e avôs,preocupam-se em ajudar filhos e netos a se transformarem em cidadãoscontributivos para a socieda<strong>de</strong>. Seriam bons professores, trei<strong>na</strong>dores,consultores, lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> movimentos etc.A presença da “geração prateada” em todos os segmentos dasocieda<strong>de</strong> é resultado da ação conjunta <strong>de</strong> muitos fatores. Destacamoso aumento da competência e preparação para o envelhecimento comoum dos principais. Cada geração tem as suas características, e a cadadécada que vivemos percebemos que envelhecer já não é mais umprocesso envolto em mistérios e pesa<strong>de</strong>los. A cada geração, o serhumano fica mais bem preparado para usufruir <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio e


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos53presente divino que é a vida ple<strong>na</strong>, longa e realizadora. A nossa visãoe o nosso trabalho com pessoas maduras, em fase <strong>de</strong> aposentadoria,nos têm permitido observar as formas pelas quais as pessoas mudamao perceberem que começam a envelhecer. Alguns reagem <strong>de</strong> formanegativa, saindo em busca <strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tivas para o retardamento davelhice e <strong>de</strong> um ilusório alongamento da juventu<strong>de</strong>. Outras buscamformas adaptativas e a<strong>de</strong>quadas à sua ida<strong>de</strong> para interagirem com osambientes e continuarem úteis.Um dos referenciais que usamos para a<strong>na</strong>lisar estas situaçõese orientar pessoas foi apresentado por Neri e Neri em programas <strong>de</strong>preparação para a aposentadoria, já <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 90. Eles oferecem umavisão do <strong>de</strong>senvolvimento humano, apresentada por Paul Baltes, como umprocesso dialético <strong>de</strong> perdas e ganhos. Por esta visão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>na</strong>scemos,vivemos em constante equilibração no uso e <strong>de</strong>senvolvimento dos nossosrecursos pessoais. A cada etapa temos perdas e ganhos. E assim vamosequilibrando as perdas e os ganhos, por cada etapa da vida. Na velhice, asperdas ocorrem em volume maior do que os ganhos. Os padrões culturaisvigentes ainda <strong>de</strong>stacam as perdas <strong>na</strong> velhice. A socieda<strong>de</strong> recorre atodas as formas para isso, das mais sutis às mais ofensivas e <strong>de</strong>scaradas.Piadas, conselhos, brinca<strong>de</strong>iras e falsos elogios estão entre as formas erituais para a exacerbação das perdas do processo <strong>de</strong> envelhecimento.Adotamos uma postura romântica <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> passará a respeitarmais os que envelhecem, mas evitamos a ingenuida<strong>de</strong> achando que estamudança possa ser consi<strong>de</strong>rada uma concessão. Isso acontecerá, mas porprocessos <strong>de</strong> conquista e <strong>de</strong> protagonismo dos que querem envelhecercom dignida<strong>de</strong>. Conviver com essas pressões faz parte do envelhecimento.Recomendamos que os ganhos da maturida<strong>de</strong> sejam mais valorizados pelosque envelhecem primeiro. Ao apostar nos ganhos, eles po<strong>de</strong>rão mostrar quepo<strong>de</strong>m melhorar o posicio<strong>na</strong>mento <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> e no trabalho. Ninguémdiscute que, com a ida<strong>de</strong>, o ser humano diminui competências em algumasáreas do comportamento historicamente usadas para o mundo do trabalho.Força física, por exemplo. Ela po<strong>de</strong> ser complementada pelos ganhos emvisão estratégica. O raciocínio diminui <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> e eles não conseguemacompanhar os jovens em algumas ativida<strong>de</strong>s. Nem sempre precisam <strong>de</strong>toda essa rapi<strong>de</strong>z, pois têm condições <strong>de</strong> selecio<strong>na</strong>r o que precisam sabere escolher a ação mais certa e específica para cada situação. Talvez nãoprecisem racioci<strong>na</strong>r tão rápido se usarem os conhecimentos adquiridos,


54Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Neria experiência anterior e selecio<strong>na</strong>rem o que é preciso usar para fazer otrabalho. Em outras palavras, talvez não precisem absorver tudo que umjovem absorve. Eles só precisam das informações críticas. É sabido que asreações a estímulos ficam um pouco mais lentas com a ida<strong>de</strong>. Para dirigir,eles lançam mão da experiência, pois já passaram por muitas curvas esituações parecidas com aquelas.A força <strong>de</strong> trabalho grisalhaEsta noção dinâmica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento também po<strong>de</strong> seraplicada ao mundo do trabalho. Numa socieda<strong>de</strong> em que a condição <strong>de</strong> serprodutivo é básica para que uma pessoa seja aceita pela socieda<strong>de</strong> comomembro ativo, os velhos sempre foram avaliados como improdutivose <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Estes rótulos foram associados aos trabalhadores queenvelheciam e levavam a afastamento e discrimi<strong>na</strong>ção pelo fato <strong>de</strong> nãopo<strong>de</strong>rem mais oferecer a energia e o esforço físico que o trabalho exigiaem outras épocas.Este contínuo processo <strong>de</strong> reequilíbrio do perfil <strong>de</strong> competênciasem <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> mudanças provocadas pela ida<strong>de</strong> mostrou que as pessoaspo<strong>de</strong>m manter-se produtivas e ativas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que organizem o seu trabalhopara aproveitar mais os ganhos. A zo<strong>na</strong> <strong>de</strong> competência dos trabalhadoresmais velhos mudou das ativida<strong>de</strong>s que exigiam força e rapi<strong>de</strong>z para aquelasque <strong>de</strong>pendiam <strong>de</strong> experiência, credibilida<strong>de</strong>, visão estratégica, li<strong>de</strong>rança,boa comunicação, flexibilida<strong>de</strong> e bom relacio<strong>na</strong>mento, por exemplo.Algumas ativida<strong>de</strong>s passaram a ser bem vistas quando <strong>de</strong>senvolvidas porpessoas com esse perfil. Em algumas áreas <strong>de</strong> trabalho já se percebe apresença da “força <strong>de</strong> trabalho grisalha”, como a <strong>de</strong> corretores <strong>de</strong> imóveis,transportes interestaduais ou inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, hotelaria e comércio em geral.As informações sobre o crescimento do empreen<strong>de</strong>dorismo mostram queeste perfil <strong>de</strong> competências que melhora com a ida<strong>de</strong> estimula interessespor autogestão e a criação <strong>de</strong> pequenos e gran<strong>de</strong>s negócios por pessoasda maturida<strong>de</strong>. Oferecer conhecimentos como prestadores <strong>de</strong> serviços,consultores e empreen<strong>de</strong>dores aparece como <strong>de</strong>safio muito valorizadopelos que se aproximam da aposentadoria.A noção <strong>de</strong> que temos competências que melhoram e outras quepioram com a ida<strong>de</strong> indica que ao envelhecer seja pru<strong>de</strong>nte procurar tipos<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que aproveitam os ganhos, em vez <strong>de</strong> competir com os mais


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos55jovens por ativida<strong>de</strong>s para as quais sabemos antecipadamente que os maisvelhos entrarão em <strong>de</strong>svantagem. Desta forma, trabalhar <strong>na</strong>s fases maisavançadas da vida não significará tirar o trabalho e o espaço dos maisjovens, mas oferecer serviços e contribuições à socieda<strong>de</strong> que são maisbem sorvidas com o tempero da ida<strong>de</strong>.Para melhorar o perfil <strong>de</strong> competências, eu também posso apren<strong>de</strong>rcoisas novas. Este é mais um dos focos <strong>de</strong> preconceito e <strong>de</strong>sinformaçãosobre o envelhecimento no trabalho. As empresas costumam afastar ostrabalhadores acima <strong>de</strong> 40 anos dos processos <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento, por váriosmotivos. Alguns dos motivos são fi<strong>na</strong>nceiros, preconceituosamenterelacio<strong>na</strong>dos ao fator investimento/retorno do trei<strong>na</strong>mento, mas a maioriajustifica com a mais baixa das afirmações, que é relacio<strong>na</strong>da ao fato <strong>de</strong>que apren<strong>de</strong>mos com mais dificulda<strong>de</strong> <strong>na</strong> fase madura. Sugerimos que esteassunto seja discutido partindo da avaliação da eficácia e da a<strong>de</strong>quaçãodos métodos <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento. Ao substituir a pedagogia tradicio<strong>na</strong>lmenteusada para ensi<strong>na</strong>r crianças por técnicas andragógicas, chegaremos aresultados melhores. A forma <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r também muda com a ida<strong>de</strong>, e asescolas precisam adaptar seus métodos e não exigir mudanças em quemprecisa apren<strong>de</strong>r.Um exemplo muito comum é o da informática e da internet.Há mais ou menos 12 anos, criamos um site voltado para o trabalhadormaduro, chamado Seniorida<strong>de</strong> (www.seniorida<strong>de</strong>.com.br). Recebemosmuitas criticas pelo fato <strong>de</strong> que muitos consi<strong>de</strong>ravam que os mais velhosnão teriam competência para apren<strong>de</strong>r a usar aquela tecnologia. Onúmero <strong>de</strong> idosos envolvidos hoje com internet e informática mostrouque estávamos <strong>na</strong> direção certa. É possível apren<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com ametodologia a<strong>de</strong>quada à ida<strong>de</strong>.Maturida<strong>de</strong>, trabalho e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidaO trabalho sempre foi um dos fatores mais importantes para aorganização da vida e para o fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. O que tem aver o trabalho com o envelhecimento bem-sucedido? E aquela história <strong>de</strong>que é preciso <strong>de</strong>scansar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> sofrimento no trabalho?Vivemos numa socieda<strong>de</strong> em que as pessoas são avaliadas e valorizadaspelo que fazem ou fizeram. Com o aumento da perspectiva <strong>de</strong> vida, otempo entre o afastamento do trabalho e o fi<strong>na</strong>l do ciclo <strong>de</strong> vida está


56Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Nerificando cada vez maior. O que fazer neste período para se manter saudávele contributivo, com autoestima elevada e repassando suas experiênciaspara os mais jovens? Experiências <strong>de</strong> envelhecimento bem-sucedidomostram que uma vida laboral continuada po<strong>de</strong>rá possibilitar isso. Terassuntos para o dia a dia e ser respeitado e reconhecido pela contribuiçãoque dá à socieda<strong>de</strong>, com oportunida<strong>de</strong>s para manter seus recursospessoais em constante <strong>de</strong>senvolvimento, ajudam a melhorar o processo<strong>de</strong> envelhecimento. Quando citamos trabalho, é óbvio que não estamossugerindo ape<strong>na</strong>s a ampliação do período <strong>de</strong> carreira, mantendo as mesmascondições e pressões. Estamos falando <strong>de</strong> forma genérica para todo o tipo<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em prol do bem-estar <strong>de</strong> outras pessoas. Vislumbramos umrol <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os tipos, complexida<strong>de</strong>s, contextos e valores.Cuidar <strong>de</strong> netos, evangelizar, atuar como voluntário em instituições <strong>de</strong>carida<strong>de</strong>, produzir, ven<strong>de</strong>r e entregar produtos, orientar jovens, educaradultos e crianças e conceber e dirigir um negócio po<strong>de</strong>m ser alguns dosexemplos. Cuidar das plantas <strong>de</strong> um jardim da cida<strong>de</strong>, também. O queestá em questão, <strong>na</strong> realida<strong>de</strong>, é uma revisão completa do projeto e doestilo <strong>de</strong> vida, para que <strong>na</strong> fase da maturida<strong>de</strong> possamos viver um período<strong>de</strong> coroamento <strong>de</strong> uma vida e <strong>de</strong> um projeto profissio<strong>na</strong>l. Em resumo,qualquer ativida<strong>de</strong> que nos motive a sair da cama todos os dias pela manhãe cumprir a nossa missão neste mundo.Os conceitos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida também passam portransformações <strong>na</strong> nossa cultura tanto científica quanto profissio<strong>na</strong>l.Percebemos, em alguns casos, alguma confusão entre promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Enten<strong>de</strong>mos que adicio<strong>na</strong>r qualida<strong>de</strong> à vida é um<strong>de</strong>safio importante para quem envelhece. O sentido <strong>de</strong> pertencimento, <strong>de</strong>realização e <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para a socieda<strong>de</strong>, relacio<strong>na</strong>do à ativida<strong>de</strong> laboral,atua <strong>de</strong> forma a organizar e direcio<strong>na</strong>r os esforços <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> melhorqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Para nós, o conceito mais completo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida é o que harmoniza e integra as várias áreas da nossa vida, tais como asocial, a familiar, a espiritual, a saú<strong>de</strong> e o autocuidado, a social e esportiva,a cultural e <strong>de</strong> lazer, além da prática constante da cidadania.Observando estratégias individuais para o envelhecimento bemsucedido,em nossa prática <strong>de</strong> aconselhamento e coaching, geralmenteencontramos uma associação entre boa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e ativida<strong>de</strong> laboral.Viver <strong>de</strong> forma ativa e atuando <strong>de</strong> forma a contribuir para a melhoria davida <strong>de</strong> outras pessoas tem um efeito muito positivo para a autoimagem,


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos57a autoestima e a consequente sensação <strong>de</strong> realização pessoal - seja criar,ven<strong>de</strong>r, transportar, escrever, regar, plantar ou simplesmente cuidar <strong>de</strong>alguém. De qualquer forma. Como solidarieda<strong>de</strong>, como empresário, comoprestador <strong>de</strong> serviços, empregado ou voluntário. Na própria casa ou emoutros lugares. De forma presencial, via internet ou telefone. É claro quecuidar <strong>de</strong> filhos, netos, amigos e necessitados também é uma ativida<strong>de</strong>enobrecedora, mas, para se transformar num elemento potencializador daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, precisa ser organizada e planejada. Complementandotodo este esforço, valerá a pe<strong>na</strong> pescar, viajar, divertir-se e cuidar <strong>de</strong> sipara que a vida possa ser consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> melhor qualida<strong>de</strong>.Aposentadoria: o repouso do(a) guerreiro(a) ou a chance <strong>de</strong>fazer o que sempre se quis, mas nem sempre se po<strong>de</strong> fazer?Ao falarmos sobre trabalho, envelhecimento e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida,<strong>na</strong>turalmente a figura da aposentadoria vem à mente. A aposentadoria étambém um dos rituais <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> vida que estão sofrendo mudançasmuito fortes. Há alguns anos, era vista como o fim da carreira, alémda qual não existia mais <strong>na</strong>da a não ser não fazer <strong>na</strong>da. Hoje, em suamaioria, os aposentandos que participam <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> preparação para aaposentadoria consi<strong>de</strong>ram que terão a gran<strong>de</strong> chance <strong>de</strong> fazer tudo aquiloque sempre sonharam, mas nunca pu<strong>de</strong>ram fazer.Para uma parcela ainda expressiva da nossa socieda<strong>de</strong>, o trabalhocontinuado, mesmo <strong>de</strong>pois da aposentadoria, tem várias motivações. Amaioria precisa trabalhar para manter o padrão <strong>de</strong> vida. Uma peque<strong>na</strong>parcela po<strong>de</strong>ria optar por não trabalhar, mas sabe que se não se envolvercom ativida<strong>de</strong>s laborais po<strong>de</strong>rá pagar um alto custo em termos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> equalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.A continuida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> laboral mesmo <strong>de</strong>pois da aposentadoriaoferece vários benefícios. Dulcey-Ruiz e Gutiérres (2007) sugerem osseguintes:- Fortalece o sentimento <strong>de</strong> pertencimento a grupos e organizações,além da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Aumenta as chances <strong>de</strong> socializaçãoatravés das relações <strong>na</strong>turais dos contextos <strong>de</strong> trabalho,principalmente quando ele acontece em equipe. Acrescentamosaqui as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> convivência com outras gerações e as<strong>de</strong>correntes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos papéise competências.


58Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Neri- Melhorias e manutenção <strong>de</strong> autoimagem, autoeficácia eautoestima. O reconhecimento social e as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>autoavaliação que as relações laborais permitem são referenciaispara avaliações da eficácia pessoal.- Trabalhar orientados por metas e objetivos. A organicida<strong>de</strong> doscontextos <strong>de</strong> trabalho oferece condições para que as pessoasorganizem o seu tempo e o investimento <strong>de</strong> recursos pessoais apartir dos compromissos e expectativas <strong>de</strong> resultados que todotipo <strong>de</strong> trabalho exige. O planejamento do trabalho po<strong>de</strong> serintegrado com o planejamento das metas e dos objetivos <strong>de</strong> vida,permitindo avaliações e revisões constantes.- Manutenção <strong>de</strong> status e influência. O mundo do trabalho possibilitaoportunida<strong>de</strong>s para que <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> respeito, credibilida<strong>de</strong>e aceitação afetem <strong>de</strong> forma positiva as pessoas envolvidas.Estes aspectos são muito importantes para o fortalecimento daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>.- Organização do tempo e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s. A reorganizaçãodo uso do tempo é saudável, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<strong>de</strong>quada a padrões <strong>de</strong>vida saudável e <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong>. O trabalho ocupará o tempoque for necessário para que os <strong>de</strong>mais ganhos tenham valor.Além <strong>de</strong>stes ganhos, que por si só justificam a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> continuarvivendo <strong>de</strong> forma ativa <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos citar outros, como asoportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizado permanente e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>novas competências, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong> ganhos fi<strong>na</strong>nceirose manutenção ou melhoria do nível <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> antes da aposentadoria,o oferecimento <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los positivos para as próximas gerações,principalmente para os filhos(as) e netos(as).Cada projeto <strong>de</strong> vida é único –não existe aposentadoria padrãoA transição para a aposentadoria apresenta aspectos diferentes,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do gênero, do nível <strong>de</strong> formação e do tipo <strong>de</strong> trabalho,entre outros aspectos. Os trabalhadores menos especializados acabamse ajustando a serviços simples e generalizados com mais rapi<strong>de</strong>z doque os especializados. As mulheres se ajustam com mais rapi<strong>de</strong>z aosnovos papéis - entre outros motivos, pelo fato <strong>de</strong> que encontram maisoportunida<strong>de</strong>s para assumirem papéis aceitos pela socieda<strong>de</strong>, tais comocuidadoras, preceptoras e educadoras para as novas gerações. Price (2003),


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos59apud Dulcey-Ruiz (2007), sugere que a questão <strong>de</strong> aposentadoria e gênero<strong>de</strong>ve ser melhor estudada e aponta alguns aspectos a serem consi<strong>de</strong>rados,como a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências <strong>na</strong> história laboral das mulheres, asinfluências e responsabilida<strong>de</strong>s familiares nos vários ciclos da vida familiar,o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> papéis sociais adicio<strong>na</strong>is ao emprego, a instabilida<strong>de</strong>fi<strong>na</strong>nceira <strong>de</strong>rivada das condições anteriores e a maior expectativa <strong>de</strong> vidaapós a aposentadoria do que os homens.As pessoas se aposentam por vários motivos. Uma parte, por quererse ver livre <strong>de</strong> uma vida cheia <strong>de</strong> pressões, compromissos, incertezas eangústias <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> trabalho pouco saudável. Outra parte <strong>de</strong>sejase reinventar e ter a chance <strong>de</strong> fazer o que sempre quis fazer e nunca teveoportunida<strong>de</strong>. Uma terceira não sabe muito bem, e só vai enten<strong>de</strong>r o que éaposentadoria quando já estiver aposentado(a).É comum percebermos sentimentos <strong>de</strong> libertação, como seestivessem carregando um fardo a vida toda e agora a aposentadoriateria o condão <strong>de</strong> libertá-los. O sonho <strong>de</strong> não fazer <strong>na</strong>da, em um dolcefar niente. É comum e até recomendável que os primeiros meses <strong>de</strong>poisda aposentadoria sejam <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso e <strong>de</strong> “limpeza corporal”. Tirar asmarcas <strong>de</strong> pressões, papéis, horários, chefias e clientes que compuseramo seu dia a dia por décadas. É nessa hora que ouvimos frases do tipo“vou só pescar”, “só viajar”, ”cuidar da chácara”, “cuidar dos netos”, “dacasa” ou até mesmo não fazer <strong>na</strong>da. Brinca<strong>de</strong>iras acontecem, e eles sedivertem muito nesta fase. A realida<strong>de</strong> logo vem à to<strong>na</strong>. Para alguns,isso leva ape<strong>na</strong>s alguns dias. Para outros, sema<strong>na</strong>s. Outros, ainda, levamalguns meses para perceber que agora estão vivendo “por conta própria”.Começa o exercício <strong>de</strong> preencher o tempo. Logo percebem que não haveriapeixes suficientes se todos quisessem pescar. Logo percebem que terão <strong>de</strong>preencher o tempo <strong>de</strong> forma saudável, útil e contributiva por 20, 30 oumais anos. Alguns percebem que terão mais tempo <strong>de</strong> vida útil do que otempo <strong>de</strong> trabalho. Aí é que começam alguns dos gran<strong>de</strong>s e verda<strong>de</strong>iros<strong>de</strong>safios para o envelhecimento.Para alguns, a aposentadoria representa um novo começo. Elesesperam ter liberda<strong>de</strong> para retomar velhas metas e estabelecer novas.Enfim, oportunida<strong>de</strong> para uma vida ple<strong>na</strong>. É a gran<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> parafazer coisas que foram postergadas <strong>de</strong>vido a outras priorida<strong>de</strong>s, comoempregadores, clientes, pais e filhos. Um novo curso, uma nova profissão


60Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Neriou aquela ativida<strong>de</strong> dos sonhos <strong>de</strong>ixada <strong>de</strong> lado <strong>de</strong>vido à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>segurança pessoal que um emprego fixo dava.Para outros, a aposentadoria representa uma continuida<strong>de</strong> doque sempre fizeram, com um pouco mais <strong>de</strong> ganhos fi<strong>na</strong>nceiros, mas semsustos ou <strong>de</strong>safios.Para outros, ainda, é interrupção imposta por eventos fora do seucontrole, como a situação da economia ou da empresa – evi<strong>de</strong>ntemente,para os que estão <strong>na</strong> iniciativa privada. Ainda vemos que, para alguns,significa a transição para a velhice, o <strong>de</strong>scanso e a espera. Neste caso, aaposentadoria só po<strong>de</strong> ser frustrante.De maneira geral, existem dois gran<strong>de</strong>s grupos: aquele que caminhapara a aposentadoria como se ela fosse ape<strong>na</strong>s mais uma transição da suavida e que <strong>de</strong>ve ser encarada como algo positivo e planejado e outro que,simplesmente, quer se afastar <strong>de</strong> um trabalho ruim, monótono e para quemqualquer coisa serve <strong>de</strong>pois da aposentadoria. Para estes, a chance <strong>de</strong> umenvelhecimento bem-sucedido não é gran<strong>de</strong>.Por isso é importante dizer que a opção pela aposentadoria não<strong>de</strong>ve resultar ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão pessoal, isolada e quase como umafuga. É preciso levar em conta a estrutura <strong>de</strong> recursos emocio<strong>na</strong>is, sociais,educacio<strong>na</strong>is e até fi<strong>na</strong>nceiros das pessoas.Alguns trabalhadores estão tão ligados à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da empresaque têm dificulda<strong>de</strong> em pensar <strong>na</strong> sua. Aqueles trabalhadores que vêm aaposentadoria como uma ponte para uma vida melhor têm mais sucesso.Aqueles que não conseguem ver <strong>na</strong>da <strong>de</strong> bom fora da empresa se agarrarãoa qualquer coisa para não se aposentarem. Mesmo que a um cargo e umaprofissão ruim.Quem planeja a aposentadoria e estabelece metas para si ten<strong>de</strong>rá aser mais controlado por expectativas <strong>de</strong> futuro e não pelo sentimento <strong>de</strong> tersido empurrado para fora. Este é um dos principais argumentos para queos trabalhadores, a empresa e o próprio governo invistam em programas<strong>de</strong> planejamento e preparação. Há algumas décadas, convivíamos compessoas que se diziam “pegas <strong>de</strong> surpresa” pela aposentadoria. Hoje issonão tem mais sentido. Quem tem Carteira <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sabe que este émais um daqueles momentos inevitáveis da nossa vida. Os trabalhadoresque consi<strong>de</strong>ram a aposentadoria como um <strong>de</strong>safio a ser enfrentado


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos61estabelecem planos, <strong>de</strong>safios e projetos para além da data oficial. Assimeles conseguem ser motivados por objetivos futuros, não são “empurrados”por <strong>de</strong>cisões alheias ou pela pressão do passado.Quanto maior o sentimento <strong>de</strong> perdas, maior a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>adaptação. Este é um outro ponto importante. Os trabalhadores quenão conseguem visualizar uma vida fora da empresa e do emprego quefuncione como um elemento motivador trabalham com sentimento <strong>de</strong>perda <strong>de</strong> um “passado que não volta mais”. Estas pessoas têm dificulda<strong>de</strong>spara se envolver com qualquer ativida<strong>de</strong> motivadora e <strong>de</strong>safiadora. Vivemno passado e para o passado. Aos poucos, se transformam em pessoas<strong>de</strong>sinteressantes e sem vida.Pessoas excessivamente ligadas ao emprego, com baixa valorizaçãodo lazer, poucas metas, escassa re<strong>de</strong> social e baixa expectativa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>ssignificativas ten<strong>de</strong>m a experimentar mais tensão, relutância, senso <strong>de</strong>fracasso, senso <strong>de</strong> perda irreparável e infelicida<strong>de</strong>. Infelizmente isso nãoé fácil <strong>de</strong> ser mudado, e não será num programa rápido <strong>de</strong> preparaçãopara aposentadoria que acontecerá. Pessoas com este perfil participamdos programas, mas precisarão <strong>de</strong> mais ajuda individual para conseguirisso. Precisarão tanto <strong>de</strong> ajuda mais técnica quanto <strong>de</strong> mais tempo paraconseguir mudar. A única saída para estas pessoas é a busca <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong>satisfação pessoal fora do atual campo <strong>de</strong> trabalho?Preparar-se para a aposentadoria ou reinventar sua vida?Reinventar a sua vida a partir <strong>de</strong> uma revisão completa do seuprojeto <strong>de</strong> vida é possível. Começar hoje a <strong>de</strong>senvolver um projeto para queos próximos 20, 30 ou 40 anos <strong>de</strong> vida (ou mais, até) sejam <strong>de</strong> crescimento,realização e contribuição para a socieda<strong>de</strong>. Esta é a postura que começaa prepon<strong>de</strong>rar nos programas <strong>de</strong> preparação para a pós-carreira e aaposentadoria dos quais participamos. Continuar crescendo pessoalmente,retomar os sonhos da juventu<strong>de</strong> que não pu<strong>de</strong>ram ser realizados <strong>na</strong>s primeirasetapas da vida profissio<strong>na</strong>l, vislumbrar novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuaçãoprofissio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong>scobrir outras competências e explorar outros campos <strong>de</strong>trabalho começam a orientar os novos projetos <strong>de</strong> vida pós-carreira.Começar por on<strong>de</strong>? Sugiro começar por observar um poucomais o que acontece com as pessoas enquanto envelhecem, para que se


62Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido Neripossa conhecer mais o que acontecerá com você durante o processo <strong>de</strong>envelhecimento. Você encontrará pessoas que somente percebem as perdasdo processo e passam o resto da vida tentando escondê-las, maquiá-las ouremendá-las. Existem outras que olham para o lado dos ganhos e procuramnovas formas <strong>de</strong> viver, potencializando seus ganhos. Pelos mecanismossociais vigentes, ninguém precisa se preocupar com as perdas. Semprehaverá alguém, uma piada ou uma música para apontá-las. Ao prestaratenção <strong>na</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ganhos, este equilíbrio é recuperado.Esta seria a primeira etapa do processo <strong>de</strong> revisão do seu projeto<strong>de</strong> vida: a busca <strong>de</strong> benchmarkings. A pergunta a ser feita é a seguinte:quando eu envelhecer, quero me parecer com quem mesmo? Olhe à suavolta para ver como outras pessoas estão envelhecendo. Você encontrarábons mo<strong>de</strong>los. Observe como eles fazem. É sabido que sua velhice será oresultado <strong>de</strong> tudo o que aconteceu com você <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias <strong>de</strong> vida.Portanto não espere mais para começar a planejar o seu envelhecimento.O segundo momento <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>dicado ao conhecimento do capitalque você acumulou durante as décadas da sua vida. Fazer um currículohonesto e sincero, conversando com pessoas que te acompanharam durantea trajetória pessoal e profissio<strong>na</strong>l. Fazendo isso, você po<strong>de</strong>rá respon<strong>de</strong>r aperguntas do tipo: no que eu sou competente? O que preciso apren<strong>de</strong>rpara melhorar o que sei? Olhar para o passado não <strong>de</strong>ve significar quevocê pretenda ficar lá. Alguns currículos parecem um obituário. Só falta ainformação fi<strong>na</strong>l. O seu projeto <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ve ter as fundações no passado,as cores do presente e a visão do futuro. Conhecer o que você fez e sabeajuda não só a <strong>de</strong>cidir sobre o que po<strong>de</strong> aproveitar, mas também até queponto po<strong>de</strong> mudar e iniciar algo novo.Num terceiro momento, olhe para o que está acontecendo ao seuredor. Quais as áreas profissio<strong>na</strong>is que estão crescendo, quais as formas <strong>de</strong>trabalho interessantes e saudáveis. Neste momento, você po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ásseguintes perguntas: quem precisa do que sei fazer? Se eu encontrar umanova forma <strong>de</strong> ajudar, quem vai usufruir do que gosto e quero fazer?Num quarto momento, a observação <strong>de</strong>ve recair sobre formas <strong>de</strong>atuação. Será que o certo seria repetir tudo o que tenho feito, como se aminha aposentadoria fosse ape<strong>na</strong>s uma continuação? Ou seria a minhaoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudar a forma <strong>de</strong> trabalhar e ter uma vida <strong>de</strong> melhorqualida<strong>de</strong>?


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos63Há alter<strong>na</strong>tivas saudáveis para o envelhecimento no trabalho.Aqueles que estão prestando atenção no que está acontecendo no mundodo trabalho verão que existem possibilida<strong>de</strong>s e formas <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>laboral mais saudáveis do que as que existiam quando começaram atrabalhar. O crescimento da área <strong>de</strong> serviços fez com que as competênciaspessoais passassem a ser mais valorizadas. Dessa forma, as pessoas maisvelhas po<strong>de</strong>m usar as competências que a maturida<strong>de</strong> melhora. Trabalharpor conta própria, como prestadores <strong>de</strong> serviços ou com relações diferentescom o antigo empregador também são formas. Se pudéssemos contar comuma legislação mais benevolente, po<strong>de</strong>ríamos ter relações mais saudáveiscom o antigo local <strong>de</strong> trabalho, como, por exemplo, tempo parcial ou arealização <strong>de</strong> consultoria etc.Construindo pontes para o futuro:investindo tempo <strong>na</strong> revisão do seu projeto <strong>de</strong> vidaPara algumas pessoas, fazer um projeto é <strong>de</strong>finir o que aconteceráno futuro. Esta visão <strong>de</strong> planejamento é enganosa. Muitos fogem <strong>de</strong>staperspectiva <strong>de</strong> ter que <strong>de</strong>cidir hoje o que se fará no futuro. Não investirtempo em planejar po<strong>de</strong> levar, por outro lado, a perda <strong>de</strong> foco, <strong>de</strong>sperdício<strong>de</strong> energias e falta <strong>de</strong> referenciais para se reorientar frente a pressões,dificulda<strong>de</strong>s e incertezas que o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> envelhecer condig<strong>na</strong>menteexige.Outra noção errônea é a <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida feito <strong>de</strong> cimento esem flexibilida<strong>de</strong> ou manejabilida<strong>de</strong>. A missão <strong>de</strong> vida que você escolheue os seus objetivos <strong>de</strong>vem ser os gran<strong>de</strong>s organizadores da sua energiae da sua vonta<strong>de</strong>. Eles não <strong>de</strong>vem mudar a cada ano <strong>de</strong>vido ao risco<strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontros e <strong>de</strong>scaminhos. Os planos para chegar ao fi<strong>na</strong>l do seucaminho <strong>na</strong> forma planejada são completamente flexíveis e adaptáveisaos fatos que fogem ao nosso controle. Os objetivos do planejamentoconferem o tom e a direção do nosso caminho. Quem sabe para on<strong>de</strong>quer ir aproveita melhor os ventos, mas, principalmente sorve melhor otempero colhido <strong>na</strong> caminhada.No trabalho <strong>de</strong> Revisão <strong>de</strong> Projeto <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> que fazemos há algunsanos, temos uma sequência sugerida e validada por muitos casos <strong>de</strong>sucesso e encontro <strong>de</strong> caminhos inovadores para projetos individuais <strong>de</strong>envelhecimento.


64Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido NeriPrimeiro passo: benchmarking. Mesmo tendo em conta que cadaprojeto <strong>de</strong> envelhecimento é único, recomendamos que você olhe oscontextos nos quais preten<strong>de</strong> envelhecer, buscando projetos <strong>de</strong> sucesso.Este processo não só ajuda a enten<strong>de</strong>r o que acontece à minha volta, mastambém oferece referenciais <strong>de</strong> envelhecimento bem-sucedido próximosda realida<strong>de</strong> que viverei. O segredo é evitar fantasias ou se espelhar emfiguras <strong>de</strong> cinema ou televisão. Procure os amigos.A partir <strong>de</strong> um referencial, fica mais fácil estabelecer metase <strong>de</strong>safios para o próprio projeto. A<strong>na</strong>lisar o gran<strong>de</strong> projeto em áreasque facilitem a organização dos planos e a avaliação dos progressos. Oestabelecimento <strong>de</strong> metas parciais e coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das ajuda a organizar asenergias e somar esforços para a caminhada. É este referencial que ajudaráa termos uma visão do futuro e da nossa missão e objetivos <strong>de</strong> estarmosusufruindo esta chance fantástica <strong>de</strong> viver.Nossa sugestão é que se comece pela família. Ninguém envelhecesozinho. A aposentadoria é geralmente acompanhada <strong>de</strong> eventos familiarescomo casamento (separação) <strong>de</strong> filhos, netos, trabalho (não-trabalho) <strong>de</strong>filhos e netos e envelhecimento dos pais. Incluir a família no seu projeto<strong>de</strong> vida é a mais básica das ações para que todos envelheçam juntos.Um tempo para si: encontre, fi<strong>na</strong>lmente, este espaço para pensartanto no passado quando no presente e no futuro. Ele é a base <strong>de</strong> qualquerprojeto para a área <strong>de</strong> espiritualida<strong>de</strong> ou religiosida<strong>de</strong>. A área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>também agra<strong>de</strong>cerá essa atenção. É ela que permitirá a gestão dos processosbásicos que afetam a saú<strong>de</strong> e o bem-estar.Aprendizado e educação: passar um dia sem apren<strong>de</strong>r algo é comose aquele dia fosse perdido. Não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r ape<strong>na</strong>s do aprendizado formal,mas sim daquele aprendizado que a vida, os fatos, os acertos e errospropiciam.A área da sociabilida<strong>de</strong> também merece projetos. Qual o grupocom o qual eu quero me relacio<strong>na</strong>r? De quem quero merecer respeito?Quais amigos eu quero manter ou resgatar? On<strong>de</strong> posso conseguir novosamigos? Subestimar esta área é um enorme risco.A área cultural também po<strong>de</strong> ser revista, para que exploremosregiões <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> e prazeres ainda não conhecidos. Tomar iniciativas<strong>na</strong> busca <strong>de</strong> cultura, conhecimento, prazeres, lugares e sensações que não


O Envelhecimento no Universo do <strong>Trabalho</strong> – Desafios e Oportunida<strong>de</strong>s Depois dos 50 Anos65conhecemos ainda.A área <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> material e fi<strong>na</strong>nceira não <strong>de</strong>ve ser<strong>de</strong>smerecida, se bem que não <strong>de</strong>ve ser a que prepon<strong>de</strong>re no projeto <strong>de</strong>vida, para não se ter o risco <strong>de</strong> repetir as tensões vividas <strong>na</strong>s décadas queprece<strong>de</strong>m esta revisão do projeto <strong>de</strong> vida.E a área laboral, que sugerimos que seja a gran<strong>de</strong> organizadora <strong>de</strong>todas as outras. Reforçamos aqui tudo o que já dissemos: consi<strong>de</strong>ramosessa área um fator <strong>de</strong> organização e ajustamento <strong>de</strong> todas as outras.Nada disso funcio<strong>na</strong>rá se não tivermos atenção para acompanharo andamento do projeto <strong>de</strong> vida e tomar <strong>de</strong>cisões rápidas <strong>de</strong> revisão,replanejamento, mudanças e saídas emergenciais. Cada área <strong>de</strong>scrita acimaafetará a vida das pessoas <strong>de</strong> forma objetiva e subjetiva, o que, em últimaanálise, fornecerá as informações essenciais para avaliarmos se o projetoestá dando resultado.Por resultado não enten<strong>de</strong>mos ape<strong>na</strong>s o cumprimento das metas,mas principalmente a sensação <strong>de</strong> estar caminhando com bem-estar,segurança e qualida<strong>de</strong> pessoal para o cumprimento não ape<strong>na</strong>s das metasque tracei no meu projeto, mas para tentar dar uma contribuição para estemundo e para o que acontece à minha volta.A próxima etapa é a realização <strong>de</strong> um projeto para a sua vida.Por on<strong>de</strong> começar? Comece a <strong>de</strong>dicar um tempo para si. Para se conhecere para gostar <strong>de</strong> si. Exatamente o tempo que você nunca <strong>de</strong>dicou a simesmo, pois sempre precisou pensar nos estudos, nos filhos, nos clientes,nos chefes etc. Agora é a sua vez. Invista um pouco <strong>de</strong> tempo para seautoavaliar, conversar sobre você. Faça uma boa avaliação da sua carreiraprofissio<strong>na</strong>l e do seu perfil <strong>de</strong> competências e interesses. No que você écompetente? É nisso que gostaria <strong>de</strong> continuar a trabalhar?Este texto foi escrito a partir <strong>de</strong> uma bibliografia básica sobreenvelhecimento bem-sucedido, mas, principalmente, a partir dasobservações do autor durante mais <strong>de</strong> duas décadas <strong>de</strong> trabalho comorientação para a fase <strong>de</strong> vida pós-carreira e aposentadoria.


66Agui<strong>na</strong>ldo Aparecido NeriBibliografiaCORBETT, D. Portfolio Life. The new path to work. Purpose andpassion after 50. San Francisco, John Wiley e Sons, 2007.DYCHTWALD, K. A user’s gui<strong>de</strong> to the rest of your life. The PowerYears. San Francisco, John Wiley e Sons, 2005.DULCEY-RUIZ, E; GUTIÉRREZ, A. L. Preparación para la jubilación.Bogotá, Caja Colombia<strong>na</strong> <strong>de</strong> Subsídio Familiar Colsubsídio, 2007.NERI, A. A. Competências para a maturida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l. InNeri. A. A. (org.), Gestão <strong>de</strong> RH por competências e a empregabilida<strong>de</strong>.Campi<strong>na</strong>s, Papirus, 2005.NERI A. L.; NERI A. A. Sobre a dinâmica <strong>de</strong> perdas e ganhos no processo<strong>de</strong> envelhecimento. Apostila do curso Preparação para a Aposentadoria, OBCConsultoria, 1990.NERI, A. L. (org.). <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> velhice. Campi<strong>na</strong>s, EditoraAlínea, 2007.PRICE, C. A. Women’s retirement: beyond issues of fi<strong>na</strong>ncialsecurity. Jour<strong>na</strong>l of extension, 41 (5), www.joe.org/joe/200eoctober/a6shtml (4.03.2004).


Envelhecimento Masculino:<strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria eParticipação Social67Alda Britto da MottaProfessora e pesquisadora da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia (UFBA),on<strong>de</strong> se graduou e fez mestrado em Ciências Sociais, além <strong>de</strong> doutoradoem Educação.Trabalhar encerra a força <strong>de</strong> múltiplos significados: ter o que fazercom o tempo, ser meio <strong>de</strong> subsistência ou <strong>de</strong> sobrevivência e tambémmeio <strong>de</strong> expressão huma<strong>na</strong>. Ao mesmo tempo, possibilida<strong>de</strong> e meio <strong>de</strong>constituição i<strong>de</strong>ntitária. Entretanto, por motivos <strong>de</strong> formação cultural ei<strong>de</strong>ológica, esse ato físico/emocio<strong>na</strong>l humano diferencia-se conforme osexo e as relações <strong>de</strong> gênero — em suas formas, em suas classificaçõessociais e nos sentimentos i<strong>de</strong>ntitários que suscita <strong>de</strong> cada trabalhador outrabalhadora.Uma clássica pesquisa sobre gênero e trabalho continua a ilustrarisso nitidamente: para os operários entrevistados, “sua humanida<strong>de</strong> estáassociada à condição <strong>de</strong> trabalhadores”, expõe Souza-Lobo (1991, p. 100).Para as mulheres, entretanto, o trabalho assalariado não alcança diretoessa expressão <strong>de</strong>finidora da sua condição huma<strong>na</strong>. É a maternida<strong>de</strong>que constitui a dimensão mais importante da sua vida. Só <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dascondições <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> participação contínua no mercado <strong>de</strong> trabalho


68 Alda Britto da Mottavêm impelir alguma mudança: “A emergência <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> mulherescom uma prática <strong>de</strong> trabalho regular, vivendo um processo <strong>de</strong> integração àcultura urba<strong>na</strong> e mudanças nos padrões educacio<strong>na</strong>is (maior escolarida<strong>de</strong>)permite formular a hipótese <strong>de</strong> metamorfoses <strong>na</strong> subjetivida<strong>de</strong> das mulherestrabalhadoras, no sentido <strong>de</strong> uma integração do trabalho assalariado emesmo do trabalho fabril como elemento que <strong>de</strong>fine sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mulheres” (Souza-Lobo, 1991, p. 96).No caso dos homens <strong>de</strong> mais ida<strong>de</strong>, a proximida<strong>de</strong> da aposentadoriatraz sentimentos contraditórios: <strong>de</strong> um lado, receios, fantasmas sobre o<strong>de</strong>sgaste ou a <strong>de</strong>struição prematura do corpo, não mais a<strong>de</strong>quado para otrabalho; ao mesmo tempo, previsão <strong>de</strong> alívio das obrigações pesadas.Santos, em pesquisa recente, (2009, p. 113) registra a permanênciatanto <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ntificação como do sentimento <strong>de</strong> perda do operário, emtermos <strong>de</strong> “um sujeito do trabalho, que já <strong>na</strong>sceu trabalhando e morreráquando <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trabalhar”. O que é também diretamente expresso porum trabalhador <strong>de</strong> 51 anos: “Despedida do mundo do trabalho? Não, eunão gostaria <strong>de</strong> me aposentar. Que eu nunca pare <strong>de</strong> trabalhar! É uma nota<strong>de</strong> falecimento”. Quando ainda no trabalho, o homem “fala <strong>de</strong> si mesmo,das suas relações, do seu mundo”, “sente o chão da fábrica (...) comoextensão <strong>de</strong> sua própria casa” (Santos, 2009, p. 103).Mas as trabalhadoras ainda privilegiam a família, (Santos, 2009, p.92): “Minha filha, eu é que não caio nesta maluquice <strong>de</strong> trabalhar <strong>de</strong> turno.Não tenho essa ganância <strong>de</strong> ganhar mundos e fundos como vejo algumasmulheres aqui, que nem ligam para os filhos e nem para a casa, parecendohomens. Eu não, meu marido e meus filhos estão em primeiro lugar, nãoquero me arrepen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>pois chorar o leite <strong>de</strong>rramado. Graças a Deus, jáestou perto <strong>de</strong> me aposentar. Não tenho mais força para isso, não”.Mas há outras dificulda<strong>de</strong>s: 12 das 13 entrevistadas nessa pesquisa(Santos 2009) são separadas dos maridos por motivos ligados ao trabalhoe à sua <strong>de</strong>dicação possível a ele, mas também – queixam-se – pelo fatoconflitivo <strong>de</strong> terem salário mais alto que o dos maridos.Uma vez aposentado, o velho trabalhador po<strong>de</strong> também reconhecero exagero <strong>de</strong> exigências a que teve <strong>de</strong> se submeter e sentir-se aliviado.Certamente por isso, o Sr. Manoel, 73, em entrevista, <strong>de</strong>clara: “Eu meaposentei para me sentar” (Britto da Motta, 1999).


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social69O homem aposentado <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser referido como trabalhador, eisso incomoda, porque trabalhar, tradicio<strong>na</strong>lmente, é, para ele, afirmar-seem sua masculinida<strong>de</strong>. Busca, então, fixar-se em outras formas i<strong>de</strong>ntitáriassocialmente aprovadas: provedor, militante, chefe <strong>de</strong> família. Porque“i<strong>na</strong>tivo” é um soco <strong>na</strong> autoestima. Provedor, sim, é clássica i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>masculi<strong>na</strong>, principalmente para os <strong>de</strong> mais ida<strong>de</strong>, porém hoje partilhada,cada vez mais, com as mulheres, crescentemente participantes no mercado<strong>de</strong> trabalho e <strong>na</strong> chefia dos grupos domésticos. São afirmativamentemilitantes ape<strong>na</strong>s quando têm participação política em associações ereivindicações <strong>de</strong> aposentados (Simões, 2004) - o que muitos são, mas nãoa maioria. Já a sensação <strong>de</strong> ser “chefe <strong>de</strong> família” não <strong>de</strong>scola, mesmo <strong>na</strong>ida<strong>de</strong> mais avançada. É o caso do Sr. Cândido, 97 anos, da minha pesquisa.Ele vive com a esposa <strong>de</strong> 90 anos e a filha viúva <strong>de</strong> 73, muito ativa ecuidadora. Em dois momentos, ele afirma e tenta explicar sua posição: “Ochefe da família sou eu. Agora, quem está chefiando a casa é minha filha,mas o chefe da família sou eu, e graças a Deus e a Maria Santíssima queeu vivo muito bem. Tem essa filha, que é tudo pra mim”.Em outro momento, tenta re-explicar a situação e superpõe outroca as chefias, ao mesmo tempo que revela um percurso material, queé também simbólico, do seu dinheiro passando e retor<strong>na</strong>ndo, <strong>de</strong> mão emmão, <strong>na</strong> família.“Agora eu, justamente, sou o pai da casa. Sou o chefe da casa, masquem manda é a filha, porque ela é quem toma conta <strong>de</strong> tudo. Eu receboo dinheiro, esse tal <strong>de</strong> salário mínimo. Chega aqui, dou a ela. É ela quemrecebe, vem com o dinheiro lá da rua e, quando chega aqui, me entregae eu torno a passar para ela, para ela passar para a mãe <strong>de</strong>la. Vivemosfelizes, afi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> contas, né?” (Britto da Motta, 2003, p. 6).Bem, seja porque o aposentado (às vezes, também, a aposentada)busca a manutenção da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhador e a sua consequentepermanência ple<strong>na</strong> <strong>na</strong> vida social, seja pela inegável necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> complementação dos seus rendimentos, nunca abundantes, <strong>de</strong>aposentadoria, um número significativo <strong>de</strong>les permanece no mercado <strong>de</strong>trabalho ou a ele retor<strong>na</strong>. Oportunida<strong>de</strong> que é uma peculiarida<strong>de</strong> brasileira.E as estatísticas são no sentido <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> 33% <strong>de</strong> pessoas entre 60e 75 anos no mercado <strong>de</strong> trabalho (Camarano, 2001). Maioria <strong>de</strong> homens.Essa permanência e/ou reingresso não é muito recente. Registrei


70Alda Britto da Mottaisto em trabalho anterior (Britto da Motta, 2001), em um momento emque o retorno dos “velhinhos” ao mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>spontava comalguma força e como novida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte, repetidamente registradapela imprensa. Apesar da tradição <strong>de</strong> o trabalho dos mais velhos serconsi<strong>de</strong>rado socialmente ilegítimo, porque estariam “tomando o lugar dosmais jovens”, o momento iniciado pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fins do século XX einício do XXI ensejava essa mudança.Na socieda<strong>de</strong> do capitalismo global e do <strong>de</strong>semprego “estrutural”,os valores teriam <strong>de</strong> mudar. Tanto em relação às formas <strong>de</strong> participaçãono mercado <strong>de</strong> trabalho quanto às exigências do tipo <strong>de</strong> trabalhador aaceitar as novas condições do mercado e até quanto à avaliação moral dosque não estavam “ativos”. A socieda<strong>de</strong> abando<strong>na</strong>ndo a visão do trabalhoformal como valor social principal e investindo crescentemente no lazer.Nesse “clima”, as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego estreitando-se, assim comoas suas condições <strong>de</strong> exercício e recompensa: jor<strong>na</strong>da <strong>de</strong> trabalho maiscurta e menor salário, trabalho temporário, menos direitos sociais. E ostrabalhadores exigidos, aqueles com escolarida<strong>de</strong> e qualificação cadavez mais altas e uma série <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> comportamento ligadas à“inteligência emocio<strong>na</strong>l”.Os idosos, coinci<strong>de</strong>ntemente, além <strong>de</strong> menos exigentes quantoa direitos trabalhistas, possuíam várias das características <strong>de</strong>sejadas eexpressas, <strong>na</strong>quele momento, pelos empregadores: paciência, experiência,habilida<strong>de</strong> para se relacio<strong>na</strong>r, empenho em investir <strong>na</strong> oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>trabalho e até fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao emprego.Foi esse movimento que começou a eclodir no período 1991/1998,quando os dados do IBGE sobre reinserção no mercado <strong>de</strong> trabalhorevelaram que o maior crescimento do período estava com os idosos <strong>na</strong>faixa <strong>de</strong> 65 anos (4%) e, em segundo lugar, entre aqueles <strong>de</strong> 60 a 64 anos(2%). E foi curioso encontrar, <strong>na</strong> época, muitas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> satisfação dosempregadores com seus aten<strong>de</strong>ntes em serviços e seus “office-velhos”.Do ponto <strong>de</strong> vista dos idosos, esse retorno ao mundo do trabalhoencerrou importantes significados: além da evi<strong>de</strong>nte melhora noorçamento doméstico, também a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança da imagemsocial <strong>de</strong> i<strong>na</strong>tivida<strong>de</strong> e até, para alguns, a realização <strong>de</strong> sonhos antes nãoimagi<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> novos tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e novas relações sociais. Masa gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda por trabalho veio mesmo pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuda


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social71à família, pois, como já é sabido (Britto da Motta, 1998), gran<strong>de</strong> parteda manutenção das famílias <strong>de</strong>sfeitas por separações ou com seus jovens<strong>de</strong>sempregados se dá exatamente com os rendimentos, por menores quesejam, dos seus velhos aposentados e pensionistas.Ao mesmo tempo, variando com a formação profissio<strong>na</strong>l e aescolarida<strong>de</strong>, as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> emprego nem sempre têm sido asmelhores. O reingresso ocorre, em gran<strong>de</strong> parte das vezes, em ativida<strong>de</strong>smenos qualificadas e situações menos vantajosas do que as do empregoanterior, com as oportunida<strong>de</strong>s dando-se, principalmente, no mercadoinformal ou <strong>de</strong> serviços. De modo que, embora alguns se rejubilem, outrosse <strong>de</strong>claram <strong>de</strong>sapontados ou cansados. Peixoto (2004, p. 79) documentaisso: “Não foram poucos aqueles que assi<strong>na</strong>laram o quanto a sua família<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho. Entre eles, vários confessaram estar cansados eter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aposentar <strong>de</strong>finitivamente. Contudo, enquanto a famílianecessitar, eles continuam trabalhando”.Mas o fato é que as novas condições sociais que propiciaram alongevida<strong>de</strong> e uma velhice mais saudável e socialmente participativa,tanto com injunções quanto com oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> permanência muitomais longa no mercado <strong>de</strong> trabalho, têm reforçado a manutenção dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhador, principalmente dos homens, e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>continuação das trocas <strong>de</strong> auxílios entre as gerações, significando tambéma existência <strong>de</strong> uma nova periodização <strong>de</strong> vida, em que já não coinci<strong>de</strong>maposentadoria e entrada <strong>na</strong> velhice. Em que se po<strong>de</strong> ter uma ida<strong>de</strong> quecorresponda à da antiga “<strong>de</strong> pijama e chinelos”, sem rituais <strong>de</strong> passagempara os aposentos — para a casa como local <strong>de</strong> recolhimento do idosocansado. A ida<strong>de</strong> passando a significar ape<strong>na</strong>s um marco da passagemdo tempo <strong>de</strong> vida, <strong>na</strong> qual se po<strong>de</strong>, alter<strong>na</strong>tivamente, <strong>de</strong>scansar, isto é,mergulhar <strong>na</strong> i<strong>na</strong>tivida<strong>de</strong>, mas também continuar no batente ou aindaaproveitar um longo lazer, per<strong>de</strong>ndo-se <strong>na</strong>s “gran<strong>de</strong>s férias da vida”, <strong>na</strong>conhecida expressão <strong>de</strong> Remi Lenoir (1979). Ou, talvez, e mais sabiamente,em um mix <strong>de</strong> tudo isto.Atento a todas essas possibilida<strong>de</strong>s, um movimento para alcançaros idosos aposentados ou possuidores <strong>de</strong> pensões tem-se dado também,e fortemente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 90, no que se refere ao mercado <strong>de</strong>consumo. Esse contingente <strong>de</strong> possuidores <strong>de</strong> uma renda certa, ainda quepeque<strong>na</strong>, começou a ser cortejado e repetidamente instado a tor<strong>na</strong>r-se


72Alda Britto da Mottausuário <strong>de</strong> produtos, serviços e equipamentos “a<strong>de</strong>quados para a terceiraida<strong>de</strong>”. Entretanto essa oferta <strong>de</strong> produtos e programas “para a terceiraida<strong>de</strong>”, que merece tanto críticas como algum reconhecimento pelos “tiros”acertados “no que não viu”¹ (Britto da Motta, 1999), vem competindo coma necessida<strong>de</strong> crescente <strong>de</strong> apoio fi<strong>na</strong>nceiro que estão tendo as famílias, oumelhor, as gerações mais jovens <strong>na</strong>s famílias, por parte dos idosos.Mas estes, <strong>na</strong> medida das possibilida<strong>de</strong>s permitidas pela suasituação <strong>de</strong> classe social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, têm sido atraídos ao consumo <strong>de</strong>serviços e à participação em programas como grupos <strong>de</strong> convivência,clubes e “universida<strong>de</strong>s para a terceira ida<strong>de</strong>”. E sentem-se mais “leves” eanimados com isso - as mulheres, bem mais que os homens. Estes forame continuam bem escassos em tais grupos ou programas. Na verda<strong>de</strong>,para muito poucos esses programas pareciam servir, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começoforam orientados para um lazer ou aprendizado <strong>de</strong> interesse basicamentefeminino. Os homens, aliás, “não precisavam” <strong>de</strong>les para obter algo quetais grupos <strong>de</strong> pronto propiciaram: a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa, com umafamiliarmente plausível justificativa para reunir-se a pessoas <strong>de</strong> suaida<strong>de</strong>/geração e divertirem-se, como fizeram alegremente as mulheres,tradicio<strong>na</strong>lmente <strong>de</strong>votadas ape<strong>na</strong>s à vida doméstica e à família.Os homens não precisavam porque <strong>de</strong> fato sempre tiveram aliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> casa, <strong>de</strong> ir para a rua quando quisessem. E <strong>na</strong> rua,quando queriam companhia, sempre se reuniram, em praças, em jardins –hoje, nos shoppings centers. Quem nunca os viu?Mas a animação e a circulação constante <strong>de</strong>sses grupos “<strong>de</strong>terceira ida<strong>de</strong>”, aliadas a momentos <strong>de</strong> atuação pública mais intensa e,portanto, mais visível do movimento dos aposentados, constituíramfatores <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes para uma franca abertura quanto à imagem socialdos idosos, <strong>de</strong>senhada agora <strong>de</strong> forma mais positiva, exatamente porqueapresentada pela maior participação pública e visibilida<strong>de</strong> social, que seveicula e documenta, frequentemente, através da mídia.Ao mesmo tempo, essa imagem é multifacetada, refletindo osvários ângulos da participação social dos idosos, em que a parte maisexpressiva foi realmente formada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 80 passada, pelo¹ O que teve início como uma reunião regular <strong>de</strong> idosos para um lazer ou programa cultural dirigidosa um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do consumo resultou, inesperadamente, <strong>na</strong> formação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva <strong>de</strong>idosos, primeiro passo em direção a uma consciência política.


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social73movimento dos aposentados. Todos lembram as reuniões em praçaspúblicas, as passeatas, as idas ao Congresso, em Brasília, e as vigílias,já <strong>na</strong> Constituinte. O aposentados traziam experiência <strong>de</strong> luta sindical,mas se autoi<strong>de</strong>ntificaram e justificavam a militância como aposentadosprovedores <strong>de</strong> famílias (Simões, 2000). O movimento teve seu clímax <strong>na</strong>conhecida “luta pelos 147% da Previdência”, momento que se constituiuem um divisor <strong>de</strong> águas nessa imagem social e política dos mais velhos,quando a imprensa registrou, com <strong>de</strong>staque, que a vanguarda política dopaís, <strong>na</strong>quele momento, era constituída pelos aposentados (“Aposentadosocupam vanguarda social”, 1992).Esse amplo movimento, a partir dos anos 90, vai contribuirpara consolidar a ple<strong>na</strong> visibilida<strong>de</strong> social dos idosos e, indo além dasmotivações econômicas e previ<strong>de</strong>nciárias iniciais, propiciar um começo <strong>de</strong>reconhecimento político e social às questões da velhice (ver Simões, 1998,200; Azevedo, 2005; Gomes, 2006).Naquele momento crucial, as mulheres pouco participavam<strong>de</strong>sse movimento, origi<strong>na</strong>l e maciçamente masculino. Mais tar<strong>de</strong> iriam,lentamente, chegando. No caso da Bahia, acompanhado em pesquisa(Azevedo, 2005), percebe-se, anos <strong>de</strong>pois, sua compassada trajetória <strong>de</strong>aprendizado político, que começou <strong>na</strong> própria Associação <strong>de</strong> Aposentados,mas também no di<strong>na</strong>mismo coletivo dos referidos Grupos e Programaspara a Terceira Ida<strong>de</strong> daquele movimentado fim <strong>de</strong> século (ver Brittoda Motta, 1999). Vamos (re)encontrá-las bem mais ativas, numerosas ereivindicativas, lado a lado com os homens, como participantes do FórumPermanente em Defesa do Idoso, criado em Salvador, em 2004, pelo próprioMovimento, visando articular a atuação <strong>de</strong> várias entida<strong>de</strong>s já envolvidascom a questão do envelhecimento, esten<strong>de</strong>ndo-se à implementação dotambém recente Estatuto do Idoso, sua inspiração e estímulo (Azevedo,2007).Outras lutas dos aposentados vêm sendo menores, nem sempreple<strong>na</strong>mente bem-sucedidas, porque o contexto social – com o Estado emsuas tentativas e justificativas <strong>de</strong> reformas da Previdência – não tem sidofavorável, apesar da promulgação do Estatuto do Idoso (2003). Entretanto,<strong>de</strong> qualquer forma, subsiste a idéia pública <strong>de</strong> que os velhos, quandoorganizados, não são in<strong>de</strong>fesos nem conformistas.


74Alda Britto da MottaUma outra faceta, ainda, da vivência e da situação dos idososatuais refere-se à clássica preferência <strong>de</strong> se reunirem informalmente, comamigos, conhecidos, colegas ou vizinhos, em jardins e praças públicas -e agora também <strong>na</strong>s “praças” dos shopping centers, o que <strong>de</strong>lineia umaforte questão <strong>de</strong> gênero. Pois assim como a maioria maciça dos militantesno movimento <strong>de</strong> aposentados era <strong>de</strong> homens, correspon<strong>de</strong>ndo àquelesque haviam tradicio<strong>na</strong>lmente participado do mercado <strong>de</strong> trabalho, on<strong>de</strong>o contingente feminino ainda era escasso e sem experiência política esindical (Britto da Motta, 1998a; Azevedo, 2005), os idosos das praçase dos jardins sempre constituíram grupos exclusivamente masculinos,<strong>de</strong>senvolvendo “conversas <strong>de</strong> homem”. E assim continuam. Constituem,esses grupos informais, a tradicio<strong>na</strong>l maioria dos tipos <strong>de</strong> reuniões <strong>de</strong>homens idosos, porém só nos últimos anos têm sido objeto <strong>de</strong> algumaatenção e pesquisas, curiosamente realizadas por mulheres, e não semdificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a eles.Eu própria estu<strong>de</strong>i um grupo <strong>de</strong>sses, composto por idosos “jovens”,entre 58 e 68 anos (Britto da Motta, 1999). De classes populares, em umbairro periférico <strong>de</strong> Salvador, reúnem-se <strong>na</strong> peque<strong>na</strong> praça em frente àigreja, ocupando vários bancos, diariamente. Aposentados, i<strong>de</strong>ntificam-setodo o tempo, cada um, como tal, mas também, com <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong>, comochefes <strong>de</strong> família.Todos são casados há muitos anos, todas as esposas são <strong>de</strong> “prendasdomésticas” e nenhuma marca presença <strong>na</strong> fala <strong>de</strong>les. Com exceção doúnico que não teve filhos, que mora só com a esposa, todos têm, além<strong>de</strong>sta, filhos e netos em casa. Sobre a família, comentam, reservada elaconicamente, que a relação é “boa”, “regular”, ou “normal”. Poucosparticularizam:“Às vezes me aborrece o pessoal sem fazer <strong>na</strong>da lá em casa”(referindo-se aos sete filhos e dois netos).“Com filho sempre tem aquele ‘reme-reme’, mas não tenho <strong>na</strong>dacontra ele, nem ele contra mim”.Deixam expressa a preocupação permanente com dinheiro,falando constantemente sobre o montante <strong>de</strong> cada provento... <strong>de</strong> outroscompanheiros: dos sentados em outros bancos da praça e até dos quepassam pela rua, em termos das aposentadorias que recebem: “Aquele aliestá bem, recebe...”; “Fulano ganha mais do que você”.


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social75Observados longamente por um jovem da equipe <strong>de</strong> pesquisa (teria<strong>de</strong> ser um homem, ou a <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> das conversas masculi<strong>na</strong>s não sedaria), anota-se o “clima” e os acontecimentos ao longo dos seus dias.O tempo passa e eles vão comentando sobre os que também passam.Ninguém escapa. Na vez <strong>de</strong> uma jovem grávida, um <strong>de</strong>les comenta, comcerto pesar:“Uma criança levando outra criança”.Um dia aparece <strong>na</strong> praça um não-aposentado, porém da mesmafaixa etária dos outros. Não se consi<strong>de</strong>ra idoso, entretanto, e frequenta apraça porque está em licença do trabalho, que termi<strong>na</strong>rá logo. Estava <strong>na</strong>praça, apressou-se em esclarecer, porque não tinha, <strong>na</strong>quele momento, oque fazer.Mas não se fala ape<strong>na</strong>s em proventos, <strong>na</strong> praça, nem também sóno que ocorrer. Fala-se em sexo e <strong>na</strong>s mulheres. Bastante. Entretanto aconsciência da velhice parece impreg<strong>na</strong>r tudo – possibilida<strong>de</strong>s e disposições,inclusive. Em certo momento, passa pelo grupo uma jovem bonita e o Sr.J., <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acompanhá-la com os olhos, volta-se para o entrevistador e diz:“Ser velho é isso: só fica olhando”. Entretanto ri.Falam com <strong>de</strong>sânimo sobre a velhice. Mas – objeto para reflexão– o único que trabalha é também o único que não se consi<strong>de</strong>ra velho,apesar <strong>de</strong> – lembre-se – ser da mesmo faixa <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que os outros. Referesea velho <strong>de</strong> forma distanciada, como “pessoa cansada, que não temcondições <strong>de</strong> trabalhar”. Com o que <strong>de</strong>ixa claro, em princípio, por que nãose i<strong>de</strong>ntifica como idoso.Igualados <strong>na</strong> situação <strong>de</strong> ócio, falam no uso que fazem do seu tempo:“Fazendo <strong>na</strong>da.” “Passei os anos trabalhando, <strong>de</strong>pois parei. Nãofaço <strong>na</strong>da.” “Andar. Não fico em casa, para não pensar mais.”“Ape<strong>na</strong>s em casa. Saio a negócio, banco, repartição, para resolveruma questão com meu advogado sobre meu último trabalho. O resto dotempo fico por aqui [<strong>na</strong> praça].” (68 anos)“Amanhece o dia, me levanto, fico por aqui, volto lá [em casa] Voubater uma biritinha, bater papo, ir <strong>na</strong> maré catar um marisco.” (61 anos).“Em casa. Saio <strong>na</strong> rua para me distrair, não saio à noite.” (61 anos).


76Alda Britto da Motta“Estava <strong>de</strong>itado, <strong>de</strong>pois me levantei, fui ao bar, fico sentado aqui.Até completar o dia, até chegar a noite.” (58 anos).“Em casa, <strong>de</strong>scansando <strong>na</strong>s horas vagas. Eu bebia muito, eu fumavamuito. Parei. Estava sempre por aqui [<strong>na</strong> praça].” (58 anos)Só o que ainda trabalha parece ir mais longe:“Ir à praia, jogar bola, assistir TV à noite - sexta e sábado, até 1hora [da madrugada]. Vou ao cinema, uma vez <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> dou um passeiopela rua Chile, shopping Barra, Campo Gran<strong>de</strong>.” (58 anos)Curiosa a diferença <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s e âmbito <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s entre o únicoempregado e os aposentados. As ida<strong>de</strong>s são próximas. Que peias tolhem osaposentados? A pecha, a pobreza, a falta <strong>de</strong> estímulos políticos?E a dúvida: a “i<strong>na</strong>tivida<strong>de</strong>” <strong>de</strong>cretada pelo fechamento do mercado<strong>de</strong> trabalho e pelas limitações postas pelas legislações trabalhista eprevi<strong>de</strong>nciária contami<strong>na</strong> os outros campos possíveis <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> – sexo,esportes, lazer festivo, ativida<strong>de</strong>s públicas <strong>de</strong> caráter político? Ou essaparada do trabalho, sempre uma brusquidão, <strong>de</strong>flagra a introjeção dospreconceitos sociais ainda vigentes contra os velhos?Os homens ainda não fizeram a revolução “masculinista”.Domi<strong>na</strong>ntes quanto ao po<strong>de</strong>r político e, mais generalizadamente, quantoao po<strong>de</strong>r familiar-patriarcal, tor<strong>na</strong>ram-se, por outro lado, escravizadospelas obrigações concernentes ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r e dos seusdireitos. Livres <strong>de</strong> obrigações domésticas, o que significa, realmente, adispensa <strong>de</strong> uma pesada carga <strong>de</strong> atribuições <strong>na</strong> juventu<strong>de</strong> e <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>,não usufruem, por seu turno, da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer ativida<strong>de</strong>scotidia<strong>na</strong>s <strong>de</strong>sse tipo <strong>na</strong> aposentadoria e <strong>na</strong> velhice, seja como distraçãoe preenchimento do tempo vago, seja até como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong> e autonomia, como no caso das mulheres (Britto da Motta,1999). Paralelamente à “obrigação”, tradicio<strong>na</strong>lmente masculi<strong>na</strong>, <strong>de</strong>“pronta potência” a qualquer instante, não é <strong>de</strong> se admirar o encontro<strong>de</strong> <strong>de</strong>sânimo, pessimismo e humor amargo dos homens <strong>na</strong> velhice, comofoi claramente encontrado nesse grupo estudado, quando essa prontidãojá não é tão possível. Sua servidão tradicio<strong>na</strong>l teria sido ao trabalho – e


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social77sua vida, tendo sido construída em relação a ele, estaria, como ocorre amuitos, entre o alívio e a falta.Por isso, sem a perspectiva do trabalho e envolvidos pelopreconceito contra a velhice, fica difícil renovar projetos <strong>de</strong> vida. Porque,indagados em relação a projetos <strong>de</strong> futuro (cautelosamente, sempre emtermos do imediato), impressio<strong>na</strong> o processo <strong>de</strong> conformismo a quechegaram. O <strong>de</strong>sejo para o futuro é, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, esticar o presente – nãohá como ousar, viver mais um pouco, conservar o que tem. O Sr. José, 58,chega a enunciar, paradigmaticamente: “Eu não quero mais futuro, o queeu tenho está tudo bem, não posso pedir mais <strong>na</strong>da”. Guarda, entretanto,uma esperança: “Ainda jogo <strong>na</strong> loto”.Em relação à maneira como são tratados socialmente, quase todosressentem-se <strong>de</strong>la:“O idoso vai per<strong>de</strong>ndo prestígio.” (Sr. João).“Assalariado todo tempo, não vou reclamar, tenho que meconformar, mas não está dando.” (Sr. Antônio José).“Eu pago sindicato da Petrobras, SOTAP, mas não me dão aquelevalor.” (Sr. Carlos).“Quanto a médico, nós temos que ir ao I<strong>na</strong>mps. É assim que viveo idoso. Não há diferença no atendimento meu para o <strong>de</strong> outra pessoa quenunca trabalhou.” (Sr. Antônio).“O governo só dá assistência a quem tem dinheiro, o pobre fica <strong>na</strong>fila até <strong>de</strong> noite.” (Sr. João).Diante <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> vida, por este ângulo, <strong>de</strong>sanimadora,a solução só po<strong>de</strong> dar-se, realmente, através da militância política, <strong>de</strong> umabusca que leve à consciência <strong>de</strong> geração e ao pleito coletivo por políticaspúblicas que contribuam para uma vida mais justa. E isso eles não têmcomo fazer sozinhos.


78Alda Britto da MottaBibliografia______. Aposentados ocupam vanguarda social. Folha <strong>de</strong> SãoPaulo, São Paulo, 2 <strong>de</strong> fevereiro,1992.______. Das praças e ruas ao palco <strong>de</strong> múltiplas vozes: asperspectivas do movimento político autônomo dos aposentados/as. Projeto<strong>de</strong> tese em <strong>de</strong>senvolvimento no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação CiênciasSociais. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, 2007.______. Espaço doméstico e gerações: disputas veladas e renúnciasambíguas. <strong>Trabalho</strong> apresentado no XI Encontro <strong>de</strong> Ciências Sociais doNorte e Nor<strong>de</strong>ste. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Sergipe, agosto 2003. CD-ROM.______. Idosos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira no limiar do século XXI.IN: GICO, Vânia; SPINELLI, Antônio; VICENTE, Pedro (orgs.). As CiênciasSociais — Desafios do Milênio. EDUFRN, PPGCS. Natal, RN, 2001.______. “Não tá morto quem peleia”: a pedagogia inesperada nosgrupos <strong>de</strong> idosos. Tese <strong>de</strong> doutorado. Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, 1999.______. Provedores e militantes: imagens <strong>de</strong> homens aposentados<strong>na</strong> família e <strong>na</strong> vida pública. IN: PEIXOTO, Clarice Ehlers (org.). Família eEnvelhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora FGV, p. 25-56, 2004.______. Reinventando fases: a família do idoso. Ca<strong>de</strong>rno CRH/UFBA, Salvador, nº 29, jun/<strong>de</strong>z, 1998b, p. 69 -87.AZEVEDO, Eulália Lima. Aposentados em movimento: tensõese convergências com o movimento sindical. Dissertação apresentada noPrograma <strong>de</strong> Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral daBahia, 2005.BRITTO DA MOTTA, Alda. Chegando pra ida<strong>de</strong>. In: Myriam MoraesLins <strong>de</strong> Barros. (Org.). Velhice ou terceira ida<strong>de</strong> (estudos antropológicossobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, memória e política). Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ. Fundação GetulioVargas, 1998a, p. 223-235.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia. O idoso brasileiro no mercado <strong>de</strong>trabalho. Texto para discussão nº 830. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2001.GOMES, Marcia Carvalho. Proteção social à velhice e o circuito<strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>s intergeracio<strong>na</strong>is. 2008, tese (doutorado em CiênciasSociais). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Huma<strong>na</strong>s, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ralda Bahia, Salvador, 2008.LENOIR, Remi. L’invention du troisième age (constitution du champ<strong>de</strong>s agents <strong>de</strong> gestion <strong>de</strong> la vieillesse). Actes <strong>de</strong> la Recherche en SciencesSociales, Paris, França, p. 26-27, mar/avr, 1979.


Envelhecimento Masculino: <strong>Trabalho</strong>, Aposentadoria e Participação Social79PEIXOTO, Clarice Ehlers. Aposentadoria: retorno ao trabalhoe solidarieda<strong>de</strong> familiar. IN: PEIXOTO, Clarice Ehlers (org.). Família eEnvelhecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora FGV, p. 57-84, 2004.SANTOS, Vanda Martins dos. A constituição subjetiva doenvelhecimento: representações <strong>de</strong> trabalhadores <strong>de</strong> uma indústriapetroquímica sobre a aposentadoria. Dissertação apresentada no Programa<strong>de</strong> Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia,julho <strong>de</strong> 2009.SIMÕES, Júlio Assis. Entre o lobby e as ruas: movimento <strong>de</strong>aposentados e politização da aposentadoria. Tese <strong>de</strong> doutorado. Instituto<strong>de</strong> Filosofia e Ciências Huma<strong>na</strong>s, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campi<strong>na</strong>s, Campi<strong>na</strong>s,2000.SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos. SãoPaulo, Editora Brasiliense. 1991, p. 87-104.


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong>e Renda entre Idosos81A<strong>na</strong> Amélia CamaranoGraduada em Economia pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mi<strong>na</strong>s Gerais, on<strong>de</strong>também fez mestrado em Demografia. Doutorado em Population Studies <strong>na</strong>London School of Economics. Professora-colaboradora da Escola Nacio<strong>na</strong>l<strong>de</strong> Ciências Estatísticas e técnica em Pesquisa e Planejamento do Instituto<strong>de</strong> Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DF).IntroduçãoO envelhecimento populacio<strong>na</strong>l também acarreta mudanças <strong>na</strong>sfamílias. Estas, da mesma forma, envelhecem, o que po<strong>de</strong> ser medido peloaumento da proporção das famílias que contam com idosos resi<strong>de</strong>ntes epela sua maior verticalização, ou seja, pela convivência <strong>de</strong> várias gerações.Esta convivência po<strong>de</strong> significar co-residência ou não.A família é vista como a fonte <strong>de</strong> apoio informal mais direta paraa população idosa. Em muitos países, aparece como a única alter<strong>na</strong>tiva <strong>de</strong>apoio. Isto tem se dado tanto pela co-residência como pela transferência<strong>de</strong> bens e recursos fi<strong>na</strong>nceiros. Os seus membros se ajudam <strong>na</strong> buscado alcance do bem-estar coletivo, constituindo um espaço <strong>de</strong> “conflitocooperativo”, on<strong>de</strong> se cruzam as diferenças por gênero e intergeracio<strong>na</strong>is.A consequência é uma gama variada <strong>de</strong> arranjos familiares.As formas <strong>de</strong> arranjos familiares esperadas para famílias com idososresi<strong>de</strong>ntes são do tipo casal sem filhos ou famílias unipessoais, ou seja,idosos morando sós. O estado conjugal é um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte importante do


82A<strong>na</strong> Amélia Camaranotipo <strong>de</strong> arranjo, bem como a in<strong>de</strong>pendência dos filhos, expressa pela saída<strong>de</strong> casa e a autonomia física, mental e fi<strong>na</strong>nceira, pelo menos, dos chefes<strong>de</strong> família e/ou cônjuges. Quando isso não acontece, a co-residência, oua ampliação das famílias, po<strong>de</strong> ser uma estratégia familiar utilizada parabeneficiar tanto as gerações mais novas como as mais velhas. As variações<strong>na</strong> renda dos pais e dos filhos também <strong>de</strong>sempenham um papel importante<strong>na</strong> co-residência.Além do envelhecimento populacio<strong>na</strong>l, duas outras tendênciasrecentes po<strong>de</strong>m ser generalizadas: os idosos estão vivendo mais e emmelhores condições fi<strong>na</strong>nceiras e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e os jovens estão adiando aida<strong>de</strong> em que saem da casa dos pais. O período em que os filhos passamcomo economicamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> seus pais tem crescido <strong>de</strong>vido àinstabilida<strong>de</strong> do mercado <strong>de</strong> trabalho, ao maior tempo <strong>de</strong>spendido <strong>na</strong>escola e à maior instabilida<strong>de</strong> das relações afetivas. 1Partindo <strong>de</strong>stas premissas, o objetivo geral <strong>de</strong>ste trabalho éenten<strong>de</strong>r como as famílias brasileiras estão se organizando para fazer faceao envelhecimento populacio<strong>na</strong>l e algumas <strong>de</strong> suas consequências, comoa perda <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l e fi<strong>na</strong>nceira e a maior <strong>de</strong>pendênciaeconômica dos jovens. Para isto, a<strong>na</strong>lisam-se as mudanças <strong>na</strong> composiçãodas famílias brasileiras com idosos resi<strong>de</strong>ntes entre 1987 e 2007, procurandoinferir sobre algumas estratégias <strong>de</strong> transferência intergeracio<strong>na</strong>l ocorridas<strong>de</strong>ntro das famílias.As famílias com idosos residindo foram divididas em dois grupos:famílias <strong>de</strong> idosos, em que o idoso é chefe ou cônjuge, e famílias com idosos,em que os idosos moram <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> parentes do chefe. 2 Assume-seque <strong>na</strong> primeira residam idosos com autonomia econômica, e/ou físicae mental e, <strong>na</strong> segunda, os vulneráveis, ou seja, idosos que <strong>de</strong>mandamalguma ajuda <strong>de</strong> familiares. 3 Consi<strong>de</strong>ra-se que as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> idosos porcuidados advêm, principalmente, daqueles que não têm renda ou dos queper<strong>de</strong>ram a sua autonomia.O trabalho está estruturado em quatro seções, sendo a primeiraesta introdução. A segunda apresenta uma breve <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> como se1Ver sobre o assunto: Camarano et al. (2004).2Esta abordagem já foi utilizada em outro trabalho. Ver Camarano e Kanso (2003); Beltrão, Camaranoe Mello (2004); Camarano et al. (2004).3Uma análise <strong>de</strong>talhada dos arranjos familiares <strong>de</strong> idosos, utilizando esta classificação, foi feita porCamarano e Kanso (2003) e Camarano et al. (2004).


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos83constituem os arranjos familiares <strong>de</strong> idosos e com idosos no Brasil. Buscaseenten<strong>de</strong>r como as suas estratégias <strong>de</strong> organização estão contribuindopara o bem-estar das famílias. Na terceira seção, o foco <strong>de</strong> análise são astrocas intergeracio<strong>na</strong>is. Busca-se inferir se a co-residência significa apoioe a sua direção. Parte-se do principio <strong>de</strong> que, em geral, os mecanismos <strong>de</strong>apoio familiar se dão, <strong>na</strong> maioria das vezes, simultaneamente, <strong>na</strong>s duasdireções: os pais ajudam os filhos e estes ajudam os pais. Fi<strong>na</strong>lmente, umsumário dos principais resultados é apresentado <strong>na</strong> quarta seção.Os arranjos familiares <strong>de</strong> e com idosos no BrasilAs alterações <strong>na</strong> composição das famílias brasileiras refletemas mudanças <strong>de</strong>mográficas que a população experimentou <strong>na</strong>s últimasdécadas - especificamente, a queda da fecundida<strong>de</strong> e da mortalida<strong>de</strong> -,além das transformações no mundo do trabalho, a ampliação da segurida<strong>de</strong>social, as mudanças <strong>na</strong> nupcialida<strong>de</strong>, entre outras. O objetivo <strong>de</strong>sta seçãoé a<strong>na</strong>lisar o impacto <strong>de</strong>stes fenômenos sobre os arranjos familiares quecontêm idosos e suas condições <strong>de</strong> vida.Como já se mencionou, as famílias 4 com idosos resi<strong>de</strong>ntes foramdivididas em dois grupos: famílias <strong>de</strong> idosos, <strong>na</strong>s quais o idoso é chefeou cônjuge, e famílias com idosos, em que os idosos moram <strong>na</strong> condição<strong>de</strong> parentes do chefe ou do cônjuge. Busca-se inferir sobre a existência<strong>de</strong> associação entre <strong>de</strong>pendência fi<strong>na</strong>nceira, autonomia física/mental e acomposição das famílias com a presença <strong>de</strong> idosos. Espera-se que os idososmenos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes fi<strong>na</strong>nceiramente e em melhores condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>encontrem-se em maior número <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos e os mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntesem famílias com idosos. Os dados são provenientes das Pesquisas Nacio<strong>na</strong>ispor Amostra <strong>de</strong> Domicílios (PNAD) <strong>de</strong> 1987, 2003 e 2007.Composição dos arranjosO Gráfico 1 mostra a proporção <strong>de</strong> domicílios segundo a presença <strong>de</strong>idosos resi<strong>de</strong>ntes e sua posição no domicílio. Observou-se um crescimento<strong>na</strong> proporção <strong>de</strong> famílias com a presença <strong>de</strong> idosos, o que era esperado,dado o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l. Essa proporção passou <strong>de</strong> 22,9%4Por família, está se consi<strong>de</strong>rando domicílio tal como <strong>de</strong>finido pelo IBGE. A palavra família é aqui utilizadacomo sinônimo <strong>de</strong> domicílio.


84 A<strong>na</strong> Amélia Camaranoem 1987 para 26,8% em 2000. O crescimento ocorreu entre as famílias <strong>de</strong>idosos. Em 1987, elas eram responsáveis por 18,9% das famílias brasileirase, em 2007, passaram a constituir 23,8% <strong>de</strong>las. As famílias com idososdiminuíram tanto em termos absolutos quanto relativos, o que se <strong>de</strong>veà redução no número <strong>de</strong> idosos <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> “outros parentes”. Estatendência sugere para uma redução da “<strong>de</strong>pendência” dos idosos, como járessaltado em outros estudos. 5Gráfico 1Distribuição percentual dos domicílios segundo a presença <strong>de</strong> idosos - Brasil806040200Domicílios sem idososDomicílios <strong>de</strong> idososDomicílios com idososFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007Verificou-se no período não só um crescimento no númeroe <strong>na</strong> proporção 50 <strong>de</strong> famílias com idosos, mas também uma alteração <strong>na</strong>composição das famílias <strong>de</strong> idosos e com idosos. Nos domicílios em queo idoso é chefe ou cônjuge, ressalta-se a queda da proporção <strong>de</strong> famíliasformadas30por casal com filhos e o crescimento <strong>na</strong>s formadas por casal semfilhos e por mulher sem cônjuge com ou sem filhos, conforme mostra oGráfico 2. Em 1987, o padrão principal <strong>de</strong> arranjo era o <strong>de</strong> casal com filhos.10Em 2007, passou a ser o composto por mulheres sem cônjuge, seja comfilhos residindo 0 ou não. Essas mudanças estão relacio<strong>na</strong>das à esperançaCasal sem filhos Casal com filhos Mulher sem Mulher sem Homem sem Homem semcônjuge<strong>de</strong> vida diferencial entre homens e mulheres e às menores chances <strong>de</strong>filhose sem cônjuge filhose com cônjuge filhose sem cônjuge filhose comrecasamento Fonte: IBGE/PNAD por parte <strong>de</strong> 1987 e 2007. das mulheres. Com a viuvez e as 1987separações, 2007 asmulheres idosas passam a assumir os papéis <strong>de</strong> responsáveis pelas suasfamílias. Este comportamento reflete tanto as alterações <strong>de</strong>correntes doenvelhecimento populacio<strong>na</strong>l como as mudanças nos arranjos familiares dapopulação como um todo, o que já foi visto em outros estudos (Camaranoe Kanso, 2003, Camarano, 2003, Camarano et al, 2004).5Sobre o assunto, ver Camarano e El Ghaouri (1999; 2003); Camarano et al (2004).


200Domicílios sem idososRelações Domicílios <strong>de</strong> Familiares, idosos <strong>Trabalho</strong> Domicílios e Renda com idosos Entre Idosos85Fonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007Gráfico 2Composição dos domicílios <strong>de</strong> idosos - Brasil - 1987 a 20075030100Casal sem filhosCasal com filhosMulher semcônjuge e semfilhosMulher semcônjuge e comfilhosHomem semcônjuge e semfilhosHomem semcônjuge e comfilhosFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007As famílias com idosos são compostas majoritariamente porcasais com filhos, cuja proporção também <strong>de</strong>cresceu no período. Em1987, constituíam 61,1% das famílias com idosos e, em 2007, passarama ser responsáveis por 45,0%. O incremento mais importante ocorreu <strong>na</strong>sproporções <strong>de</strong> famílias chefiadas por mulheres não idosas sem cônjugese sem filhos, em que o idoso vivia como seu parente. Embora baixa, essaproporção quase dobrou entre 1987 e 2007, passando <strong>de</strong> 6,4% das famíliascom idosos para 12,4%. Ressalta-se também o aumento <strong>na</strong> proporção <strong>de</strong>famílias constituídas por mulheres não idosas sem cônjuges com filhos eparentes idosos (ver Gráfico 3). Esses dois tipos <strong>de</strong> arranjos constituíamquase um terço das famílias com idosos.80Gráfico 3Composição dos domicílios com idosos - Brasil - 1987 a 20076040200Casal sem filhosCasal com filhosMulher semcônjuge e semfilhosMulher semcônjuge e comfilhosHomem semcônjuge e semfilhosHomem semcônjuge e comfilhosFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007100


86A<strong>na</strong> Amélia CamaranoNa tabela 1, comparando a composição das famílias <strong>de</strong> idosos e ascom, observam-se, como esperado, gran<strong>de</strong>s diferenças <strong>na</strong> sua composição.As informações referem-se ape<strong>na</strong>s a 2007. A primeira diferença ressaltadaé no seu tamanho, ou seja, no número médio <strong>de</strong> membros. Nos domicílioscom idosos viviam 4,4 pessoas e nos <strong>de</strong> idosos, 2,9. A diferença encontradanos tamanhos dos tipos <strong>de</strong> famílias é explicada basicamente pela presença<strong>de</strong> outros parentes idosos e por filhos menores <strong>de</strong> 21 anos <strong>na</strong>s primeirasfamílias. Na verda<strong>de</strong>, estas são, por <strong>de</strong>finição, famílias em que os chefessão não-idosos e contam com pelo menos um parente idoso. Já o outrotipo <strong>de</strong> família apresenta um número mais elevado <strong>de</strong> filhos maiores <strong>de</strong>21 anos. Isto está relacio<strong>na</strong>do, por um lado, à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sse arranjo, <strong>de</strong>chefes ou cônjuges idosos, e, possivelmente, a dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esses filhosadultos saírem da casa dos pais. A mensuração da presença <strong>de</strong> netos <strong>na</strong>sfamílias com a presença <strong>de</strong> idosos é prejudicada pela ausência <strong>de</strong>ste quesito<strong>na</strong>s PNADs. Uma aproximação já utilizada em outros trabalhos 6 é feitaa<strong>na</strong>lisando a categoria “outros parentes”. Em 2007, <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos,outros parentes com menos <strong>de</strong> 14 anos constituíam aproximadamente10% dos seus membros. Outros 7,2% eram formados por outros parentescom 15 a 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Embora menores, as famílias <strong>de</strong> idosos nãosão formadas ape<strong>na</strong>s por casal ou pessoas morando sós. Possuem umaestrutura mais complexa, composta por idosos e não idosos.Tabela 1Número médio <strong>de</strong> mebros segundo a relação com o chefe dos domicílios<strong>de</strong> e com idosos - Brasil 2007Relação com o chefeChefeCônjugeFilhosFilho < 21 anosFilho >+ 21 anosOutro parenteMenor ou igual a14 anosEntre 15 e 60 anosMaiores <strong>de</strong> 60 anosOutros membros 1Total1Inclui: Agregado, pensionista, empregado doméstico e parente do empregado doméstico.Fonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 2007.De idosos1,000,530,830,170,650,510,260,210,040,032,89Com idosos1,000,541,280,990,291,500,160,301,040,064,376Ver Camarano e Kanso (1999); Camarano e Kanso (2003); Beltrão, Camarano e Mello (2004);Camarano et al., 2004, entre outros.Características% idoso residindo <strong>na</strong>s famíliasDe idosos46,8Com idosos24,7


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos87Esses são alguns indicadores que sugerem a existência <strong>de</strong> coresidência<strong>de</strong> várias gerações como uma forma significativa <strong>de</strong> arranjofamiliar em que se inserem os idosos brasileiros. Tal fato reforça a idéia<strong>de</strong> que experiências e valores, bem como suporte fi<strong>na</strong>nceiro e emocio<strong>na</strong>l,estão sendo compartilhados entre várias gerações, <strong>de</strong>stacando-se aí asrelações entre netos e avós. Neste sentido, as trocas intergeracio<strong>na</strong>ispo<strong>de</strong>m Relação funcio<strong>na</strong>r com o como chefeimportante De elemento idosos <strong>de</strong> Com valorização idosos do idoso <strong>na</strong>ssocieda<strong>de</strong>s.ChefeCônjugeAlgumas características dos 0,83arranjos familiares1,28FilhosFilho < 21 anosFilho >+ 21 anos1,000,530,170,651,000,540,990,29Objetivando <strong>de</strong>talhar as condições <strong>de</strong> vida dos idosos brasileiros,Outro parente0,511,50comparamos, <strong>na</strong> Tabela 2, alguns indicadores que caracterizam as famíliasMenor ou igual a14 anos0,260,16<strong>de</strong> idososEntree15come 60 anosidosos em 2007. A0,21proporção <strong>de</strong>0,30idosos resi<strong>de</strong>ntes, <strong>na</strong>sprimeiras Maiores famílias, <strong>de</strong> 60 anos era quase o dobro 0,04da apresentada 1,04 <strong>na</strong>s segundas, noentanto Outros essa membros proporção 1 não ultrapassava 0,03 47% do total 0,06 <strong>de</strong> membros. Entreas famílias Total com idosos, esta proporção 2,89 era <strong>de</strong> 24,7%. 4,37 Tais percentuais1reforçam Inclui: Agregado, o que pensionista, já foi empregado visto: doméstico que as e parente estruturas do empregado domiciliares doméstico. no Brasil sãomarcadas Fonte: IBGE/PNAD pela convivência <strong>de</strong> 2007. <strong>de</strong> gerações, mesmo <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos, <strong>na</strong>squais este é chefe ou cônjuge.Tabela 2Algumas características das famílias brasileiras com e <strong>de</strong> idosos - Brasil 2007Características% idoso residindo <strong>na</strong>s famíliasIda<strong>de</strong> média do idosoIda<strong>de</strong> média do chefe% chefes femininosNúmero médio <strong>de</strong> pessoas que trabalhamNúmero médio <strong>de</strong> idosos que trabalhamNúmero médio <strong>de</strong> filhos que trabalham% <strong>de</strong> idosos que recebem benefíciosRendimento médio do idosoRendimento médio família per capita% famílias com renda per capita até 1/2 SM% renda familiar que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do benefício% renda familiar que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do idosoFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 2007.De idosos46,869,469,141,31,00,30,575,4951,96643,2014,450,069,2Com idosos24,774,744,437,71,70,10,382,4620,25560,7516,631,226,7


88A<strong>na</strong> Amélia CamaranoOs idosos que viviam como chefes ou cônjuges <strong>de</strong> suas famíliaseram, em média, 5,3 anos mais jovens do que os que não assumiam acondição <strong>de</strong> responsáveis ou cônjuges (ver Tabela 2). Isto sugere umaassociação entre ida<strong>de</strong> e vulnerabilida<strong>de</strong>, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio. Observousetambém um percentual relativamente elevado <strong>de</strong> mulheres idosasexercendo a chefia das famílias, principalmente <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos,cuja proporção foi <strong>de</strong> 41,3%. Entre as famílias com idosos, o percentualcomparável foi <strong>de</strong> 37,7%. Já foi visto em outro trabalho 7 que entre 1980e 2000, apesar <strong>de</strong> a porcentagem <strong>de</strong> mulheres chefes <strong>de</strong> família ser maiselevada <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos, o aumento relativo <strong>na</strong> referida proporçãofoi muito mais intenso entre as famílias com idosos. Isto reflete o aumentogeneralizado das famílias chefiadas por mulheres em curso no Brasil esugere uma maior “preferência” dos idosos por morar com suas filhas,como apontado <strong>na</strong> literatura.A Tabela 2 também mostra que o número médio <strong>de</strong> pessoas quetrabalhavam é mais elevado <strong>na</strong>s famílias com idosos, dado que, por <strong>de</strong>finição,os chefes e cônjuges são não-idosos. Por outro lado, os idosos que viviam<strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos participavam mais do mercado <strong>de</strong> trabalho do que osque viviam <strong>na</strong>s famílias com idosos, o que po<strong>de</strong> estar relacio<strong>na</strong>do ao fato <strong>de</strong>serem mais jovens do que os <strong>de</strong>mais. Como consequência, a proporção <strong>de</strong>idosos beneficiários da segurida<strong>de</strong> social era mais elevada entre os idososresidindo <strong>na</strong>s famílias com idosos. Observou-se que os idosos resi<strong>de</strong>ntes<strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos e, consequentemente, as suas famílias estavam emmelhores condições econômicas que os resi<strong>de</strong>ntes <strong>na</strong>s famílias com idosos.Eram relativamente menos pobres 8 e apresentavam um rendimento médiodomiciliar per capita ligeiramente mais elevado.Trocas familiares intergeracio<strong>na</strong>isEsta seção busca inferir se a co-residência significava apoio e trocasintergeracio<strong>na</strong>is. Parte-se do principio <strong>de</strong> que, em geral, os mecanismos<strong>de</strong> apoio familiar se dão, <strong>na</strong> maioria das vezes, simultaneamente <strong>na</strong>s duasdireções: os pais ajudam os filhos e estes ajudam os pais. No entanto hásituações em que os fluxos prevalecentes são em ape<strong>na</strong>s uma direção. Isto7Ver Camarano et al. (2004).8Definimos como pobres aquelas pessoas com um rendimento médio familiar per capita inferior ameio salário mínimo.


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos89aparece mais neste trabalho, dado o foco <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ste ser a populaçãoidosa. Como já se mencionou anteriormente, assumiu-se que <strong>na</strong>s famílias<strong>de</strong> idosos predomi<strong>na</strong>riam as transferências <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, das geraçõesmais velhas para as mais novas, e <strong>na</strong>s famílias com idosos, o inverso.Mecanismos <strong>de</strong> apoio familiar intergeracio<strong>na</strong>is<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntesA primeira variável consi<strong>de</strong>rada para inferir sobre a existência <strong>de</strong>apoios intergeracio<strong>na</strong>is foi renda. Nas famílias <strong>de</strong> idosos, a renda <strong>de</strong>stes émuito importante no orçamento familiar. Em 2007, 69,2% <strong>de</strong>ste orçamento<strong>de</strong>pendia da renda dos idosos. Como já se observou anteriormente, essasnão são famílias compostas ape<strong>na</strong>s por idosos. Nas famílias com idosos,a participação da sua renda também era muito importante, representava26,7% dos ganhos <strong>de</strong>ssas famílias (ver Tabela 2). Embora esta proporção sejabem menor do que <strong>na</strong>s primeiras famílias, ela não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser expressiva,principalmente, se se levar em conta que os idosos nela residindo são, porhipótese, os “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”. Isto leva a perguntar <strong>de</strong> que <strong>de</strong>pendência seestá falando.Lloyd-Sherlock (2001) mostrou, com base numa pesquisa <strong>de</strong> camporealizada em favelas <strong>de</strong> São Paulo, que os idosos aí resi<strong>de</strong>ntes ten<strong>de</strong>m agastar a sua renda mais com outros membros da família do que com elespróprios. Colocam priorida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s necessida<strong>de</strong>s dos netos, muitas vezes,em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s - como remédios, por exemplo.A contribuição da renda do idoso no orçamento domiciliar e omais baixo nível <strong>de</strong> pobreza observado nos dois tipos <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong>vemestar associadas à participação do benefício social <strong>na</strong> sua renda. 9 Estaparticipação foi <strong>de</strong> 50,0% <strong>na</strong> renda das famílias <strong>de</strong> idosos e <strong>de</strong> quase umterço <strong>na</strong>s famílias com. Por outro lado, a contribuição <strong>de</strong> outros membrosdas famílias <strong>na</strong> renda das famílias <strong>de</strong> idosos era muito baixa, inferior a1%. A segunda mais alta era a dos filhos, que não ultrapassou 20% - a doscônjuges foi <strong>de</strong> 14,7% (Gráfico 4). A contribuição dos filhos <strong>na</strong>s famílias<strong>de</strong> era mais baixa que a dos outros parentes idosos <strong>na</strong>s famílias com.9 Vários trabalhos já mostraram a importância do beneficio da segurida<strong>de</strong> social <strong>na</strong> redução dapobreza entre idosos. Ver, por exemplo, Barros, Mendonça e Santos (1999); Camarano (2004);Sabóia (2004); Delgado e Simões (2004).


0Casal sem filhosCasal com filhosMulher semcônjuge e semfilhosMulher semcônjuge e comfilhosHomem semcônjuge e semfilhosHomem semcônjuge e comfilhos90Fonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.A<strong>na</strong> Amélia Camarano1987 2007Gráfico 4Participação da renda <strong>de</strong> cada membro <strong>na</strong> renda dos domicílios - Brasil 2007100806040200Domicílios <strong>de</strong> idososDomicílios <strong>de</strong> idososFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.OutrosmembrosOutrosparentesFilhoCônjugeChefeA Tabela 3 mostra as características <strong>de</strong> ocupação, rendimento efrequência à escola dos filhos adultos, outros parentes (netos) resi<strong>de</strong>ntes<strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos e <strong>de</strong> moradores entre 21 a 40 anos <strong>na</strong>s famílias comidosos, com o propósito <strong>de</strong> comparação. Provavelmente, gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>steúltimo segmento era composta por chefes <strong>de</strong> famílias e cônjuges. Entre osfilhos maiores <strong>de</strong> 21 anos que moravam <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos, 28,2% nãoapresentavam nenhum rendimento. A proporção <strong>de</strong> filhos ocupados foi <strong>de</strong>67,3% e a <strong>de</strong> filhos que estudavam, <strong>de</strong> 11,7%. O rendimento médio dosfilhos foi inferior à renda média domiciliar per capita, em aproximadamente11%, e cerca <strong>de</strong> 40% inferior à renda do idoso.Os dados mostrados <strong>na</strong> tabela 3 também apontam para umaproporção ligeiramente mais elevada <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> 21 a 40 anos ocupadas<strong>na</strong>s famílias com idosos comparada à <strong>de</strong> filhos adultos, O rendimentomédio <strong>de</strong>sses adultos era, também, ligeiramente mais elevado do queo correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> filhos resi<strong>de</strong>ntes <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos. Mas orendimento dos adultos das famílias com era muito semelhante ao dosidosos residindo nesses domicílios. A proporção <strong>de</strong> adultos sem rendimentoera ligeiramente mais alta <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos. Estes dados reforçama hipótese anteriormente feita <strong>de</strong> que <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong> idosos ocorremcom mais frequência apoios familiares <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e <strong>na</strong>s com idosos,ascen<strong>de</strong>ntes, pelo menos no que se refere à renda.


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos91Tabela 3Algumas características da população resi<strong>de</strong>nte em domicílios com e <strong>de</strong> idosos- Brasil 2007Características% Filhos >= 21 anos sem rendimento% Moradores sem rendimento entre 21 e 40 anos% Filhos >= 21 anos ocupados% Moradores ocupados entre 21 e 40 anosRenda média do filho (>= 21 anos)*Rendimento médio dos moradores <strong>de</strong> 21 a 40 anos*% Filhos >=21 anos que estudam% Moradores entre 21 e 40 anos que estudam% Filhos >= 21 anos que não estudam e não trabalham% Moradores entre 21 e 40 anos que não estudam e não trabalham% Outro parente < 15 anos que estuda% Crianças < 15 anos que estudam% Outro parente < 15 anos que trabalha% Crianças < 15 anos que trabalhamFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 2007.De idosos28,267,3570,911,728,676,61,7Com idosos25,471,0602,214,323,679,42,2Por outro lado, 11,7% dos filhos adultos residindo <strong>na</strong>s famílias <strong>de</strong>idosos frequentavam a escola em 2007, proporção ligeiramente mais baixado que a dos adultos resi<strong>de</strong>ntes <strong>na</strong>s famílias com idosos. Aproximadamente30% dos filhos adultos residindo em famílias <strong>de</strong> idosos nem estudavam enem trabalhavam, proporção esta bem mais elevada do que a verificadapara os adultos moradores <strong>na</strong>s famílias com idosos. É possível que parte<strong>de</strong>sta última proporção esteja se referindo a cônjuges. Aproximadamente¾ dos outros parentes <strong>de</strong> 7 a 14 ou <strong>de</strong> filhos nesta ida<strong>de</strong> frequentavam aescola nos dois tipos <strong>de</strong> família. Já a proporção <strong>de</strong> crianças que trabalhavamtambém era muito baixa nos dois tipos <strong>de</strong> família.Mecanismos <strong>de</strong> apoio intergeracio<strong>na</strong>is ascen<strong>de</strong>ntesEmbora em proporção <strong>de</strong>crescente, as famílias brasileiras comidosos constituíam, em 2007, 3,0% das famílias brasileiras. Aí residiam10,1% dos idosos brasileiros <strong>na</strong> categoria <strong>de</strong> pais, sogros, tios dos chefes<strong>de</strong> família e outros parentes. Camarano et al (2004) encontraram para2000 que nesta categoria predomi<strong>na</strong>vam os pais e sogros do chefe dodomicílio, sendo estes predomi<strong>na</strong>ntemente viúvos. Nesta categoria <strong>de</strong>estado conjugal, encontravam-se 41,5% dos outros parentes masculinos e


92A<strong>na</strong> Amélia Camarano66,6% dos femininos. Entre os outros parentes, predomi<strong>na</strong>vam as mulherese as pessoas com ida<strong>de</strong> mais avançadas. Esta tendência se acentuou entre1987 e 2007 (vi<strong>de</strong> gráfico 5). Isso sugere que os homens, em geral, mesmocom perda <strong>de</strong> autonomia, permanecem como chefes da família, mas asmulheres provavelmente, quando sozinhas (viúvas, separadas ou solteiras),moram com filhos e/ou outros parentes.Gráfico 5Distribuição etária e por sexo da população <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> “outro parente”em domicílios com idosos - Brasil - 1987 e 200780+75-7970-7465-6960-6455-5950-5445-4940-4435-3930-3425-2920-2415-1910-145-90-40,20 0,10 00,100,20Fonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.Homens - 2007Homens - 1987Mulheres - 2007Mulheres - 1987Embora provavelmente necessitando <strong>de</strong> ajuda para o <strong>de</strong>sempenhodas suas ativida<strong>de</strong>s cotidia<strong>na</strong>s, mesmo os idosos <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> outros30parentes aportavam uma contribuição importante <strong>na</strong> renda das suasfamílias, como se viu <strong>na</strong> Tabela 2: equivalia a quase 30% do orçamentodas famílias on<strong>de</strong> residiam. Esta era maior entre as mulheres, (vi<strong>de</strong> Gráfico6). 20Estas <strong>de</strong>vem ser mulheres viúvas que contavam com a 18,7 pensão por mortedo marido. Apesar <strong>de</strong> morarem em casa <strong>de</strong> filhos e <strong>de</strong>, possivelmente,necessitarem da sua ajuda no <strong>de</strong>sempenho das ativida<strong>de</strong>s diárias, prestamuma 10 contribuição importante <strong>na</strong> renda das famílias em que moram. Neste6,9 7,0sentido, po<strong>de</strong>-se falar que as famílias se organizam para maximizar o usodos recursos (tempo3,3para cuidado, renda), em função <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>rem as<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Esta organização é mediada pelas políticas0HomensMulheresFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007


60-6455-5950-5445-4940-4435-3930-34Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos25-29<strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social e pela disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo das idosas autônomas.20-24Como 15-19 se po<strong>de</strong> ver pelo Gráfico 7, a maior parte da renda dos domicílios10-14<strong>de</strong> idosos passou a ser, em 2007 originária da segurida<strong>de</strong> social: pensões5-9e aposentadorias. 0-4 Mesmo nos domicílios com idosos, a contribuição dos0,20 0,10 00,100,20benefícios sociais aumentou <strong>de</strong> 15,0% para 31,2% entre 1987 e 2007.Gráfico 6Contribuição da renda do idoso <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> “outro parente” por sexonos domicílios com idosos - Brasil - 1987 e 200730Fonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.Homens - 2007Homens - 1987Mulheres - 2007Mulheres - 1987932018,7103,36,9 7,00HomensMulheresFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.1987 2007Gráfico 7Composição da renda dos domicílios segundo o tipo - Brasil - 1987 e 20071008060402001987 2007De idosos1987 2007De idososFonte: IBGE/PNAD <strong>de</strong> 1987 e 2007.OutrosPensãoAposentadoria<strong>Trabalho</strong>


94A<strong>na</strong> Amélia CamaranoSintetizando, os arranjos familiares dos idosos são complexose heterogêneos. Entre os idosos brasileiros, em 2007, ape<strong>na</strong>s 9,6% nãotinham nenhuma renda - e 84,8% eram mulheres. A sua <strong>de</strong>pendência emrelação à falta <strong>de</strong> renda <strong>de</strong>ve-se, principalmente, à sua baixa participaçãono mercado <strong>de</strong> trabalho durante a vida adulta. Para estas mulheres, tercasado e/ou tido filhos, ou seja, a construção <strong>de</strong> laços afetivos ao longo davida, parecem ser requisitos tão importantes para o apoio <strong>na</strong> última faseda vida como a contribuição para a segurida<strong>de</strong> social.Conclui-se sugerindo que arranjos e laços familiares po<strong>de</strong>m serconsi<strong>de</strong>rados um tipo <strong>de</strong> “seguro” <strong>na</strong> velhice e significar diferenciais <strong>na</strong>sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.Sumário dos resultadosAs mudanças <strong>de</strong>mográficas e sociais estão afetando as relaçõesentre gerações em várias partes do mundo, mas seu impacto não temsignificado o enfraquecimento das relações familiares. As famílias têm semostrado uma instituição “resistente”. Pobreza e <strong>de</strong>semprego, juntamentecom outros choques <strong>de</strong>mográficos, como a epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> HIV/AIDS,associados a efeitos não esperados <strong>de</strong> políticas, têm contribuído para o“fortalecimento das famílias”. A co-residência entre idosos e filhos temsido uma prática generalizada nos seus arranjos domiciliares. Algumasvezes, os beneficiados são os idosos e, em outras, os filhos e netos e,muitas vezes, ambos.No caso brasileiro, observou-se que, embora estejamos falando<strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> idosos, aproximadamente 30% <strong>de</strong> seus membros eramconstituídos por filhos e outros 10% por netos. Mais <strong>de</strong> 50% dos membros<strong>de</strong>ssas famílias eram não-idosos. Embora os filhos que moravam comidosos, em sua maioria, trabalhassem, o peso da renda dos idosos noorçamento <strong>de</strong>ssas famílias era expressivo, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca a importânciada renda do benefício social. Nas famílias com idosos, pelo menos umquarto dos seus membros era <strong>de</strong> idosos e a contribuição <strong>de</strong> sua rendanessas famílias ultrapassava um quarto. As famílias que contêm idososeram menos pobres do que as que não contêm. Isto significa pensar numaassociação entre arranjos familiares e condições <strong>de</strong> vida, em que a política<strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social tem <strong>de</strong>sempenhado um papel importante.


Relações Familiares, <strong>Trabalho</strong> e Renda Entre Idosos95Sumarizando, a co-residência no Brasil parece estar associada amelhores condições <strong>de</strong> vida. Ela oferece benefícios para idosos e filhos.Não se po<strong>de</strong> negar, no entanto, que a relação entre co-residência e níveis<strong>de</strong> bem-estar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do contexto socioeconômico, das políticas sociais enão ape<strong>na</strong>s das características individuais e preferências.Por outro lado, para pensar o futuro dos novos idosos, não sepo<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar suas perspectivas <strong>de</strong> renda. Po<strong>de</strong>-se falar <strong>de</strong>uma incerteza quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renda (previdência e assistênciasocial) para esses idosos. É difícil acreditar que as tradicio<strong>na</strong>is maneiras<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciar a segurida<strong>de</strong> social serão suficientes para lidar efetivamentecom a população idosa do futuro num contexto <strong>de</strong> informalização elevadada economia. Ou seja, é relativamente mais difícil a situação daquelesque se tor<strong>na</strong>rão idosos no futuro, comparativamente aos dos idosos <strong>de</strong>hoje, em termos <strong>de</strong> renda, aquisição <strong>de</strong> um patrimônio e <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> uma aposentadoria no futuro próximo. Isto significa quenovas formas <strong>de</strong> arranjos familiares <strong>de</strong>verão surgir.BibliografiaBARROS, Ricardo Paes <strong>de</strong>, Rosane Mendonça e Daniel Santos(1999). Incidência e <strong>na</strong>tureza da pobreza entre idosos no Brasil. In:Camarano (org). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros, IPEA, Rio<strong>de</strong> Janeiro, pp.221-250.BELTRÃO, Kaizô I.; CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia; MELLO, Julia<strong>na</strong>Leitão e (2004). Mudanças <strong>na</strong>s condições <strong>de</strong> vida dos idosos ruraisbrasileiros: resultados não-esperados dos avanços da Segurida<strong>de</strong> Rural.<strong>Trabalho</strong> apresentado no I Congresso da Associação Latino-America<strong>na</strong> <strong>de</strong>população, Caxambu MG-Brasil, 18-20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2004.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia (2003). Mulher idosa: suporte familiarou agente <strong>de</strong> mudança?. Revista Estudos Avançados, 17(49).CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia (2004). Social Policy and the Wellbeingof Ol<strong>de</strong>r People at a Time of Economic Slowdown: The Case of Brazil.In Lloyd-Sherlock (ed.) Living Longer: Ageing, Development and SocialProtection. United Nations Research Institute for Social Development.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia; EL GHAOURI; KANSO, Solange (1999).Idosos brasileiros: que <strong>de</strong>pendência é essa?. In: Muito além dos 60: osnovos idosos brasileiros. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Brasil.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia; EL GHAOURI; Kanso, Solange (2003). Famíliacom idosos: ninhos vazios?. Texto para Discussão nº 950. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro, abril.


96A<strong>na</strong> Amélia CamaranoCAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia; MELLO, Julia<strong>na</strong> Leitão; PASINATO,Maria Tereza; KANSO, Solange (2004). Caminhos para a vida adulta: asmúltiplas trajetórias dos jovens brasileiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ipea, Texto <strong>de</strong>Discussão n.1038.DELGADO, G. C.; CARDOSO Jr. J. C. O idoso e a previdênciarural no Brasil: a experiência recente da universalização. In: A<strong>na</strong> AméliaCamarano (org.), Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio <strong>de</strong>Janeiro: IPEA, 2004, v. 1, p. 293-320.LLOYD–SHERLOCK, Peter (2001). Living arrangements of ol<strong>de</strong>rpersons and poverty. In: Population Bulletin of the United Nations –Special Issue nº 42/43 2001.SABOIA, João (2004). Benefícios não-contributivos e combate àpobreza no Brasil. In Camarano (org.). Os novos idosos brasileiros: muitoalém dos 60?. IPEA. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Brasil, pp.353-410.


Reflexão sobre AssédioMoral Institucio<strong>na</strong>l e seusRiscos <strong>na</strong> Aposentadoria97A<strong>na</strong> P. FraimanMestre em psicologia pela USP, especialista <strong>na</strong>s áreas da psicologia clínicae da psicologia social e do trabalho.Ainda que o assédio moral ocorra <strong>na</strong>s famílias e em outros espaçosda vida social, este capítulo aborda a questão do assédio no trabalho,focalizando mais especificamente os tempos próximos à aposentadoria,em torno do que po<strong>de</strong>mos observar a convivência conflituosa <strong>de</strong> duasformas <strong>de</strong> reflexão ética, cada uma <strong>de</strong>las pertinente a diferentes gerações<strong>de</strong> trabalhadores.Quando o que é moralmente consi<strong>de</strong>rado certo e errado passaa ser a<strong>na</strong>lisado a partir <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> custo-benefício;quando a fonte dos problemas <strong>na</strong> esfera do trabalho se situano âmbito das instituições e das políticas públicas, incapazes<strong>de</strong> prover soluções que não sejam a <strong>de</strong> transferir para a esferaindividual o que é <strong>de</strong> sua alçada;quando a individualização das relações <strong>de</strong> trabalho conduzemnomaximamente à esfera do alto risco para os trabalhadorese sua inserção preferencial <strong>na</strong> economia informal ou ao ócioobrigatório;


98A<strong>na</strong> P. Fraimanquando os sindicatos falham em utilizar-se <strong>de</strong> seu ferramental paraconstruir uma verda<strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tiva capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir o discursouno da qualida<strong>de</strong> da empresa;quando os princípios <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> intergeracio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ixam<strong>de</strong> guiar a reflexão ética e os cidadãos, cegamente, rumam paraum futuro em que serão <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> direitos que já não maisexistirão;quando a a<strong>de</strong>são ao discurso da <strong>de</strong>silusão com a <strong>de</strong>mocraciaconduz à opção por saídas individuais, com enormes perdase evasão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s talentos para fora do país, por falta <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s;quando profissio<strong>na</strong>is superqualificados são preteridos,excluídos como da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção e subaproveitados poraposentadorias irracio<strong>na</strong>lmente forçadas e mal-conduzidas;quando jogamos nossa inteligência fora, imperam o abuso e aviolência, que <strong>de</strong> mãos dadas sobem a um palco preferencial– a aposentadoria – em que, <strong>na</strong> ausência <strong>de</strong> políticas éticas etransparentes, são ence<strong>na</strong>dos os frequentes casos <strong>de</strong> assédio,danos morais e outras perdas altamente significativas queabalam a moral e o moral do trabalhador mais velho e <strong>de</strong> seusfamiliares...Sobre estes dramas têm-se fechado as corti<strong>na</strong>s cúmplices dosilêncio.Para aqueles que <strong>na</strong>sceram nos anos 1950 no Brasil, os valoresprincipais eram:- construir uma carreira <strong>de</strong> longo prazo em uma mesma empresa;- dar preferência à estabilida<strong>de</strong>, em especial no serviço público;- fazer um percurso universitário;- preservar as práticas e os valores associados que giravam emtorno da solidarieda<strong>de</strong> intergeracio<strong>na</strong>l;- viver para a família, com as formas <strong>de</strong> domi<strong>na</strong>ção masculi<strong>na</strong>que acompanhavam a idéia <strong>de</strong> família;- tomar <strong>de</strong>cisões em longo prazo e transmitir esses mesmosvalores para seus filhos.Nesse contexto, os trabalhadores faziam suas reflexões éticaspautadas por um código moral a que se <strong>de</strong>nominou “ética do provedor”, quese caracteriza pela subordi<strong>na</strong>ção da <strong>de</strong>dicação ao trabalho à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria99sustento material e moral da família. Orientados por este código moral, ostrabalhadores incorporavam virtu<strong>de</strong>s como companheirismo e solidarieda<strong>de</strong><strong>na</strong> esfera do trabalho, <strong>de</strong>dicação à família e à comunida<strong>de</strong>. Houve todauma mobilização para conquistar direitos trabalhistas e melhorias <strong>na</strong>scondições <strong>de</strong> trabalho - para si e para as gerações vindouras - apoiados emum modo <strong>de</strong> vida e numa reflexão ética baseada em princípios nos quaisos laços <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, especialmente entre os operários, ocupavam umvalor central.Na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, as verda<strong>de</strong>s são: a flexibilização, o curtoprazo, o individualismo e a competitivida<strong>de</strong>. A “vida líquida”, brilhanteconceito introduzido por Zigmunt Bauman, vem elucidar a tremendaincapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejar a vida em médio e longo prazo, que, associadaàs incertezas dos vínculos <strong>de</strong> trabalho, produz um presente altamenteansiogênico. Suas consequências são marcantes <strong>na</strong>s formas como os jovens- e a maior parte da população - passaram a tomar <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>vastadoras<strong>na</strong> vida dos mais velhos, que trazem <strong>na</strong> sua matriz <strong>de</strong> formação valoresabsolutamente contrários aos que vigoram <strong>na</strong> atualida<strong>de</strong>.Nos anos 70, a conjuntura econômica, caracterizada pelo aceleradoprocesso <strong>de</strong> industrialização e pelo crescimento econômico, ainda quemarcado pelo incremento das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, permitiu a inserção nomercado formal dos trabalhadores que vieram do campo. Isto possibilitousua mobilida<strong>de</strong> social ascen<strong>de</strong>nte, ainda que <strong>de</strong>spreparados, do ponto <strong>de</strong>vista profissio<strong>na</strong>l e até da educação formal. Mesmo quando lhes faltavaestabilida<strong>de</strong> no emprego, os índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego eram baixos e ummínimo <strong>de</strong> segurança garantido pelo trabalho permitiu que pu<strong>de</strong>ssem<strong>de</strong>senhar seus projetos <strong>de</strong> vida e construí-los, mediante obtenção <strong>de</strong>qualificação profissio<strong>na</strong>l regular ou mesmo precária.Os mais bem preparados foram altamente disputados pelo mercadoe, nos empregos públicos, regiamente remunerados, além dos benefícios comque foram contemplados. Rapidamente, em meio às inseguranças, foram<strong>de</strong>senvolvidas estratégias astuciosas para lidar com a alta rotativida<strong>de</strong> e oa<strong>na</strong>lfabetismo não foi fator impeditivo para <strong>de</strong>ixar o homem do campo forado mercado. Seus projetos <strong>de</strong> vida tinham por eixo central a constituiçãoe preservação do núcleo familiar e objetivavam um futuro melhor para osfilhos, praticamente garantido pelo acesso a uma escolarização superior. Oestudo era tão importante quanto matar a fome.


100A<strong>na</strong> P. FraimanEnquanto as famílias reduziam o número <strong>de</strong> filhos em relação àgeração anterior, aquela que veio do campo e passou a habitar as cida<strong>de</strong>s,tal planejamento da vida em longo prazo estava intimamente apoiado<strong>na</strong> solidarieda<strong>de</strong> operária, que foi erigida <strong>na</strong>s estratégias <strong>de</strong> resistênciano chão <strong>de</strong> fábrica. Programas <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento e segurança, <strong>na</strong> luta pormelhores salários e por melhores condições <strong>de</strong> trabalho nos anos 80, foramos elementos <strong>de</strong> base para a retomada e o fortalecimento do movimentosindical.A fábrica, a imagem da empresa-mãe, segura, nutritiva eprovedora, <strong>de</strong>u margem à construção do sentimento <strong>de</strong> orgulho <strong>de</strong>pertença e da i<strong>de</strong>ntificação com a profissão. Os operários levavam o nomedos ofícios que exerciam (torneiro, soldador, manobrista etc.) em seuscrachás. A associação do conhecimento técnico à experiência - muitasvezes atrelada ao tempo <strong>de</strong> casa e ao reconhecimento social - reforçou oslaços construídos a partir da consciência do caráter coletivo da produção,ainda que individualmente lhes fosse negado o conhecimento <strong>de</strong> seuvalor pessoal e subjetivo <strong>na</strong> esfera <strong>de</strong>ssa mesma produção, pois passou avigorar a crença <strong>de</strong> serem, todos, peças <strong>de</strong> uma mesma engre<strong>na</strong>gem, emque ninguém é insubstituível.O discurso gerencial dos anos 1970 (diferentemente dos anos 1990)estava longe <strong>de</strong> ter como alvo direto a subjetivida<strong>de</strong> do trabalhador. Visavaao controle da produtivida<strong>de</strong> e à obediência <strong>de</strong>ntro do mo<strong>de</strong>lo discipli<strong>na</strong>rtaylorista-fordista estruturado <strong>na</strong> separação rígida entre execução eplanejamento. O sentimento que se pretendia instalar, no entanto, era odo “amor pelo trabalho bem feito” e um misto <strong>de</strong> posse em relação a suasferramentas, sua empresa, seus companheiros. Um envolvimento profundocom o grupo <strong>de</strong> trabalho, um estilo <strong>de</strong> gerência dos afetos. Nas esferasadministrativas, os empregados foram levados a crer que tais laços seriamgarantidos e indissolúveis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cada qual fizesse bem feita a sua parte.Ou, ao menos, que não viesse a causar problemas. Passaram a valorizarpagamentos feitos no dia exato como um valor especial e não como umdireito adquirido; horas extras não remuneradas como expressão <strong>de</strong> boavonta<strong>de</strong> e amor pela empresa, oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conquistar reconhecimentodas chefias e <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprendimento e outras liberalida<strong>de</strong>s.A separação nítida e rigorosa entre planejamento e execuçãopermitiu uma visibilida<strong>de</strong> clara das relações <strong>de</strong> exploração <strong>na</strong>s ações da


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria101diretoria e dos diferentes níveis gerenciais das empresas. Proliferou aaparição <strong>de</strong> múltiplos níveis hierárquicos, tor<strong>na</strong>ndo explícita a relação <strong>de</strong>domi<strong>na</strong>ção capital/trabalho que se reproduziu entre chefias e subordi<strong>na</strong>dos,em todos eles: manda quem po<strong>de</strong>, obe<strong>de</strong>ce quem tem juízo. O discursogerencial, porém, não chegava a avançar sobre a intimida<strong>de</strong> da vida dosprofissio<strong>na</strong>is, dos empregados contratados, tal como acontece <strong>na</strong> pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.Nem sobre a complexida<strong>de</strong> dos seus sentimentos.O envolvimento limitou-se à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> à empresa, que,por sua vez, retribuía com os benefícios típicos do fordismo, num mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento pater<strong>na</strong>lista – coativo e perso<strong>na</strong>lista -, <strong>de</strong>ixando maislivre a direção dos afetos, que eram direcio<strong>na</strong>dos, prioritariamente, àsrelações com os colegas e com a família. Apoiado pela ativida<strong>de</strong> sindical,reforçou-se o espírito coletivo dos laços criados em torno do trabalho.A reflexão ética, pois, que caracteriza a geração dos atuaisaposentados e aposentandos, é pautada por tais princípios <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>e justiça, valores que também se encontravam presentes <strong>na</strong> geração dostrabalhadores mais velhos do setor informal. Estes, embora fragilizados<strong>de</strong>vido aos dispositivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização social que caracterizamos processos <strong>de</strong> subjetivação marcados por uma mobilida<strong>de</strong> social<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, têm como cohort 1 a mesma visão <strong>de</strong> “projeto <strong>de</strong> vida alongo prazo”, polarizados pelas relações que mantêm com o trabalho e afamília, insistindo em sua autoimagem <strong>de</strong> provedor e no seu sólido valor<strong>de</strong> honra<strong>de</strong>z.Aqueles que <strong>na</strong>sceram a partir dos anos 80, trabalhadores maisjovens, <strong>na</strong>scidos <strong>na</strong>s cida<strong>de</strong>s e com mais estudo, conquistaram sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>subjetiva em um diferente contexto econômico e social e tiveram suasmentalida<strong>de</strong>s moldadas por um código moral e um regime <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>sbastante modificados. Em sua reflexão ética, os princípios <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>no trabalho se esfacelaram. Nas novas formas <strong>de</strong> gestão, pautadas pelodiscurso neoliberal – que introduziu como normalida<strong>de</strong> altos índices <strong>de</strong><strong>de</strong>semprego, maiores e mais profundas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, elevadas exigências<strong>de</strong> formação acadêmica e experiência profissio<strong>na</strong>l constantementeatualizada para o ingresso e a permanência no mercado formal <strong>de</strong> trabalho-, concorrem para a construção <strong>de</strong> um hiperindividualismo.1Termo que significa um corte feito em um estudo longitudi<strong>na</strong>l, <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> uma populaçãoque passou junta pelas mesmas experiências vivenciais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua faixa etária.


102A<strong>na</strong> P. FraimanO trabalhador, agora, não tem <strong>de</strong> superar somente seus concorrentes.Ele luta contra si próprio. Tem <strong>de</strong> superar-se a cada passo. Com isso,muito menos que liberda<strong>de</strong>, goza <strong>de</strong> um novo tipo <strong>de</strong> aprisio<strong>na</strong>mento:<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> excelência pessoal e profissio<strong>na</strong>l a qualquer prova. Ele éo único responsável pela sua sobrevivência e <strong>de</strong> sua peque<strong>na</strong> e ameaçadafamília. O ambiente <strong>de</strong> trabalho, marcado pela competição exaustiva,não permite o estabelecimento <strong>de</strong> laços <strong>de</strong> confiança mútua. O colega étambém seu inimigo, contra quem luta diariamente pela permanência noemprego.Desapareceu o sentimento <strong>de</strong> orgulho pela profissão exercida.Estuda-se anos a fio uma <strong>de</strong>las para trabalhar em outra, e todos agorarecebem o codinome <strong>de</strong> “colaboradores”. Nas linhas <strong>de</strong> montagem, nochão <strong>de</strong> fábrica, são “operadores multifuncio<strong>na</strong>is”. Essa nova postura, enão só sua nova <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>ção, requer o <strong>de</strong>senvolvimento e a aquisição<strong>de</strong> competências múltiplas. Ao mesmo tempo, inibe as possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> um mecanismo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação coletivo positivo, uma vez que aprópria estabilida<strong>de</strong> nos setores não é garantida. O trei<strong>na</strong>mento é feitopor experiências transversais, em vários setores e unida<strong>de</strong>s. Muitos dosserviços, inclusive <strong>de</strong> segurança, são terceirizados e há novas categorias<strong>de</strong> tratamento e benefícios a serem consi<strong>de</strong>radas, mesmo entre aqueles queconvivem diariamente no mesmo espaço-tempo.A ética tornou-se resultado da mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> uma subjetivida<strong>de</strong>solícita, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua função no incremento da produtivida<strong>de</strong> e dolucro das empresas. A ética do trabalho ce<strong>de</strong>u espaço para a ética dasobrevivência pessoal. Em que pese a presumida e <strong>de</strong>clarada preocupaçãocom a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho, as empresas invadiram espaçosíntimos da psique huma<strong>na</strong>, e essa transformação acabou por acarretarvários prejuízos para a saú<strong>de</strong> geral e, em especial, para o sofrimentomental dos trabalhadores. Os trabalhadores foram conduzidos a <strong>de</strong>slocarseu orgulho em relação ao trabalho bem feito e ao sentimento <strong>de</strong> pertençapara o seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> consumo - que o salário lhe possibilita alcançar - eas posses e os benefícios que ele permite acessar e conservar. Mais do quehonrados trabalhadores, passaram a ser dignos consumidores.Sua saú<strong>de</strong> está diretamente relacio<strong>na</strong>da a estas transformaçõesdos e nos contextos <strong>de</strong> trabalho. O cenário atual é muito mais complexoque há 30 ou 40 anos. Surgiram novos riscos ligados ao sofrimento


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria103psíquico e um alastramento <strong>de</strong>sses pa<strong>de</strong>cimentos. As altas exigências, aintensificação do trabalho que inva<strong>de</strong> a mente e o tempo do não-trabalho,o lazer dirigido, não espontâneo e <strong>de</strong> alto custo, o brutal aumento dacarga <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vido ao achatamento dos níveis hierárquicose o império do individualismo fizeram crescer, exponencialmente, váriasformas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, que se apresentam das mais diferentes maneiras:- Síndrome do burn out- Síndrome louco-neurótica- Normopatia- Consumo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> drogas lícitas e ilícitas- SuicídioMuitas <strong>de</strong>ssas patologias ainda são confundidas com estresse ounem são ainda claramente diagnosticadas, sendo atribuídas à perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>frágil das próprias vítimas, que caem doentes pelo caminho. É o processo<strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> às próprias vítimas das situações altamente<strong>de</strong>sgastantes, sejam elas oriundas do ambiente físico, do ambiente psicoafetivoe social, do clima organizacio<strong>na</strong>l e das políticas <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> pessoas.Assumimos, então, que, no processo <strong>de</strong> erigir sua própriai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, o ser humano faz mais do que se ajustar ao mundo preexistente<strong>de</strong> pessoas e objetos, tal como aponta Gid<strong>de</strong>ns, ao discutir questões daansieda<strong>de</strong> ontológica em sua obra sobre mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.Sem a experiência vívida e um profundo envolvimento criativo com ooutro, uma criança estaria impedida <strong>de</strong> adquirir um forte senso moral e,futuramente, <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa adulta, seu sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>da autoi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Sem a aquisição <strong>de</strong> uma forte confiança no outro, apessoa também fica prejudicada no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua autonomiae sua saú<strong>de</strong> pa<strong>de</strong>ce. Sua moral <strong>de</strong>cai e seu moral arrefece. Essa é umaconjugação interessante. Se, por um lado, nos abre muitos horizontes eintroduz novos <strong>de</strong>safios, por outro nos aflige e remete à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>repensar todos os cinco pilares em que esteve assentada a socieda<strong>de</strong> <strong>na</strong>mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: o Estado, a Família, a Escola, a Igreja e o <strong>Trabalho</strong>.Muitos fatos absolutamente novos se apresentaram <strong>na</strong>s últimasdécadas: penetramos a Era Imagética e nos tor<strong>na</strong>mos uma geraçãotelevisiva. Além disso, esta é uma geração que já enfrenta um novo fato: oenvelhecimento populacio<strong>na</strong>l em larga escala, numa extensão e progressão


104A<strong>na</strong> P. Fraimanjamais vistas <strong>na</strong> história da humanida<strong>de</strong>. Se, por um lado, po<strong>de</strong>mos assistirem tempo real àquilo que acontece do outro lado do planeta, por outro aindanão conseguimos enxergar com clareza a nós mesmos e realizar aquilo queefetivamente somos como seres humanos. Esta “cegueira <strong>de</strong> si próprio” sefaz prejudicial à preservação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, especialmente a partirda meia ida<strong>de</strong>.A meia ida<strong>de</strong> é - via <strong>de</strong> regra - o momento psicológico, físico, sociale existencial em que gran<strong>de</strong> parte dos trabalhadores mais velhos per<strong>de</strong>,subitamente e sem qualquer preparo ou rito <strong>de</strong> passagem, seu vínculoprofissio<strong>na</strong>l com o mundo do trabalho oficial, por conta da aposentadoria.Vínculo que é calcado, como estamos <strong>de</strong>monstrando, <strong>na</strong> segurança e <strong>na</strong>confiança adquiridas <strong>na</strong> sua prática cotidia<strong>na</strong> ao longo <strong>de</strong> sua história <strong>de</strong> vida.Processar as mudanças <strong>de</strong>correntes da aposentadoria já seapresenta como uma tarefa <strong>de</strong>veras complexa. Quem dirá executá-las emmeio a uma socieda<strong>de</strong> que, ela própria, está convulsio<strong>na</strong>da por tantasmudanças paradigmáticas? E, em meio a tantas novida<strong>de</strong>s, uma nova e<strong>de</strong>licada questão: um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistorização 2 do tempo, que remete auma convulsiva crise <strong>de</strong> valores sem qualquer prece<strong>de</strong>nte.Frei Beto argumenta que, <strong>na</strong> crise da passagem da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>para a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, ocorre uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consolidação<strong>de</strong> valores, tais como a conduta ética. Essa, que foi uma das maioresaquisições do mundo oci<strong>de</strong>ntal, se configura como uma <strong>de</strong> suas maisgraves perdas, exatamente porque leva embora a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projetare prospectar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma estratégia. Sem a concepção do tempocomo história, não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar e consolidar um projeto <strong>de</strong>vida com sentido.Corrobora suas idéias ao citar uma entrevista dada pelo professorMilton Santos ao jor<strong>na</strong>lista Boris Casoy: “Quando se tem a percepção dotempo como história, tem-se um varal on<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendurar valores. Ou seja,a vida ganha um sentido bem maior, que todos buscamos”. E continua:“Nosso projeto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> está ancorado em bens finitos, quando o projeto<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> <strong>de</strong>veria estar ancorado em bens infinitos. A nossafrustração é que os bens finitos são finitos, enquanto o <strong>de</strong>sejo é infinito.2Termo utilizado por Frei Beto em palestra que tratou do tema “A generosida<strong>de</strong> e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>doar”, proferida em 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2000, a convite do Instituto Ethos, no Pueri Domus EscolasAssociadas, para as classes empresariais, em São Paulo.


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria105Centrado em bens finitos, o <strong>de</strong>sejo não encontra satisfação”.Na passagem da ida<strong>de</strong> adulta madura para a meia ida<strong>de</strong>, com o eventoda aposentadoria e seus processos expulsórios – sob a ótica neoliberalista<strong>de</strong> oxige<strong>na</strong>ção e renovação dos quadros funcio<strong>na</strong>is -, as pessoas vêem-setratadas como “inúteis sociais”, como verda<strong>de</strong>iros in<strong>de</strong>sejáveis, do ponto<strong>de</strong> vista social. Com altíssima frequência, pois, adoecem. Seu sentido <strong>de</strong>vida se esvazia e tor<strong>na</strong>m-se frustradas em seu projeto <strong>de</strong> vida existencial.Sem trabalho e, junto com seus filhos e netos, enfrentando umlargo processo <strong>de</strong> empobrecimento material, social e cultural, enfrentam agrave tarefa <strong>de</strong> atualizar sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Isso também significa estabeleceruma nova relação com o seu corpo e nele inscrever uma história já vividae um porvir com todos os riscos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> em seu horizontetemporal daí advindos. Como processar tantas mudanças, previsíveis eimprevisíveis, <strong>de</strong>sejáveis e in<strong>de</strong>sejáveis, preservando a sua integrida<strong>de</strong> e,com isso, a<strong>de</strong>ntrar o universo da alterida<strong>de</strong> e da generativida<strong>de</strong>, sem o quenão se consegue envelhecer bem?É <strong>de</strong> chamar nossa atenção a enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>isque, por ocasião da aposentadoria, apresentam-se poliqueixosos quantoa sua saú<strong>de</strong> geral, física e mental. São pessoas que sofrem <strong>de</strong> pressãoalta, lombalgias, distúrbios do sono, problemas digestivos e <strong>na</strong> esferada sexualida<strong>de</strong>, irritabilida<strong>de</strong>, intoxicações, perda auditiva, entre outros,para mencio<strong>na</strong>r os mais “comuns”, que, pelo discurso médico tradicio<strong>na</strong>l,são apontados como “problemas da ida<strong>de</strong>”. Do grupo <strong>de</strong> patologias, aque talvez tenha a mais <strong>de</strong>mocrática distribuição, por irônico que possaparecer, é ainda <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>da, <strong>de</strong> forma genérica, <strong>de</strong> LER/DORT.Mais recentemente, i<strong>de</strong>ntificamos problemas <strong>de</strong> colu<strong>na</strong>,enxaquecas, bursites e tendinites, associadas à postura incorreta no usodos computadores, e as síndromes <strong>de</strong> tecno-estresse, que incluem distúrbios<strong>de</strong> sono, <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento afetivo e sexuais severos. Novamente, emrelação às novas tecnologias, os trabalhadores mais velhos saem per<strong>de</strong>ndo,inclusive no tocante às suas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> habilitação, que lhes sãonegadas. Para tentar seu retorno ao mercado formal, contam com maisesta <strong>de</strong>fasagem. Que tolerância é esta que praticamos e que nos permite,com “relativa segurança e tranquilida<strong>de</strong>” perpetuar a confusão entre asimagens e representações <strong>de</strong> aposentados e idosos, idosos e velhos, velhose doentes, doentes e aposentados, sem rever suas causas e relações?


106A<strong>na</strong> P. FraimanNeste cenário, não po<strong>de</strong>mos esquecer, inclusive, que o <strong>de</strong>semprego,com seus efeitos <strong>de</strong>vastadores, já está bastante i<strong>de</strong>ntificado como causaprimeira <strong>de</strong> ruptura <strong>de</strong> laços familiares e comunitários, assim como <strong>de</strong>esfacelamento <strong>na</strong> relação dos trabalhadores consigo próprios, tal é o abaloque sofrem em sua autoestima e a <strong>de</strong>sconstrução súbita <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>social. Mesmo que nem tudo seja negativo e que haja alguma formapossível <strong>de</strong> enfrentamento institucio<strong>na</strong>l (através dos centros <strong>de</strong> referênciae das orientações presentes <strong>na</strong> legislação do SUS), os <strong>de</strong>safios apresentadospela nova configuração dos cenários <strong>de</strong> trabalho são <strong>de</strong>masiados e nãopo<strong>de</strong>m ser reduzidos a (nem conduzidos por) ações <strong>de</strong> âmbito local.Por mais que os profissio<strong>na</strong>is da saú<strong>de</strong> realizem, no âmbito daatenção, da vigilância e da educação para a saú<strong>de</strong>, as soluções para opresente quadro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> transformações que estão ligadas a ações<strong>de</strong> caráter político e administrativo. Isso remete à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> travardiscussões amplas no tocante às reformas previ<strong>de</strong>nciárias e fiscais, altosinvestimentos em educação <strong>de</strong> base e em caráter permanente e políticassociais <strong>de</strong> médio e longo prazo bem executadas e, mormente, bemfiscalizadas, com público-alvo bem <strong>de</strong>finido, com vistas à diminuição das<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais. Isso quer dizer: rumo à conquista da <strong>de</strong>mocracia ple<strong>na</strong>.Po<strong>de</strong>mos dizer que a aposentadoria reflete, como que em traçoscaricatos, a prosperida<strong>de</strong> ou a precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo um percurso <strong>de</strong> vida.Não há somente uma aposentadoria, muito menos a figura do “aposentadobrasileiro”, pois esta é uma abstração que se presta ao exercício retórico <strong>de</strong>quem lança palavras vazias por não ter ou não saber o que dizer.Quem se vê, por exemplo, excluído do trabalho formal nos próximosanos anteriores à aposentadoria dificilmente conseguirá retor<strong>na</strong>r a ele,dado o estrangulamento do mercado restrito e preconceituoso, além da<strong>de</strong>fasagem <strong>na</strong> formação acadêmica com que os mais velhos se apresentamao mesmo mercado. Sem oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho, resta-lhes “fazerbico”, “viver <strong>de</strong> favor” e nem mesmo ficar <strong>na</strong> <strong>de</strong>pendência do Estado,pois, tendo perdido a proteção que antes lhes era conferida como direitoassegurado <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhador e ainda não tendo conquistadoseus direitos previ<strong>de</strong>nciários, sente-se um pária. Tor<strong>na</strong>-se um “pior queexcluído”, posto que sem função nem inserção social valorizada e dig<strong>na</strong> aque faça jus, como homem honrado, mesmo que assim sempre tenha sidoantes <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>sempregado.


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria107Estatisticamente, porém, qualificado como <strong>de</strong>sempregado, estarávivendo da aposentadoria <strong>de</strong> um mais velho da família, <strong>de</strong> quem passaráa tomar conta, ou do trabalho <strong>de</strong> um filho mais novo, que luta para secolocar no mercado. A vergonha haverá <strong>de</strong> tomar conta <strong>de</strong> si e, pior ainda,a culpa por não ter previsto o que haveria <strong>de</strong> lhe acontecer um dia, <strong>de</strong> nãoter conseguido poupar para os tempos <strong>de</strong> uma exclusão social tão terrível,que é a privação das condições <strong>de</strong> trabalho por conta <strong>de</strong> sua “mais ida<strong>de</strong>”,no lazer <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>da “melhor ida<strong>de</strong>”.Não são poucas as pessoas que não param, mas são paradasantes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se aposentar, por contingências alheias a sua vonta<strong>de</strong>:contingências <strong>de</strong> mercado. No período após, contam ao menos com aaposentadoria para morar e se alimentar, às vezes tendo <strong>de</strong> escolher entreuma coisa e outra. No período pré, trata-se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira calamida<strong>de</strong>:os aposentáveis constituem-se numa população <strong>de</strong> alto risco para todauma sorte <strong>de</strong> abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> assédio e <strong>de</strong> danos morais. Somentenão reagem à altura porque sabem que, antes vitimados e abusados, atétombarem gravemente adoentados, do que <strong>de</strong>sempregados sem carteira,nem função.O estudo científico do assédio é novo, mas as histórias envolvendoassédio moral e/ou sexual existem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos bíblicos. Cientificamente,porém, <strong>na</strong> sua origem, a constatação do assédio moral <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> umestudo científico <strong>na</strong>scido no âmbito da Psicologia e não do Direito,realizado por Heiz Leymann e seu grupo <strong>de</strong> trabalho. Esse pesquisadoraplicou entrevistas, que lhe permitiram a<strong>na</strong>lisar fatos ocorridos no seuambiente <strong>de</strong> trabalho e seus efeitos <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma das pessoasentrevistadas. Constatou claros e evi<strong>de</strong>ntes reflexos <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> psíquica e/ou mental dos assediados. Daí até mesmo conclui que, em não havendo,como <strong>de</strong>corrência, esse grave comprometimento da integrida<strong>de</strong> moral epsicoafetiva da vítima, po<strong>de</strong>-se supor que tenha ocorrido algum outrotipo <strong>de</strong> dano moral, por exemplo, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma exposição a situaçãoaltamente vexatória, mas não propriamente assédio.No Brasil, não há uma legislação fe<strong>de</strong>ral dispondo especificamenteque é proibido o assédio moral <strong>na</strong>s relações <strong>de</strong> trabalho, dos pontos <strong>de</strong>vista trabalhista e pe<strong>na</strong>l. O que existe são algumas iniciativas no âmbitomunicipal e estadual, somente com relação aos servidores públicos. Noentanto há projetos <strong>de</strong> lei tramitando no Congresso Fe<strong>de</strong>ral para que


108A<strong>na</strong> P. Fraimantenhamos uma legislação fe<strong>de</strong>ral. Embora não exista legislação fe<strong>de</strong>ralespecífica sobre o assunto, encontramos a proteção contra o assédio nosprincípios gerais do Direito, como o da proteção da dignida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>.Em outras normas constitucio<strong>na</strong>is, também po<strong>de</strong>m ser citados osartigos que obrigam o empregador a garantir um meio ambiente seguro esadio no trabalho, livre <strong>de</strong> situações que causem dano à saú<strong>de</strong> física e/oupsíquica do trabalhador, sob pe<strong>na</strong> <strong>de</strong> o empregador ser responsabilizado.Encontramos também a proteção do trabalhador através do princípio daboa-fé nos contratos, que autoriza a rescisão indireta do contrato <strong>de</strong> trabalhodiante do assédio moral, tendo o trabalhador direito ao recebimento <strong>de</strong>todas as verbas inerentes à <strong>de</strong>spedida sem justa-causa. Assim posto, como<strong>de</strong>finir o que é assédio moral?É a exposição do trabalhador a situações humilhantes econstrangedoras, repetitivas e prolongadas, durante a jor<strong>na</strong>da <strong>de</strong> trabalhoe no exercício <strong>de</strong> suas funções. Ocorre principalmente por parte <strong>de</strong>superiores hierárquicos, mas po<strong>de</strong> ser também por colegas, inferioreshierárquicos e clientes, os quais venham a atingir a saú<strong>de</strong> do trabalhador,após o responsável ter sido comunicado a parar com tais práticas e nãoter parado.O assédio moral se caracteriza por um conjunto <strong>de</strong> ações habituaiscom o intento <strong>de</strong> mi<strong>na</strong>r a vítima, <strong>de</strong>scompensando-a, fragilizando-a,<strong>de</strong>sestabilizando-a e <strong>de</strong>squalificando-a perante seu ambiente <strong>de</strong> trabalhoe sua vida pessoal, até que ela não tenha mais forças para lutar e se vejaobrigada a pedir <strong>de</strong>missão. Ou que venha a motivar uma <strong>de</strong>missão por parteda empresa. Pergunto: não é exatamente isso que as políticas neoliberais<strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> pessoas introduzem <strong>na</strong>s empresas, inclusive <strong>de</strong>srespeitandonossa soberania?Assim, o assédio moral é um fenômeno impulsio<strong>na</strong>do rumo a umobjetivo previamente <strong>de</strong>lineado, através do <strong>de</strong>sequilíbrio causado à vítima,livrando-se o assediador da pessoa que o incomoda. Também é possívelconfigurar o assédio moral mesmo que o assediador não tenha por objetivolevar sua vítima à <strong>de</strong>missão, mas pelo “simples” e caracteristicamente sádicoprazer <strong>de</strong> manter a vítima submetida às torturas psicológicas que lhe sãoimpostas. Pergunto: mesmo que não haja intenção “sádica”, as empresasnão se têm “livrado dos mais velhos” através <strong>de</strong> uma “operação limpeza”calcada numa seleção evacuadora dos salários mais altos, tipicamente os


Reflexão sobre Assédio Moral Institucio<strong>na</strong>l e Seus Riscos <strong>na</strong> Aposentadoria109dos mais velhos, por meio <strong>de</strong> manobras sedutoras, aplicadas pelos planos<strong>de</strong> <strong>de</strong>missão incentivada?Para que o assédio moral seja muito bem caracterizado, a realizaçãodo ato abusivo ou hostil <strong>de</strong>ve ocorrer <strong>de</strong> forma sistemática e repetitiva, comcerta duração e frequência e <strong>de</strong> forma consciente, ou seja, <strong>de</strong>liberada. Nãoconstituem atos ilícitos aqueles que são praticados em legítima <strong>de</strong>fesa ou noexercício regular <strong>de</strong> um direito reconhecido, a <strong>de</strong>struição ou <strong>de</strong>terioração<strong>de</strong> coisa alheia ou causar lesão a uma pessoa i<strong>na</strong>dvertidamente, a fim<strong>de</strong> remover perigo iminente, porque são atos únicos. Essas práticas, pormais hostis que se revelem, com ou sem intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, são pontuais enão levam necessariamente ao assédio. É preciso consi<strong>de</strong>rar a repetição,a frequência e a duração das práticas hostis. Pergunto: vamos continuarchamando simplesmente <strong>de</strong> “práticas hostis” todo um procedimento <strong>de</strong>exclusão e banimento dos trabalhadores mais velhos e solapamento <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s para os mais novos, capitaneado inclusive e principalmentepor um acovardamento político geral em tratar <strong>de</strong> questões que envolvema todos, no que tange às questões <strong>de</strong> educação trabalho e previdência?E quando não é propriamente o empregador ou a pessoa <strong>de</strong>seu representante a executar o assédio – que não po<strong>de</strong> ser, portanto,comprovado –, mas a própria práxis, que tolera as situações <strong>de</strong> abuso edanos cometidos por governos fracos, omissos e prevaricadores? Falo doassédio moral institucio<strong>na</strong>l, conduzido pelas próprias forças políticas esociais, que se submeteram às novas or<strong>de</strong>ns econômicas, sem contemplaçãopara com o <strong>de</strong>senvolvimento humano verda<strong>de</strong>iramente social.Tor<strong>na</strong>-se imperativo, portanto, repensar a complexa questãodas reais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> virmos a nos constituir em uma socieda<strong>de</strong>verda<strong>de</strong>iramente plural, que ofereça a seus cidadãos uma aposentadoria nãosó condig<strong>na</strong>, mas calcada em bases confiáveis <strong>de</strong> total sustentabilida<strong>de</strong> 3 .Senão haveremos todos <strong>de</strong> endossar a cultura do assédio moral, não somentepara as gerações que nos suce<strong>de</strong>rão, mas também e já para a nossa própria.Nesse contexto, então, talvez se faça necessário – sem qualquer pitada <strong>de</strong>cinismo – nos perguntarmos se é interessante lutar pela preservação <strong>de</strong>3 As variadas <strong>de</strong>finições têm em comum a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento com ênfase <strong>na</strong> equida<strong>de</strong>intergerencial. Nesse sentido, a sustentabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como o <strong>de</strong>senvolvimento quegarante a cada uma das gerações futuras a opção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar, no mínimo, o mesmo nível <strong>de</strong> bemestarque <strong>de</strong>sfrutaram seus antepassados, a partir da participação conjunta e corresponsável dosinteressados (Solow, 1992).


110A<strong>na</strong> P. Fraimanqualquer traço cultural <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, seja intra, seja intergeracio<strong>na</strong>l.BibliografiaAGUIAR, André L. S. Assédio Moral. 2ª edição. LTR Ltda., SãoPaulo, 2006.2005.BAUMAN, Zygmunt. I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Jorge Zahar Ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro,GIDDENS, Anthony. Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Jorge Zahar Ed.,RJ, 2002.SENNETT, Richard. A corrosão do caráter – consequências pessoaisdo trabalho no novo capitalismo. 11ª edição. Ed. Record, Rio <strong>de</strong> Janeiro,2006.


Tempo, <strong>Trabalho</strong>e Satisfação111Antonio Carlos Braga dos SantosEconomista e presi<strong>de</strong>nte do Age - <strong>Vida</strong> Ativa <strong>na</strong> Maturida<strong>de</strong>.André LorenzettiJor<strong>na</strong>lista e gerente do Age - <strong>Vida</strong> Ativa <strong>na</strong> Maturida<strong>de</strong>.Quando se fala em terceira ida<strong>de</strong>, nem sempre se pensa em quaissão as duas anteriores e o que marca cada uma <strong>de</strong>las. Se a infância e aadolescência ocupam a primeira ida<strong>de</strong>, ela é marcada pelo aprendizado,pelas dúvidas e ainda poucas responsabilida<strong>de</strong>s. A segunda ida<strong>de</strong> énitidamente marcada pelo auge das obrigações e responsabilida<strong>de</strong>s, comgeração <strong>de</strong> resultados e objetivos bem <strong>de</strong>finidos. Em relação à terceiraida<strong>de</strong>, ainda existe, pelo menos no senso comum do brasileiro, a imagemda falta <strong>de</strong> objetivos, improdutivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cadência.Nossa proposta é um novo olhar e um novo rumopara essa históriaO ser humano passa suas duas primeiras décadas <strong>de</strong> vidapreparando-se para se tor<strong>na</strong>r produtivo. Estuda, experimenta relaçõesemocio<strong>na</strong>is, profissio<strong>na</strong>is, intelectuais e sociais e faz algumas opções quevão direcio<strong>na</strong>r o início <strong>de</strong> sua carreira.


112 Antonio Carlos Braga dos Santos e André LorenzettiNas décadas seguintes ocorre o <strong>de</strong>senvolvimento da principalativida<strong>de</strong> do indivíduo. Aquela que mais ocupa o tempo e a preocupação<strong>de</strong>ssa pessoa, que é a sua principal fonte <strong>de</strong> renda e garante o sustento eo conforto familiar.Essas duas primeiras fases <strong>de</strong> nossa existência formam o períodoconstrutivo da vida, no que tange a carreira profissio<strong>na</strong>l, formação <strong>de</strong>família, educação <strong>de</strong> filhos e acúmulo <strong>de</strong> patrimônio material. O meio emque vivemos nos educou e moldou para pensarmos e agirmos <strong>de</strong>ssa maneira,pois a socieda<strong>de</strong> está estruturada com base nesse mo<strong>de</strong>lo e essa forma <strong>de</strong>interação social tem garantido a existência da humanida<strong>de</strong> até hoje.Chega a época, normalmente por volta dos 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,em que ocorre um movimento diferente: reduz-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ocupação do próprio tempo para geração <strong>de</strong> renda. Neste momento ocorreum gran<strong>de</strong> choque, pois as coisas que eram priorida<strong>de</strong>s, vistas comoobjetivos principais da existência, per<strong>de</strong>m importância e espaço. Mudançacomparável à passagem da adolescência para a vida adulta, com a enormediferença <strong>de</strong> que fomos preparados para esta, ao tempo em que não nospreparamos para a entrada <strong>na</strong> terceira fase da vida.Passa a existir mais tempo disponível, que é um dos bens maispreciosos do ser humano. Precioso, mas com um comportamento muitopróprio, pois não se acumula. Quando em excesso, passa a ser prejudicial.É pessoal e intransferível, pois ninguém consegue ter mais do que 24horas em um dia. Mas qualquer um po<strong>de</strong> colocar o seu próprio tempo àdisposição dos <strong>de</strong>mais.Mudança radical. Se <strong>na</strong> vida adulta jovem (até os 60,aproximadamente) não havia tempo disponível, pois ele era tomado pelomuito a ser feito, agora a situação se inverte: o tempo está à disposição,pois há menos obrigações a serem cumpridas.Diante <strong>de</strong>sse cenário, que é neutro, pois po<strong>de</strong>mos utilizá-lo a nossofavor ou contra nós, não seria, então, o trabalho voluntário uma opçãointeressante <strong>de</strong> ocupação?Normalmente, voluntariado nos remete a imagens pouco complexas,<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s básicas e assistencialistas, fortemente <strong>de</strong>senvolvidas <strong>na</strong>sépocas das Gran<strong>de</strong>s Guerras, pela necessida<strong>de</strong> gerada com a <strong>de</strong>struição etodos os tipos <strong>de</strong> carências.


Tempo, <strong>Trabalho</strong> e Satisfação113Houve um gran<strong>de</strong> avanço no chamado terceiro setor (constituídobasicamente pelas organizações não-gover<strong>na</strong>mentais) <strong>na</strong>s últimas décadas,alcançando um nível <strong>de</strong> estruturação e profissio<strong>na</strong>lismo impensável há 40anos. Há ações possíveis em todas as frentes <strong>de</strong> interesse do ser humanoe do planeta, como meio ambiente, infância e adolescência, combate àmiséria e às <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, violência urba<strong>na</strong>, valorização da vida,combate à corrupção, saú<strong>de</strong> pública e tantas outras que nos per<strong>de</strong>ríamosem listá-las.Encaixa-se perfeitamente neste momento uma das bases dovoluntariado: colocar-se à disposição <strong>de</strong> uma causa que beneficie umaparcela da socieda<strong>de</strong> e que esteja <strong>de</strong> acordo com nossos princípios e crençaspessoais. Soma-se tempo ao interesse ou à satisfação pessoal. Ou, ainda,utilizamos nossa indig<strong>na</strong>ção para mudar a realida<strong>de</strong> e não simplesmentecriticá-la.Àqueles que ingressaram <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, sugerimos dividir seutempo em três partes iguais e utilizá-lo da seguinte maneira: um terçopara o voluntariado; um terço para o lazer e para aproveitar o que nãoteve tempo durante as décadas anteriores e o último terço para investir emnovos interesses e <strong>de</strong>senvolver novos conhecimentos e habilida<strong>de</strong>s.Vamos ao voluntariado!Sabemos que muitos interessados têm dificulda<strong>de</strong>s em encontraruma oportunida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada a seus anseios e suas capacida<strong>de</strong>s. Algunsexecutivos têm resistência em executar serviços aparentemente básicos,relacio<strong>na</strong>dos a funções operacio<strong>na</strong>is. Há aqueles que se impressio<strong>na</strong>mmuito facilmente e fogem da presença em instituições assistenciais, pormedo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>rem o controle emocio<strong>na</strong>l. E assim por diante.Nesses casos, a boa notícia é que o conhecimento técnico ouprofissio<strong>na</strong>l é muito bem-vindo por diversas organizações filantrópicas.Médicos, <strong>de</strong>ntistas, psicólogos, professores e cozinheiros, por exemplo,sempre foram profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>sejados, por atingirem diretamente osobjetivos <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s.Esse quadro se ampliou significativamente nos últimos anos, com


114Antonio Carlos Braga dos Santos e André Lorenzettio crescimento <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>ssas organizações e sua visão profissio<strong>na</strong>lizada.Com isso, administradores, contadores e advogados passaram a ser, entreoutras, especialida<strong>de</strong>s procuradas no mercado voluntário.Há ainda profissio<strong>na</strong>is sempre importantes, mesmo que não atuemdiretamente <strong>na</strong> ativida<strong>de</strong>-fim da instituição. As construções não precisamconstantemente <strong>de</strong> manutenção ou ampliação? Será que engenheiros,arquitetos, pedreiros, eletricistas e jardineiros não são importantes? Otrabalho <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s precisa ser divulgado para o público em geral,ou mesmo entre seus usuários e colaboradores. Não é um campo vastopara jor<strong>na</strong>listas, relações públicas e publicitários? Algumas organizações<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> doação ou comercialização <strong>de</strong> produtos para sua manutençãofi<strong>na</strong>nceira, ativida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> gerar gran<strong>de</strong> satisfação pessoal a qualquerprofissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> vendas.Para provar como o campo é vasto, é possível também realizartrabalho voluntário <strong>de</strong>svinculado <strong>de</strong> qualquer organização e utilizar osconhecimentos técnicos adquiridos. O médico po<strong>de</strong> abrir alguns horáriosem sua agenda para aten<strong>de</strong>r pacientes sem recursos, assim como o professorpo<strong>de</strong> dar aulas gratuitas <strong>de</strong> reforço escolar ou o costureiro po<strong>de</strong> produzirroupas e doá-las para campanhas <strong>de</strong> agasalho.Se há maneiras <strong>de</strong> utilizar os conhecimentos profissio<strong>na</strong>is emfavor <strong>de</strong> instituições beneficentes, o voluntariado também abre-se comooportunida<strong>de</strong> rica para <strong>de</strong>senvolver novas habilida<strong>de</strong>s.Pessoas que passaram anos diante <strong>de</strong> números, documentos ou emreuniões estafantes encontram uma forma nova <strong>de</strong> trabalho no contatodireto com pessoas. Começam com ativida<strong>de</strong>s básicas, porém essenciaise com gran<strong>de</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> satisfação pessoal e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>novas formas <strong>de</strong> enxergar o mundo e a socieda<strong>de</strong>. Por vezes, a obrigaçãoé ouvir os assistidos <strong>de</strong> maneira acolhedora, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar<strong>de</strong>cisões ou assumir riscos.Receber trei<strong>na</strong>mentos para novas funções, sejam essencialmenteintelectuais ou operacio<strong>na</strong>is, também está disponível em organizações quenecessitam <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra capacitada. Trata-se <strong>de</strong> uma maneira produtiva<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver novos conhecimentos e manter a mente ativa e ocupada.Parece muito bom, mas o que o voluntário recebe em troca?Afi<strong>na</strong>l, por mais tempo que se tenha disponível, ele sempre parece escasso.


Tempo, <strong>Trabalho</strong> e Satisfação115Essa é mais uma característica do tempo que não mencio<strong>na</strong>mos acima:dificilmente alguém se julga com tempo <strong>de</strong> sobra. É como areia em umrecipiente no qual, ao colocarmos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le um objeto, a areia ce<strong>de</strong>espaço e o acomoda com segurança, mas, ao retirá-lo, se movimenta e não<strong>de</strong>ixa espaços vazios.Quando escolhemos um trabalho profissio<strong>na</strong>l, temos compensaçõesbem claras e conhecidas pelo nosso tempo e esforço, normalmenterelacio<strong>na</strong>das a dinheiro.No trabalho voluntário também temos contrapartidas bem claras.Po<strong>de</strong>r realizar algo que, <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, nos dê satisfação; saber que nossasatitu<strong>de</strong>s fizeram a diferença para uma causa <strong>na</strong> qual acreditamos; saberque somos úteis e importantes para algumas pessoas; manter nossa saú<strong>de</strong>emocio<strong>na</strong>l e mental em ativida<strong>de</strong> e equilíbrio; estar em um ambiente commenos pressões e <strong>de</strong>srespeitos. Isso tudo aliado à maior flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>horário e, em alguns casos, à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer a ativida<strong>de</strong> sem sair <strong>de</strong>casa ou bem próximo <strong>de</strong>la.Há situações <strong>na</strong>s quais foi possível resgatar antigos sonhos pormeio do voluntariado. Sonhos abando<strong>na</strong>dos <strong>na</strong> juventu<strong>de</strong>, quando overda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>sejo profissio<strong>na</strong>l não atendia ao retorno fi<strong>na</strong>nceiro esperadoou à expectativa da família. Agora, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, esses aspectos nãosão mais relevantes, libertando a pessoa para seus sonhos e satisfações.Em todas as situações, o voluntariado é capaz <strong>de</strong> gerar algoessencial para a felicida<strong>de</strong> e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> qualquer pessoa: elaajuda a dar sentido à vida, dar motivação ao dia e à própria auto-estima.Percebe-se que, com o passar do tempo, aquilo que começou comoalgo alter<strong>na</strong>tivo para ocupar o tempo e dar um pouco mais <strong>de</strong> razão à vidator<strong>na</strong>-se um hábito saudável e muito mais relevante para si próprio.Também não temos dúvida <strong>de</strong> que, se a pessoa nunca teve o hábitodo voluntariado, é mais difícil <strong>de</strong>senvolvê-lo quando idosa. Quanto maiscedo se começa a praticar, mais fácil é mantê-lo.Que isso sirva como alento a quem está no esforço e encontradificulda<strong>de</strong>s, mas não como estímulo para não começar. Pois acreditamos- e vemos isso no rosto e nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> muitos que conhecemos - quevale a pe<strong>na</strong> o esforço inicial. Tanto é que muitos querem se aposentar <strong>de</strong>seus trabalhos remunerados, mas poucos pe<strong>de</strong>m “aposentadoria” <strong>de</strong> seus


116Antonio Carlos Braga dos Santos e André Lorenzettitrabalhos voluntários. Ao contrário, querem substituir um pelo outro.Para evitar frustrações e, com isso, <strong>de</strong>sistência, tenha bem claroconsigo mesmo o que espera <strong>de</strong>sse trabalho. Afi<strong>na</strong>l, se ele não fizer sentidopara você, logo se tor<strong>na</strong>rá <strong>de</strong>sestimulante e mais uma obrigação vazia.Alie esse trabalho ao prazer, à paixão, às suas crenças mais íntimas. Não<strong>de</strong>ixe que essa atuação se transforme em pura e simples obrigação, com oestresse e a pressão presentes no ambiente profissio<strong>na</strong>l.Da mesma forma, é correto ter bem claro o que você vai oferecer.Tempo em si, apesar <strong>de</strong> precioso, não tem valor nenhum (mais umacaracterística <strong>de</strong>le). O tempo po<strong>de</strong> estar acompanhado <strong>de</strong>, entre outros,acolhimento, trabalho técnico, esforço físico ou esforço mental. Não háum mais importante que outro, mas a sua entrega <strong>de</strong>ve estar bem <strong>de</strong>finida,o que também evita frustrações.


Turismo Social117Carlos Henrique Porto FalcãoTurismólogo e técnico <strong>de</strong> turismo social do Departamento Nacio<strong>na</strong>l do SESC;professor <strong>de</strong> turismo da Universida<strong>de</strong> Veiga <strong>de</strong> Almeida (UVA-RJ). Foi relatordo grupo técnico temático <strong>de</strong> turismo social da Câmara <strong>de</strong> Segmentação doConselho Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo.Colaboradores: Fer<strong>na</strong>ndo Dysarz, Luis Antonio Guimarães da Silva,Patrícia Carmo dos Santos e Roberta Barreto Miranda.Entendido como ato <strong>de</strong> viajar pela maioria das pessoas, o turismo é,<strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, uma ativida<strong>de</strong> multidiscipli<strong>na</strong>r que cria relações e situações quecombi<strong>na</strong>m educação, saú<strong>de</strong>, cultura, lazer e meio ambiente, influenciandoas condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> indivíduos e comunida<strong>de</strong>s.Nesse contexto, o turismo social é uma ativida<strong>de</strong> que prioriza aidéia <strong>de</strong> serviço e não <strong>de</strong> lucro. Por meio <strong>de</strong> subsídios ou subvenções, osserviços turísticos oferecidos são <strong>de</strong> baixo custo, sem prejuízo à qualida<strong>de</strong>,com o objetivo <strong>de</strong> que todos possam visitar e conhecer novos lugares ediferentes culturas.A principal meta do turismo social é contribuir para a realizaçãople<strong>na</strong> das potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada pessoa, pois suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vemconjugar objetivos sociais, educativos e culturais que preservem e valorizemos aspectos <strong>na</strong>turais e culturais <strong>de</strong> cada região.


118 Carlos Henrique Porto FalcãoTurismo social: um conceito em evoluçãoAntes <strong>de</strong> apresentar conceitos <strong>de</strong> turismo social, vale a pe<strong>na</strong>distingui-lo do turismo <strong>de</strong> massa, comumente chamado <strong>de</strong> “turismocomercial”. Segundo Cunha (2001), o turismo social procura aten<strong>de</strong>r àsnecessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos específicos (jovens, estudantes, trabalhadores,idosos e pessoas com <strong>de</strong>ficiência), por isso essa diferenciação se dá porvárias razões. Entre elas, assi<strong>na</strong>lamos as seguintes:Preço – os preços são inferiores quando comparados com o turismocomercial. Em geral, 25% a 40% mais baixos do que os praticadospelo setor comercial – quase sempre para serviços com o mesmonível <strong>de</strong> conforto e instalações. A diferença é suportada pelasorganizações e entida<strong>de</strong>s que o promovem.Subsídio/subvenção – apoio fi<strong>na</strong>nceiro prestado pelo Estado, porsindicatos ou por empresas que viabilizam esse tipo <strong>de</strong> turismo.Ausência <strong>de</strong> fim lucrativo – o turismo social é uma ativida<strong>de</strong> quenão visa obter lucros. Portanto qualquer iniciativa que privilegieo retorno econômico contraria seus princípios fundamentais.No turismo comercial, a obtenção do lucro é sua principalmotivação.Localização – no turismo social, a escolha do local po<strong>de</strong> ser<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da por razões <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoregio<strong>na</strong>l ou por razões culturais e sociais; no turismo comercial,essa concepção é diferente, pois neste o fator primordial está<strong>na</strong> localização da melhor área para provocar maior procura dosclientes.Animação – no turismo social, a animação tem caráter educativo esociocultural, ou seja, a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> facilitar a cada participante o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> e seus gostos, compreen<strong>de</strong>rmelhor os outros e aumentar seu grau cultural; no comercial, seuobjetivo é atrair e satisfazer a clientela.Integração local – sendo ele <strong>de</strong> caráter social, preocupa-se maiscom questões relacio<strong>na</strong>das com <strong>de</strong>semprego, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social eutilização dos recursos locais; no comercial, essas questões po<strong>de</strong>mser ou não um motivo <strong>de</strong> preocupação.Por meio <strong>de</strong> medidas como essas, o turismo social visa <strong>de</strong>mocratizaro acesso à ativida<strong>de</strong> turística às classes com recursos limitados. Esta forma<strong>de</strong> turismo tem os seguintes princípios:


Turismo Social119• tor<strong>na</strong>r as viagens mais acessíveis ao maior número <strong>de</strong> pessoas, semprejuízo da qualida<strong>de</strong> dos serviços e do respeito às legislações;•criar iniciativas turísticas que facilitem o <strong>de</strong>senvolvimentodas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada indivíduo como pessoa e comocidadão;• buscar um valor agregado que confira ao turista benefíciossociais, culturais, educativos, <strong>de</strong>sportivos e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;• fomentar o respeito pela região turística, a não-discrimi<strong>na</strong>ção,a inclusão e a prática <strong>de</strong> preços justos e acessíveis.Os argumentos apresentados têm o propósito <strong>de</strong> orientar o melhorentendimento a respeito das conceituações <strong>de</strong> turismo social elaboradaspor três instituições e dois grupos <strong>de</strong> estudos.O Bureau Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l du Tourisme Social, em 1963, aborda oturismo social como:“Conjunto <strong>de</strong> relações e fenômenos resultantes da participaçãono turismo das camadas sociais menos favorecidas, participação quese tor<strong>na</strong> possível ou facilitada por medidas <strong>de</strong> caráter social bem<strong>de</strong>finidas, mas que implicam um predomínio da idéia <strong>de</strong> serviço enão <strong>de</strong> lucro”.Cumpre ressaltar que o termo social apresenta conceituação no sentido<strong>de</strong> expressar o bem-estar social, ou seja, consiste no acesso para o turismo<strong>de</strong> grupos cuja condição socioeconômica e cultural não lhes permitiriausufruir do produto turístico.No México, o turismo social é contemplado pela Lei Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Turismo, <strong>de</strong> 29/12/1992, com a seguinte <strong>de</strong>finição:“Compreen<strong>de</strong> todos aqueles instrumentos e meios pelos quaisse conce<strong>de</strong>m facilida<strong>de</strong>s para que as pessoas <strong>de</strong> recursos limitadosviajem com fins recreativos, <strong>de</strong>sportivos e/ou culturais em condiçõesa<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> economia, acessibilida<strong>de</strong>, segurança e comodida<strong>de</strong>”.O Grupo Técnico Temático (GTT) Turismo Social da Câmara <strong>de</strong>Segmentação do Ministério do Turismo – criou, <strong>na</strong> segunda reunião,realizada em 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004, a seguinte conceituação para turismosocial:“É a forma <strong>de</strong> turismo que promove a inclusão social<strong>de</strong> todos, proporcio<strong>na</strong>ndo qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o exercício da


120Carlos Henrique Porto Falcãocidadania pela utilização <strong>de</strong> meios e bens do arranjo produtivodo turismo, com aproveitamento sustentável dos recursos<strong>na</strong>turais e culturais.”A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> turismo social foi trabalhada no Observatório <strong>de</strong>Inovação do Turismo da Fundação Getúlio Vargas, em 31/05/2004, echegou-se ao seguinte texto:“É a forma <strong>de</strong> turismo que amplia a inclusão social,pela utilização <strong>de</strong> meios, bens e serviços do arranjo produtivo doturismo, com aproveitamento sustentável dos recursos <strong>na</strong>turaise culturais, proporcio<strong>na</strong>ndo o exercício da cidadania.”Em 2005, o Ministério do Turismo (MTur) publica o Ca<strong>de</strong>rnoSegmentação do Turismo – Marcos Conceituais, contendo a seguinte<strong>de</strong>finição:“Turismo social é a forma <strong>de</strong> conduzir e praticar aativida<strong>de</strong> turística, promovendo a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s,a equida<strong>de</strong>, a solidarieda<strong>de</strong> e o exercício da cidadania <strong>na</strong>perspectiva da inclusão”.Com essa visão, o MTur orienta para o <strong>de</strong>senvolvimento do turismoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da estratificação social. Por um lado, enfoca aquelesque, pelos mais variados motivos (renda ou preconceito, por exemplo), nãofazem parte da movimentação turística <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ou consomem produtos eserviços i<strong>na</strong><strong>de</strong>quados. Por outro, atenta para os que não têm oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> participar, direta ou indiretamente, dos benefícios da ativida<strong>de</strong>, comvistas à distribuição mais justa da renda e à geração <strong>de</strong> riqueza. Sob talargumentação, lança-se um novo olhar sobre a questão, <strong>na</strong> qual o turismosocial não é visto ape<strong>na</strong>s como um segmento da ativida<strong>de</strong> turística, mascomo uma forma <strong>de</strong> praticá-la com o objetivo <strong>de</strong> gerar benefícios sociais.Portanto po<strong>de</strong>-se constatar que a concepção tradicio<strong>na</strong>l doturismo social, voltado para as pessoas <strong>de</strong> recursos limitados, foi ampliadapara uma concepção <strong>de</strong> turismo para todos, que evoca, entre outras, asnoções <strong>de</strong> direito ao turismo, acessibilida<strong>de</strong>, integração, respeito mútuo epromoção do <strong>de</strong>senvolvimento pessoal, social e comunitário.


Turismo Social121Relato históricoTurismo social no mundoPara compreen<strong>de</strong>r o fenômeno <strong>de</strong> viagens <strong>de</strong> férias, é precisoexami<strong>na</strong>r a história da ativida<strong>de</strong> turística. O <strong>de</strong>senvolvimento do turismomo<strong>de</strong>rno po<strong>de</strong> ser reconstruído, sem lacu<strong>na</strong>s, a partir do início do séculoXIX, época do Romantismo. O homem medieval temia as forças da<strong>na</strong>tureza, ao passo que o romântico as i<strong>de</strong>alizava e louvava o seu efeitosalutar, assim como os da água e do ar puros. Encontram-se aqui pelaprimeira vez os temas recorrentes da saú<strong>de</strong> e da recreação. Mas, nessaépoca, só os mais abastados podiam <strong>de</strong>sfrutar do turismo.O movimento <strong>de</strong> turismo social teve sua origem <strong>na</strong> Europa, noperíodo entre as duas Gran<strong>de</strong>s Guerras – <strong>de</strong> 1920 a 1940. Foi nessasduas décadas que os sindicatos, as associações não-gover<strong>na</strong>mentais e <strong>de</strong>empregados <strong>de</strong> países como a Itália, a Alemanha e a então União Soviéticacomeçaram a criar infraestrutura e incentivos para que os trabalhadores <strong>de</strong>baixa renda fizessem turismo em grupos. Os projetos sociais <strong>de</strong>ssas <strong>na</strong>çõespassaram a incluir o turismo, fixando-lhe funções e papéis específicosvoltados para a organização e o controle do tempo livre das massas.Essa política foi i<strong>na</strong>ugurada pela Itália fascista, em 1925, quandoMussolini criou a Opera Nazio<strong>na</strong>le Dopolavoro (OND), serviço encarregado<strong>de</strong> organizar o lazer dos trabalhadores e, em particular, suas férias. AOND promovia excursões em associação com a Fe<strong>de</strong>ração Italia<strong>na</strong> <strong>de</strong>Excursionistas e organizava passeios a pé ou <strong>de</strong> bicicleta, mobilizandomilhões <strong>de</strong> pessoas até praias, acampamentos <strong>de</strong> verão e zo<strong>na</strong>s históricas.Em 1933, <strong>na</strong> Alemanha <strong>na</strong>zista, cria-se o programa Kraftdurch-Freu<strong>de</strong>(A Força da Alegria). A KDF servia como instrumento <strong>de</strong>propaganda i<strong>de</strong>ológica, também capaz <strong>de</strong> produzir uma mudança real<strong>na</strong> situação industrial, política e social do país. Essa política promoviaviagens a preços módicos, a fim <strong>de</strong> assegurar aos novos <strong>de</strong>tentores dopo<strong>de</strong>r a gratidão do povo.Na contramão dos Estados totalitários, sob o prisma daregulamentação <strong>de</strong> férias remuneradas, por ocasião da Convenção daOrganização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong> (OIT), em 1936, a institucio<strong>na</strong>lizaçãoe a difusão da prática do turismo para as camadas populares po<strong>de</strong>m serconsi<strong>de</strong>radas uma consequência das conquistas obtidas pelos movimentos


122Carlos Henrique Porto Falcão<strong>de</strong> trabalhadores. Esta legislação inovadora difundiu-se em mais <strong>de</strong> 40países, inicialmente, gerando expectativa por viagens <strong>de</strong> férias entre ostrabalhadores. Após esse período, a legislação social <strong>de</strong>terminou o tempo<strong>de</strong> trabalho, o direito ao repouso sema<strong>na</strong>l e as férias remuneradas.A base do turismo social, <strong>na</strong> modalida<strong>de</strong> em que se pratica emquase todo o mundo, surgiu pouco antes da Segunda Guerra Mundial. NaFrança, no mesmo ano da Convenção da OIT (1936), criou-se a primeiraSecretaria do Lazer em âmbito gover<strong>na</strong>mental. Na ocasião, o governofrancês <strong>de</strong>clarou:“Em um país <strong>de</strong>mocrático, não se po<strong>de</strong>m paramilitarizaros lazeres, as distrações e os prazeres das massas populares,nem transformar a alegria, habilmente distribuída, em ummeio <strong>de</strong> fazer a população não pensar. Nós <strong>de</strong>sejamos queo operário, o agricultor e o empregado encontrem no lazer a<strong>de</strong>svinculação, em termos <strong>de</strong> pressupostos básicos, do turismosocial da mobilização político-partidária, como se estabeleceraem seus primórdios.”O conceito <strong>de</strong> turismo social surgiu <strong>na</strong> França, estimulado pelacriação da Tourisme – Vacances pour tous (1937), entida<strong>de</strong> gerida portrabalhadores. Ainda <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 1930, surgiu em Portugal a FundaçãoNacio<strong>na</strong>l para a Alegria no <strong>Trabalho</strong>, entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídios às ações turísticascoletivas. Nas Américas, o país precursor do turismo social foi a Argenti<strong>na</strong>.Suas primeiras ações nessa forma <strong>de</strong> turismo surgiram em 1945.Em 1948, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas(ONU) aprova o primeiro documento global sobra a igualda<strong>de</strong> e a dignida<strong>de</strong><strong>de</strong> todos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para o turismo,trata-se <strong>de</strong> um marco, pois consi<strong>de</strong>ra o direito <strong>de</strong> “ir e vir” uma dasliberda<strong>de</strong>s do ser humano e apregoa o direito ao lazer e a férias remuneradasperiódicas. Em seus artigos 13 e 24, mencio<strong>na</strong>, respectivamente:• todo homem tem direito aà liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção eresidência <strong>de</strong>ntro das fronteiras <strong>de</strong> cada Estado. Todo homemtem direito a sair <strong>de</strong> qualquer país, inclusive do próprio, e a eleregressar;• todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitaçãorazoável das horas <strong>de</strong> trabalho, e a férias remuneradasperiódicas.


Turismo Social123Em 1963, foi criado em Bruxelas, <strong>na</strong> Bélgica, o Bureau Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>ldu Tourisme Social (BITS), com o objetivo <strong>de</strong> favorecer o <strong>de</strong>senvolvimentodo turismo social <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> marcos institucio<strong>na</strong>is, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo asativida<strong>de</strong>s turísticas <strong>de</strong> seus membros e informando-lhes sobre todos ostipos <strong>de</strong> assunto relacio<strong>na</strong>dos ao progresso do turismo social no mundo.Entre seus mais <strong>de</strong> 145 membros, em cerca <strong>de</strong> 40 países, o BITSagrega organizações públicas e privadas, com e sem fins lucrativos, comoassociações <strong>de</strong> turismo, centros <strong>de</strong> férias e albergues da juventu<strong>de</strong>, agênciase operadoras, sindicatos <strong>de</strong> classe, cooperativas, ONGs, instituições <strong>de</strong>trei<strong>na</strong>mento e organizações oficiais do turismo, todos exercendo ativida<strong>de</strong>súteis ao turismo social.Em 1972, a Assembléia Geral do BITS, com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> adotar umalinha <strong>de</strong> pensamento ampla e dinâmica, aprovou um texto importante, aCarta <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong>, que servirá <strong>de</strong> referência para o turismo social por mais<strong>de</strong> duas décadas. O documento apresenta o turismo como um fato socialfundamental do nosso tempo. A Carta <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong> recomenda a todos osagentes do turismo mundial, em particular os do turismo social, que aprática da ativida<strong>de</strong> seja acessível a todos.Em 1980, o SESC São Paulo tornou-se o primeiro membro dasAméricas a integrar o Conselho Administrativo do BITS, com participaçãoativa nos <strong>de</strong>bates e discussões que <strong>de</strong>finem importantes aspectos doturismo social.Em meados dos anos <strong>de</strong> 1980, o mundo do turismo social tevereviravoltas, com consequência <strong>na</strong> ampliação do conceito do turismosocial. A crise das fi<strong>na</strong>nças públicas, a queda das subvenções e asexpectativas expressas pelas clientelas mais diversificadas fizeram comque os responsáveis pelo turismo social recorressem a novos métodos <strong>de</strong>gestão, com intuito <strong>de</strong> utilizar estratégias <strong>de</strong> marketing, rever sua oferta <strong>de</strong>serviços e o conteúdo da experiência proposta.Em 1996, foi adotado pelo BITS um novo texto <strong>de</strong> referência,com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o conceito <strong>de</strong> turismo social em vista do novocontexto socioeconômico. Este texto é conhecido como Declaração <strong>de</strong>Montreal para uma Visão Humanista e Social do Turismo. O texto tratados <strong>de</strong>safios do turismo social para diminuir a exclusão e promover aintegração, num mundo em franca globalização. Em linhas gerais, po<strong>de</strong>-


124Carlos Henrique Porto Falcãose afirmar a Declaração <strong>de</strong> Montreal como uma continuação da Carta<strong>de</strong> Vie<strong>na</strong>, contudo propondo novos valores. Não se trata <strong>de</strong> uma novaintenção. Entretanto a meta está agora expressa em constituir uma realcontribuição ao conceito <strong>de</strong> turismo social. O acesso ao turismo passa anão se referir mais aos grupos <strong>de</strong> visitantes, mas também aos visitados, que,além <strong>de</strong> terem acesso aos seus recursos turísticos, <strong>de</strong>vem tê-lo também aosbenefícios da ativida<strong>de</strong>. Implantando uma relação <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> entre oturismo e as populações que o acolhem, e tendo como fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> a equida<strong>de</strong>e um <strong>de</strong>senvolvimento durável e sustentável. Portanto o BITS passa apreconizar a promoção do turismo com solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento,a fim <strong>de</strong> levar benefícios às populações anfitriãs e proteger o patrimônio<strong>na</strong>tural e cultural das localida<strong>de</strong>s.A Organização Mundial do Turismo (OMT) enfatiza que o turismosocial <strong>de</strong>ve permitir o acesso <strong>de</strong> todos os cidadãos ao lazer, às viagense às férias. Além disso, encorajar e facilitar o turismo das famílias, dosjovens e estudantes, das pessoas idosas e dos <strong>de</strong>ficientes. Tem o BITScomo o membro que promove o turismo com solidarieda<strong>de</strong>, visando levarbenefícios às populações locais, valorizando e protegendo o patrimônio<strong>na</strong>tural e cultural das localida<strong>de</strong>s, ampliando a noção <strong>de</strong> turismo socialpara um conceito <strong>de</strong> “turismo para todos”.As questões <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> e solidarieda<strong>de</strong> com as comunida<strong>de</strong>sanfitriãs provocaram mudanças significativas, que também permitemuma reflexão sobre as diferenças entre o turismo social (para todos, <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento) e o turismo comercial (tradicio<strong>na</strong>l).Quadro 1Diferenças entre o turismo tradicio<strong>na</strong>l (comercial)e o turismo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (turismo social)Turismo tradicio<strong>na</strong>lO turista se isolaConcentração <strong>de</strong> benefíciosReceitaObjetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentomacroeconômicoComunida<strong>de</strong> a serviço do turismoO turista consomeCrescimento sem limitesTurismo do <strong>de</strong>senvolvimentoO turista se integraDistribuição <strong>de</strong> benefíciosRiqueza 1Objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentointegralTurismo a serviço da comunida<strong>de</strong>O turista apren<strong>de</strong>/compartilha saberesLimites em prol do bem-estar1 Conforme o conceito utilizado pela OMT, “turismo é riqueza para a pessoa, para a família, para acomunida<strong>de</strong> e para o mundo inteiro”. Destacam-se os efeitos da ativida<strong>de</strong> <strong>na</strong> geração <strong>de</strong> empregoPeríodo País Ativida<strong>de</strong>Década <strong>de</strong> 1920Década <strong>de</strong> 1920Década <strong>de</strong> 1930ItáliaUnião SoviéticaAlemanhaOpera Nazio<strong>na</strong>le Dopolavoro (OND)Colônias <strong>de</strong> férias subsidiadasKraft durch Freu<strong>de</strong> (KDF)


Turismo Social125Nesse novo conceito, o acesso ao turismo não está mais unicamenterelacio<strong>na</strong>do aos visitantes (ainda que se tenha muito a fazer a respeito), mastambém aos anfitriões, que <strong>de</strong>vem ter tanto acesso aos recursos turísticoscomo aos benefícios da ativida<strong>de</strong>, tudo isso direcio<strong>na</strong>do à conservação dosbens patrimoniais. Ao introduzir uma relação <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> entre osturistas e a população local, com o objetivo comum do <strong>de</strong>senvolvimentosustentável, o turismo social difere-se totalmente do turismo comercial,este alie<strong>na</strong>dor e explorador dos recursos.Des<strong>de</strong> a criação da Organização Mundial do Turismo (OMT), noano <strong>de</strong> 1974, em Madri, o BITS exerce um papel expressivo no centro <strong>de</strong>staimportante entida<strong>de</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Atualmente, ocupa uma das presidênciasdos membros afiliados. Cumpre <strong>de</strong>stacar que o Código Mundial <strong>de</strong> Éticado Turismo, adotado pela OMT a partir <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, reconhece aimportância do Turismo Social, como po<strong>de</strong> ser atestado em seu Artigo 7,que trata do Direito do Turismo:Artigo 7 - Direito do Turismo7.1 - A possibilida<strong>de</strong> do acesso, direta e pessoalmente, ao<strong>de</strong>scobrimento das riquezas do planeta constitui um direitoigualmente aberto a todos os habitantes do mundo; aparticipação cada vez mais ampla no turismo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l einter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como uma das melhoresexpressões possíveis <strong>de</strong> crescimento contínuo do tempolivre, e não <strong>de</strong>ve ser impedida.7.2 - O direito ao turismo para todos <strong>de</strong>ve versar comoresultado do tempo livre e, especialmente, do direito auma limitação razoável da duração do trabalho e dasférias remuneradas periódicas, garantido pelo artigo 24 daDeclaração Universal dos Direitos Humanos e pelo artigo 7.1do Pacto Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l sobre Direitos Econômicos, Sociais eCulturais.7.3 - O turismo social, e em especial o turismo associativo,que permite o acesso <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> pessoas ao lazer,às viagens e as férias, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>senvolvido com o apoiodas autorida<strong>de</strong>s públicas.7.4 - O turismo familiar, juvenil e estudantil, <strong>de</strong> pessoasmaiores e <strong>de</strong>ficientes, <strong>de</strong>ve ser estimulado e facilitado.e renda, <strong>na</strong> arrecadação <strong>de</strong> impostos, <strong>na</strong> preservação da cultura e do meio ambiente e também no<strong>de</strong>senvolvimento humano, pois o turismo promove o aprendizado, o conhecimento e a aproximaçãoentre culturas e povos


126Carlos Henrique Porto FalcãoEntretanto algumas lacu<strong>na</strong>s ainda po<strong>de</strong>m ser observadas <strong>na</strong>prática do turismo social, como falta <strong>de</strong> informação, poucos recursoshumanos sensibilizados e capacitados <strong>de</strong>dicados ao segmento, carência<strong>de</strong> conteúdos a<strong>de</strong>quados para cada público, empresários, funcionários eturistas que ainda têm uma imagem distorcida do turismo social, comotambém a improvisação <strong>de</strong> alguns provedores <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> turismosocial e a falta <strong>de</strong> apoio gover<strong>na</strong>mental, principalmente no que se refere àcriação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.Ao longo <strong>de</strong> todo esse tempo, foram i<strong>de</strong>ntificadas característicasdistintas <strong>na</strong> atuação dos países <strong>de</strong>senvolvidos e daqueles em <strong>de</strong>senvolvimento.Nos primeiros, as organizações <strong>de</strong> turismo social oferecem ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>férias no próprio país e expan<strong>de</strong>m suas fronteiras, com o objetivo <strong>de</strong>proporcio<strong>na</strong>r maior número <strong>de</strong> viagens e <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinos. Já nos países em<strong>de</strong>senvolvimento a pobreza impe<strong>de</strong> que gran<strong>de</strong> parte da população possa<strong>de</strong>sfrutar suas férias viajando ou fazendo passeios. Ao mesmo tempo,não existem instrumentos <strong>de</strong> apoio que garantam serviços turísticos aessa parcela da população, restringindo as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> turismo social apoucas instituições, sem fins lucrativos. Outro aspecto a ser consi<strong>de</strong>radonos países em <strong>de</strong>senvolvimento é a priorida<strong>de</strong> para o turismo interno, vistoque a clientela <strong>de</strong> turismo social, em especial o público da terceira ida<strong>de</strong>,po<strong>de</strong> aumentar o fluxo turístico nos períodos <strong>de</strong> baixa estação, reduzindoa ociosida<strong>de</strong> dos equipamentos turísticos.Muitos países atribuíram gran<strong>de</strong> importância política e econômicaao turismo social, a ponto <strong>de</strong> criarem legislação especial, como <strong>na</strong> Bélgica,berço do BITS e país <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tradição no turismo social. Para se ter umaidéia, a Bélgica gera seus produtos turísticos por meio <strong>de</strong> comissariadosgerais <strong>de</strong> turismo. Suíça e Di<strong>na</strong>marca fomentam e <strong>de</strong>senvolvem o sistema<strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scentralizada e, <strong>na</strong> Di<strong>na</strong>marca, o turismo social é uma tarefasindical.Nota-se que o segmento apresenta maior abrangência em paíseson<strong>de</strong> são consi<strong>de</strong>ráveis os avanços sociais, tais como Espanha, França eItália, três entusiastas do turismo social. A Itália conta com subsídios <strong>de</strong>associações <strong>de</strong> classe. Na Espanha ocorre apoio à <strong>de</strong>manda (subsídios) e àoferta, com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> produtos. Na França, são criadas vilas<strong>de</strong> férias, casas familiares e rurais, além <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> impulso ao turismodoméstico.


Turismo tradicio<strong>na</strong>lTurismo SocialTurismo do <strong>de</strong>senvolvimentoNa América O turista se isola do Norte, o Ca<strong>na</strong>dá se O turista <strong>de</strong>staca se integra pela sua importanteinfraestruturaConcentraçãopara o turismo<strong>de</strong> benefíciosDistribuição <strong>de</strong> benefíciosjuvenil e os Estados Unidos participam doReceitaRiquezamovimento por meio <strong>de</strong> associações como a American 1Youth HostelsObjetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoObjetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento(Associação America<strong>na</strong> <strong>de</strong> Albergues da Juventu<strong>de</strong>).macroeconômicoComunida<strong>de</strong> a serviço do turismointegralTurismo a serviço da comunida<strong>de</strong>Nos países em <strong>de</strong>senvolvimento, as experiências mais significativasO turista consomeO turista apren<strong>de</strong>/compartilha saberesse dão <strong>na</strong> Argélia, Crescimento <strong>na</strong> sem Argenti<strong>na</strong>, limites no Chile e Limites no México. em prol do bem-estarQuadro 2Síntese cronológica do turismo social no mundoPeríodo País Ativida<strong>de</strong>127Década <strong>de</strong> 1920Década <strong>de</strong> 1920Década <strong>de</strong> 19301935193619371939194519481963197219961999ItáliaUnião SoviéticaAlemanhaPortugalFrançaFrançaBélgicaArgenti<strong>na</strong>Assembléia Geral da ONUBélgicaÁustriaCa<strong>na</strong>dáChileOpera Nazio<strong>na</strong>le Dopolavoro (OND)Colônias <strong>de</strong> férias subsidiadasKraft durch Freu<strong>de</strong> (KDF)Fundação Nacio<strong>na</strong>l para a Alegria do <strong>Trabalho</strong>Convenção da Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong>Tourisme - Vacances pour TousConselho Superior das Férias aos Operários e doTurismo PopularPioneira em turismo social <strong>na</strong> AméricasDeclaração Universal dos Direitos HumanosArt. 13 e 24 - direito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção,repouso, lazer e férias remuneradas periódicasBITS (Bureau Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l du Tourisme Social)Carta <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong> (BITS)Declaração <strong>de</strong> Montreal (BITS)Código Mundial <strong>de</strong> Ética do Turismo da OrganizaçãoMundial do Turismo (OMT)Turismo social no BrasilNo Brasil, o turismo social não é <strong>de</strong>senvolvido pela iniciativa <strong>de</strong>órgãos públicos como ocorre <strong>na</strong> maioria dos países da Europa e váriosda América Lati<strong>na</strong>. Aqui as iniciativas ainda são incipientes, restritas aalgumas instituições voltadas para o bem-estar social, <strong>de</strong>ntre as quais se<strong>de</strong>staca o SESC.Pioneiro no turismo social do Brasil, o SESC iniciou suas ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> turismo em Per<strong>na</strong>mbuco, em 1948. Mas o marco principal foi ai<strong>na</strong>uguração da primeira colônia <strong>de</strong> férias, em Bertioga (SP), no dia 30 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1948. Ao longo dos anos, outras unida<strong>de</strong>s foram i<strong>na</strong>uguradaspor todo o país, dando início às primeiras viagens em grupo, que ficaramconhecidas como Carava<strong>na</strong>s <strong>de</strong> Turismo, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 1950. Em sua


128Carlos Henrique Porto Falcãotrajetória, cabe <strong>de</strong>stacar que <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 1960 o SESC é mais uma vezpropositivo à socieda<strong>de</strong> brasileira e estrutura o trabalho social com idosose, consequentemente, o turismo social voltado para a terceira ida<strong>de</strong>.O SESC é o principal operador brasileiro <strong>de</strong> turismo social. A Re<strong>de</strong>SESC <strong>de</strong> Turismo Social, conta com 135 unida<strong>de</strong>s em todas as unida<strong>de</strong>s dafe<strong>de</strong>ração, oferecendo diversificada programação <strong>de</strong> passeios e excursões euma re<strong>de</strong> extra-hoteleira própria com 42 meios <strong>de</strong> hospedagem (distribuídospor 19 estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral).Algumas outras ações são <strong>de</strong>senvolvidas em menor escala no país,como os Albergues da Juventu<strong>de</strong>, que oferecem hospedagem a preçosacessíveis, os Clubes da Melhor Ida<strong>de</strong>, criados para estimular o turismoentre as pessoas acima <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, e o Serviço Social da Indústria(SESI), que possui colônias <strong>de</strong> férias em nove estados da fe<strong>de</strong>ração.Durante anos, em diferentes governos, o turismo foi alocado comosecundário em diversos ministérios, como o da Indústria, do Comércioe Turismo, e do Esporte e Turismo, tendo sido o Instituto Brasileiro doTurismo (Embratur) o órgão responsável pela normatização da ativida<strong>de</strong>turística no país.Em 2003, o governo <strong>de</strong>monstrou o quão importante consi<strong>de</strong>ra aativida<strong>de</strong> turística, ao criar o Ministério do Turismo. Em ape<strong>na</strong>s quatromeses após a posse, apresentou ao Brasil o Plano Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo(PNT) 2003-2007, com audaciosas metas a serem cumpridas.A atuação do SESC no turismo tem influenciado <strong>na</strong>s políticaspúblicas recentes. Foi a participação da entida<strong>de</strong> nos grupos <strong>de</strong> trabalhodo Ministério do Turismo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003, que inseriu o turismo social <strong>na</strong>pauta <strong>de</strong> discussões do novo Ministério. A experiência acumulada e asignificativa contribuição do SESC ao Grupo Técnico Temático, ligado àCâmara <strong>de</strong> Segmentação do MTur, foi <strong>de</strong>cisiva para que hoje o turismosocial seja um dos principais eixos do Plano Nacio<strong>na</strong>l do Turismo 2007-2010.O novo Plano Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo reconhece <strong>de</strong>finitivamente aimportância da função social do turismo, <strong>de</strong>fendida pelo SESC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a suacriação. Além das questões <strong>de</strong> direitos e cidadania, a ativida<strong>de</strong> turísticacontribui expressivamente para a geração <strong>de</strong> emprego e renda, diminuindoas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regio<strong>na</strong>is e impulsio<strong>na</strong>ndo avanços no meio empresarial


Turismo Social129do setor e <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> como um todo.O pioneirismo e a expertise do SESC em turismo social e no trabalhosocial com idosos também contribuíram sobremaneira para a formataçãodo programa Viaja Mais – Melhor Ida<strong>de</strong>, lançado pelo Ministério doTurismo em 2007. Cabe <strong>de</strong>stacar que a versão 2009 <strong>de</strong>sse exitoso projetofoi lançada no SESC Caldas Novas (GO), com a presença do ministro doTurismo, no dia 27 <strong>de</strong> abril.O programa Viaja Mais Melhor Ida<strong>de</strong> está ple<strong>na</strong>mente alinhadoàs diretrizes historicamente preconizadas pelo SESC. O objetivo doprograma é viabilizar o acesso do público da terceira ida<strong>de</strong>, promovendo ainclusão social das pessoas acima <strong>de</strong> 60 anos, aposentadas e pensionistas,proporcio<strong>na</strong>ndo-lhes oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> viajar e <strong>de</strong> usufruir os benefíciosda ativida<strong>de</strong> turística, ao mesmo tempo que fortalece o turismo internoregio<strong>na</strong>lizado.Dando continuida<strong>de</strong> à política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l adotada pelo Ministério doTurismo, no dia 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008, foi promulgada a lei nº 11.711,intitulada Lei Geral do Turismo (LGT), tor<strong>na</strong>ndo-se um marco regulatóriopara o setor turístico brasileiro. É a primeira vez que a quase totalida<strong>de</strong>das legislações afetas ao setor é con<strong>de</strong>nsada em um único instrumentonormativo, resultando <strong>na</strong> possibilida<strong>de</strong> do início <strong>de</strong> um novo ciclo para oturismo brasileiro. A LGT consi<strong>de</strong>ra os serviços sociais autônomos comoprestadores <strong>de</strong> serviços turísticos, propiciando ao SESC incrementar suasações <strong>de</strong> turismo social em todo o território brasileiro.


130Carlos Henrique Porto FalcãoQuadro 3Fatos que marcaram a trajetória do turismo social no BrasilAno19461948197713 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 197719825 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 198321 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 19861988200329 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 200310 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 20034 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 200717 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2008FatoCriação do Serviço Social do Comércio (SESC)Abertura do SESC Bertioga, 1ª colônia <strong>de</strong> fériasLançamento do Plano Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo, pela EmbraturLei nº 6.505 - Art. 2º, item VII - consi<strong>de</strong>ram-se serviços turísticos outrasentida<strong>de</strong>s que tenham regularmente ativida<strong>de</strong>s reconhecidas peloPo<strong>de</strong>r Executivo como <strong>de</strong> interesse para o turismoProjeto Turismo Operário - Santa Catari<strong>na</strong>Deliberação Normativa Embratur nº 115 -Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo Social do Trabalhador - PNTSDecreto nº 2.294 - Art. 1º - são livres, no país, o exercício e a exploração<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e serviços turísticosConstituição Fe<strong>de</strong>ral - Art. 180 - Promoção e incentivo ao turismoCriação do Ministério do TurismoLançamento do Plano Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Turismo (PNT)Instalação da Câmara Temática <strong>de</strong> Segmentação e do Grupo TécnicoTemático <strong>de</strong> Turismo SocialLançamento do programa Viaja Mais - Melhor Ida<strong>de</strong>,criado pelo Ministério do TurismoPromulgação da Lei nº 11.711, intitulada Lei Geral do Turismo (LGT)Turismo social do SESCO Serviço Social do Comércio é uma instituição brasileira, semfins lucrativos e <strong>de</strong> atuação em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A entida<strong>de</strong> foi criadaem 1946, por iniciativa <strong>de</strong> empresários <strong>de</strong> comércio e <strong>de</strong> serviços, que asustentam e administram.O objetivo da entida<strong>de</strong> é promover o bem-estar social, o<strong>de</strong>senvolvimento cultural e a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do trabalhadorque atua no ramo <strong>de</strong> comércio, serviços e turismo, <strong>de</strong> sua família e dacomunida<strong>de</strong> <strong>na</strong> qual estão inseridos, em geral. Atua <strong>na</strong>s áreas da cultura,educação, lazer, saú<strong>de</strong> e assistência.A diretriz básica do SESC é a <strong>de</strong> um trabalho eminentementeeducativo, que permeie direta e/ou indiretamente todas as ações<strong>de</strong>senvolvidas, fazendo com que ultrapassem seus objetivos maisimediatos, tor<strong>na</strong>ndo-se mais eficazes ao contribuírem para a informação,a capacitação e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> valores. Essas vertentes da ação


Turismo Social131educativa estarão presentes <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s e nos serviços do SESC, numarelação <strong>de</strong> equilíbrio dinâmico, com ênfases <strong>de</strong>finidas pela <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong>cada ação específica:Informação – propiciar experiências que possam contribuir paraos indivíduos ampliarem seus conhecimentos, no sentido <strong>de</strong>melhor compreensão do meio em que vivem, maior percepção <strong>de</strong>si mesmos e das suas responsabilida<strong>de</strong>s consigo, com a socieda<strong>de</strong> ecom a <strong>na</strong>tureza e elevação sociocultural para além dos limites dassuas condições <strong>de</strong> origem e formação.Capacitação – ofertar serviços que favoreçam a elevação daescolarida<strong>de</strong> e/ou domínio <strong>de</strong> novas habilida<strong>de</strong>s e/ou aquisição <strong>de</strong>conhecimentos que permitam inserção em novos segmentos sociais,aumentar a autoestima e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, <strong>na</strong> perspectiva <strong>de</strong>que tais serviços, pelo seu conteúdo transformador, contribuampara a melhoria das condições <strong>de</strong> vida dos indivíduos e/ou dogrupo social on<strong>de</strong> convivem.Desenvolvimento <strong>de</strong> valores – principal vertente da ação educativa,no que se refere ao caráter transformador e propositivo da açãodo SESC. Associados às vertentes <strong>de</strong> informação e capacitação, osvalores a serem difundidos <strong>de</strong>vem contribuir para o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> autonomia, iniciativa e solidarieda<strong>de</strong>, necessáriosa uma socieda<strong>de</strong> que incentiva e apoia a ação privada, lastreada<strong>na</strong> consciência <strong>de</strong> que as aspirações individuais somente serãoéticas e morais se alicerçadas <strong>na</strong> melhoria das condições <strong>de</strong> vida<strong>de</strong> todos.O programa Lazer no SESC é composto pelas áreas <strong>de</strong> Recreação,Desenvolvimento Físico e Esportivo e Turismo Social. Em conjunto, estastrês ativida<strong>de</strong>s são responsáveis por implementar ações que respondamàs <strong>de</strong>mandas em lazer <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em constante processo <strong>de</strong>transformação, não se furtando a reconhecer <strong>na</strong> diversida<strong>de</strong> socioculturaldo país a principal motivação para a concretização das diretrizesinstitucio<strong>na</strong>is.O objetivo do lazer no SESC é proporcio<strong>na</strong>r experiênciasgratificantes <strong>de</strong> entretenimento, integração sociocultural e reflexão, tendocomo preceito básico a compreensão do lazer como direito, consi<strong>de</strong>rando-oelemento indissociável ao crescimento e ao <strong>de</strong>senvolvimento humano esocial, sendo o acesso fator primordial para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida da população.


132Carlos Henrique Porto FalcãoNo turismo social, o SESC visa <strong>de</strong>mocratizar o acesso ao produtoturístico, atuando como agente <strong>de</strong> inclusão social <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década 1940,possibilitando que a população <strong>de</strong> baixa renda conheça novos lugares,povos e culturas. Sempre com o cuidado <strong>de</strong> preservar e valorizar osaspectos regio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> cada local <strong>na</strong>s excursões e nos passeios que oferecepara diferentes segmentos do público, como trabalhadores, terceira ida<strong>de</strong>,crianças e jovens. Embora seu principal produto seja o turismo <strong>de</strong> lazer, oSESC vem promovendo também, com êxito, ações <strong>de</strong> turismo educacio<strong>na</strong>l,cultural, religioso, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e rural. E sempre priorizando a vertenteeducativa, que faz parte do esforço para a promoção <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lazer que proporcionem integração interpessoal, enriquecimento cultural e<strong>de</strong>senvolvimento humano e social.A dinâmica do turismo social no SESCPara cumprir a missão <strong>de</strong> proporcio<strong>na</strong>r a incorporação aomovimento turístico <strong>de</strong> comerciários <strong>de</strong> bens e serviços e turismo esuas famílias, assim como trabalhadores <strong>de</strong> empresas <strong>de</strong> turismo, hotéis,restaurantes, bares e similares e seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.Nessa dinâmica, o SESC operacio<strong>na</strong>liza a ativida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> trêsmodalida<strong>de</strong>s: Turismo Emissivo (excursões e passeios), Turismo Receptivo(passeios locais) e Hospedagem, <strong>na</strong>s quais a programação procura ser umelemento diferencial, visando proporcio<strong>na</strong>r novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer,priorizando o enriquecimento cultural, a educação, a melhoria das relaçõesinterpessoais, o <strong>de</strong>senvolvimento integral da saú<strong>de</strong>, bem como a indução<strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> conduta dos indivíduos nos grupos sociais, em relaçãoà coletivida<strong>de</strong> e à <strong>na</strong>tureza, tendo como principal objetivo a multiplicaçãoda consciência em relação à ecologia e ao patrimônio histórico-culturalbrasileiro.Entretanto o turismo social do SESC é muito mais do que a simplesoferta <strong>de</strong> hospedagem, excursões e passeios. Os roteiros inovadores, asviagens planejadas para grupos e o emprego <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 150 profissio<strong>na</strong>isgraduados <strong>na</strong> área <strong>de</strong> turismo e hotelaria ilustram a ação do SESC, quecaminha lado a lado com o setor turístico no Brasil, principalmente <strong>na</strong>sbaixas temporadas. Além <strong>de</strong> participar da ca<strong>de</strong>ia produtiva do turismo,utilizando serviços <strong>de</strong> transportes, alimentação e entretenimento, o SESCfomenta as economias locais, gerando cerca <strong>de</strong> 2.900 empregos diretos em


Turismo Social133todo o país, e tem sido importante para o <strong>de</strong>senvolvimento das localida<strong>de</strong>son<strong>de</strong> estão inseridos os seus meios <strong>de</strong> hospedagem.Educação para e pelo turismoO SESC tem uma dinâmica inter<strong>na</strong> <strong>de</strong> roteirização, que faz emergirconstantemente programações inovadoras em seus enfoques e suasperspectivas <strong>de</strong> realização. Bons exemplos do trabalho do SESC são asopções para um turismo efetivamente acessível às camadas mais pobresda população, com iniciativas <strong>de</strong> turismo social, para que proporcionem àclientela o acesso à informação e ao conhecimento (educação para e peloturismo); a caracterização do turismo social, diferenciando-o do turismo<strong>de</strong> massas, que é meramente comercial; tudo isso tendo como pano <strong>de</strong>fundo a inclusão, a integração, a solidarieda<strong>de</strong>, a preservação da <strong>na</strong>turezae o respeito às culturas locais.Utilizar os preceitos da educação para e pelo turismo visa contribuirpara que os indivíduos sejam protagonistas <strong>na</strong> melhoria da qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida, com a difusão e a promoção <strong>de</strong> valores, atitu<strong>de</strong>s, informações,conhecimentos e aptidões que propiciem o <strong>de</strong>senvolvimento pessoal,social, físico, emocio<strong>na</strong>l e intelectual. Isto, por sua vez, terá um impacto<strong>na</strong> família, <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong> e <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> como um todo.A educação para o turismo enfatiza a ampliação das possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> lazer, com a oferta <strong>de</strong> ações multidiscipli<strong>na</strong>res que, ao mesmo tempo,sensibilizem e <strong>de</strong>spertem a curiosida<strong>de</strong> para práticas não conhecidas e/ou pouco valorizadas, bem como contribuam para elevar o senso crítico,dar mais autonomia às escolhas das ativida<strong>de</strong>s no tempo livre e formarpúblico potencial às ativida<strong>de</strong>s turísticas.Na educação pelo turismo há um processo <strong>de</strong> aprendizado contínuo,incorporado ao crescimento pessoal e social, on<strong>de</strong> estão presentes atitu<strong>de</strong>s,habilida<strong>de</strong>s, valores e conhecimentos, em práticas lúdicas voltadas paraa educação não-formal, o estímulo à participação e à criativida<strong>de</strong>. Asvivências das programações <strong>de</strong> turismo social visam propiciar momentos<strong>de</strong> contato com novos lugares, pessoas e conteúdos. Nesse processo, oparticipante é estimulado a encontrar um novo universo <strong>de</strong> referências,apren<strong>de</strong>ndo e apreen<strong>de</strong>ndo conhecimentos enquanto experimenta omundo por meio <strong>de</strong> um trabalho planejado, que lhe permite fazer sua


134Carlos Henrique Porto Falcãoprópria leitura do mundo e perceber uma ampla gama <strong>de</strong> significadosassociados ao local visitado, po<strong>de</strong>ndo até contribuir ativamente para suaconservação.Ações em <strong>de</strong>staqueEm vários estados do país, o SESC concretiza a sua proposta <strong>de</strong>turismo social com iniciativas que valorizam as belezas e os patrimônioslocais e regio<strong>na</strong>is. Um exemplo é o projeto Reconhecer RS, <strong>de</strong>senvolvidopelo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Seu objetivo é viabilizar o acesso às atraçõesturísticas, <strong>de</strong>stacando a cultura, a tradição e os atrativos <strong>na</strong>turais dascida<strong>de</strong>s e regiões do estado.Ainda <strong>na</strong> região Sul, o projeto Roteiros do Paraná contempla passeiospor cida<strong>de</strong>s históricas, revelando aos visitantes a cultura, a gastronomia ea geografia locais. Fazem parte do roteiro o Litoral Ecológico, a Rota dosTropeiros, o Circuito Italiano e o Roteiro Eslavo Germânico, entre outros.Em Mi<strong>na</strong>s Gerais, o SESC foi pioneiro <strong>na</strong> operação <strong>de</strong> excursõespara o complexo Estrada Real, que estimula o conhecimento da riquezacultural e histórica do estado mediante a oferta <strong>de</strong> alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> viagenspara os circuitos turísticos mineiros.Realizar uma leitura diferenciada, por meio <strong>de</strong> roteiros temáticos,é o objetivo principal do projeto Por Dentro <strong>de</strong> São Paulo, que promovea re<strong>de</strong>scoberta do espaço urbano e melhora a relação entre o homem ea metrópole. Já o Por Perto <strong>de</strong> São Paulo oferece passeios monitoradospor cida<strong>de</strong>s próximas à capital, revelando atrativos turísticos culturais e<strong>na</strong>turais pouco conhecidos dos paulistanos.No Rio <strong>de</strong> Janeiro, o projeto “Turismo Jovem Cidadão” tem umdiferencial. Sua ação está pautada <strong>na</strong> inclusão social <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong> 12 a 17anos que conhecem atrativos históricos, culturais e o meio ambiente dacida<strong>de</strong> por intermédio <strong>de</strong> passeios. O objetivo é o enriquecimento cultural eo fortalecimento da cidadania <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixa renda. Aúltima etapa do projeto consiste <strong>na</strong> realização <strong>de</strong> uma Ofici<strong>na</strong> <strong>de</strong> Imagens<strong>na</strong> qual são expostas as fotos produzidas por eles durante a realização doprojeto e <strong>de</strong>senvolvidas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> integração.


Turismo Social135Conhecer para preservarOs atores do turismo social <strong>de</strong>sempenharam, e ainda o fazem, umpapel importante <strong>na</strong> preservação do patrimônio coletivo.Já que o turismo é, em escala mundial, um dos principais motorespara a valorização das regiões, não <strong>de</strong>ve ser em nenhum caso, pretexto paraa exploração <strong>de</strong>scontrolada das localida<strong>de</strong>s, muito menos um instrumento<strong>de</strong> aculturação e exploração das comunida<strong>de</strong>s.Antes que o objetivo do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável fosse umarecomendação das organizações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, o turismo social já o haviaproposto como opção, com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteger o meio ambientee respeitar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da população local; aportar novos meios <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento para regiões atrasadas; or<strong>de</strong><strong>na</strong>r e manter os locais, coma intenção <strong>de</strong> não dilapidar os recursos, e gerar benefícios econômicos,sociais e culturais para a população local.O SESC toma como referência o conceito <strong>de</strong> turismo sustentáveladotado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) <strong>na</strong> promoção <strong>de</strong>projetos <strong>de</strong> conservação e educação ambiental, envolvendo hotelaria ver<strong>de</strong>e ações <strong>de</strong> turismo emissivo e receptivo (excursões e passeios).A vertente da educação ambiental faz parte do turismo social doSESC, e a instituição promove projetos <strong>de</strong> conservação do meio ambiente.São programas como excursões e passeios ecológicos, ações <strong>de</strong> gestãoambiental e iniciativas <strong>de</strong> reabilitação e tratamento da fau<strong>na</strong> e da flora, quetraduzem o esforço do SESC <strong>na</strong> reeducação do cidadão, indicando novasformas <strong>de</strong> conduta em relação à <strong>na</strong>tureza. Nessa área, o projeto exemplaré a Estância Ecológica SESC Panta<strong>na</strong>l, em Mato Grosso, composta por umcomplexo <strong>de</strong> turismo ecológico e <strong>de</strong> lazer – o Hotel SESC Porto Cercadoe a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) – com mais <strong>de</strong> 106mil hectares, para preservar a rica biodiversida<strong>de</strong> pantaneira às geraçõesfuturas.O turismo social do SESC procura promover o turismo comsolidarieda<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> levar benefícios às populações locais e preservar suaherança cultural e <strong>na</strong>tural. Esse conceito, chamado atualmente <strong>de</strong> “turismoresponsável”, em substituição ao <strong>de</strong> turismo sustentável, está presenteem todas as nossas ações e engloba o turismo do <strong>de</strong>senvolvimento, o


136Carlos Henrique Porto Falcãoturismo como direito humano, com objetivos <strong>de</strong> bem-estar, a serviço dacomunida<strong>de</strong>, que leva informação aos turistas, que integra as pessoas eque distribui benefícios e traz riquezas.Parcerias em turismoO SESC firmou parcerias com vistas ao <strong>de</strong>senvolvimento doturismo, como seguem:• Ministério do Turismo, SENAC e SESC <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, visandoaten<strong>de</strong>r às metas propostas do Programa <strong>de</strong> Regio<strong>na</strong>lização doTurismo – Roteiros do Brasil, <strong>de</strong> 2004 a 2006;• Observatório <strong>de</strong> Inovação do Turismo – parceria entre aFundação Getúlio Vargas - RJ, o SENAC e o SESC <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, <strong>de</strong>2004 a 2007, visando ao fomento do pensamento estratégicodo turismo brasileiro. Dessa parceria foi editada a publicaçãoDiscussões e Propostas para o Turismo no Brasil, em 2006;• Congresso Nacio<strong>na</strong>l, CNC, SESC e SENAC <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a partir <strong>de</strong>2002, visandoà realização do Congresso Brasileiro da Ativida<strong>de</strong> Turística(CBRATUR);• Instituto Nacio<strong>na</strong>l para o Aproveitamento dos Tempos Livres(INATEL), <strong>de</strong> Portugal, e o SESC Nacio<strong>na</strong>l, a partir <strong>de</strong> 2000,visando ao intercâmbio <strong>de</strong> experiências <strong>na</strong>s áreas em que<strong>de</strong>senvolvem as suas ativida<strong>de</strong>s - em particular, a cultura e oturismo social.Principais números do SESC no turismo socialHospedagem, 2009:• 42 meios <strong>de</strong> hospedagem (colônias <strong>de</strong> férias, pousadas e hotéis)em 20 unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rativas• 4.710 unida<strong>de</strong>s habitacio<strong>na</strong>is•15.737 leitosTurismo Emissivo e Receptivo, 2008:• 2.667 excursões• 9.178 passeios


Turismo Social137Quadro 4Resultados da ativida<strong>de</strong> turismo social do SESC em 2008Turismo Social -- Estatística 2008 2008Modalida<strong>de</strong>sHospedagemTurismo EmissivoTurismo ReceptivoTotalAtendimentos1.760.010527.939636.4192.924.368Turistas674.525200.363631.6941.596.582Quadro 5Perfil da da da clientela Clientela da ativida<strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong> turismo Turismo social do Social Social SESC em 2007Faixa SalarialFaixa EtáriaFaixa Etária46% 46% - - <strong>de</strong> <strong>de</strong> 1 1 a a 3 3 salários salários mínimos mínimos29%29%--<strong>de</strong><strong>de</strong>44aa66saláriossaláriosmínimosmínimosTotal - 75% - <strong>de</strong> 1 a 6 salários mínimosTotal - 75% - <strong>de</strong> 1 a 6 salários mínimos33% da clientela tem mais <strong>de</strong> 55 anos33% da clientela tem mais <strong>de</strong> 55 anosA terceira ida<strong>de</strong> no turismo social do SESCO SESC, ao longo <strong>de</strong> sua trajetória, foi acompanhando as mudanças<strong>de</strong>mográficas ocorridas nos vários segmentos etários da populaçãobrasileira. Diante <strong>de</strong>sta situação, notou uma ampla presença dos idososem suas ativida<strong>de</strong>s e verificou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaborar um trabalhodirecio<strong>na</strong>do para este segmento. Cumpre <strong>de</strong>stacar que, em 1963, o SESC<strong>de</strong> São Paulo, institui o trabalho social com idosos, ativida<strong>de</strong> pioneira <strong>na</strong>América Lati<strong>na</strong>.Os idosos que frequentam o SESC se mostram bem ativos e comuma participação maciça <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s turísticas, como também <strong>na</strong>sativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer e <strong>de</strong> cultura. Diante <strong>de</strong>sta conjuntura, a presençacrescente da terceira ida<strong>de</strong> vem conquistando um espaço cada vez maissignificativo <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.A participação da terceira ida<strong>de</strong> no turismo social do SESC semprefoi estimulada, por ser uma das formas mais completas <strong>de</strong> expressão dolazer. Do ponto <strong>de</strong> vista do turismo social, cada viagem <strong>de</strong>ve significaruma experiência válida, no que diz respeito ao aprimoramento e ao inter-


138Carlos Henrique Porto Falcãorelacio<strong>na</strong>mento humano. O turismo representa a manutenção da saú<strong>de</strong> físicae mental, também po<strong>de</strong>ndo suprir o ócio e os problemas característicos daida<strong>de</strong>. Como resultado <strong>de</strong>sse trabalho, constata-se que 33% da clientela <strong>de</strong>turismo do SESC tem mais <strong>de</strong> 55 anos.No Brasil, o SESC se constitui como mo<strong>de</strong>lo no turismo social,que visa proporcio<strong>na</strong>r a este segmento a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usufruirequipamentos turísticos como hotéis, centros <strong>de</strong> recreação, entre outros, apreços acessíveis, se comparados aos do turismo convencio<strong>na</strong>l.Diante <strong>de</strong> todas as abordagens feitas, fica clara a missão do SESC:promover o turismo no Brasil, abarcando os grupos menos favorecidoseconomicamente. Ou seja, ele possibilita o acesso <strong>de</strong>sse público a viagens,passeios, excursões e hospedagens, a preços acessíveis, dando a oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> conhecer seu próprio país e até mesmo <strong>de</strong> realizar sonhos.Ao longo dos anos, as ativida<strong>de</strong>s da instituição têm indicado asua preocupação eminentemente social. Contudo po<strong>de</strong>-se afirmar quepromover o bem-estar e a melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida ao seu público é um<strong>de</strong> seus principais objetivos.Compromisso com o cidadãoSessenta anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua implantação, o sucesso do turismosocial do SESC po<strong>de</strong> ser medido pela sua amplitu<strong>de</strong>. A entida<strong>de</strong> dispõe<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> extra-hoteleira com 42 estabelecimentos e mais 135 pontos<strong>de</strong> atendimentos em todo o Brasil. As opções vão do turismo <strong>de</strong> lazer aoecológico, passando pelo rural, sem esquecer os aspectos relacio<strong>na</strong>dos coma educação, o meio-ambiente e a cultura locais. O diferencial não estáape<strong>na</strong>s no preço. Está <strong>na</strong> diretriz educativa <strong>de</strong> suas ações, <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong>dos serviços e <strong>na</strong> preocupação com a integração e a inclusão social, comresponsabilida<strong>de</strong> ambiental.BibliografiaBARRETO, Maria Lectícia Fonseca. Potencial turístico da terceiraida<strong>de</strong>. Belo Horizonte: SESC-MG, 2002.BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do turismo. 5ª ed. SãoPaulo: SENAC-SP, 2001.


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Preparação para umaAposentadoria Ativa141Célia Pereira CaldasProfessora-adjunta da Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ), on<strong>de</strong>se formou em Enfermagem, com habilitação em Saú<strong>de</strong> Pública. Mestrado noInstituto <strong>de</strong> Medici<strong>na</strong> Social da UERJ. Doutorado <strong>na</strong> Escola <strong>de</strong> EnfermagemA<strong>na</strong> Nery, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ). Atualmente,é vice-diretora da Universida<strong>de</strong> Aberta da Terceira Ida<strong>de</strong> (UnATI-UERJ),pesquisadora associada do Institute of Gerontology da Jönköping University,<strong>na</strong> Suécia, e professora colaboradora no Departamento <strong>de</strong> Enfermagem daSchool of Health Sciences, <strong>na</strong> mesma universida<strong>de</strong>.A aposentadoria po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada o fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> uma fase davida. Para alguns po<strong>de</strong> representar o ingresso num grupo <strong>de</strong> i<strong>na</strong>tivos,para os quais a vida carece <strong>de</strong> significado. Para outros, porém, po<strong>de</strong>ser a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> novos projetos <strong>de</strong> vida. Po<strong>de</strong> ser aoportunida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>dicar-se a uma ativida<strong>de</strong> intelectual, <strong>de</strong>sportiva ousocial postergada por uma intensa vida <strong>de</strong> trabalho. O fato é que somosnós que atribuímos o significado que esta fase da vida terá.Nas últimas décadas, a economia mudou muito em todo o mundo.O assalariado sabe que não existe nenhum sistema <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> socialbaseado <strong>na</strong>s aposentadorias que lhe garanta um nível <strong>de</strong> vida estável.O aposentado tem consciência <strong>de</strong> que seu nível <strong>de</strong> vida se <strong>de</strong>teriorarácontinuamente e tenta <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se reduzindo gastos e buscando serviçosnecessários a preços inferiores ao resto da população. O trabalhocomplementar é uma solução para compensar a insuficiência <strong>de</strong> recursosdas aposentadorias. Mas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho complementar para


142 Célia Pereira Caldasos aposentados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> que o aposentado tenha saú<strong>de</strong> e se mantenhaatualizado para o mercado <strong>de</strong> trabalho.Para viver no mesmo padrão <strong>de</strong> antes é preciso elaborar umesquema razoável das próprias possibilida<strong>de</strong>s. Um rendimento dignopara proporcio<strong>na</strong>r um nível <strong>de</strong> vida mínimo é requisito fundamental,mas é preciso ter consciência <strong>de</strong> que as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida após aaposentadoria não se reduzem ao dinheiro. É preciso planejar bem autilização do novo tempo disponível. A maior parte das pessoas não estápreparada para dispor <strong>de</strong>ste tempo. Se não souber como utilizá-lo paramelhorar sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, este tempo tor<strong>na</strong>-se uma carga, em vez<strong>de</strong> uma oportunida<strong>de</strong>.A saú<strong>de</strong> é um recurso necessário para que possamos realizar nossosprojetos <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> aposentadoria. Sua promoção é uma responsabilida<strong>de</strong>compartilhada pelo indivíduo e pelo Estado. O Estado <strong>de</strong>ve garantirassistência pública, condições ambientais e sociais para que todos oscidadãos tenham qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Mas o indivíduo precisa assumir suaresponsabilida<strong>de</strong> em relação às escolhas que constituem o seu estilo <strong>de</strong>vida. Isso envolve seus hábitos <strong>de</strong> vida e os cuidados para a preservaçãoda própria saú<strong>de</strong>.A aposentadoria é uma fase da vida marcada pela perda dasexigências sociais <strong>de</strong> trabalho. Muitas vezes, é nessa fase que o indivíduo<strong>de</strong>scobre que se ocupou <strong>de</strong>masiadamente com tais exigências, o tempopassou e os investimentos que ele <strong>de</strong>veria fazer em prol <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>não foram realizados. É importante <strong>de</strong>stacar que, para assumir estaresponsabilida<strong>de</strong>, o trabalhador precisa se preparar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a juventu<strong>de</strong>.A saú<strong>de</strong> individual é <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da pelo resultado da complexarelação entre o físico, o psíquico e o social, e a aposentadoria é umaoportunida<strong>de</strong> para que os indivíduos <strong>de</strong>senvolvam hábitos saudáveis. Masé necessário que o aposentado seja preparado com antecedência, poisnecessita <strong>de</strong> certo tempo para que modifique seus hábitos nocivos. Poroutro lado, é necessário o apoio da socieda<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong>assistência <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e social que facilite os hábitos saudáveis do aposentado.Nenhuma situação <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada imutável, se o indivíduo <strong>de</strong>sejaalterá-la e dispõe dos meios necessários.Este capítulo trata das condições necessárias a uma aposentadoria


Preparação para uma aposentadoria ativa143ativa. Inicialmente, serão discutidas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-realização e aimportância do autocuidado nesta fase da vida. A seguir, tratamentos dasaú<strong>de</strong> como um requisito necessário a uma vida ativa. Por fim, <strong>de</strong>stacaremosa importância da estimulação cognitiva para a manutenção do padrão <strong>de</strong>autonomia necessário a uma vida ativa.A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-realizaçãoA busca <strong>de</strong> uma nova ativida<strong>de</strong> <strong>na</strong> aposentadoria <strong>de</strong>ve ser orientadapara a auto-realização. O interesse do aposentado constitui o primeirorequisito. Descobrir este interesse e orientar as ações para este objetivo nãoé muito difícil. O problema, muitas vezes, é a falta <strong>de</strong> interesse do próprioaposentado. O interesse vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que ele possua um projeto <strong>de</strong> vidaque vá além da aposentadoria. Este projeto precisa ser <strong>de</strong>finido antes <strong>de</strong> sebuscar uma ativida<strong>de</strong>.O segundo requisito é a relevância social da ativida<strong>de</strong>. A ativida<strong>de</strong>é relevante se o aposentado acredita que é. Muitas vezes, a família,os amigos e o grupo social em que a pessoa se insere dão relevânciaa <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das ativida<strong>de</strong>s que para ela não têm muito significado. Noentanto não é possível a auto-realização sem que o sujeito atribua sentidoàs suas ações. O aposentado precisa perceber que a socieda<strong>de</strong> dá valorà sua ativida<strong>de</strong>. Portanto ativida<strong>de</strong>s que recor<strong>de</strong>m esquemas infantis <strong>de</strong>ocupação <strong>de</strong> indivíduos que não participem realmente da vida socialdificilmente são elegíveis para pessoas maduras.Entre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s estão as ocupacio<strong>na</strong>is,educacio<strong>na</strong>is, culturais, recreativas, <strong>de</strong>sportivas, <strong>de</strong> voluntariado, religiosase i<strong>de</strong>ológicas. As ativida<strong>de</strong>s ocupacio<strong>na</strong>is incluem as manuais - artesa<strong>na</strong>toe ofícios clássicos ( ): carpintaria, trabalhos com metais, barro e cerâmica,jardi<strong>na</strong>gem, criação <strong>de</strong> animais, mo<strong>de</strong>lismo, fotografia, cinema etc. Sãoativida<strong>de</strong>s que precisam se a<strong>de</strong>quar ao nível educacio<strong>na</strong>l e à saú<strong>de</strong> daspessoas. Os que têm menos condições econômicas terão muita dificulda<strong>de</strong>para <strong>de</strong>dicar-se a qualquer tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nova.A busca por ativida<strong>de</strong>s educativas geralmente não é voltada paraa obtenção <strong>de</strong> titulação acadêmica. O mais comum é que as ativida<strong>de</strong>seducativas e culturais tenham como objetivo a ampliação <strong>de</strong> conhecimentosou o mero gosto por saber e atualizar-se.


144Célia Pereira CaldasQuando uma gran<strong>de</strong> parte dos aposentados é <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lfabetosfuncio<strong>na</strong>is é difícil planejar ativida<strong>de</strong>s educacio<strong>na</strong>is e culturais. Énecessário pensar uma pedagogia baseada no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>sinstrumentais mínimas: hábitos <strong>de</strong> leitura, compreensão e redaçãoelementares, para sobre esta base organizar-se qualquer tipo <strong>de</strong> processoeducacio<strong>na</strong>l.A diferença entre o lazer do trabalhador ativo e o lazer doaposentado é que para este per<strong>de</strong>-se o sentido <strong>de</strong> lazer como <strong>de</strong>scansoda ativida<strong>de</strong> produtiva. Para o aposentado, lazer está ligado a vivenciarativida<strong>de</strong>s sem compromisso com outra coisa que não com o próprioprazer. Uma classificação clássica <strong>de</strong> lazer o divi<strong>de</strong> em ativo e passivo.No primeiro caso, o indivíduo participa ativamente, como nos jogos. Nolazer passivo, o indivíduo recebe mensagens passivamente, como quandoassiste a televisão ou cinema. O lazer ativo é mais ligado aos esportes. Asativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas são possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> auto-realização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queajustadas às possibilida<strong>de</strong>s individuais.As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> voluntariado são <strong>de</strong>finidas pela doação <strong>de</strong> temposem compensação econômica. É uma possibilida<strong>de</strong> para pessoas que tenhamcomo valores pessoais a solidarieda<strong>de</strong> e o compromisso com a construção<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais huma<strong>na</strong>. Um exemplo são os programas <strong>de</strong>humanização dos hospitais através do trabalho voluntário. É uma ativida<strong>de</strong>excelente para proporcio<strong>na</strong>r interesse individual e transcendência social.No entanto percebemos muitas barreiras ao trabalho voluntário. É comumencontrarmos aposentados que afirmam não querer realizar este tipo <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong>, pois “trabalharam muito durante a vida para fazê-lo agora semganhar <strong>na</strong>da”. No entanto o trabalho voluntário tem a ver com o fato <strong>de</strong>sentir-se membro <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> da qual se participa <strong>de</strong> diferentesmaneiras; da qual se recebe e para a qual se <strong>de</strong>ve contribuir <strong>na</strong> medida daspossibilida<strong>de</strong>s pessoais.Existe ainda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> envolvimento em ativida<strong>de</strong>sque têm por fundamento valores intangíveis professados pela pessoa eque levam a uma ação por fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a princípios religiosos, políticos,espirituais etc. Tais ativida<strong>de</strong>s geralmente têm conexão com as ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> voluntariado.Preparar-se para a aposentadoria consiste em agir tendo nohorizonte a representação dos fatos futuros, consequências previsíveis


Preparação para uma aposentadoria ativa145e adaptações que <strong>de</strong>vem ser feitas para que estes fatos tornem-se umaexperiência positiva ou o menos negativa possível. Esta preparação envolvea <strong>de</strong>finição e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida.Um projeto <strong>de</strong> vida é uma razão para dar sentido à sua vida.Os aposentados que não chegam a conseguir o mínimo necessário parasobreviver têm maior dificulda<strong>de</strong> para realizar seus projetos <strong>de</strong> vida.Portanto é necessário, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, conseguir meios fi<strong>na</strong>nceirospara garantir sua sobrevivência e então projetar o futuro.Nada dá maior frustração ao ser humano do que a falta <strong>de</strong> objetivopara viver. E quanto mais transcen<strong>de</strong>nte seja, maior satisfação pessoalobterá, mesmo que não possa alcançá-lo totalmente. Para <strong>de</strong>senvolverseu projeto <strong>de</strong> vida, o aposentado <strong>de</strong>ve i<strong>de</strong>ntificar que tipo <strong>de</strong> recursosseu projeto requer, planejar a sua realização e começar a exercitar aativida<strong>de</strong>.A importância do autocuidadoAtitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> autocuidado são necessárias durante toda a nossaexistência. Uma maturida<strong>de</strong> saudável é ape<strong>na</strong>s o resultado <strong>de</strong> toda a vida.Para se autocuidar é necessário <strong>de</strong>senvolver uma consciência das condiçõesque proporcio<strong>na</strong>m o próprio bem-estar. Isso só é possível através <strong>de</strong> umprocesso <strong>de</strong> autoconhecimento. O <strong>de</strong>senvolvimento da auto-estima aolongo da vida também é importante para que as nossas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>cuidado não sejam negligenciadas por nós mesmos.O cuidado é parte da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. Para existir, o homemtem <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às suas próprias necessida<strong>de</strong>s - alimentar-se, higienizarse,agasalhar-se etc. Ser capaz <strong>de</strong> se cuidar é a condição básica para aautonomia, a in<strong>de</strong>pendência e a auto<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção. Quando, ao contrário,o indivíduo precisa ser cuidado por outra pessoa, sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser estácomprometida.O envelhecimento saudável não está diretamente relacio<strong>na</strong>do àida<strong>de</strong> cronológica. Depen<strong>de</strong> muito mais da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o organismorespon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s da vida cotidia<strong>na</strong>, à capacida<strong>de</strong> e à motivaçãofísica e psicológica para continuar buscando novos horizontes <strong>na</strong> vida.O ser humano precisa <strong>de</strong> cuidados ao longo <strong>de</strong> toda a vida. Cada


146Célia Pereira Caldasindivíduo tem uma maneira própria <strong>de</strong> se cuidar. Cuidar <strong>de</strong> si tambémpo<strong>de</strong> exigir um aprendizado especial para otimizar ações em prol dasaú<strong>de</strong> e aten<strong>de</strong>r às mudanças produzidas por doenças ou pelo processo <strong>de</strong>envelhecimento. Portanto é necessário conhecimento sobre si e sobre suaspróprias variações ao longo da vida. Os adultos maduros que se preparampara o envelhecimento <strong>de</strong>vem dar especial atenção ao autocuidado, àprevenção e ao controle <strong>de</strong> doenças crônicas.O corpo é programado para preservar as condições que proporcio<strong>na</strong>muma vida saudável ao longo <strong>de</strong> toda existência. Para que isso ocorra, énecessário que o organismo disponha <strong>de</strong> uma reserva fisiológica. Essareserva é construída ao longo <strong>de</strong> toda a vida e, <strong>na</strong> velhice, será necessáriapara a manutenção da saú<strong>de</strong>. As pessoas que tenham <strong>de</strong>senvolvido umestilo <strong>de</strong> vida saudável, <strong>de</strong> acordo com as suas condições <strong>de</strong> vida duranteo seu processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, possuem uma reserva maior doselementos necessários a uma vida normal <strong>na</strong> velhice.Saú<strong>de</strong>: requisito necessário para uma aposentadoria ativaA aposentadoria representa um marco social do processo <strong>de</strong>envelhecimento, que é um processo multidimensio<strong>na</strong>l. Este processo refleteas condições <strong>de</strong> vida e os cuidados ou a falta <strong>de</strong> cuidados que tivemoscom a nossa saú<strong>de</strong>. Frequentemente é marcado pela convivência com pelomenos uma doença crônica.Existem cuidados específicos para cada doença, para cada pessoa.Mas, <strong>de</strong> uma forma geral, os principais cuidados referem-se ao controledos fatores <strong>de</strong> risco, ou seja, a prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s físicas, a<strong>de</strong>quaçãodo peso, supressão do hábito <strong>de</strong> fumar, redução do consumo <strong>de</strong> álcool ecafeí<strong>na</strong> e uma alimentação nutritiva.A ativida<strong>de</strong> física é, geralmente, a primeira recomendação paraum programa <strong>de</strong> otimização da saú<strong>de</strong>. Os exercícios, <strong>de</strong> forma geral,<strong>de</strong>vem movimentar todo o corpo. A caminhada é uma proposta simplespara iniciar um programa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> física. É o programa mais utilizado,por trazer gran<strong>de</strong>s benefícios à saú<strong>de</strong> a custo zero e possuir poucascontra-indicações. Caminhar melhora o sistema circulatório, proporcio<strong>na</strong>condicio<strong>na</strong>mento físico e aumenta a capacida<strong>de</strong> respiratória. Até mesmoos movimentos peristálticos são influenciados, ajudando a digestão e


Preparação para uma aposentadoria ativa147evitando a constipação intesti<strong>na</strong>l.Cada pessoa possui uma estrutura óssea capaz <strong>de</strong> suportar umaquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peso <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da geneticamente. A sobrecarga pon<strong>de</strong>ralcompromete toda a estrutura óssea, principalmente as articulações, queacabam sendo lesadas, diminuindo sua mobilida<strong>de</strong>. Além disso, no obeso,há uma sobrecarga do aparelho circulatório. Se uma estrutura organizadapara suprir <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da carga precisa garantir o funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> <strong>de</strong>zou 20 quilos a mais, haverá sobrecarga em todo o organismo. O coração,geneticamente programado para aquela carga, aumenta o seu trabalhopara bombear o sangue para um organismo mais volumoso. Por isto, emgeral, o obeso <strong>de</strong>senvolve problemas cardíacos e a hipertensão é umaconsequência quase inevitável.O cálcio é um mineral <strong>de</strong>scartado se não necessitamos <strong>de</strong> ossosresistentes o suficiente para suportar exercícios. Em outras palavras, avida se<strong>de</strong>ntária provoca a <strong>de</strong>scalcificação, favorecendo o surgimento daosteoporose, caracterizada pela perda <strong>de</strong> cálcio dos ossos. Devemos lembrarque o excesso <strong>de</strong> ingestão <strong>de</strong> café, álcool e fumo também contribui para a<strong>de</strong>scalcificação.A qualida<strong>de</strong> da alimentação é outra medida fundamental. Varieda<strong>de</strong>,sabor e até o odor da alimentação são importantes como estímulos a umaalimentação saudável. Um prato colorido é um bom indicativo <strong>de</strong> quetodos os nutrientes necessários estão sendo ingeridos. É fundamental parao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-estima e autocuidadosentir prazer no ato <strong>de</strong> alimentar-se, que <strong>de</strong>ve ser saudável e variado. Avarieda<strong>de</strong>, o sabor, o odor e a arrumação do prato constituem pequenosprazeres que muito contribuem para a qualida<strong>de</strong> da alimentação.Em relação às condições orais, a boca precisa estar semprelimpa; <strong>de</strong>ntes ou <strong>de</strong>ntaduras <strong>de</strong>vem ser escovados; a língua bem cuidada,escovada com uma escova mole, assim como as gengivas. A língua nãoé lisa, portanto retém resíduos <strong>de</strong> alimentos e remédios entre as papilas,que <strong>de</strong>terioram, po<strong>de</strong>ndo causar enfermida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vido à proliferação <strong>de</strong>germes.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do que se po<strong>de</strong> dizer do consumo das drogasilícitas, <strong>de</strong>vemos ressaltar os efeitos do uso contínuo e prolongado <strong>de</strong>álcool, cafeí<strong>na</strong>, fumo e medicamentos psicotrópicos, como ansiolíticos,


148Célia Pereira Caldascalmantes e indutores do sono. Todos esses agentes causam <strong>de</strong>pendência.O fumo, por sua vez, é bastante conhecido como agente causador docâncer <strong>de</strong> pulmão, <strong>de</strong> boca e <strong>de</strong> doenças gástricas, entre outras. Quantoaos medicamentos, muitas pessoas pensam que é <strong>na</strong>tural o uso <strong>de</strong>indutores do sono e ansiolíticos, como se não houvesse consequências eefeitos colaterais. Há situações em que é necessário o uso <strong>de</strong> ansiolíticos eindutores do sono, mas, passada a crise, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser usadas outrastécnicas <strong>de</strong> controle da ansieda<strong>de</strong>.O <strong>de</strong>sgaste dos sentidos visuais e auditivos po<strong>de</strong> diminuir muitonossa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, além <strong>de</strong> propiciar aci<strong>de</strong>ntes. Assim, é necessárioque mantenhamos uma roti<strong>na</strong> <strong>de</strong> exames periódicos com o oftalmologistae com o otorrinolaringologista.Deve-se ressaltar a importância dos exames preventivosginecológicos e urológicos. Aos homens recomenda-se o exame preventivodo câncer <strong>de</strong> próstata, que inclui a avaliação urológica, com dosagem <strong>de</strong>hormônio PSA e toque retal da próstata. Entre as mulheres, a importância doexame preventivo ginecológico para a <strong>de</strong>tecção do câncer cérvico-uterinoe <strong>de</strong> mama já está mais estabelecida. Se diagnosticados precocemente,tanto o câncer <strong>de</strong> útero quanto o <strong>de</strong> mama têm cura, daí a importânciado exame preventivo periódico, uma vez que estas formas <strong>de</strong> câncer são,inicialmente, assintomáticas.Devemos lembrar também que mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contrainfecções são menos eficazes nessa faixa etária, contribuindo tambémpara aumentar os riscos <strong>de</strong> contrair doenças. Assim, é aconselhável aimunização das pessoas idosas, uma vez que a gripe e a pneumonia estãoentre as maiores causas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> e morbida<strong>de</strong> entre idosos, o quepo<strong>de</strong> ser evitado com vaci<strong>na</strong>ção específica.A vaci<strong>na</strong>ção contra a gripe é realizada anualmente, no início dooutono, antes <strong>de</strong> a temperatura diminuir. A vaci<strong>na</strong>ção contra a pneumoniausualmente confere imunida<strong>de</strong> para o resto da vida, sendo recomendável,entretanto, uma revaci<strong>na</strong>ção a cada cinco anos. Recomenda-se tambéma vaci<strong>na</strong>ção contra o tétano, já que mais <strong>de</strong> 50% dos casos <strong>de</strong> tétanoreportados ocorrem em idosos.A pele também precisa ser alvo <strong>de</strong> cuidados ao longo <strong>de</strong> toda avida. À medida que envelhecemos, a pele fica seca e frágil, daí os cuidados


Preparação para uma aposentadoria ativa149que <strong>de</strong>vemos ter com a hidratação, tanto por via oral quanto tópica,aumentando a ingestão <strong>de</strong> água e usando loção hidratante em todo ocorpo. Em países tropicais, como o nosso, o risco da exposição ao sol émuito maior. Os raios ultravioleta <strong>de</strong>stroem a pele, causando lesões comoo câncer cutâneo. A exposição ao sol requer cuidados: horário (antes das10h e <strong>de</strong>pois das 16h); proteção (protetor solar) e roupa a<strong>de</strong>quada (clara e<strong>de</strong> tecido que proteja a pele, permitindo a sua oxige<strong>na</strong>ção).A importância <strong>de</strong> uma mente ativaO <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, voltada para aprodutivida<strong>de</strong> a qualquer custo, traz consequências sérias para o indivíduoque se aproxima da maturida<strong>de</strong>. Embora, muitas vezes, o indivíduo sesinta no auge da sua capacida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l, o sistema produz mensagensque o levam a crer que chegou o momento <strong>de</strong> se retirar <strong>de</strong> ce<strong>na</strong> e <strong>de</strong>ixaro lugar para outros mais jovens. No entanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong>nossas vidas, somos preparados ape<strong>na</strong>s para o trabalho. E, após um longoperíodo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>stramento, quando fi<strong>na</strong>lmente nos tor<strong>na</strong>mos experientes eseguros no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> nossas funções, pouco tempo nos resta antesda nossa aposentadoria.O ser humano possui um potencial para se <strong>de</strong>senvolver em muitasáreas além daquela <strong>na</strong> qual trabalha. E, ao <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>smais diversas dimensões, novos horizontes po<strong>de</strong>m surgir <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>,tor<strong>na</strong>ndo o trabalho ape<strong>na</strong>s uma das áreas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento doindivíduo, não a única.Quanto mais áreas diferentes forem <strong>de</strong>senvolvidas ao longo da vida,maior será nosso potencial e melhor o funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> nosso cérebro.Música, artes, ativida<strong>de</strong>s físicas, ciência, filosofia, esportes, matemática,jogos, diversão, espiritualida<strong>de</strong> e filantropia são alguns exemplos <strong>de</strong> áreas<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano que po<strong>de</strong>m ser estimuladas ao longo davida.À medida que envelhecemos, há perda <strong>de</strong> células, diminuindo ovolume do cérebro, porém o homem não utiliza toda a sua capacida<strong>de</strong>celular cerebral durante a vida. Quando há perda <strong>de</strong> neurônio, outrosentram em ativida<strong>de</strong>. Quanto maior o estímulo do cérebro ao longo davida, maior a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilizar os neurônios. Devemos lembrar que,


150Célia Pereira Caldasassim como a ativida<strong>de</strong> mental, a memória também precisa ser estimuladaatravés <strong>de</strong> exercícios, para que se conserve durante a terceira ida<strong>de</strong>.Quanto à inteligência, o idoso não a per<strong>de</strong>. O que ocorre é umalentificação da ativida<strong>de</strong> mental, daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma quantida<strong>de</strong>maior <strong>de</strong> explicações e repetições para que ele entenda o que estamosdizendo. No entanto é preciso <strong>de</strong>stacar que aqueles que mantêm sua menteem ativida<strong>de</strong> minimizam suas perdas cognitivas.Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>isEm nossa socieda<strong>de</strong>, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> indivíduos já estávivendo 20 ou 30 anos para além da aposentadoria. Medidas <strong>de</strong>vem sertomadas para fornecer um senso <strong>de</strong> significado a esta fase da vida, senãoos recursos pessoais <strong>de</strong>ssas pessoas serão perdidos para a socieda<strong>de</strong>.Pensando em uma aposentadoria ativa com o foco em uma vidacom qualida<strong>de</strong>, é importante <strong>de</strong>senvolver atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> autocuidado durantetoda a nossa existência, garantindo uma velhice saudável, através <strong>de</strong>mudanças <strong>de</strong> hábitos e adoção <strong>de</strong> novos padrões <strong>de</strong> comportamento. Asensibilização em relação a esse problema po<strong>de</strong> se dar com a preparaçãopara a aposentadoria.Os resultados, perceptíveis a médio e longo prazos, são aconscientização <strong>de</strong> que o ser humano possui um potencial para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> muitas áreas além daquela <strong>na</strong> qual trabalha. Oautocuidado é, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, o ponto <strong>de</strong> partida para um amplo programa <strong>de</strong>melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, com vistas à ampliação <strong>de</strong> novos horizontes<strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>.Portanto, para manter uma aposentadoria ativa, é necessário umelevado nível <strong>de</strong> autocuidado. Para isso é preciso ampliar o conhecimentosobre o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgaste fisiológico e suas repercussões nofuncio<strong>na</strong>mento geral do organismo, aí incluída a inserção do indivíduo<strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. É fundamental também a prática individual e coletiva <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong>s que tenham como objetivo melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, ouseja, ativida<strong>de</strong>s com um caráter multidimensio<strong>na</strong>l em relação a questões<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, ocupação e lazer.Para se sentir realizado, valorizado e integrado à socieda<strong>de</strong>, é <strong>de</strong>


Preparação para uma aposentadoria ativa151extrema importância que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong>, o indivíduomantenha projetos <strong>de</strong> vida a concretizar e que essa <strong>de</strong>cisão seja respeitada.Traduzindo em ações, é preciso i<strong>de</strong>ntificar o que po<strong>de</strong> ser feito parafavorecer seu potencial <strong>de</strong> crescimento e realização.Consi<strong>de</strong>rando-se que não se sabe quanto tempo <strong>de</strong> vida existeapós a aposentadoria, é preciso refletir sobre o envelhecimento. Perceber<strong>de</strong> que maneira é possível estabelecer reservas físicas e emocio<strong>na</strong>is quepermitam ânimo e vigor para <strong>de</strong>senvolver o potencial <strong>de</strong> aprendizado, lazere sociabilida<strong>de</strong> que o tempo, fi<strong>na</strong>lmente mais livre, po<strong>de</strong> proporcio<strong>na</strong>r.O envelhecimento da população é uma aspiração <strong>de</strong> qualquersocieda<strong>de</strong>, mas tal <strong>de</strong>sejo, por si só, não é o bastante. É importante almejarqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida para aqueles que já envelheceram ou estão no processo <strong>de</strong>envelhecer. O que implica a tarefa complexa <strong>de</strong> manutenção da autonomiae da in<strong>de</strong>pendência. O <strong>de</strong>safio para os países pobres é consi<strong>de</strong>rável, jáque, no passado, quando as populações dos países europeus começarama envelhecer, a população mundial era menor e a socieda<strong>de</strong> era menoscomplexa. O Brasil ainda não equacionou satisfatoriamente os problemasadvindos do atendimento às necessida<strong>de</strong>s básicas da infância e daadolescência e <strong>de</strong>fronta-se com a emergência, em termos quantitativos,<strong>de</strong> outro grupo etário, também fora da produção econômica, em busca <strong>de</strong>investimentos para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>mandas específicas.No entanto a baixa priorida<strong>de</strong> atribuída aos aposentados pelaspolíticas públicas (assistenciais, previ<strong>de</strong>nciárias e <strong>de</strong> ciência e tecnologia)evi<strong>de</strong>ncia uma percepção i<strong>na</strong><strong>de</strong>quada das necessida<strong>de</strong>s específicas <strong>de</strong>stesegmento populacio<strong>na</strong>l. Tor<strong>na</strong>-se necessário, portanto, um esforço políticoorientado no sentido <strong>de</strong> colocar <strong>na</strong> pauta da socieda<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s<strong>de</strong>ste segmento populacio<strong>na</strong>l.


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Política Social<strong>de</strong> Atenção ao Idoso:<strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC153Claire da Cunha BeraldoMaria Clotil<strong>de</strong> Barbosa Nunes Maia <strong>de</strong> CarvalhoAssessoras Técnicas do Serviço Social do Comércio – AdministraçãoNacio<strong>na</strong>l, atuam <strong>na</strong> coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da ativida<strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> com Grupos– <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos.Políticas brasileiras <strong>de</strong> atenção à pessoa idosaAté há pouco tempo, o Brasil era consi<strong>de</strong>rado um país jovem,mas <strong>na</strong>s últimas décadas o perfil da pirâmi<strong>de</strong> etária foi se modificando ehoje temos um aumento significativo da população idosa, que pressupõea criação e a reestruturação das políticas públicas voltadas para essesegmento.Conforme aponta Camarano, a incorporação das questõesreferentes ao envelhecimento populacio<strong>na</strong>l <strong>na</strong>s políticas brasileiras foifruto <strong>de</strong> pressões e influência da socieda<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>stacando-se a criação daSocieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Geriatria e Gerontologia, em 1961, que tinha comoum dos seus objetivos “estimular iniciativas e obras sociais <strong>de</strong> amparo àvelhice e cooperar com outras organizações interessadas em ativida<strong>de</strong>seducacio<strong>na</strong>is, assistenciais e <strong>de</strong> pesquisas relacio<strong>na</strong>das com a geriatria ea gerontologia” (CAMARANO, 2004, p. 264), e os grupos <strong>de</strong> convivênciado Serviço Social do Comércio (SESC), em 1963, cuja preocupação inicialcom o <strong>de</strong>samparo e a solidão dos comerciários aposentados <strong>de</strong>flagrou uma


154 Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> Carvalhopolítica dirigida ao idoso.O SESC 1 , criado em 1946 pelo <strong>de</strong>creto–lei nº 9.853, com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong><strong>de</strong> promover o bem-estar social do comerciário e <strong>de</strong> sua família, tinhacomo objetivo principal a valorização huma<strong>na</strong>.A ação do SESC com os idosos iniciou-se <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 60 erevolucionou o trabalho <strong>de</strong> assistência social, ao <strong>de</strong>flagrar uma políticavoltada para as pessoas idosas. Isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que as instituiçõesque cuidavam da população idosa <strong>na</strong> época eram ape<strong>na</strong>s voltadas para oatendimento asilar. As políticas sociais para idosos eram encaminhadas- como as <strong>de</strong>mais questões sociais – por meio <strong>de</strong> ações assistencialistas,sendo o asilamento a única política pública concreta para esse segmentoda população.Nos anos 70, houve uma iniciativa do governo fe<strong>de</strong>ral em proldos idosos, com a criação <strong>de</strong> dois tipos <strong>de</strong> benefícios não contributivos:as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda mensal vitalíciapara os necessitados urbanos e rurais com mais <strong>de</strong> 70 anos que nãorecebiam benefício da Previdência Social e não apresentavam condições<strong>de</strong> subsistência.Costa (2002, p. 1.078) ressalta que “a partir do ano <strong>de</strong> 1974, ocorrea primeira iniciativa do governo fe<strong>de</strong>ral <strong>na</strong> prestação <strong>de</strong> assistência aoidoso”. Através do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS),<strong>de</strong>senvolveram-se ações preventivas nos centros sociais do InstitutoNacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Previdência Social (INPS). Essas ações tinham por objetivoo pagamento da inter<strong>na</strong>ção custo-dia, restrita aos seus aposentados epensionistas, a partir <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, em sistema <strong>de</strong> asilamento.No ano <strong>de</strong> 1975, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar a ocorrência do primeiromovimento <strong>de</strong> uma política social para a velhice, com a criação doMinistério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que privilegiava asquestões voltadas para a saú<strong>de</strong>, a renda, e a prevenção do asilamento.Em 1976, o MPAS criou o primeiro documento, “Diretrizes para1 Serviço Social do Comércio (SESC) é uma empresa privada, mantida pelos empresários do comércio<strong>de</strong> bens e serviços, voltada para o bem-estar social dos comerciários. Sua Administração Nacio<strong>na</strong>l é oórgão normativo que orienta os Departamentos Regio<strong>na</strong>is, presentes em todos os estados brasileiros,no <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s. As Unida<strong>de</strong>s Operacio<strong>na</strong>is são os centros <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s localizadosem diversos municípios brasileiros que <strong>de</strong>senvolvem os programas <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> assistência, cultura,educação, lazer e saú<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e projetos.


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC155uma Política Nacio<strong>na</strong>l para a Terceira Ida<strong>de</strong>”, que norteava a política socialpara a população idosa, fruto das conclusões <strong>de</strong> três seminários regio<strong>na</strong>iscom a colaboração do SESC-SP, ocorridos em São Paulo, Belo Horizonte eFortaleza, além <strong>de</strong> um Seminário Nacio<strong>na</strong>l sobre Política Social da Velhice,ocorrido em Brasília, que tinham o objetivo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as condições <strong>de</strong>vida da população idosa brasileira e o apoio assistencial existente paraaten<strong>de</strong>r as suas necessida<strong>de</strong>s.Nesse mesmo período, o governo propôs reformulações, e coubeà Legião Brasileira <strong>de</strong> Assistência Social (LBA) a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver os programas <strong>de</strong> assistência social, inclusive o <strong>de</strong> assistênciaao idoso. A ação da LBA ocorreu em dois projetos principais: Convivere Asilar. Por meio <strong>de</strong> convênios <strong>de</strong> cooperação técnica e fi<strong>na</strong>nceira, elesrevitalizaram os equipamentos públicos e privados <strong>de</strong> atenção ao idoso.Até a década <strong>de</strong> 80, as políticas <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das à população idosacentravam suas ações <strong>na</strong> garantia <strong>de</strong> renda e assistência social, com oasilamento dos idosos em situação <strong>de</strong> risco social. Àqueles que tinhammelhores condições socioeconômicas não eram oferecidos programas ouserviços <strong>de</strong> qualquer <strong>na</strong>tureza. Essa década - ainda que as gran<strong>de</strong>s questõessobre o envelhecimento não tenham sido objeto <strong>de</strong> ações gover<strong>na</strong>mentais -representou um período absolutamente rico, em que os idosos começarama se organizar e em que surgiram às primeiras associações <strong>de</strong> idososno Brasil. Foi também nesse período que a socieda<strong>de</strong> científica iniciouos primeiros estudos gerontológicos e realizou inúmeros seminários econgressos, sensibilizando, <strong>de</strong>ssa forma, os governos e a socieda<strong>de</strong> para aquestão da velhice.Em 1982, a partir da Assembléia <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong> - que propõe umamudança <strong>de</strong> visão do papel do idoso <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, adotando o conceito doenvelhecimento saudável -, as políticas para a população idosa brasileira,voltadas para os idosos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e vulneráveis, começam a mudarpor influência inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, adotando um conceito positivo e ativo <strong>de</strong>envelhecimento, sendo a pessoa idosa protagonista das ações. O Brasilpassou, então, a adotar em sua agenda o tema do envelhecimento saudável,culmi<strong>na</strong>ndo com sua incorporação no capítulo referente às questões sociaisda Constituição Fe<strong>de</strong>ral do Brasil do ano <strong>de</strong> 1988.A Constituição consi<strong>de</strong>rou algumas orientações da Assembléia <strong>de</strong>Vie<strong>na</strong> e introduziu o conceito <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social, alterando o vínculo da


156Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> Carvalhore<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção social, que era ape<strong>na</strong>s social-trabalhista e assistencialista,para adquirir uma conotação <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> cidadania. O acesso à saú<strong>de</strong> eà educação também foi garantido a toda a população, além da assistênciasocial para a população necessitada.A Constituição Fe<strong>de</strong>ral do Brasil, no Capítulo VII, Artigo 230(BRASIL, 1992, p. 103), ressalta que “a família, a socieda<strong>de</strong> e o Estadotêm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação<strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo sua dignida<strong>de</strong> e bem-estar e garantindo-lheso direito à vida”.Dessa forma, a Constituição responsabiliza a família no amparoao idoso, assegurando sua participação e convívio familiar e comunitário,que também é retratado <strong>na</strong> Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso (BRASIL, 1998, art.3º) e no Estatuto (art. 3º). Essa responsabilização da família foi positivapara o idoso, <strong>de</strong>vido ao aumento da proporção <strong>de</strong> famílias com idososresidindo e convivendo com outras gerações.A Constituição <strong>de</strong> 88 estabelece também, no título VIII, Da Or<strong>de</strong>mSocial, Capítulo II, Da Segurida<strong>de</strong> Social, <strong>na</strong> Seção IV, Da Assistência Social,no art. 203 (BRASIL, 1992, p. 93) que “a assistência social será prestadaa quem <strong>de</strong>la necessitar, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> contribuição à segurida<strong>de</strong> social,e tem por objetivo: I – a proteção à família, à maternida<strong>de</strong>, à infância,à adolescência e à velhice”. Os artigos 203 e 204 garantem aos maisvelhos um sistema <strong>de</strong> proteção social e incorpora algumas orientações daAssembléia <strong>de</strong> Vie<strong>na</strong>.Embora a Constituição promulgada em 1988 tenha registrado,pela primeira vez <strong>na</strong> história brasileira, que a proteção social aos idososé um <strong>de</strong>ver do Estado e um direito <strong>de</strong> todo o cidadão, ocorreram poucosavanços e muitos retrocessos em termos <strong>de</strong> política social. Entretantoos movimentos <strong>de</strong> idosos já organizados e a ação <strong>de</strong> algumas entida<strong>de</strong>s,como o SESC, não só mantiveram vivo o <strong>de</strong>bate sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>políticas <strong>de</strong> atenção à velhice como fizeram <strong>de</strong>mandas significativas, quecontribuíram para dar visibilida<strong>de</strong> aos velhos e a suas condições <strong>de</strong> vida.Em 1993, é formulada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),lei nº 8.742, que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Fe<strong>de</strong>rale dispõe, em seu art. 1º, a assistência social como direito do cidadão e<strong>de</strong>ver do Estado e, no art. 2º, ao retratar os objetivos da assistência social,


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC157garante ao idoso a proteção e um salário mínimo <strong>de</strong> benefício. Ainda noart 2º, inciso V (BRASIL, 2001, p. 197), proclama a “garantia <strong>de</strong> um saláriomínimo <strong>de</strong> benefício mensal à pessoa portadora <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e ao idosoque comprove não possuir meios <strong>de</strong> prover a própria manutenção ou <strong>de</strong>tê-la provida por sua família”.Esse benefício mensal, intitulado Benefício <strong>de</strong> Prestação Continuada(BPC) é <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do aos idosos com 65 anos ou mais e às pessoas portadoras<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência incapacitadas para o trabalho e para a vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Em ambos os casos, a renda familiar per capita dos beneficiários <strong>de</strong>ve serinferior a ¼ do salário mínimo. Nos dias atuais, o idoso <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong>baixa renda tem um importante papel <strong>na</strong> família, pois os benefícios sociaisque recebe complementam a renda familiar ou, muitas vezes, são a únicarenda.No ano <strong>de</strong> 1994, ainda sob influência dos <strong>de</strong>bates <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is einter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is sobre a questão do envelhecimento, foi aprovada a Lei nº8.842 da Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso (BRASIL, 1998), inspirada no princípio<strong>de</strong> que o idoso é um sujeito <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>ve ser atendido <strong>de</strong> maneiradiferenciada em suas necessida<strong>de</strong>s físicas, sociais, econômicas e políticas.A Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso (PNI) tem como objetivo assegurarao idoso seus direitos sociais, criando condições para promover suaautonomia, integração e participação efetiva <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Reconhecea questão da velhice como prioritária no contexto das políticas sociaisbrasileiras e objetiva criar condições para promover a longevida<strong>de</strong> comqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, colocando em prática ações voltadas não ape<strong>na</strong>s paraos que estão velhos, mas também para aqueles que vão envelhecer. No Art.2º, consi<strong>de</strong>ra idosa a pessoa maior <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.A PNI criou normas para os direitos sociais dos idosos, garantindoautonomia, integração e participação efetiva como instrumento <strong>de</strong> cidadania.Essa lei foi reivindicada pela socieda<strong>de</strong>, sendo resultado <strong>de</strong> inúmerasdiscussões e consultas ocorridas nos estados, das quais participaram idososativos, aposentados, professores universitários, profissio<strong>na</strong>is da área <strong>de</strong>gerontologia e geriatria, contando com várias entida<strong>de</strong>s representativas<strong>de</strong>sse segmento. Entretanto essa legislação não foi eficientemente aplicada.Isso se <strong>de</strong>ve a vários fatores, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> contradições dos própriostextos legais até o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> seu conteúdo.


158Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> CarvalhoRessaltamos que a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da Política do Idoso é <strong>de</strong>competência do órgão ministerial responsável pela assistência e promoçãosocial, com a participação do Conselho Nacio<strong>na</strong>l 2 , dos Conselhos Estaduaise do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Conselhos Municipais do Idoso, conformeaponta o art. 5º.Na área <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong>, em 1999, o Ministério da Saú<strong>de</strong>elaborou a Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Idoso (PNSI), por meio da portarianº 1.395/GM. A política tem dois eixos norteadores: medidas preventivas,com especial <strong>de</strong>staque para a promoção da saú<strong>de</strong>, e o atendimentomultidiscipli<strong>na</strong>r específico para o idoso.Após sete anos <strong>de</strong> tramitação no Congresso Nacio<strong>na</strong>l, em 2003, foisancio<strong>na</strong>do o Estatuto do Idoso - lei nº 10.741, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003-, que tem o propósito <strong>de</strong> assegurar os direitos consagrados pelas políticaspúblicas voltadas para a pessoa idosa, com uma visão <strong>de</strong> longo prazo aoestabelecimento <strong>de</strong> medidas que visam ao bem-estar dos idosos (BRASIL,2004).O estatuto veio fortalecer e ampliar os mecanismos <strong>de</strong> controledas ações <strong>de</strong>senvolvidas, em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e complementar à lei queinstituiu a PNI. Consi<strong>de</strong>ra idosa a pessoa com ida<strong>de</strong> igual ou superior a 60anos. O documento reúne 118 artigos que versam sobre áreas dos direitosfundamentais e das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção dos idosos, reforçando asdiretrizes da PNI.O universo da ação do estatuto está pautado em princípios éticos,priorizando o atendimento das necessida<strong>de</strong>s básicas e a manutençãoda autonomia como conquista dos direitos sociais. O atendimento écomposto <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> e assistência social, benefíciospermanentes e eventuais, programas educacio<strong>na</strong>is para o envelhecimento,restabelecimento da participação social e uma gama consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> açõesque objetivam a promoção social <strong>de</strong>sse grupo etário.O estatuto representa um passo importante da legislação brasileira<strong>na</strong> sua a<strong>de</strong>quação às orientações do Plano <strong>de</strong> Madri, ao cumprir o princípioreferente à construção <strong>de</strong> um entorno propício e favorável para as pessoas<strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s.2 O SESC é integrante do Conselho Nacio<strong>na</strong>l do Idoso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação, no ano <strong>de</strong> 2002. Na gestão<strong>de</strong> 2004-2006, foi eleito no segmento Organização <strong>de</strong> Empregadores. Na gestão 2006-2008, ocupaassento no segmento Organizações <strong>de</strong> Educação, Lazer, Cultura, Esporte ou Turismo.


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC159Apesar das políticas sociais <strong>de</strong> atenção às pessoas idosas brasileirasretratarem o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l brasileiro e assegurarem asnecessida<strong>de</strong>s básicas e a proteção dos direitos humanos, sua implementaçãoainda está distante da realida<strong>de</strong>, restando um longo caminho para viabilizara cidadania do idoso. Acreditamos que para a concretização das políticaspara idosos é necessário, em primeiro lugar, que o idoso seja o protagonista<strong>de</strong> suas ações pela luta <strong>de</strong> seus direitos. Como também o Estado <strong>de</strong>ve realizarparcerias com a socieda<strong>de</strong> civil, visando criar estratégias <strong>de</strong> atuação paraviabilizar serviços <strong>de</strong> atenção ao idoso.Políticas sociais brasileiras e a temática daintergeracio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>Destacamos a seguir, <strong>na</strong> legislação brasileira e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, aimportância do convívio intergeracio<strong>na</strong>l como forma <strong>de</strong> integração eparticipação do idoso <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>. Há um crescente interesse pelotema da intergeracio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, ao recomendar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> açõesintergeracio<strong>na</strong>is como forma <strong>de</strong> participação ativa do idoso com as <strong>de</strong>maisgerações.A Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso cria normas para os direitossociais dos idosos, garantindo legalmente a autonomia, a integração e aparticipação efetiva com ações intergeracio<strong>na</strong>is. No artigo 4, inciso I, daPNI (BRASIL, 2000, p. 234), refere-se à “viabilização <strong>de</strong> formas alter<strong>na</strong>tivas<strong>de</strong> participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem suaintegração às <strong>de</strong>mais gerações” corroborando com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ações intergeracio<strong>na</strong>is. Dessa forma, a PNI procura minimizar a exclusãodo idoso, dando ênfase à manutenção do seu papel social e à sua reinserçãosocial, ao <strong>de</strong>stacar formas alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> integração do idoso com outrasgerações.O Estatuto refere-se à priorida<strong>de</strong> para a efetivação dos direitos noart. 3º, inciso IV (BRASIL, 2004, p. 6), que compreen<strong>de</strong> a “viabilização <strong>de</strong>formas alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> participação, ocupação e convívio do idoso com as<strong>de</strong>mais gerações”.Dentre as recomendações para adoção <strong>de</strong> medidas presentesno Plano <strong>de</strong> Ação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Madri sobre o Envelhecimento,<strong>de</strong>stacamos abaixo aquelas referentes ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s


160Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> Carvalhointergeracio<strong>na</strong>is:Medidas da orientação prioritária I: Pessoas Idosas e o Desenvolvimento.Tema 1: “Participação Ativa <strong>na</strong> Socieda<strong>de</strong> e no Desenvolvimento”.Objetivo 1: reconhecimento da contribuição social, cultural, econômicae política das pessoas idosas.A medida (d) proporcio<strong>na</strong>r informação e acesso para facilitar a participação<strong>de</strong> idosos em grupos comunitários intergeracio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong> ajuda mútua comoportunida<strong>de</strong>s para realização <strong>de</strong> todo seu potencial (ORGANIZAÇÃODAS NAÇÕES UNIDAS, 2003, p. 35) orienta a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>promoção e o fomento da interação entre as gerações, um dos objetivosdo projeto Era uma Vez… Ativida<strong>de</strong>s Intergeracio<strong>na</strong>is, em estudo.Temos ainda a recomendação presente no tema 5 - Solidarieda<strong>de</strong>Iintergeracio<strong>na</strong>l (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2003, p. 43): asolidarieda<strong>de</strong> entre as gerações em todos os níveis é fundamental para a conquista<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> para todas as ida<strong>de</strong>s. Esse tema guia as ações do projeto.Para o alcance <strong>de</strong> seus objetivos, seguem as medidas presentes no objetivo 1(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2003, p. 44):Fortalecer a solidarieda<strong>de</strong> mediante a equida<strong>de</strong> e a reciprocida<strong>de</strong> entreas gerações, com sete medidas:a) promover, por meio da educação pública, a compreensão doenvelhecimento como questão <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>;b) consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rever as políticas existentes paragarantir que promovam a solidarieda<strong>de</strong> entre as gerações efomentem, <strong>de</strong>sta forma, a harmonia social;c) tomar iniciativas com vistas à promoção <strong>de</strong> um intercâmbioprodutivo entre as gerações, concentrando <strong>na</strong>s pessoas idosas comoum recurso da socieda<strong>de</strong>;d) maximizar as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manter e melhorar as relaçõesintergeracio<strong>na</strong>is <strong>na</strong>s comunida<strong>de</strong>s locais, entre outras coisas,facilitando a realização <strong>de</strong> reuniões para todas as faixas etárias eevitando a segregação geracio<strong>na</strong>l;e) estudar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordar a situação específica da geraçãoque precisa cuidar, ao mesmo tempo, <strong>de</strong> seus pais, seus própriosfilhos e netos;f) promover e fortalecer a solidarieda<strong>de</strong> entre as gerações e o apoiomútuo como elemento-chave do <strong>de</strong>senvolvimento social;g) empreen<strong>de</strong>r pesquisas sobre as vantagens e <strong>de</strong>svantagens dosdiversos acordos em relação à moradia <strong>de</strong> idosos, com inclusão da


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC161residência em comum com os familiares e formas <strong>de</strong> vidain<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, em diferentes culturas e contextos.<strong>Trabalho</strong> social do SESC com idosos 3O SESC <strong>de</strong>fine uma política social para o segmento da clientelaidosa, levando em conta, <strong>na</strong> sua formulação, os aspectos biológicos,psicológicos, sociais e <strong>de</strong>mográficos específicos da velhice.A constatação do isolamento e da exclusão social dos idosos foiobservada pela primeira vez, <strong>na</strong>s <strong>de</strong>pendências do SESC, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 60.Esse isolamento assumia características <strong>de</strong> margi<strong>na</strong>lização social. Dentreas muitas causas, apontava-se a aposentadoria, que acarretava perda dopapel profissio<strong>na</strong>l, a diminuição das condições econômicas, as imagenspreconceituosas atribuídas à velhice, a ausência <strong>de</strong> um papel econômicoou social por parte dos velhos e o pouco interesse das camadas jovens dapopulação pela questão social da velhice.A percepção da presença <strong>de</strong> idosos num espaço predomi<strong>na</strong>ntementeocupado por jovens e adultos manifestava uma <strong>de</strong>manda social em estadolatente, levando o SESC, em São Paulo, a organizar um trabalho <strong>de</strong> carátersocioeducativo e cultural voltado exclusivamente para o atendimento<strong>de</strong>ssa clientela.No início, o trabalho era realizado pela nucleação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>idosos para a prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer. Às ações origi<strong>na</strong>is do trabalho,que objetivavam diminuir o isolamento social do velho, se juntaramoutras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza diversas e com intenções mais ambiciosas,resultando num programa mais amplo <strong>de</strong> atendimento à velhice.Posteriormente, esse programa foi amplamente incorporado aos<strong>de</strong>mais Departamentos Regio<strong>na</strong>is do SESC, que através da vocação local,consi<strong>de</strong>rando a cultura e a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolveutrabalhos que guardam o pioneirismo, assim como mantém até hoje apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação social.Os grupos <strong>de</strong> convivência, com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>ssistemáticas pautadas <strong>na</strong> metodologia <strong>de</strong> grupo, visam estimular a3 A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho social com idosos (TSI) pertence ao Programa Assistência, da Gerência <strong>de</strong>Educação e Ação Social do SESC Departamento Nacio<strong>na</strong>l, ano 2009.


162Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> Carvalhoparticipação social do idoso, colocando-o em contato com um maiornúmero <strong>de</strong> pessoas da sua ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> outras gerações. Deste modo, procuramfavorecer o acesso ao conhecimento das gran<strong>de</strong>s questões da atualida<strong>de</strong>,aumentando o nível <strong>de</strong> informação e, consequentemente, a formulação <strong>de</strong>novas expectativas vivenciais.No <strong>de</strong>correr dos anos, outras ações foram implantadas e estãovoltadas para o atendimento dos principais interesses dos idosos. Comoexemplo, citamos a promoção da saú<strong>de</strong>, a socialização e a promoção daautoestima, sempre no intuito <strong>de</strong> um maior <strong>de</strong>senvolvimento pessoal esocial e uma maior integração com a comunida<strong>de</strong>.Essas ações <strong>de</strong>senvolvidas nos Centros <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s do SESCvisam à promoção do envelhecimento saudável, ao estimular e viabilizar oprocesso <strong>de</strong> participação social nos grupos <strong>de</strong> convivência e <strong>de</strong> projetos.A política social do SESC para os idosos oferece espaços para lazer,cultura e convívio. Em todas as suas ativida<strong>de</strong>s e ações estão presentesas intenções socioeducativas que possibilitam ao idoso ter uma melhorcompreensão <strong>de</strong> sua cidadania e do seu papel social, recuperando suaautoestima e autonomia, contribuindo para o envelhecimento saudável.Assim o idoso po<strong>de</strong> se situar como sujeito <strong>de</strong> sua história <strong>de</strong> vida,interferindo e contribuindo para mudanças <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.O sucesso inicial alcançado ensejou a presença <strong>de</strong> mais idososnos Centros <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong>s do SESC e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ampliação dosobjetivos <strong>de</strong>sse trabalho social e, portanto, a <strong>de</strong>finição da política social <strong>de</strong>atendimento aos idosos pelo SESC.A lógica da política social adotada pelo SESC consi<strong>de</strong>ra que otrabalho não seja ape<strong>na</strong>s o <strong>de</strong> divertir e ocupar o tempo livre do idoso.Limitar a instituição a esse tipo <strong>de</strong> atuação não permitiria aos idososuma melhor compreensão do seu estar no mundo e, em <strong>de</strong>corrência, atranscendência para a condição <strong>de</strong> ser no mundo.Esse trabalho pioneiro é referência nos estados e municípios,realizando parceria para <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações com as seguintesinstituições: Ministérios da Saú<strong>de</strong>, da Assistência Social e da Justiça,Conselho Nacio<strong>na</strong>l dos Direitos do Idoso, Conselhos Estaduais e Municipaisdo Idoso, universida<strong>de</strong>s, secretarias <strong>de</strong> estados e municípios, fóruns eONGs.


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC163Em 2008, o trabalho social com idosos (TSI) foi <strong>de</strong>senvolvidoem 25 estados do Brasil, exceto Espírito Santo e Rio Gran<strong>de</strong> do Norte,contando com a participação <strong>de</strong> 147.995 idosos, assim distribuídos: <strong>na</strong>capital, 96.599; no interior, 51.396.Diretrizes <strong>de</strong> ação do trabalho social com idososA perspectiva <strong>de</strong> trabalho com o idoso no SESC é, inicialmente,acolher as <strong>de</strong>mandas individuais, trabalhando esse indivíduo no grupo.As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas consi<strong>de</strong>ram os interesses do grupo, oreconhecimento <strong>de</strong> seus direitos como cidadãos, estimulando a reflexãosobre as possibilida<strong>de</strong>s da construção <strong>de</strong> novos papéis sociais e políticos. Oobjetivo principal do trabalho social com idosos é oferecer ativida<strong>de</strong>s quepromovam o envelhecimento ativo em todas as suas dimensões.A pessoa idosa necessita ser reconhecida e se reconhecerpertencente a grupos sociais. Entretanto a velhice po<strong>de</strong> ser vivida e vistacomo tempo <strong>de</strong> perdas, e nessas perdas computam-se as biológicas e <strong>de</strong>funções e papéis sociais. Todos esses fatores favorecem o isolamento e oacometimento <strong>de</strong> doenças psicossomáticas.O grupo é uma experiência primordial e constituinte para qualquerindivíduo. No caso da pessoa idosa, em especial, a experiência grupalé crucial, pois é no grupo que se encontra reconhecimento interpessoal,sentimento <strong>de</strong> pertencimento, criação <strong>de</strong> objetivos comuns, coesão, trocasafetivas e cognitivas. Pertencer a um grupo po<strong>de</strong> significar a construçãoou reconstrução <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, resgate <strong>de</strong> vínculos familiares que levemo velho à retomada <strong>de</strong> seu papel social, tanto <strong>na</strong> família quanto <strong>na</strong>comunida<strong>de</strong>, como também no grupo ocorre o reconhecimento <strong>de</strong> seusdireitos como cidadãos, estimulando a reflexão sobre as possibilida<strong>de</strong>s daconstrução <strong>de</strong> novos papéis sociais e políticos.O grupo, no TSI, é a modalida<strong>de</strong> principal <strong>de</strong> atendimento ao idoso,que possibilita articulação das dimensões individuais, relacio<strong>na</strong>is e sociais,tor<strong>na</strong>ndo a velhice um tempo significativo e produtivo tanto para quem avive quanto para quem convive com ela.As diretrizes que orientam as ações propostas pelo TSI estãoem consonância com as três orientações prioritárias contidas no Plano<strong>de</strong> Ação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para o Envelhecimento, elaborado <strong>na</strong> última


164Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> CarvalhoAssembléia Mundial sobre o Envelhecimento. Essas três orientações –Pessoa Idosa e Desenvolvimento; Saú<strong>de</strong> e Bem-Estar e Moradia e Idoso– buscam equacio<strong>na</strong>r soluções para que a população idosa <strong>de</strong> cada paíspossa encontrar e contribuir para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> paratodas as ida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> a pessoa idosa possa viver num ambiente propício efavorável, com acesso a saú<strong>de</strong> e reconhecimento <strong>de</strong> sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cooperar com a comunida<strong>de</strong>.Primeira diretriz: relações intergeracio<strong>na</strong>isA socieda<strong>de</strong> atual ten<strong>de</strong> a excluir os idosos, que acabam segregadose se fecham para o contato com outras gerações, contribuindo para o seuisolamento social e para o esvaziamento <strong>de</strong> relações intergeracio<strong>na</strong>is.Acredita-se que a vivência <strong>de</strong> relações intergeracio<strong>na</strong>is tem opotencial <strong>de</strong> reverter estereótipos e avaliações negativas que as criançastêm <strong>de</strong> pessoas idosas, bem como possibilitam aos mais velhos um contatomais estreito com pessoas <strong>de</strong> outras gerações.No <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s intergeracio<strong>na</strong>is, estimula-seque as relações sociais dos idosos não se limitem aos seus iguais, pois apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> velhos, crianças e jovens estarem em contato contribuinão só para a troca <strong>de</strong> experiência entre ambos, mas para <strong>de</strong>senvolver umai<strong>de</strong>ntificação parental e afetiva, além <strong>de</strong> propiciar a passagem da história<strong>de</strong> vida, levando em consi<strong>de</strong>ração as transformações existentes.Abre-se um processo <strong>de</strong> troca entre passado e presente, viabilizando ofuturo. Se, por um lado, essa interação proporcio<strong>na</strong> a troca <strong>de</strong> conhecimentos,por outro contribui para valorizar o saber que a experiência <strong>de</strong> vidapropiciou aos mais velhos, resgatando e ressignificando o conhecimentoconstruído ao longo da vida, incorporando-o à contemporaneida<strong>de</strong>.Ao estimular as ativida<strong>de</strong>s intergeracio<strong>na</strong>is positivas, a criançatransforma seus conceitos em relação ao velho e à velhice, promovendo ainclusão do idoso <strong>na</strong> família e <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.As relações intergeracio<strong>na</strong>is possibilitam o repasse <strong>de</strong> saberes ea transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, o resgate da memória pela revalidaçãodas lembranças, a tomada <strong>de</strong> conhecimento sobre a transitorieda<strong>de</strong> daexistência e a temporalida<strong>de</strong>, bem como possibilita a criação <strong>de</strong> vínculos


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC165afetivos fora do contexto familiar.Dessa forma, é necessário um trabalho <strong>de</strong> reflexão e localizaçãodos sentimentos para que a memória dos velhos crie uma reaparição, emvez <strong>de</strong> uma repetição do que passou.As ativida<strong>de</strong>s intergeracio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>sempenham papel catalisador,<strong>de</strong> propulsor <strong>de</strong>ssas lembranças, ao gerar um inter-relacio<strong>na</strong>mento entrepessoas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas ida<strong>de</strong>s. No entanto são i<strong>de</strong>ntificadasas possibilida<strong>de</strong>s/capacida<strong>de</strong>s, assim como dificulda<strong>de</strong>s/limites pertinentesa cada faixa etária. A partir <strong>de</strong>ssas constatações, ocorre a transformaçãoda relação entre as gerações. Ou seja: <strong>na</strong> medida em que se respeita adiferença, se proporcio<strong>na</strong> o surgimento <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> diferente daanteriormente constatada, permitindo que as gerações aproximem-see interajam, criando um convívio mais verda<strong>de</strong>iro e construindo novossaberes a partir das trocas mútuas <strong>de</strong> suas vivências e habilida<strong>de</strong>s.Esse convívio é, muitas vezes, conflituoso, <strong>de</strong>vido às diferenças <strong>de</strong>entendimento das questões relativas ao mundo contemporâneo. Mas po<strong>de</strong>ser cooperativo, quando as diferenças são trabalhadas através do diálogoe da percepção <strong>de</strong> que o conhecimento do ontem tem valor <strong>de</strong> construçãoda realida<strong>de</strong> do hoje, propiciando o conhecimento do passado e o respeitoà sabedoria dos mais velhos, possibilitando a transmissão dos saberes, acriação <strong>de</strong> sentimentos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>.O fundamental do convívio intergeracio<strong>na</strong>l é perceber quea transmissão dos saberes não é linear. Ambas as gerações possuemsabedorias que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>sconhecidas para a outra geração, e a troca <strong>de</strong>saberes através da coeducação reforçará os laços entre as gerações.O trabalho intergeracio<strong>na</strong>l surge como uma resposta à discrimi<strong>na</strong>çãorelativa ao processo <strong>de</strong> envelhecimento, apresentando-se como umaproposta socioeducativa que viabiliza uma socieda<strong>de</strong> para todas as ida<strong>de</strong>s,evitando a segregação e a formação <strong>de</strong> guetos geracio<strong>na</strong>is, levando àconstrução <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em que todas as gerações contribuam parauma cultura solidária.O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio da socieda<strong>de</strong> contemporânea é criar condiçõespara fortalecer as políticas e os programas <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>inclusiva para todas as faixas etárias, reconhecendo os direitos fundamentaisà vida, à dignida<strong>de</strong> e à longevida<strong>de</strong>.


166Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> CarvalhoIntegrantes do projeto Era Uma Vez...Ativida<strong>de</strong>s Intergeracio<strong>na</strong>is.Idosos do TSI em ofici<strong>na</strong> <strong>de</strong> artes plásticas.


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC167Segunda diretriz: gerontologia como tema transversalA gerontologia, como tema transversal, <strong>de</strong>ve perpassar as açõessocioeducativas propostas à clientela do SESC. O foco é permitir quetodos possam vivenciar e perceber a velhice como um processo do ciclo<strong>de</strong> vida em que há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma existência ple<strong>na</strong>, contribuindopara a diminuição da exclusão social, política e econômica dos idosos,favorecendo sua organização e atuação nos espaços sociopolíticos, visandosua mobilização <strong>na</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos.A Constituição Fe<strong>de</strong>ral Brasileira (1988), o Estatuto da Criança edo Adolescente (lei nº 8.069/90), o Estatuto do Idoso (lei nº10.741/2003),a Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso (lei nº 8.842/94) e a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Basesda Educação Nacio<strong>na</strong>l (lei nº 9.394/96), entre outras, garantem o direitoà educação, bem como o direito ao acesso e à permanência <strong>na</strong> escola.Essas leis têm como fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> a formação do sujeito para o exercício dacidadania e sua participação <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Segundo a Política Nacio<strong>na</strong>l doIdoso (PNI), <strong>na</strong> área <strong>de</strong> educação, recomenda-se a inserção <strong>de</strong> conteúdossobre o envelhecimento nos diversos níveis <strong>de</strong> educação formal, com oobjetivo <strong>de</strong> incentivar a produção <strong>de</strong> conhecimentos sobre a temática eelimi<strong>na</strong>r preconceitos, uma vez que enten<strong>de</strong>-se a educação como processo<strong>de</strong> aquisição e construção <strong>de</strong> conhecimentos, valores, atitu<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>sque se constituem em base para viver e participar da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formaautônoma, quer do ponto <strong>de</strong> vista intelectual como moral, social e afetivo.A PNI incentiva também o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas educativos,especialmente nos meios <strong>de</strong> comunicação, a fim <strong>de</strong> informar a populaçãosobre o processo <strong>de</strong> envelhecimento.O SESC <strong>de</strong>ve continuar pautando sua atuação em torno <strong>de</strong> políticassocioeducacio<strong>na</strong>is e socioculturais, visando contribuir para a melhoria dobem-estar social dos trabalhadores do comércio e também da comunida<strong>de</strong>em geral, por meio do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e projetos <strong>na</strong>s áreasda educação, cultura, saú<strong>de</strong>, lazer e assistência. Dessa forma, as açõeseducativas <strong>de</strong>vem contribuir para a promoção do envelhecimento saudável,intervindo junto à socieda<strong>de</strong> <strong>na</strong> construção <strong>de</strong> valores e atitu<strong>de</strong>s positivosem relação ao velho e à velhice.Nesse sentido, as diretrizes das ações educacio<strong>na</strong>is da ativida<strong>de</strong>trabalho social com idosos são voltadas para o exercício da cidadania e o


168Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> Carvalhoenfrentamento da exclusão da velhice e ainda apontam para o fortalecimentodo idoso como ator social, <strong>de</strong>sempenhando papel representativo <strong>na</strong> famíliae <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.A gerontologia como tema transversal, bem como a educação <strong>de</strong>valores, coloca o SESC, mais uma vez, como instituição <strong>de</strong> vanguarda,contribuindo para a criação <strong>de</strong> um ambiente propício para a convivênciaharmoniosa entre gerações, cumprindo ainda sua função propositiva eservindo <strong>de</strong> referencial para o Estado e as <strong>de</strong>mais instituições.Terceira diretriz: protagonismo do idosoA perspectiva da terceira diretriz tem o foco <strong>na</strong>s ações voltadas paraa comunida<strong>de</strong>, em que os idosos tor<strong>na</strong>m-se multiplicadores das ativida<strong>de</strong>spromovidas pelo SESC. A intenção é capacitar a clientela a partir dosconhecimentos e vivências no TSI, a <strong>de</strong>senvolver ações em seus locais<strong>de</strong> convivência e em outras comunida<strong>de</strong>s, promovendo o protagonismodo idoso e, ao mesmo tempo, estimulando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>transformações sociais. Nessa interação entre idosos e comunida<strong>de</strong>s cresceo respeito aos mais velhos e estreita-se o laço entre eles e as pessoas comas quais convivem cotidia<strong>na</strong>mente.A reinserção do idoso em sua comunida<strong>de</strong> e em outras maiscarentes por meio da implantação <strong>de</strong> projetos que visem à melhoria dascondições <strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s permite o fortalecimento dos vínculossociais e das trocas geracio<strong>na</strong>is.A ativida<strong>de</strong> econômica não é prerrogativa do tempo doenvelhecimento, entretanto o velho necessita do reconhecimento social.Tor<strong>na</strong>-se necessário favorecer a criação <strong>de</strong> espaços nos quais ele possa serprotagonista e ter uma participação produtiva, não no sentido econômico,mas <strong>na</strong> dimensão social, exercendo ativida<strong>de</strong>s que atendam as necessida<strong>de</strong>se expectativas das comunida<strong>de</strong>s, sempre com o objetivo maior da qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida e do <strong>de</strong>senvolvimento social.As ações do TSI voltadas para o protagonismo do idoso <strong>de</strong>vemestimular sua participação “como ator principal” em projetos relacio<strong>na</strong>dosao bem comum em sua comunida<strong>de</strong> e <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma mais ampla.O idoso protagonista pensa globalmente e atua localmente, contribuindopara garantir a resolução <strong>de</strong> problemas em sua comunida<strong>de</strong>, <strong>na</strong> escola e


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC169em outros espaços comunitários, ampliando seu arco <strong>de</strong> atuação. O idosopo<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve contribuir com a sua experiência e vivência acumulada aolongo da vida para participar efetivamente da construção <strong>de</strong> um novoor<strong>de</strong><strong>na</strong>mento social.O incentivo ao <strong>de</strong>senvolvimento do protagonismo do idoso po<strong>de</strong>ser o primeiro passo para um trabalho <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>doressociais. O empreen<strong>de</strong>dorismo social busca, com o aprendizado <strong>de</strong> novashabilida<strong>de</strong>s e o resgate da experiência do idoso, promover mudança <strong>na</strong>dinâmica social, introduzindo maneiras inovadoras <strong>de</strong> pensar, agir etransformar.O empreen<strong>de</strong>dorismo social apresenta-se para os idosos como umresgate <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, propiciando a implementação <strong>de</strong> novos projetos<strong>de</strong> vida. Acredita-se que, com o exercício do protagonismo, o idosopossa <strong>de</strong>senvolver seu potencial <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dor, criando espaço paranovas aprendizagens e redimensio<strong>na</strong>ndo a vida a partir <strong>de</strong> vivências maisparticipativas e significativas.Idosos em reunião <strong>de</strong> convivência.


170Claire da Cunha Beraldo e Maria Clotil<strong>de</strong> B. N. M. <strong>de</strong> CarvalhoQuarta diretriz: envelhecimento ativoAs ativida<strong>de</strong>s oferecidas pelo SESC ao idoso visam alcançarum envelhecimento ativo e mais saudável, com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ações educativas em saú<strong>de</strong> que promovam o exercício da participação<strong>de</strong>mocrática, com intuito <strong>de</strong> melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do idoso.Ressaltamos que consi<strong>de</strong>ramos o conceito <strong>de</strong> envelhecimentoativo, adotado pela Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) nos anos90 e <strong>de</strong>finido como “processo <strong>de</strong> otimizar oportunida<strong>de</strong>s para saú<strong>de</strong>,participação e segurança <strong>de</strong> modo a realçar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> medidaem que as pessoas envelhecem” (OMS, 2002). Esse conceito preten<strong>de</strong>transmitir uma mensagem mais inclusiva do que o termo “envelhecimentosaudável”, porque consi<strong>de</strong>ra participação como engajamento continuado<strong>na</strong> vida e reconhece a influência <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes queinteragem continuamente para o envelhecimento ativo (econômicos,comportamentais, pessoais, relacio<strong>na</strong>dos ao meio ambiente físico, sociale aos serviços sociais e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>), transversalmente influenciados poraspectos relativos a gênero e cultura.Dessa forma, consi<strong>de</strong>ra-se que no envolvimento do idoso em gruposque estimulam a autoconfiança os vínculos sociais são fundamentais paraa participação e organização política, visando à efetivação dos direitossociais dos idosos.Através do grupo <strong>de</strong> convivência, os idosos são integrados <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>sno SESC. É a porta <strong>de</strong> entrada para a socialização e a integração do idoso.O grupo é consi<strong>de</strong>rado um espaço <strong>de</strong> acolhimento, apoio e <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> temasdo cotidiano do idoso. A partir dos grupos <strong>de</strong> convivência, surgem subgrupostemáticos que utilizam uma metodologia que vai direcio<strong>na</strong>r o objetivo <strong>de</strong> atuação<strong>de</strong> acordo com o interesse <strong>de</strong> seus representantes, incentivando a realização <strong>de</strong>ações <strong>de</strong> caráter social, voltadas para o idoso e a comunida<strong>de</strong>, contribuindo paraa criação <strong>de</strong> um novo paradigma para a velhice.Os grupos <strong>de</strong> convivência visam estimular a participação socialdo idoso, colocando-o em contato com um maior número <strong>de</strong> pessoas dasua ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> outras gerações. Desse modo, procuram favorecer o acessoao conhecimento das gran<strong>de</strong>s questões da atualida<strong>de</strong>, aumentando o nível<strong>de</strong> informação e, consequentemente, a formulação <strong>de</strong> novas expectativasvivenciais.


Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC171BibliografiaGrupo <strong>de</strong> idosos do TSI em prática esportivaBRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil: 1988 –texto constitucio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988, com as alterações adotadaspelas Emendas Constitucio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> nº 1, <strong>de</strong> 1992, a 43, <strong>de</strong> 2004, e pelasEmendas Constitucio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> Revisão <strong>de</strong> nº 1 a 6, <strong>de</strong> 1994. Ed. Brasília:Câmara dos Deputados, Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Publicações, 2004. 80p.______. Estatuto do Idoso: lei fe<strong>de</strong>ral nº 10.741, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 2003. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004.______. Ministério da Justiça. Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso. Brasília,DF: Imprensa Nacio<strong>na</strong>l, 1994.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia et al. Idosos brasileiros: indicadores <strong>de</strong>vida e <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong> políticas. Brasília: Presidência da República,Subsecretaria <strong>de</strong> Direitos Humanos, 2005.______ (Org.). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio<strong>de</strong> Janeiro: IPEA, 1999.CARVALHO, Maria Clotil<strong>de</strong> Barbosa Nunes Maia <strong>de</strong>. O diálogointergeracio<strong>na</strong>l entre idosos e crianças: projeto “Era uma Vez... Ativida<strong>de</strong>sIntergeracio<strong>na</strong>is. 2007. 123 f. Dissertação (mestrado em Serviço Social) –Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2007.______; BERALDO, Claire da Cunha. Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho social comidosos: módulo político. Rio <strong>de</strong> Janeiro: SESC/DN/Divisão <strong>de</strong> Planejamentoe Desenvolvimento, 2009. 32 p.


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Política Social <strong>de</strong> Atenção ao Idoso: <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos do SESC173L. H.; SOARES, N. E. – A importância das relações intergeracio<strong>na</strong>is <strong>na</strong>quebra <strong>de</strong> preconceitos sobre a velhice. In: Veras, R. (org.) – Terceira ida<strong>de</strong>:<strong>de</strong>safios para o terceiro milênio. Rio <strong>de</strong> Janeiro - Relume-Dumará, 1997.STEPANSKY, Daizy Valmorbida; GIANI, Luiz Antônio Afonso. Textobase sobra a história do SESC. Rio <strong>de</strong> Janeiro: SESC/ DN, 1978.29p.STREJILEVICH, M. Viejés. In: USANDIVARAS, R. ET AL. Enciclopédia.Buenos Aires. El Ateneo, 1977. In: Veras, R. (org.) – Terceira ida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>safiospara o terceiro milênio. Rio <strong>de</strong> Janeiro - Relume – Dumará, 1997.VERAS, Re<strong>na</strong>to P. País jovem <strong>de</strong> cabelos brancos: a saú<strong>de</strong> do idosono Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume Dumará, 1994.______ (Org). Terceira ida<strong>de</strong>: um envelhecimento digno para ocidadão do futuro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume-Dumará, 1995.______ (Org). Terceira ida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>safios para o terceiro milênio. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Relume-Dumará, 1997.ZIMERMAN, David et al. Como trabalhamos com grupos. PortoAlegre: Artes Médicas, 1997.


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Produtos, Mercado <strong>de</strong><strong>Trabalho</strong> e Consumopara a População Idosa175Daizy Valmorbida StepanskyDoutora em Comunicação e Cultura pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong>Janeiro (UFRJ), mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário <strong>de</strong> Pesquisasdo Rio <strong>de</strong> Janeiro (IUPERJ), socióloga pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do RioGran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS), professora do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação emSociologia e Direito da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense (UFF).<strong>Trabalho</strong> e tecnologia – a aceleração pós-mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>“Cada vez mais, circulamos em circuitos integrados <strong>de</strong> largaescala. O cilício que hoje nos ameaça, é <strong>de</strong> silício. O <strong>de</strong>safio que hojenos atinge provém <strong>de</strong> uma autocracia informacio<strong>na</strong>l. A informática setor<strong>na</strong> um rolo compressor. Em seu tropel, a socieda<strong>de</strong> rola <strong>de</strong> alto a baixo.Tudo se processa. Por toda a parte, opera um micro. Nenhuma força datradição parece resistir à atropelada da computação. As novas gerações<strong>de</strong> computadores prometem interface para tudo. Aumenta sem cessar onúmero dos periféricos. Pois o gran<strong>de</strong> periférico visado é o homem queespera o inesperado. Pois, neste caso, <strong>na</strong>da po<strong>de</strong>rá fugir à informatização.”(Emmanuel Carneiro Leão. “Apren<strong>de</strong>ndo a Pensar”, 1992, vol. II: 93)A hegemonia das tecnologias <strong>de</strong> comunicação gerou um mundonovo e um novo olhar, que tudo vê sob o signo do consumo, do supérfluo,do <strong>de</strong>scartável. Pessoas e coisas foram, a partir <strong>de</strong> então, configuradassegundo novas coor<strong>de</strong><strong>na</strong>das: o formato da imagem e a <strong>na</strong>tureza da


176 Daizy Valmorbida Stepanskyrepresentação. As novas tecnologias aplicadas ao processo produtivotransformaram os conceitos <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> espaço e <strong>de</strong> consumo.A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é marcada por profundas mudançascomportamentais, pela individualização, por alterações <strong>na</strong> configuraçãofamiliar e por relações sociais livres das pesadas pressões institucio<strong>na</strong>is damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. As novas formas <strong>de</strong> controle social e as novas possibilida<strong>de</strong>sda comunicação <strong>de</strong> massa atribuem novo significado aos meios <strong>de</strong>comunicação, como produtores e reprodutores <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia e <strong>de</strong> cultura.A revolução informacio<strong>na</strong>l alterou consi<strong>de</strong>ravelmente o cotidiano e asformas <strong>de</strong> interação <strong>na</strong> re<strong>de</strong> social, após revolucio<strong>na</strong>r o processo produtivoe a base material das socieda<strong>de</strong>s.As economias mundiais tor<strong>na</strong>ram-se inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, mas<strong>de</strong>siguais quanto a po<strong>de</strong>r, tecnologia e capital, e impôs-se uma nova relaçãoentre a economia globalizada e os Estados Nacio<strong>na</strong>is. As transformaçõesdo capitalismo imprimem profundas mudanças sociais em todo o planeta.Este quadro <strong>de</strong> transformações marca o fortalecimento dos paísescentrais, que se mantêm com o controle <strong>de</strong> ciência, tecnologia e capitale exportam indústrias in<strong>de</strong>sejadas para a periferia e para a semiperiferiaindustrializadas. É perceptível o enfraquecimento dos movimentos<strong>de</strong> trabalhadores e a valorização do capital em relação ao trabalho <strong>na</strong>composição das economias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.Os trabalhadores, em todo o mundo, são levados a uma permanentecorrida em busca da reprofissio<strong>na</strong>lização, da polivalência, da formaçãoqualificadora e pluridiscipli<strong>na</strong>r, para que não se tornem obsoletos mesmoantes <strong>de</strong> envelhecer. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas qualificações profissio<strong>na</strong>ise aquisição <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> com instrumentos profissio<strong>na</strong>is novosse aceleram e se alter<strong>na</strong>m para uma mesma geração <strong>de</strong> trabalhadores.Especializações são extintas, porque se tor<strong>na</strong>m <strong>de</strong>snecessárias, e outrassão criadas, ao longo <strong>de</strong> uma mesma vida profissio<strong>na</strong>l. Os processoseducacio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong> trei<strong>na</strong>mento permanente, mais que nunca, impõem-se aoscustos <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> reprodução da força <strong>de</strong> trabalho, frequentementeindividualizados, como mais um fator <strong>de</strong> competição e <strong>de</strong> exclusão.Dentre as mudanças sociais <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adas pela nova estruturaprodutiva, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>stacada a alteração no próprio conceito <strong>de</strong>trabalho: carreira substituída por emprego ou serviço, o que caracteriza a“flexibilida<strong>de</strong>” do capitalismo <strong>na</strong> atualida<strong>de</strong> e substitui a rígida burocracia


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa177implantada pela revolução industrial. Esta flexibilida<strong>de</strong> daria maiorliberda<strong>de</strong> para as pessoas administrarem suas vidas e novas formas <strong>de</strong>controle da produção. A relação do trabalho com o tempo é organizadorada vida social e individual e permite, afirma Richard Sennett (1999), autilização do tempo para a administração <strong>de</strong> suas vidas a médio e longoprazos.Os projetos <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social mediante poupança, ou <strong>de</strong>investimento <strong>na</strong> educação dos filhos, a organização familiar, as relações <strong>de</strong>sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> são <strong>de</strong>finidos, ou profundamente marcados,pelas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> planejamento da vida profissio<strong>na</strong>l ou pela atualflexibilização. As empresas com estruturas em re<strong>de</strong>, por exemplo, são maisleves e flexíveis, mas também mais instáveis. Não geram vínculos e nãopermitem a organização da vida dos trabalhadores em uma perspectiva <strong>de</strong>tempo. A estrutura produtiva se impõe às estruturas sociais, às relaçõesfamiliares, ao caráter individual.Não há mais “longo prazo”, não há compromissos, quebrou-se aseta do tempo, como afirma Sennett (1999). É rompida a <strong>na</strong>rrativa linear ecumulativa, que organiza as experiências <strong>de</strong> vida. No mundo que se tor<strong>na</strong>flexível, as <strong>na</strong>rrativas pessoais passam a ser <strong>de</strong> curto prazo, alteram-se asrelações <strong>de</strong> tempo, lugar e trabalho. O tempo se fragmenta, e a instabilida<strong>de</strong>é a normalida<strong>de</strong>.Contraditoriamente, a prisão criada pela “engenharia tradicio<strong>na</strong>l”atrelava o trabalhador à engre<strong>na</strong>gem produtiva, apropriava-se <strong>de</strong> seutempo, contabilizado pela produção e esvaziado <strong>de</strong> criação, mas lhe ofereciaa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compor um projeto <strong>de</strong> vida. A roti<strong>na</strong> <strong>de</strong>compunha otrabalho, <strong>de</strong>gradava o trabalhador, mas, <strong>de</strong> certa forma, o protegia.A <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> das <strong>na</strong>rrativas, entretanto, po<strong>de</strong> abrir espaçospara a individualização, para a ruptura com os mo<strong>de</strong>los que regiam oscomportamentos das gerações passadas e que, <strong>de</strong> certa forma, aprisio<strong>na</strong>vamas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais. Os papéis sociais po<strong>de</strong>m ser reescritos <strong>na</strong>s brechasabertas pela reorganização da produção e da famíliaO que marca o caráter <strong>de</strong>ste novo ser é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-sedo próprio passado, da história e da cultura locais, <strong>de</strong> aceitar a fragmentaçãoem todos os processos da vida social. Viver no limite, em risco permanente,habitar a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, recomeçar sempre, <strong>na</strong> busca do indispensável sucesso,


178Daizy Valmorbida Stepanskymantendo as características da obrigatória juventu<strong>de</strong>: esta é a nova or<strong>de</strong>m.O fracasso é o seu gran<strong>de</strong> tabu. Se a organização do processo <strong>de</strong> trabalho,no passado, era claustrofóbica, a sua <strong>de</strong>sorganização ainda não oferece,contudo, respostas às ansieda<strong>de</strong>s e às necessida<strong>de</strong>s huma<strong>na</strong>s.“Empregabilida<strong>de</strong>” ou exclusão -os <strong>de</strong>safios da educação permanente“Todo impulso juvenil correspon<strong>de</strong> a uma aceleração da História:porém, mais amplamente, numa socieda<strong>de</strong> em rápida evolução e, sobretudo,numa civilização em transformação acelerada como a nossa, o essencialnão é mais a experiência acumulada, mas a a<strong>de</strong>são ao movimento. Aexperiência dos velhos se tor<strong>na</strong> lenga-lenga <strong>de</strong>susada, a<strong>na</strong>cronismo. A‘sabedoria dos velhos’ se transforma em disparate. Não há mais sabedoria”.(Edgar Morin, “Cultura <strong>de</strong> Massas no Século XX”, vol.I, 1990:147)Nas crises do capitalismo ao longo do século XX, a educação ea capacitação profissio<strong>na</strong>l eram salvaguardas contra o <strong>de</strong>semprego e a<strong>de</strong>svalorização social do trabalhador. Na atualida<strong>de</strong>, a inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizaçãodo processo produtivo leva empregos a migrarem em busca <strong>de</strong> maiorlucrativida<strong>de</strong>, encontra trabalhadores qualificados em muitos países - eeducação e qualificação não oferecem as mesmas garantias. O fantasma dainutilida<strong>de</strong> é o novo assombro dos trabalhadores, afirma Sennett (2008). Osistema educacio<strong>na</strong>l gera gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jovens formados que nãoserão empregados, ao menos <strong>na</strong>s áreas em que se qualificaram, porquea economia se satisfaz com mais tecnologia e com menor quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pessoas.A automação, a oferta global <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra e a gestão doenvelhecimento são as forças que alimentam o fantasma da inutilida<strong>de</strong>,afirma Sennett (2008). A informatização do processo produtivo temgerado maior produtivida<strong>de</strong>, maiores ganhos para o capital e crescente<strong>de</strong>semprego ao longo do mundo. O envelhecimento é, entretanto, a ameaçamais próxima: todos os que envelhecem tor<strong>na</strong>m-se inúteis, para o processoprodutivo.Em vários setores da economia, é manifesto o preconceito emrelação a trabalhadores “mais velhos”, que po<strong>de</strong>m ter mais <strong>de</strong> 30, mais


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa179<strong>de</strong> 40 ou mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Eis uma gran<strong>de</strong> contradição <strong>de</strong> nossotempo: a ciência prolonga a vida, melhora as condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, masa socieda<strong>de</strong> e, especificamente, o processo produtivo não administramsatisfatoriamente essa realida<strong>de</strong>. A ida<strong>de</strong> tornou-se um critério <strong>de</strong> seleçãoou <strong>de</strong> exclusão: as empresas flexíveis esperam movimento e flexibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> seus trabalhadores. Jovens costumam sair mais barato, causar menosproblemas, fazer menos críticas e otimizar os investimentos em qualificação.Há um evi<strong>de</strong>nte menosprezo pela experiência, afirma Sennett (2008).O enfrentamento do fantasma da inutilida<strong>de</strong> é um <strong>de</strong>safio àspolíticas públicas, mesmo para Estados que possuem programas <strong>de</strong>requalificação e <strong>de</strong> amparo aos <strong>de</strong>sempregados. O Estado previ<strong>de</strong>nciário temse mostrado incapaz <strong>de</strong> administrar as consequências do envelhecimentopopulacio<strong>na</strong>l: as questões que envolvem a previdência e a saú<strong>de</strong> pública ouas resistências culturais e os preconceitos que estimulam a margi<strong>na</strong>lizaçãodos trabalhadores em processo <strong>de</strong> envelhecimento. Sennett (2008) calculaque, nos Estados Unidos, um quinto dos homens com mais <strong>de</strong> 50 anosesteja subempregado.No Brasil, a segurida<strong>de</strong> social, assumida pela Constituição <strong>de</strong>1988, incorporou, embora tardiamente, o discurso social-<strong>de</strong>mocrata,hegemônico em muitos países europeus durante o século XX, e agregou,sob a responsabilida<strong>de</strong> pública, saú<strong>de</strong>, assistência e previdência. Ocontexto político e econômico inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e suas repercussões noBrasil problematizaram sobremaneira a implantação das <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>çõesconstitucio<strong>na</strong>is. Ressalte-se, neste contexto, a valorização, pela mídiae pelos discursos hegemônicos, das vantagens e da inexorabilida<strong>de</strong> daprivatização <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> previdência, <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e educação e <strong>de</strong> problemas<strong>de</strong> custo e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos termi<strong>na</strong>is serviços públicosO impacto do ritmo <strong>de</strong> mudança, drasticamente acelerado noambiente em que atuam os principais fatores da educação: professores ealunos, faz com que as socieda<strong>de</strong>s pós-mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s rompam <strong>de</strong>finitivamentecom o conceito <strong>de</strong> educação para toda a vida. Em uma a<strong>na</strong>logia com aforma tradicio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> abordar a educação, Bauman (2007) lembra uma baladisparada <strong>de</strong> uma arma, que segue <strong>na</strong> direção em que foi disparada, emlinha reta, <strong>na</strong> direção do alvo. Ela o alcançará, se este se mantiver imóvel, <strong>na</strong>mesma direção em foi disparada a bala. Os projéteis sãos os únicos corposem movimento. Tor<strong>na</strong>m-se inúteis, entretanto, se os alvos começarem a se


180Daizy Valmorbida Stepanskymover, se forem mais rápidos que os projéteis ou se moverem em trajetórianão calculada previamente.Comparando os mísseis balísticos com novos mísseis inteligentes,que possam mudar <strong>de</strong> direção no meio <strong>de</strong> caminho, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dascircunstâncias, que sejam capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar imediatamente os movimentosdo alvo, as alterações <strong>de</strong> posição e velocida<strong>de</strong> - e <strong>de</strong>ssas informações<strong>de</strong>duzir o ponto exato em que suas trajetórias se cruzarão... Esses mísseisinteligentes, enquanto viajam, atualizam e corrigem constantemente, semnunca concluir, a coleta e o processamento <strong>de</strong> informações.Abando<strong>na</strong>ndo o pressuposto <strong>de</strong> que o fim está dado, estável eestático, os mísseis inteligentes seguem a trajetória <strong>de</strong> uma “racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>instrumental”, continua Bauman (2007), <strong>de</strong> modo que só os meiosprecisam ser calculados e manipulados. Mísseis ainda mais inteligentesnão serão limitados a um alvo pré-selecio<strong>na</strong>do, mas os escolherãoenquanto prosseguem, guiados pela avaliação <strong>de</strong> qual será o máximo quepo<strong>de</strong>rão alcançar com as suas capacida<strong>de</strong>s técnicas e que alvo potencialestão mais equipados para atingir. Seria uma “racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> instrumental”invertida: os alvos serão selecio<strong>na</strong>dos com os mísseis no ar, e são osmeios disponíveis que <strong>de</strong>finem o “objetivo” selecio<strong>na</strong>do. A “inteligência”do míssil e sua eficácia se beneficiariam pela <strong>na</strong>tureza mais “generalista”ou “<strong>de</strong>scomprometida” do equipamento, sem focalizar uma categoriaespecífica <strong>de</strong> fins e sem ajuste para atingir um tipo <strong>de</strong> alvo específico: coma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, os mísseis inteligentes apren<strong>de</strong>m no caminho, eapren<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pressa.Nesta trajetória, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquecer, <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> idéia erevogar <strong>de</strong>cisões assume, portanto, a mesma importância, e as informaçõesque recebem envelhecem e <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>scartadas para não interferirem<strong>na</strong> orientação que recebem. O conhecimento adquirido é <strong>de</strong>scartável,quando não é mais útil. É necessário esquecê-lo, jogá-lo fora e substituílo.O sucesso, <strong>na</strong> pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, é também relacio<strong>na</strong>do à capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> esquecer, <strong>de</strong> mudar, <strong>de</strong> reescrever as trajetórias profissio<strong>na</strong>is e asqualificações adquiridas ao longo da vida com a mesma rapi<strong>de</strong>z com queo mercado se transformaOs filósofos da educação da era sólido-mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> viam os professorescomo lançadores <strong>de</strong> mísseis balísticos e <strong>de</strong>sejavam que eles mantivessemo curso imprimido origi<strong>na</strong>lmente. A atualida<strong>de</strong> “líquida” requer que a


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa181educação seja permanente e se <strong>de</strong>senvolva ao longo da vida, mas nãouma educação voltada ape<strong>na</strong>s para capacitar e adaptar o cidadão para omercado <strong>de</strong> trabalho em permanente transformação. A educação necessária,segundo Bauman (2007) <strong>de</strong>ve ser contínua e permanente, <strong>de</strong>ve rompercom a ignorância e com a i<strong>na</strong>ção, mas <strong>de</strong>ve ser também a que prepara paraescolhas livres, <strong>de</strong>senvolva condições huma<strong>na</strong>s para a implantação dasescolhas e para tor<strong>na</strong>r o mundo mais aprazível e mais humanoA liberda<strong>de</strong> transforma cada etapa da vida numa escolha,é o alicerce <strong>de</strong> nossa humanida<strong>de</strong> e confere singularida<strong>de</strong> à nossaprópria existência. Em nenhuma outra época o ato <strong>de</strong> escolher foi tãoexacerbadamente autoconsciente, em condições <strong>de</strong> tanta incerteza, soba permanente ameaça da exclusão e do fracasso <strong>na</strong> satisfação <strong>de</strong> novas<strong>de</strong>mandas. A diferença entre a atual agonia da escolha e os <strong>de</strong>sconfortosque sempre atormentaram o ser humano é a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> que não háregras <strong>de</strong>finidas previamente, nem objetivos universalmente aceitos paraseguir. É absolutamente individual e solitária a responsabilida<strong>de</strong> pelaescolha.Quais as perspectivas e quais as tarefas da educação nesse contexto<strong>de</strong> flui<strong>de</strong>z? No passado, um diploma universitário era a garantia da práticaprofissio<strong>na</strong>l até a aposentadoria. Atualmente, o conhecimento precisa serconstantemente renovado, as profissões precisam mudar. A combi<strong>na</strong>çãoda velocida<strong>de</strong> do novo conhecimento com o rápido envelhecimento doconhecimento prévio renova o estoque da ignorância huma<strong>na</strong> e alimentao mercado do ensino, se<strong>de</strong>nto por oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> venda.Nos países industrializados, quando avaliadas as qualificaçõesdos <strong>de</strong>sempregados em relação às exigências do mercado, é constatada aimensa <strong>de</strong>fasagem entre exigências e capacitações, a par da incapacida<strong>de</strong><strong>de</strong> soluções individuais por parte da maioria que não po<strong>de</strong> pagar pelaatualização permanente e <strong>de</strong> retorno incerto. Neste mercado <strong>de</strong> “educaçãocontinuada”, os clientes não estão em condições <strong>de</strong> avaliar a qualida<strong>de</strong> damercadoria e po<strong>de</strong>m adquirir conhecimento inferior e <strong>de</strong>fasado. Deixadosao livre do jogo do mercado, parecem distantes e difíceis as soluções.No Brasil, a <strong>de</strong>preciação do “capital humano”, por não receberajuda nem incentivo para trei<strong>na</strong>mentos e qualificações, po<strong>de</strong> ser umadas barreiras para a manutenção do trabalhador no mercado <strong>de</strong> trabalho,pressio<strong>na</strong>ndo sua saída precoce, além da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aposentadoria


182Daizy Valmorbida Stepanskypor tempo <strong>de</strong> serviço ou <strong>de</strong> contribuição, segundo estudo do Instituto <strong>de</strong>Pesquisa Econômica Aplicada (Camarano e Kanzo, 2007) sobre a dinâmicapopulacio<strong>na</strong>l e as implicações para a previdência social. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações acerca da produtivida<strong>de</strong>, há uma percepção negativaacerca da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os trabalhadores idosos se adaptarem às mudançastecnológicas e organizacio<strong>na</strong>is e os custos crescentes com a ida<strong>de</strong>.O indicador <strong>de</strong> alfabetização da população idosa brasileira é umtermômetro (Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística, 2002) daspolíticas educacio<strong>na</strong>is brasileiras do passado. Ao menos até os anos 1950,o ensino fundamental era restrito a certos segmentos sociais específicos.Na última década, aumentou significativamente a proporção <strong>de</strong> idososalfabetizados: <strong>de</strong> 55,8%, em 1991, para 64,8%, em 2000. O contingente<strong>de</strong> idosos a<strong>na</strong>lfabetos continua, entretanto, significativo: em 2000, era<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 5 milhões. As diferenças <strong>de</strong> gênero fazem-se presentes nestesíndices: dos idosos responsáveis por domicílio, em 2000, 68,8% dos homense 62,4% das mulheres eram alfabetizados.O número médio <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> dos idosos responsáveispor domicílio, em 2000, permanecia muito baixo: 3,5 anos para os homens e3,1 anos para as mulheres. Apresentam também diferenças regio<strong>na</strong>is, entrea população rural e a população urba<strong>na</strong>, entre os idosos mais jovens – 60a 64 anos – e os idosos com mais <strong>de</strong> 75 anos. A proporção <strong>de</strong> idosos comescolarida<strong>de</strong> mais elevada, entre cinco e sete anos, era <strong>de</strong> 2,4% em 1991e avança para 4,2% em 2000. Embora sejam assi<strong>na</strong>ladas melhorias <strong>na</strong>scondições <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> da população idosa, ela ainda é bastante baixa,se comparada aos segmentos mais jovens <strong>de</strong> mesma região e Unida<strong>de</strong> daFe<strong>de</strong>ração. São fatores que se refletem em seus rendimentos e <strong>na</strong> condição<strong>de</strong> vida <strong>de</strong> seu núcleo familiar, dificultam sua aprendizagem <strong>de</strong> novastecnologias, problematizam sua permanência no processo produtivo efundamentam preconceitos e critérios <strong>de</strong> exclusão.Os rendimentos da população idosa tor<strong>na</strong>m-se extremamenterelevantes às análises socioeconômicas, <strong>na</strong> medida em que tem aumentadosignificativamente o número <strong>de</strong> domicílios sob responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> idosos:em 2000, 62,4% dos idosos eram responsáveis por domicílios. Quanto adomicílios unipessoais, 17,9%, em 2000, eram <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pessoa idosa. Destes, a maior parte - 67% - era do sexo feminino. Em 2000,no meio urbano, 39,8% recebiam até um salário mínimo; 15,2%, <strong>de</strong> um


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa183a dois salários mínimos; 8,5% recebiam <strong>de</strong> dois a três salários mínimos;10,6% recebiam <strong>de</strong> três a cinco salários mínimos; 20,9% recebiam mais <strong>de</strong>cinco salários mínimos e 5,0% <strong>de</strong>clararam-se sem rendimentos.Quanto à composição dos rendimentos, em 1999, 54,1% dosrendimentos eram originários da aposentadoria e 36,% eram originários dotrabalho. Para as mulheres, quase 80% da renda era originária <strong>de</strong> pensãoou <strong>de</strong> aposentadoria. A universalização dos benefícios <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong>social contribuiu para aumento dos rendimentos da população idosa,principalmente nos segmentos <strong>de</strong> renda mais baixa. Os gastos para amanutenção da saú<strong>de</strong> do idoso são frequentemente maiores que do jovemadulto. Próteses e <strong>de</strong>mais cuidados com a estética também são dispendiosos.Os itens <strong>de</strong> consumo prioritário para população idosa brasileira tiveram(1994 a 2004, segundo a Fundação Getulio Vargas) índices <strong>de</strong> inflaçãomuito superiores aos suportados pelas <strong>de</strong>mais faixas etárias (226,14% e176,51, respectivamente).A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumidores“É necessário abando<strong>na</strong>r a idéia recebida que temos da socieda<strong>de</strong>da abundância como socieda<strong>de</strong> <strong>na</strong> qual todas as necessida<strong>de</strong>s materiais(e culturais) se satisfazem com facilida<strong>de</strong>. Semelhante idéia prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong>toda a lógica social. (...) Quanto mais se produz, mais se sublinha, nopróprio seio da profusão, o afastamento irremediável do termo fi<strong>na</strong>l queseria a abundância – <strong>de</strong>finida como o equilíbrio da produção huma<strong>na</strong> e dasfi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s huma<strong>na</strong>s. Porque as necessida<strong>de</strong>s da or<strong>de</strong>m da produção, e nãoas necessida<strong>de</strong>s do homem, sobre cujo <strong>de</strong>sconhecimento se assenta todo osistema, é que constituem objeto <strong>de</strong> satisfação <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimentoe <strong>de</strong> satisfação tanto maior quanto mais intensa a produtivida<strong>de</strong>. Éevi<strong>de</strong>nte que a abundância recua in<strong>de</strong>finidamente. Melhor: encontra-seirremediavelmente negada em proveito do reino organizado da rareza(a penúria estrutural).” (Jean Baudrillard. “A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Consumo””1995:66-67)A comunicação situa-se como ponte entre as relações sociais,econômicas e estéticas. Os sistemas <strong>de</strong> comunicação e a propaganda sãoresultantes do predomínio da tecnologia comunicacio<strong>na</strong>l e da supremacia


184Daizy Valmorbida Stepanskydo mercado e, como a linguagem, as instituições e as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,integram a mesma estrutura. Novas tecnologias se inserem <strong>na</strong>s estruturaspreexistentes. O avanço da tecnologia da comunicação não promove,necessariamente, o aumento da consciência, nem a ampliação da liberda<strong>de</strong>huma<strong>na</strong>, pois a realida<strong>de</strong>, nos meios <strong>de</strong> comunicação, po<strong>de</strong> ser ape<strong>na</strong>suma composição <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> dígitos e símbolos.A publicida<strong>de</strong> estabelece os vínculos mais evi<strong>de</strong>ntes entre a arte, oimaginário e o processo produtivo, especialmente <strong>na</strong> sua fase <strong>de</strong> circulaçãoe <strong>de</strong> consumo, utilizando a linguagem e a tecnologia da comunicação.A publicida<strong>de</strong> é a síntese da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Sujeito e objeto seinserem <strong>na</strong> mesma estrutura social, e sua relação é permeada <strong>de</strong> cultura e<strong>de</strong> valores, que i<strong>de</strong>ntificam e estratificam. As necessida<strong>de</strong>s econômicas eculturais do indivíduo são dirigidas pelo mercado e pelos valores <strong>de</strong> cadagrupo social. São históricas e são culturalmente <strong>de</strong>finidas.A forma e a <strong>na</strong>tureza do consumo são elementos <strong>de</strong> diferenciaçãosocial, e não ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong> satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s. As classes sociais sei<strong>de</strong>ntificam também pelas possibilida<strong>de</strong>s diferenciadas <strong>de</strong> ócio e <strong>de</strong> consumo<strong>de</strong> bens. Os objetos consumidos po<strong>de</strong>m ser úteis ou supérfluos a um sótempo, já que sua utilida<strong>de</strong> para o consumidor po<strong>de</strong> constar <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>e <strong>de</strong> superficialida<strong>de</strong> em variadas proporções. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> riqueza parecejamais ser saciado. E a motivação não é ape<strong>na</strong>s a satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sou <strong>de</strong> conforto. É uma luta por honorabilida<strong>de</strong> e por prestígio.Nas mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s industriais, um sem número <strong>de</strong> produtoslocaliza-se neste espaço nebuloso <strong>de</strong> consumo - das necessida<strong>de</strong>s concretase das que são impostas pelas relações e pelas diferenciações das classessociais. Utilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sperdício, ostentação e i<strong>de</strong>ntificação com <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dogrupo social confun<strong>de</strong>m-se <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s atuais. Neste cenário, em quenovos produtos úteis e supérfluos, a um só tempo, são introduzidos acada dia no mercado, é difícil <strong>de</strong>finir o indispensável e o exce<strong>de</strong>nte para asobrevivência individual, ou para a constituição <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social.Numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mercado, indivíduo e mercadoria se inseremno mesmo sistema, que atribui valores não ape<strong>na</strong>s à mercadoria, mastambém ao indivíduo que a consome. Quanto mais consumir, quanto maiscaros forem os objetos <strong>de</strong> consumo, mais subirá <strong>na</strong> escala <strong>de</strong> valores <strong>de</strong>mercado. Ou <strong>de</strong>scerá. A publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fine os códigos <strong>de</strong>sta escala, quetambém compõe a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>.


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa185A propaganda que utiliza a imagem do idoso cria a utopia da velhice,critica a velhice real e propõe outra velhice – a que o consumo permitiria.A relação utópica velho-consumo re<strong>de</strong>fine o idoso pós-mo<strong>de</strong>rno. A velhice<strong>na</strong> propaganda aparece cindida: corpo e imagem. O envelhecimento realnão se reflete <strong>na</strong>s cores dos anúncios. Rompe-se a história e apaga-se amemória. A propaganda cria outro corpo para o idoso, sem história e semmemória. Esta ruptura satisfaz ao conceito estético das imagens comerciaisamerica<strong>na</strong>s – publicida<strong>de</strong>, filmes, televisão. A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> econômicae social e seus frutos culturais criam este néo-esteticismo.A importação <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> comportamentos pela socieda<strong>de</strong>brasileira, que se mo<strong>de</strong>rnizou antes <strong>de</strong> se industrializar, problematiza oslugares da <strong>de</strong>manda e do consumo <strong>na</strong>s socieda<strong>de</strong>s não industrializadas.Diferencia-se dos mo<strong>de</strong>los clássicos <strong>de</strong> análise do crescimento do consumo:é a importação do valor atribuído por uma classe <strong>de</strong> outro país, numprocesso <strong>de</strong> mundialização não ape<strong>na</strong>s da produção e do consumo, mastambém dos valores ligado ao produto. O distanciamento entre a produçãoe o consumo po<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong> idéias “fora do lugar” ou da ampliação daesfera da <strong>de</strong>manda.A gran<strong>de</strong> expansão industrial dos Estados Unidos a partir doperíodo entre guerras é simultânea à expansão <strong>de</strong> sua indústria cultural.A “americanização” do continente, caracterizada pela homogeneizaçãocultural, é também o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> “americanida<strong>de</strong>” como sinônimo domo<strong>de</strong>rno, do confortável, do “funcio<strong>na</strong>l”. Ser mo<strong>de</strong>rno é consumir o novoe ter prestígio, através do consumo ostentatório e seletivo. O mercadoedita, permanentemente, novos si<strong>na</strong>lizadores. Os publicitários tor<strong>na</strong>m-semissionários da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e do consumo.Na socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, há uma a<strong>na</strong>logia entre olhar e possuir. Apintura da Re<strong>na</strong>scença era um instrumento <strong>de</strong> saber, mas também <strong>de</strong> posse,e ela só se tornou possível graças às fortu<strong>na</strong>s acumuladas em Florença eem outros lugares. Os quadros recriavam o mundo para seu proprietário.Ofereciam a nu<strong>de</strong>z femini<strong>na</strong> para seu prazer. Esta relação é transposta paraa publicida<strong>de</strong>, que dá continuida<strong>de</strong> à pintura a óleo européia, com seusestereótipos e seus símbolos. Funda-se <strong>na</strong> idéia <strong>de</strong> que você é o que vocêpossui. As imagens publicitárias são momentâneas. Po<strong>de</strong>mos nos lembrarou esquecer <strong>de</strong>las, mas as inter<strong>na</strong>lizamos. Elas estimulam a imagi<strong>na</strong>ção e<strong>de</strong>vem ser continuamente renovadas e atualizadas.


186Daizy Valmorbida StepanskyA publicida<strong>de</strong> é explicada como uma mídia competitiva,que beneficia o público e os fabricantes mais eficientes. É relacio<strong>na</strong>daà idéia <strong>de</strong> “mundo livre”: liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha para o comprador e <strong>de</strong>empreendimento para o fabricante. Associa capitalismo, liberda<strong>de</strong> eriqueza. O ato <strong>de</strong> comprar, que nos <strong>de</strong>ixará mais pobres, é ence<strong>na</strong>do comoum ato que nos <strong>de</strong>ixará mais ricos. E ser rico é indispensável.A publicida<strong>de</strong> é o processo <strong>de</strong> fabricar o glamour, e ser invejado éo que constitui o glamour. A publicida<strong>de</strong> cria uma imagem <strong>de</strong> si tor<strong>na</strong>doglamouroso pelo produto que anuncia. Cria a inveja <strong>de</strong> si mesmo pelo quepo<strong>de</strong>ria ser. A publicida<strong>de</strong> gira em torno <strong>de</strong> relações sociais, e não em torno<strong>de</strong> objetos. Promete felicida<strong>de</strong> julgada <strong>de</strong> fora, pelos outros: a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ser invejado, <strong>de</strong> ser olhado com interesse. O comprador <strong>de</strong>verá invejar a simesmo, se comprar o produto, e se tor<strong>na</strong>r objeto da inveja dos outros.A pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é dramaticamente marcada pelo consumo. Osconsumidores fracassados são os “impuros” pós-mo<strong>de</strong>rnos, abando<strong>na</strong>dos àprópria sorte com a falência do Estado <strong>de</strong> bem-estar, que até então arcaracom os custos margi<strong>na</strong>is da acumulação do capital. É o mercado, e nãomais o Estado, que discipli<strong>na</strong> a ação coletiva. A sedução do mercado é agran<strong>de</strong> igualadora e a gran<strong>de</strong> divisora. Ven<strong>de</strong>-se o global e o tecnológicoem substituição ao local, ao velho. A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo se implantacomo i<strong>de</strong>ia fundamental; e a publicida<strong>de</strong>, como afirmou Baudrillard (1995),como seu hino.A globalização <strong>na</strong> periferia ou a subversão do belo“Os membros <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumidores são, eles próprios,mercadorias <strong>de</strong> consumo. E é a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser uma mercadoria <strong>de</strong>consumo que os tor<strong>na</strong> membros autênticos <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>. Tor<strong>na</strong>r-se econtinuar sendo uma mercadoria vendável é o mais po<strong>de</strong>roso motivo <strong>de</strong>preocupação do consumidor, mesmo que em geral latente e quase nuncaconsciente”. (Zigmunt Bauman. “<strong>Vida</strong> para consumo: a transformação daspessoas em mercadorias”. 2008:76)O prolongamento da vida veio acompanhado pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>sconstruir a antiga i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> idosos das gerações passadas e <strong>de</strong>reconstruí-la sob novos parâmetros <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> e beleza, possibilitadospelas próteses, por tratamentos e cirurgias e exigidos pelas novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa187sociais. O envelhecimento populacio<strong>na</strong>l, os serviços especificamentevoltados para este segmento populacio<strong>na</strong>l e comportamentos <strong>de</strong>stoantes dasexpectativas fundadas em estereótipos <strong>de</strong> velhice, ou em comportamentoscaracterísticos <strong>de</strong> gerações passadas, parecem <strong>de</strong>sconcertar a mídia. Apolêmica sobre a previdência pública brasileira, por exemplo, é pautadacom frequência, alar<strong>de</strong>ando como inevitável a <strong>de</strong>rrocada do sistema públicoe as tragédias cotidia<strong>na</strong>s dos idosos <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> proteção privada. Nãohá vida fora do manto protetor da previdência privada, advertem os meios<strong>de</strong> comunicação, participando, <strong>de</strong>sta forma, ativamente do processo <strong>de</strong>privatização. Omite-se, por outro lado, em discussões mais fundamentadase no contexto <strong>de</strong> fragilização dos sistemas públicos e <strong>na</strong> hegemonia dassoluções privatizantes.As imagens do novo idoso, consumidor juvenilizado e feliz, criadopela previdência privada, povoam a publicida<strong>de</strong> e o imaginário. O produtoanunciado é um novo estilo <strong>de</strong> vida, uma nova velhice para os jovens <strong>de</strong>hoje - a velhice do futuro. E a velhice do presente? Esta é a da notícia, darealida<strong>de</strong> sombria, da impotência do idoso antigo. A utopia é o consumo, ocorpo trabalhado, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social reconstruída. Nos anúncios, há umaameaça implícita: ou é feito o plano <strong>de</strong> aposentadoria privada ou o jovem<strong>de</strong> hoje não será o idoso do anúncio. Será o da notícia. A previdênciaprivada é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subversão ou <strong>de</strong> abrandamento da tragédiado Rei Lear. Na reor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da socieda<strong>de</strong> pelo mercado, o idoso criadoou recriado pela mídia é o idoso consumidor. À longevida<strong>de</strong> do idosoreal, e ao aumento populacio<strong>na</strong>l relativo, é atribuída a culpa, neste jogo <strong>de</strong>imagens, pela falência da previdência pública. O resto é omitido.No imaginário contemporâneo, velhice é associada à conservaçãoe à tradição. Po<strong>de</strong> ser associada a saber acumulado, mas é dissociada doconhecimento funcio<strong>na</strong>l. Na era da informática, opõe-se a progresso, atecnologia e a movimento. Os lançamentos <strong>de</strong> informática associam-sea crianças e jovens – <strong>de</strong> sexo masculino. O estranhamento dos idosos,assi<strong>na</strong>lado pelos anúncios, repete o espanto e o distanciamento dasimagens das idosas que, nos anos 70, ilustravam os avanços da telefoniacomo coisas <strong>de</strong> outro mundo - um mundo <strong>de</strong> jovens. A relação com atecnologia refere-se à relação com o processo produtivo, com a vida, como futuro. E <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong>sta relação inclui ou exclui. Selecio<strong>na</strong>, segmentae hierarquiza. Mas, afirmam certos anúncios, acessar a internet já é tãosimples que até alguns idosos po<strong>de</strong>m fazê-lo.


188Daizy Valmorbida StepanskyO idoso é sub-representado <strong>na</strong> publicida<strong>de</strong>, que é ape<strong>na</strong>s uma dasfases da comercialização, e volta-se para as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo<strong>de</strong> um mercado real. Para ser incluída neste processo, qualquer categoriaprecisa ser consumidora. A população idosa brasileira tem rendimentosmenores que <strong>de</strong> outras faixas etárias, menor escolarida<strong>de</strong> e não utilizaamplamente suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> organização e representação política.A velhice, <strong>na</strong> propaganda atual, po<strong>de</strong> falar dos idosos <strong>de</strong> hoje ou dosjovens <strong>de</strong> hoje, idosos do futuro, porque é um discurso sobre o mercado.O idoso <strong>na</strong> publicida<strong>de</strong> é juvenilizado, infantilizado ou ridicularizado.Aparece como caricatura ou como coadjuvante. Nos Estados Unidos, hárevistas com gran<strong>de</strong> tiragem voltadas para os idosos, faturando bilhões emanúncios <strong>de</strong> produtos específicos para idosos consumidores. Alguns sãoveiculados no Brasil. Neles, o idoso é sujeito, não coadjuvante.No Brasil, poucos produtos são anunciados para os velhos, além<strong>de</strong> empréstimos bancários subsidiados, planos <strong>de</strong> previdência e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,estimulantes sexuais e fraldas geriátricas. As imagens <strong>de</strong> idosos conceituam,comumente, tradição, hospitalida<strong>de</strong>, carinho, poupança, experiência eharmonia. Frequentemente, compõem o grupo familiar, conceituandoestabilida<strong>de</strong> e permanência do produto no mercado, avós em produtospara crianças, u velhos que assi<strong>na</strong>lam a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento ou <strong>de</strong>aceitação do produto. Não são ativos <strong>na</strong> ence<strong>na</strong>ção social. Mas há sempreum revestimento <strong>de</strong> glamour, e os mo<strong>de</strong>los são mais jovens, bonitos esadios. Seus rostos raramente aparentam mais <strong>de</strong> 60 anos, mesmo que<strong>de</strong>vam representar alguém com mais ida<strong>de</strong>. Mas a publicida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>prescindir do idoso. Ele representa o testemunho do passado, do bomtempo antigo, da autenticida<strong>de</strong>, da confiabilida<strong>de</strong>. Representa a ficção <strong>de</strong>paz, <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> contradições e <strong>de</strong> conflitos. É também a presença docotidiano <strong>na</strong> publicida<strong>de</strong>. Os velhos fazem parte <strong>de</strong>le.As famílias diminuíram seu tamanho. As mulheres, maioria <strong>na</strong>população idosa, aumentam os índices <strong>de</strong> famílias unipessoais a cada ano.Novas formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolvem e estimulam relações afetivasfora dos espaços familiares, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s inovadoras, em novos espaçossociais, particularmente <strong>na</strong>s gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s. On<strong>de</strong> está representada estanova mulher envelhecida, só, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, profissio<strong>na</strong>l, que reescreveusua trajetória e que reinventou sua história, no tempo do pós-feminismo?A idosa dos anúncios ainda é componente do grupo familiar ampliado, nocenário da família extensa, para as ações dos adultos jovens e das crianças.


Produtos, Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Consumo para a População Idosa189Sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> própria. Ape<strong>na</strong>s a avó. Ou a esposa. Como era antes. Osestereótipos <strong>de</strong> gênero se prolongam até o envelhecimento, e a velhicefeliz e sexualizada é viril, elegante e acompanhada por mulheres jovens. Oidoso da propaganda é o jovem em movimento, esportista, turista. Nega ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhador. O idoso do trabalho é o velho das notícias.A valorização do jovem pela indústria cultural reforça o estereótipodo idoso fora da ence<strong>na</strong>ção social. De estar sem papel, num cenário quemudou. Geralmente é folclórico, engraçado, inofensivo. Ou não acrescenta<strong>na</strong>da, além da idéia <strong>de</strong> passado. Símbolo <strong>de</strong> um tempo nostálgico, <strong>de</strong> coisasseguras, como se, em sua juventu<strong>de</strong>, não houvesse problemas, conflitos econtradições. Na juvenilização das imagens, a idéia <strong>de</strong> progresso, <strong>de</strong> queo que vem <strong>de</strong>pois é sempre melhor que o passado, <strong>de</strong> que o idoso estáexcluído do tempo <strong>de</strong> tecnologia e <strong>de</strong> movimento acelerado.A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumidores transfere para o mercado ocompromisso constitucio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> inclusão do idoso. O não-cidadão doséculo XX é o não-consumidor do século XXI. Mas a socieda<strong>de</strong> e suasimagens po<strong>de</strong>m mudar. Assim como as recomendações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is parao atendimento à população idosa, a Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso, a imagemimportada pelos anúncios globalizados, ou glamourizada pelas necessida<strong>de</strong>sdo mercado, é uma referência positiva. Beleza, saú<strong>de</strong>, sexo, movimento,cores, consumo, são utopias da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Devem socializaros idosos do futuro, os jovens do mercado. Mas a contradição, no presente,po<strong>de</strong> ser estimulante. A nova velhice é também a nova imagem da velhice.Eis a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, tão pós-mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>: a propaganda globalizada cria a novautopia para o idoso da periferia capitalista. É uma referência positiva, quecontrasta com a sua realida<strong>de</strong>. A beleza do consumo excita o olhar. Estabeleza po<strong>de</strong> ser subversiva.Bibliografia______. <strong>Vida</strong> Líquida. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Jorge Zahar Ed.,2007______.<strong>Vida</strong> para consumo: a transformação das pessoas emmercadoria. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.______ e ZÁRATE, Amaya Ortiz. El espot publicitario. Lasmetamorfosis <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo. Madri: Ed. Cátedra, 1995.______. A cultura do Novo Capitalismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2008.


190Daizy Valmorbida StepanskyBAUDRILLARD, Jean. A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed.Elfos, 1995.BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.BERGER, John. Modos <strong>de</strong> Ver. Rio <strong>de</strong> Janeiro: NovaFronteira,1999BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EditoraCampus, 1992.CAMARANO, A<strong>na</strong> Amélia (organizadora). Muito além dos 60: osnovos idosos brasileiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IPEA, 1999.CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Apren<strong>de</strong>ndo a pensar. Petrópolis, RJ:Vozes, 1991.HALL, Stuart. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural <strong>na</strong> pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:DP&A, 2001.IBGE. Perfil dos idosos responsáveis por domicílios no Brasil 2000.Rio <strong>de</strong> Janeiro,: IBGE, 2002.JAMESON, Fredreric. Espaço e imagem: teorias do pós-mo<strong>de</strong>rnismoe outros ensaios. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1993.LESBAUPIN, Ivo (organizador). O Desmonte da Nação: Balanço doGoverno FHC. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.LOJKINE, Jean. A revolução informacio<strong>na</strong>l. São Paulo: CortezEditora, 1995.MARX, Karl. A i<strong>de</strong>ologia alemã. In: Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s, F. Marx e Engels, Ed.Ática, 1983.MORIN, Edgar. Cultura <strong>de</strong> massas no século XX: o espírito dotempo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1990.REQUENA, Jesús González. El discurso televisivo: espetáculo <strong>de</strong> laposmo<strong>de</strong>rnidad. Madri: Ed. Cátedra, 1995.SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As consequênciaspessoais do trabalho no Novo Capitalismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 1999.TAFNER, P. e GIAMBIAGI, F. (organizadores). Previdência noBrasil: <strong>de</strong>bates, dilemas e escolhas. Rio <strong>de</strong> Janeiro, IPEA, 2007.VEBLEN, Thorstein Bun<strong>de</strong>. A Teoria da Classe Ociosa. São Paulo:Ed. Nova Cultural, 1987.


O SESC e a Ocupaçãodo Tempo Livre<strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>191Danilo Santos <strong>de</strong> MirandaSociólogo, diretor do Departamento Regio<strong>na</strong>l do Serviço Social do Comércio(SESC) no Estado <strong>de</strong> São Paulo.SESC: uma história <strong>de</strong> ação educativaA partir <strong>de</strong> meados do século passado, o cenário cultural do Brasilregistra a presença <strong>de</strong> um novo protagonista <strong>na</strong> história das políticassociais em nosso país: o Serviço Social do Comércio. Des<strong>de</strong> sua fundação,em 1946, o SESC orienta suas ações para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida e para o exercício pleno da cidadania dos brasileiros. Metas comoessas <strong>de</strong>mandam um trabalho contínuo e processual que, cotidia<strong>na</strong>mente,se <strong>de</strong>senvolve nos centros sociais da instituição espalhados por todo oterritório <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e se concretiza em ações programáticas <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, cultura, lazer, assistência e educação.Pessoas <strong>de</strong> várias ida<strong>de</strong>s, etnias, crenças e classes se encontramno SESC. A realida<strong>de</strong> brasileira é marcada pela diversida<strong>de</strong> cultural, que<strong>de</strong>ve não somente ser mantida, mas estimulada. O respeito às diferençasnos parece indispensável para que se execute uma política social quecorresponda a tantos e tão diversos interesses. Tal diretriz se revela noconteúdo e <strong>na</strong>s dinâmicas das ativida<strong>de</strong>s que oferecemos, pautadas pelo


192 Danilo Santos <strong>de</strong> Mirandaobjetivo da inclusão social, do <strong>de</strong>senvolvimento da tolerância e da práticada liberda<strong>de</strong>.O SESC São Paulo enten<strong>de</strong> que educação é cultura. Por isso, pormeio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s culturais, exerce uma ação pedagógica <strong>de</strong> modo nãoformal.Em outros termos, toda uma gama <strong>de</strong> assuntos tematizados <strong>na</strong>escola e fora <strong>de</strong>la, e que compõem o cotidiano <strong>de</strong> todos nós, é ensi<strong>na</strong>da,vivida e compartilhada das mais diferentes formas nos centros culturais daentida<strong>de</strong>. Falamos <strong>de</strong> cursos e ofici<strong>na</strong>s em áreas como música, dança, teatro,cinema, artes plásticas, literatura, informática, alimentação, esportes, meioambiente e turismo, entre outros assuntos. Adotamos como fio condutor <strong>de</strong>nossas ações a chamada educação não-formal, nos programas <strong>de</strong> culturae lazer voltados para crianças, adolescentes, adultos jovens e idosos. Deacordo com o Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas Educacio<strong>na</strong>isAnísio Teixeira (INEP), órgão pertencente ao Ministério da Educação dogoverno brasileiro, a educação não-formal po<strong>de</strong> ser entendida como:- Ativida<strong>de</strong>s ou programas organizados fora do sistema regular<strong>de</strong> ensino, com objetivos educacio<strong>na</strong>is bem <strong>de</strong>finidos.- Qualquer ativida<strong>de</strong> educacio<strong>na</strong>l organizada e estruturada quenão corresponda exatamente à <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> educação formal.- Processos <strong>de</strong> formação que acontecem fora do sistema <strong>de</strong>ensino (das escolas às universida<strong>de</strong>s).- Tipo <strong>de</strong> educação ministrada sem se ater a uma sequênciagradual, que não leva a graus nem títulos e se realiza fora dosistema <strong>de</strong> educação formal e em forma complementar.- Programa sistemático e planejado que ocorre durante umperíodo contínuo e pre<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do <strong>de</strong> tempo 1 .Depreen<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>finições que o conceito <strong>de</strong> educaçãoultrapassa os limites do ensino escolar formal e engloba as experiências <strong>de</strong>vida e os processos <strong>de</strong> aprendizagem não-formais. A educação não-formalé mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas <strong>de</strong>educação não-formal não precisam, necessariamente, seguir um sistemasequencial e hierárquico <strong>de</strong> progressão. Po<strong>de</strong>m ter duração variável econce<strong>de</strong>r ou não certificados <strong>de</strong> aprendizagem.1 A educação não formal po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> instituições educacio<strong>na</strong>is ou fora <strong>de</strong>las, e po<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>ra pessoas <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s (INEP, 2001a).


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>193Tanto <strong>na</strong> educação formal quanto <strong>na</strong> educação não-formal, estáimplícita uma intencio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> (característica que as distingue da educaçãoinformal), mas o cenário <strong>de</strong> sua expressão po<strong>de</strong> ser diferente. Enquantoo espaço da escola é marcado pela regularida<strong>de</strong> e pela sequencialida<strong>de</strong>,outros espaços públicos, como os centros culturais, caracterizam-se pela<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, pela eventualida<strong>de</strong> e pela informalida<strong>de</strong>.Vivemos em uma socieda<strong>de</strong> complexa e em um mundo globalizado,cujas transformações se mostram cada vez mais aceleradas. A velocida<strong>de</strong> dainformação é cada vez maior. Acompanhar tantas mudanças não é tarefafácil. O ensino formal, imprescindível, mas voltado principalmente paraa profissio<strong>na</strong>lização, não dá conta <strong>de</strong> tantas inovações que presenciamosno dia a dia. Por outro lado, a escola não reserva o tempo e o espaçonecessários para as ativida<strong>de</strong>s culturais e artísticas, tão estratégicas para oestabelecimento pleno do sujeito como cidadão, cuja vida <strong>de</strong>ve i<strong>de</strong>almenteestar fundada <strong>na</strong>s ciências e <strong>na</strong>s artes. Uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida, comoqueremos para o Brasil, pressupõe, portanto, um harmonioso convívio entreprocessos formais e não-formais <strong>de</strong> educação, produzindo seres críticos,capazes não só <strong>de</strong> acompanhar, mas também <strong>de</strong> promover mudanças emfavor do coletivo - pessoas não ape<strong>na</strong>s consumidoras, mas produtoras <strong>de</strong>cultura.A fruição das ativida<strong>de</strong>s oferecidas pelo SESC se passa forado tempo da escola e do trabalho. É no tempo livre do estudante, dotrabalhador e do aposentado que se dá todo um envolvimento não sóintelectual, mas igualmente afetivo, com um imenso repertório <strong>de</strong> práticasculturais. Diferentemente dos tradicio<strong>na</strong>is espaços escolares, geralmentesem muita varieda<strong>de</strong> em sua configuração, as pessoas <strong>de</strong>sfrutam no SESC<strong>de</strong> múltiplos equipamentos <strong>de</strong> lazer, como teatros, campos e quadras<strong>de</strong> esportes, pisci<strong>na</strong>s, ginásios, auditórios, salas <strong>de</strong> aula, ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong>criativida<strong>de</strong>, áreas <strong>de</strong> convivência etc.Cremos que a educação <strong>de</strong>ve ser concebida como um permanenteprocesso <strong>de</strong> autoformação ao longo da existência, no qual “apren<strong>de</strong>mos aapren<strong>de</strong>r”. Sem o caráter <strong>de</strong> obrigação que caracteriza a vida escolar, massim como algo escolhido, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> uma educação pelo lazer<strong>de</strong> maneira voluntária e prazerosa, pois o próprio exercício <strong>de</strong> ocupaçãocriativa do tempo livre nos ensi<strong>na</strong> como aproveitá-lo <strong>de</strong> modo cada vezmelhor.


194Danilo Santos <strong>de</strong> MirandaO idoso como sujeito e objeto <strong>de</strong> uma ação educativaA história do SESC São Paulo com a terceira ida<strong>de</strong> teve início noano <strong>de</strong> 1963, época em que não se falava em velhice. Ao contrário, vivia-se aidéia do “Brasil, país jovem”. Naquela época, a questão social dos velhos nãoestava <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m do dia. Tínhamos pouco mais <strong>de</strong> 5% <strong>de</strong> pessoas maiores <strong>de</strong>60 anos, praticamente meta<strong>de</strong> do percentual da atualida<strong>de</strong>. Por seu númerorelativamente reduzido e pelo isolamento social vivido, esse contingentenão possuía visibilida<strong>de</strong>, tampouco importância político-eleitoral.Naquele momento, as ações sociais disponíveis para os velhosse resumiam a um ato assistencialista, <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> suprir algumascarências básicas e abrandar o sofrimento <strong>de</strong>corrente da miséria e dadoença. Nesta perspectiva, as ações para esse setor se confundiam comcarida<strong>de</strong> e filantropia. Geralmente, tais iniciativas eram concretizadas eminstituições asilares, mantidas pelo Estado ou por congregações religiosas,com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir não mais que a sobrevivência física do idoso.O SESC São Paulo, portanto, iniciou sua ação junto aos idosos emum momento em que a socieda<strong>de</strong> brasileira oferecia poucas alter<strong>na</strong>tivasrelativamente à convivência e à participação do idoso saudável física ementalmente. A inexistência <strong>de</strong> políticas gover<strong>na</strong>mentais para melhorar aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos idosos, as precárias condições culturais em prol <strong>de</strong>um envelhecimento digno, a i<strong>na</strong><strong>de</strong>quação dos equipamentos urbanos àscondições físicas do idoso, as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a programas <strong>de</strong> lazer,enfim, todo esse quadro conduzia os velhos ao confi<strong>na</strong>mento doméstico ea sentimentos <strong>de</strong> solidão e insegurança daí <strong>de</strong>correntes.Assim, como resposta a situação tão adversa, o SESC São Pauloconstituiu os chamados grupos <strong>de</strong> convivência como um primeiromo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atendimento ao idoso, oferecendo ativida<strong>de</strong>s recreativas e<strong>de</strong> confraternização. Seguindo a trilha aberta pelo SESC, nucleaçõessemelhantes se multiplicaram pelo país afora e atualmente aindarepresentam importante fator <strong>de</strong> socialização, principalmente para idosos<strong>de</strong> poucos recursos econômicos. Na atualida<strong>de</strong>, milhares <strong>de</strong> núcleos<strong>de</strong>sse tipo se espalham pelo Brasil, abrigados em entida<strong>de</strong>s públicas ouparticulares ou vivendo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> instituições.Nas décadas mais recentes, não somente o perfil <strong>de</strong>mográfico dobrasileiro mudou. A maior presença dos idosos nos espaços públicos não


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>195se <strong>de</strong>ve ape<strong>na</strong>s ao incremento <strong>de</strong>mográfico <strong>de</strong>sse contingente etário. Nasúltimas décadas, o comportamento dos velhos também mudou, e paramelhor. Movidos pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viverem mais intensamente, tor<strong>na</strong>ramsemais participantes. Organizados em Conselhos Municipais e Estaduaise no Conselho Nacio<strong>na</strong>l dos Direitos do Idoso, obtiveram a importanteconquista do Estatuto do Idoso, em 2003, entre outras vitórias.Face às exigências do “novo idoso”, mais crítico e presente no<strong>de</strong>bate das questões sociais, surgiu no SESC, ao fi<strong>na</strong>l dos anos <strong>de</strong> 1970, umoutro mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atendimento: as escolas abertas da Terceira Ida<strong>de</strong>, maisuma iniciativa pioneira <strong>de</strong> nossa instituição. Nos anos seguintes, váriasuniversida<strong>de</strong>s brasileiras formaram faculda<strong>de</strong>s abertas. Tais respostasinstitucio<strong>na</strong>is buscaram respon<strong>de</strong>r a necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atualização <strong>de</strong>conhecimentos para que as pessoas maduras pu<strong>de</strong>ssem acompanhar astransformações políticas, econômicas e culturais <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> cadavez mais acelerada e complexa em <strong>de</strong>corrência do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>novas linguagens e tecnologias.Com a população idosa cresceu também, e em ritmo igualmenteacelerado, a <strong>de</strong>manda por uma série <strong>de</strong> serviços como saú<strong>de</strong>, moradia,transporte, educação, turismo e lazer. A propósito, o impressio<strong>na</strong>nteincremento <strong>de</strong> sobrevida do ser humano tem criado um extenso tempo livrea ser preenchido. Por isso, a questão que se coloca tanto para governoscomo para a iniciativa privada é: como oferecer ativida<strong>de</strong>s para que idosose aposentados aproveitem <strong>de</strong> modo satisfatório um tempo liberado <strong>de</strong>compromissos que po<strong>de</strong> perdurar por 20 ou até 30 anos após o adventoda aposentadoria? Acreditamos que para formular uma política culturalabrangente para esse grupo etário é preciso conhecê-lo, respon<strong>de</strong>ndo aoutra pergunta: qual é o lazer do idoso brasileiro <strong>na</strong> atualida<strong>de</strong>, como eleutiliza seu tempo livre?Para constatar como vive o idoso brasileiro, uma pesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lfoi realizada, em 2006, por uma parceria formada pela Fundação PerseuAbramo, pelo SESC Nacio<strong>na</strong>l e pelo SESC São Paulo (Neri, 2007). Foramentrevistados 2.136 idosos e 1.608 jovens e adultos <strong>de</strong> 16 a 59 anos,pois não somente a opinião dos idosos sobre eles mesmos foi objeto <strong>de</strong>investigação, mas também a imagem <strong>de</strong> velhice entre as gerações maisnovas. Outro importante objetivo <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> levantamento foi conheceras condições <strong>de</strong> vida do idoso brasileiro <strong>na</strong>s várias áreas <strong>de</strong> seu cotidiano,


196Danilo Santos <strong>de</strong> Mirandaincluindo aí, é claro, suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer.Vejamos alguns dados que a referida pesquisa nos forneceu.Quando perguntados sobre o que mais gostam <strong>de</strong> fazer no tempo livre,a resposta espontânea mais frequente (29%) foi “assistir TV”. Fora<strong>de</strong> casa, respon<strong>de</strong>ram que a ativida<strong>de</strong> mais comum tem sido “passear”(24%), conforme nos mostra a tabela abaixo, que também registrou outrasativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer praticadas por eles:Ativida<strong>de</strong> preferida quando tem tempo livre livreSoma das menções (espontânea e múltipla, em %)Soma das menções (espontânea múltipla, em %)Base: Amostra A – IdososBase: Amostra IdososAtivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas em casaAtivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas em casaEntretenimentoEntretenimento (assistir TV)Ativida<strong>de</strong>s (assistir culturais TV)Ativida<strong>de</strong>s (ler/ouvir culturais músicas)(ler/ouvir músicas)Descanso<strong>Trabalho</strong>sDescansomanuais(costurar/crochê/bordar)<strong>Trabalho</strong>s manuais(costurar/crochê/bordar)Relações familiares(curtir família)Relações familiaresAtivida<strong>de</strong>s (curtir domésticas família)Ativida<strong>de</strong>s domésticasCuidados com plantas/animaisCuidados com plantas/animaisAtivida<strong>de</strong>s fora <strong>de</strong> casa48Ativida<strong>de</strong>s Entretenimentofora <strong>de</strong> casa(passear)2148Ativida<strong>de</strong>s Entretenimento religiosas(ir à igreja/ao culto/reuniões no salão (passear) do reino)Ativida<strong>de</strong>sAtivida<strong>de</strong>sesportivas/físicasreligiosas(ir à igreja/ao culto/reuniões no salão do reino)98921Relações pessoaisAtivida<strong>de</strong>s (ativida<strong>de</strong>s esportivas/físicascom amigos) 78Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas Relações <strong>na</strong> praia/rio/mar pessoais(ativida<strong>de</strong>s (pesca/ir com amigos) à praia)67Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas Ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> praia/rio/mar festivas(pesca/ir à (dançar) praia)36Ativida<strong>de</strong>s festivasAtivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas (dançar)sem especificar local3Relações pessoais(<strong>na</strong>morar/conversar Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidascom amigos) 6sem especificar localRelações Entretenimento pessoais 6(<strong>na</strong>morar/conversar com amigos)Ativida<strong>de</strong>s religiosasEntretenimento 6Ativida<strong>de</strong>s culturais 2Ativida<strong>de</strong>s religiosasP83. O que é que o/a sr/a. mais gosta <strong>de</strong> fazer quan<strong>de</strong> tem algum tempo livre, ou seja, fora <strong>de</strong> suasAtivida<strong>de</strong>s culturaisobrigações, mesmo que o/a sr/a. só faça <strong>de</strong> vez 2 em quando? E em segundo lugar?P83. O que é que o/a sr/a. mais gosta <strong>de</strong> fazer quan<strong>de</strong> tem algum tempo livre, ou seja, fora <strong>de</strong> suasobrigações, mesmoq ue o/a sr/a. só faça <strong>de</strong> vez em quando? E em segundo lugar?P83. O que é que o/a sr/a. mais gosta <strong>de</strong> fazer quan<strong>de</strong> tem algum tempo livre, ou seja, fora <strong>de</strong> suasobrigações, mesmoq ue o/a sr/a. só faça <strong>de</strong> vez em quando? E em segundo lugar?


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>197A tabela seguinte nos mostra ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer <strong>de</strong>claradas pelosrespon<strong>de</strong>ntes a partir <strong>de</strong> pergunta estimulada (dirigida). Aqui fica bemnítida a prevalência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer praticadas em casa:Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer praticadas – Costume(Estimulada e múltipla, em %)Base: Amostra A + BAssistir TVOuvir rádioCuidar <strong>de</strong> plantasLeituraCuidar <strong>de</strong> animaisCantarJogos(<strong>de</strong> carta, dominó ou xadrez)Bordado, tricô ou crochêPalavra cruzadaIr a baile ou dançarVisitar museus ou exposiçõesIr a shows <strong>de</strong> músicaIr ao cinemaArtesa<strong>na</strong>to em geralTocar instrumento musicalPintura/ <strong>de</strong>senhoIr ao teatroAssistir dança ou balletOfici<strong>na</strong>s culturais ou cursos livresOutras ativida<strong>de</strong>s231916131212119866654352638093P87a. Vou falar outras ativida<strong>de</strong>s e gostaria <strong>de</strong> saber quais o/a sr/a. pratica (ler cada uma dasalterantivas).P87a. Vou falar outras ativida<strong>de</strong>s e gostaria <strong>de</strong> saber quais o/a sr/a. pratica (ler cada uma dasalter<strong>na</strong>tivas).


198Danilo Santos <strong>de</strong> MirandaUm importante e auspicioso dado diz respeito às ativida<strong>de</strong>s físicaspraticadas pelos idosos pelos benefícios à saú<strong>de</strong> daí <strong>de</strong>correntes: 51%dos idosos fazem caminhadas. Outras práticas corporais também forammencio<strong>na</strong>das:Ativida<strong>de</strong>s físicas praticadas – Costume(Estimulada e única, em %)Base: Amostra ACaminhadaAlongamento12911465157Andar <strong>de</strong> bicicleta918Ginástica87NataçãoMusculaçãoEsportes em geralCorridaHidroginásticaOutra ativida<strong>de</strong>P87a. Vou falar algumas ativida<strong>de</strong>s físicas e gostaria <strong>de</strong> saber quais o/a sr/a. pratica.P87a. Vou falar algumas ativida<strong>de</strong>s físicas e gostaria <strong>de</strong> saber quais o/a sr/a. pratica.


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>199Outra informação alentadora encontrada pela pesquisa é a<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> 51% dos entrevistados <strong>de</strong> que hoje eles têm mais possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> lazer do que antes <strong>de</strong> completar 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Esse dado relativiza,portanto, a propalada i<strong>na</strong>tivida<strong>de</strong> dos idosos e mostra um cenário maisotimista do que há algumas décadas:Comparação entre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazerantesComparaçãoe <strong>de</strong>poisentre<strong>de</strong> completaras possibilida<strong>de</strong>s60 anos<strong>de</strong> lazerantes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> completar 60 anos(Estimulada(Estimuladaeeúnica,única,emem%)%)Base: Base: Amostra AmostraTem Tem menos menos ou ou mais mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer do que tinha antes antes <strong>de</strong> <strong>de</strong> completar completar 60 60 anos anosMais 51 51Muito 29Um pouco 22Menos 38Muito 27Um Um pouco 12Não mudou/Não Não vai mudou/ mudar Não vai mudar 11MenosMenos MuitoUm Muito poucoUm poucoNão mudou/Não vai mudarNão mudou/Não vai mudarHomensHomens 60 a 69 anos 10 a 79 anos 80 anos ou mais60 a 69 anos 10 a 79 anos 80 anos ou maisMaisMaisMuitoMuitoUm poucoUm poucoMuitoMaisUm poucoMenosMuitoMenos Um poucoMuitoNão Um mudou/ poucoNão vai mudarNão mudou/Não vai mudarMulheresMaisMulheresMuitoUm pouco60 a 69 anos 10 a 79 anos 80 anos ou mais60 a 69 anos 10 a 79 anos 80 anos ou maisP93. O/a sr/a. diria que hoje o/a sr/a. tem menos ou mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer do que tinha antes <strong>de</strong>completar 60 anos? Muito, ou um pouco... (menos/mais)... ?P93. O/a sr/a. diria que hoje o/a sr/a. tem menos ou mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer do que tinha antes<strong>de</strong> completar 60a nos? Muito, ou um pouco... (menos/mais)... ?P93. O/a sr/a. diria que hoje o/a sr/a. tem menos ou mais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer do que tinha antes


200Danilo Santos <strong>de</strong> MirandaInquiridos sobre por que não fazem <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>lazer que gostariam, 33% alegaram falta <strong>de</strong> dinheiro e 17%, problemas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Outros fatores foram <strong>de</strong>clarados, como falta <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong>companhia e obrigações familiares, como cuidar <strong>de</strong> parentes. Todavia25% afirmaram que <strong>na</strong>da há que impeça a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s queapreciam:Razões para não fazer o que gostaria no tempo livre(Espontâneo e múltiplo, em %)Base: Amostras A + CFalta <strong>de</strong> dinheiroFalta <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>Falta <strong>de</strong> tempoFalta <strong>de</strong> companhiaTem que cuidar <strong>de</strong> parentes/parentesFilho/a(s)OutrasNada impe<strong>de</strong>NS/NR/recusaP85. E o que lhe impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer isso hoje? (Se, por causa da IDADE): em que a ida<strong>de</strong> lhe atrapalhapara fazer isso que gostaria? (SE NADA): Por que não tem <strong>na</strong>da que o/a sr/a. gostaria <strong>de</strong> fazer?P85. E o que lhe impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer isso hone? (Se, por cauda da IDADE): em que a ida<strong>de</strong> lhe atrapalhapara fazer isso que gostaria? (Se NADA): Por que não tem <strong>na</strong>da que o/a sr/a. gostaria <strong>de</strong> fazer?


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>201Sabemos que, além <strong>de</strong> problemas fi<strong>na</strong>nceiros e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, muitosentraves vividos pelos idosos <strong>de</strong>vem-se a dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma ocupaçãocriativa do tempo livre. Muitos viveram boa parte <strong>de</strong> suas vidas para otrabalho pela subsistência. Destes, uma significativa parcela não teveoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brincar nem mesmo <strong>na</strong> infância, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo precisouassumir obrigações <strong>de</strong>ntro e fora do lar. Não foram, portanto, educadospara o lazer. Tendo em vista a importância <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> parao bem-estar e emancipação do idoso, a educação para seu exercício<strong>de</strong>ve começar mais cedo <strong>na</strong> vida, e não somente <strong>na</strong> velhice. Outra sériaquestão a consi<strong>de</strong>rar relacio<strong>na</strong>-se às barreiras impostas pelos preconceitossociais dirigidos aos velhos, que, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, po<strong>de</strong>m causarconstrangimentos, limitando suas opções quanto ao que fazer e a queprojetos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>senvolver.As ações educacio<strong>na</strong>is que promovemos para a terceira ida<strong>de</strong> seassentam sobre os postulados da chamada educação permanente, a qual<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o direito, a possibilida<strong>de</strong> e a necessida<strong>de</strong> que tem o ser humano<strong>de</strong> se educar ao longo <strong>de</strong> toda a vida. Mais especificamente, os objetivos<strong>de</strong>ssas ações dirigidas aos idosos po<strong>de</strong>m ser resumidos em: socialização,atualização <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, reflexãosobre o processo <strong>de</strong> envelhecimento, estímulo a cuidados preventivos coma saú<strong>de</strong> física e mental, discussão e elaboração <strong>de</strong> novos projetos <strong>de</strong> vidae integração às <strong>de</strong>mais gerações. Esses são os objetivos do SESC São Paulocom o <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos, <strong>de</strong>senvolvido há 46 anos.Além <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estudos e reflexão sobre as peculiarida<strong>de</strong>sda fase em que vivem, o público da terceira ida<strong>de</strong> tem, por meio dasofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um trabalho prático. Usandoa expressão cunhada por Herbert Read, os idosos têm a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma “educação <strong>na</strong>s coisas”, ou seja, uma educação pelos jogos ou pelaarte, que distingue a diversão ativa (uma prática artística ou esportiva, porexemplo) <strong>de</strong> um entretenimento passivo (como assistir TV).Sabemos que o entretenimento, fenômeno típico da cultura <strong>de</strong>massa, é formado por ingredientes <strong>de</strong> uma dieta pobre, que não alimentaninguém e da qual logo esquecemos. A “educação <strong>na</strong>s coisas”, ao contrário,é algo que implica um contato direto com os objetos e não ape<strong>na</strong>s ummanejo com as representações <strong>de</strong>stes, característica constitutiva domo<strong>de</strong>lo intelectualista <strong>de</strong> educação. Para esta tarefa, as artes têm um


202Danilo Santos <strong>de</strong> Mirandapapel fundamental. É preciso viver a arte. Por intermédio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>scomo tocar um instrumento, pintar e dançar, entre outras, adquirimosautoconsciência e mais po<strong>de</strong>r sobre nossa mente e nosso corpo.Aten<strong>de</strong>mos, no SESC, um público diversificado, com programaçõesespecíficas para crianças, adolescentes, adultos jovens e pessoas idosas,além <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que buscam integrar todas essas gerações. A terceiraida<strong>de</strong> constitui um público muito especial para nós. Há mesmo uma forterelação afetiva entre a instituição e os idosos que a frequentam. Não éincomum, aliás, o florescimento da amiza<strong>de</strong> entre nossos educadores eos idosos por eles atendidos, já que, por vezes, convivem por vários anos.Da mesma forma, em ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> música ou <strong>de</strong> teatro, entre tantas outrasativida<strong>de</strong>s, idosos, crianças e adolescentes se integram em um mesmo grupoe reciprocamente “<strong>de</strong>scobrem as outras gerações”, cada uma com suasidiossincrasias. Tal convívio possibilita uma rica troca <strong>de</strong> experiências euma coeducação, tor<strong>na</strong>ndo o idoso sujeito e objeto <strong>de</strong> uma ação pedagógica,recebendo e repassando conhecimento, ensi<strong>na</strong>ndo e apren<strong>de</strong>ndo.Nossos centros sociais estão sempre repletos <strong>de</strong> homens e mulheresjá aposentados e <strong>de</strong>sincumbidos <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> obrigações que compõeo mundo do trabalho e do cuidado com os filhos. Por isso usufruem dasativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer. É bem verda<strong>de</strong> que vários ainda trabalham fora ou emsuas casas, pois prosseguem sendo úteis à socieda<strong>de</strong> e às suas famílias.Mas nem por isso <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> rever seus companheiros e companheiras noSESC, seja no baile, <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s esportivas, <strong>na</strong>s excursões ou em algunsdos cursos oferecidos.Em ações <strong>de</strong> educação não-formal como as que promovemos juntoaos idosos e a todos os outros públicos, é possível transformar trabalho(como produção huma<strong>na</strong>) em diversão. Pois quando exercitamos ahabilida<strong>de</strong> e a imagi<strong>na</strong>ção em qualquer área da cultura, as diferenças entretrabalho e brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>saparecem. O ser humano se tor<strong>na</strong> pleno. E seuestilo <strong>de</strong> vida, uma contínua celebração <strong>de</strong> sua criativida<strong>de</strong>. A propósito,e numa perspectiva semelhante sobre a relação entre trabalho e lazer,Domenico De Masi assim se pronuncia: “O futuro pertence a quem souberlibertar-se da idéia tradicio<strong>na</strong>l do trabalho como obrigação ou <strong>de</strong>ver efor capaz <strong>de</strong> apostar numa mistura <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em que o trabalho seconfundirá com o tempo livre, com o estudo e com o jogo. Enfim, o futuroé <strong>de</strong> quem exercitar o ócio criativo” (De Masi, 2000).


O SESC e a Ocupação do Tempo Livre <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>203Os ganhos psicológicos alcançados pelos idosos quando eles têmacesso ao consumo e à produção <strong>de</strong> bens culturais é notável. A mudança<strong>de</strong> sua autoimagem e <strong>de</strong> sua imagem social é causa e consequência <strong>de</strong> suaparticipação e nos faz pensar sobre a figura do velho não ape<strong>na</strong>s como umreceptor da ação educativa, mas também como seu agente. Neste sentido,os idosos po<strong>de</strong>m colaborar não somente repassando seus conhecimentosespecíficos, como os <strong>de</strong> sua área profissio<strong>na</strong>l, mas <strong>de</strong> modo amplo, <strong>na</strong>condição <strong>de</strong> transmissores da memória cultural. Como beneficiário óbvio<strong>de</strong> ações <strong>de</strong>sta <strong>na</strong>tureza está, é claro, o jovem. Este tem a chance <strong>de</strong>conhecer suas origens e sua inserção histórica a partir do conhecimento<strong>de</strong> suas raízes culturais no seio da família e da comunida<strong>de</strong> em que vive.Pioneiros, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, <strong>na</strong> iniciativa <strong>de</strong> integrar o idoso àvida social em um momento que ainda traz a marca da <strong>de</strong>svalorização<strong>de</strong> nosso passado em nome <strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida acrítico e consumista,acreditamos que nossa ação pedagógica tem exercido importante papelsobre a formação cultural daqueles que nos honram com sua presençaem nossos centros e servido <strong>de</strong> referência a outras instituições públicas eprivadas.Esta breve reflexão expressou o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> compartilhar umaexperiência <strong>de</strong> trabalho que <strong>de</strong>senvolvemos há várias décadas <strong>na</strong> direçãodo SESC São Paulo. Temos muito a apren<strong>de</strong>r, partindo <strong>de</strong> nossas própriasexperimentações e também do que observamos em outras entida<strong>de</strong>sbrasileiras e estrangeiras. Colocamo-nos permanentemente abertos aodiálogo e à conjunção <strong>de</strong> esforços para a implementação <strong>de</strong> políticasculturais que possam efetivamente contribuir para a edificação <strong>de</strong> umBrasil mais justo e solidário.BibliografiaCUNHA, Newton. Dicionário SESC: a linguagem da cultura. São Paulo,Ed. Perspectiva/SESC São Paulo, 2003.DE MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio <strong>de</strong> Janeiro, EditoraSextante, 2000.DUARTE, Sérgio Guerra. Dicionário brasileiro <strong>de</strong> educação. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Edições Antares: Nobel, 1986.


204Danilo Santos <strong>de</strong> MirandaHEAD, Herbert. A re<strong>de</strong>nção do robô. São Paulo, Summus Editorial, 1986INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAISANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Thesaurus Brasileiro da Educação. Estrutura dasrelações hierárquicas. Educação não-formal. 2001a. Disponível em www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/thesaurus.asp?te1=122175&te2=122350&te3=37499. Acesso em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008.LIMA, Licínio C. Jor<strong>na</strong>l A Pági<strong>na</strong>. Ano 11, nº 115. Portugal,setembro <strong>de</strong> 2002.NERI, A. L. (org.) Idosos no Brasil: vivências, <strong>de</strong>safios e expectativas <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Perseu Abramo, Edições SESC-SP, 2007.SESC SP. A educação como cultura. São Paulo: SESC, 2008.


Aposentadoria:Ponto <strong>de</strong> Mutação205Dulcinea da Mata R. MonteiroGraduada em Filosofia, Educação e Psicologia. Mestre em Educação,com especialização em Psicopedagogia, Psicossomática e Gerontologia.Supervisora clínica do Instituto Junguiano do Rio <strong>de</strong> Janeiro e membro daInter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Association for A<strong>na</strong>lytical Psychology (IAAP). Gerontólogapela Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Geriatria e Gerontologia (SBGG) e professoraem cursos <strong>de</strong> Especialização em Psicologia Junguia<strong>na</strong> e Geriatria eGerontologia. Atua <strong>na</strong> área <strong>de</strong> Preparação para Aposentadoria <strong>de</strong>empresas.Mudança <strong>de</strong> paradigma“O velho é <strong>de</strong>scartado e o novo é introduzido. Ambas as medidas seharmonizam com o tempo, não resultando daí nenhum dano.” (I Ching)Em “O Ponto <strong>de</strong> Mutação”, Capra (1995) propõe uma mudança <strong>de</strong>paradigma da visão cartesia<strong>na</strong> para a sistêmica. A passagem do tempo erapercebida <strong>de</strong> forma linear e rígida, envolvendo a vida em ciclos fechadose <strong>de</strong>finidos. Assim, o envelhecer e, consequentemente, a aposentadoria seconstelavam <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> cada pessoa <strong>de</strong> forma unidirecio<strong>na</strong>l, mecânica e<strong>de</strong>svitalizada, trazendo em seu bojo algumas características, como: fim <strong>de</strong>linha, retirada para os aposentos da casa, mundo <strong>de</strong> menos valia, baixada auto-estima, <strong>na</strong>da a fazer a não ser esperar a morte chegar, comocantou Raul Seixas. Os atuais mitos e preconceitos sobre aposentadoriae envelhecimento foram plasmados no paradigma cartesiano. Entre osprincipais mitos e preconceitos que encontramos, ser velho e aposentadoexpressa: ser inútil, ser <strong>de</strong> pijama, prevalência do trabalho - i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>profissio<strong>na</strong>l, ter sido/ultrapassado, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do pela entropia, apatia, <strong>na</strong>da


206 Dulcinea da Mata R. Monteiroa acontecer, ancorado no passado etc.O paradigma sistêmico, com sua concepção multidimensio<strong>na</strong>l,viva e inter-relacio<strong>na</strong>da, nos insere num campo <strong>de</strong> vivências em que amudança, a evolução e o <strong>de</strong>senvolvimento permeiam toda a vida. Saímosdo mundo <strong>de</strong> predição e certezas para entramos no mundo <strong>de</strong> probabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> ocorrências. Não existem proprieda<strong>de</strong>s intrínsecas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntesdo meio ambiente. Tudo está em interação contínua, vivemos <strong>na</strong> teiaou dança cósmica. Assim, vida é consciência e consciência é vida. Esteparadigma possibilita ressignificações: ser ativo, ser <strong>de</strong> projetos, prevalênciada pessoa.Para Egard Morin (1997) “as idéias nos manipulam mais do que nósas manipulamos. A serviço da idéia, as palavras adquirem po<strong>de</strong>r - po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vida e morte”. Ao renovar nossa intenção <strong>de</strong> viver uma vida ativa e comobjetivos claros, po<strong>de</strong>mos melhorar drasticamente nossas capacida<strong>de</strong>s ereações mentais e físicas (Chopra, s/d); Nossas percepções e crenças criam,controlam e alteram o corpo, tanto quanto o campo <strong>de</strong> ação e as atitu<strong>de</strong>sdiante do viver. Entre os percalços da vida estão aposentar-se, envelhecere morrer. Mas será que são percalços ou fazem parte do inevitável “éassim que é”? Nossa liberda<strong>de</strong> está <strong>na</strong> escolha. Atualmente, segundo dadosdo IBGE, temos 19 milhões <strong>de</strong> pessoas (em torno <strong>de</strong> 10% da populaçãobrasileira) acima <strong>de</strong> 60 anos. Consi<strong>de</strong>rando que esta população está empleno vigor, mudanças significativas se impõem. Muitos aposentadossão profissio<strong>na</strong>is altamente qualificados, com uma bagagem profissio<strong>na</strong>lextraordinária, tendo muito para compartilhar, caso optem por permaneceralicerçados no mercado <strong>de</strong> trabalho.Aposentar e envelhecer não são aci<strong>de</strong>ntes <strong>na</strong> vida. Fazem parteda estrutura da vida, no sentido <strong>de</strong> dar “acabamento à pessoa”, segundoHillman (2001). Assim, precisamos aceitar a inteligência da <strong>na</strong>turezaarticulada ao processo <strong>de</strong> envelhecer. Jung <strong>de</strong>nominou o processo <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento da perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, processo <strong>de</strong> individuação, <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>ro que se é, ser único e origi<strong>na</strong>l. Lembremo-nos <strong>de</strong> nossa impressão digital:não há repetição; somos quase seis bilhões <strong>de</strong> pessoas no planeta Terra,mas ela não se repete. Um milagre, não?As últimas fases da vida po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem fazer o burilamento daperso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Shakespeare disse: “Tu não <strong>de</strong>vias ter ficado velho antes<strong>de</strong> ter se tor<strong>na</strong>do sábio”. Portanto cabe-nos ver a aposentadoria como um


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação207ponto <strong>de</strong> mutação, que é inerente ao processo <strong>de</strong> individuação. Po<strong>de</strong> ser,ou melhor, <strong>de</strong>veria ser a época <strong>de</strong> “dar acabamento” à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal,muitas vezes negligenciada pelos valores da socieda<strong>de</strong> materialista econsumista que privilegia o <strong>de</strong>senvolvimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l.Com sabedoria, Jung (OC. Vol. XVI) diz que sem necessida<strong>de</strong> édifícil mudar, principalmente a perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>, que é imensamenteconservadora. Só a necessida<strong>de</strong> mais premente consegue ativá-la. Elaprecisa ser motivada pela coação <strong>de</strong> acontecimentos internos e externos.A aposentadoria, sendo parte inerente à realida<strong>de</strong> da vida profissio<strong>na</strong>l elaboral, apresenta-se como uma necessida<strong>de</strong>, portanto implica o confrontoe o conhecimento <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>. Neste sentido, os programas <strong>de</strong>preparação para a aposentadoria tor<strong>na</strong>m-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valida<strong>de</strong> para ajudara visualizar e planejar esse processo <strong>de</strong> transição. Requerem o conhecimentoda realida<strong>de</strong> inter<strong>na</strong> (valores e dons) – o que eu quero/necessito paraminha vida daqui pra frente? – tanto quanto da realida<strong>de</strong> exter<strong>na</strong> – o quefavorece ou ameaça meus <strong>de</strong>sejos e planos? Este conhecimento gerará,consequentemente, um reposicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> vida em relação à saída ounão do mercado <strong>de</strong> trabalho.Consi<strong>de</strong>rando a aposentadoria como um ponto <strong>de</strong> mutação ereposicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> vida, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da escolha feita, ela precisaestar articulada aos dois princípios fundamentais propostos por Freud: oprincípio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> e o princípio do prazer.O principio <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> nos incita a confrontar essa fase da vida<strong>na</strong> meia-ida<strong>de</strong>, a bagagem adquirida, os dons e valores, as necessida<strong>de</strong>se possibilida<strong>de</strong>s pessoais. O princípio do prazer nos incita a privilegiar asatisfação pessoal com a vida, a parar <strong>de</strong> pensar tanto nos outros, a secolocar em primeiro lugar, a abrir espaço para os hobbies e o lazer, a tero direito ao ócio. Sêneca (1993) alerta sobre o perigo <strong>de</strong> não se dig<strong>na</strong>r aconsi<strong>de</strong>rar a si mesmo.Enfim, importa ter consciência da beleza <strong>de</strong> máximas lati<strong>na</strong>s: carpediem e memento mori. A consciência da passagem do tempo po<strong>de</strong> nosimpulsio<strong>na</strong>r <strong>na</strong> obsti<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> não mais fazer adiamentos e, <strong>de</strong> fato, aproveitaro momento presente para a realização dos sonhos e <strong>de</strong>sejos. Importa o mementovivere: ”Quem sabe que o tempo está fugindo <strong>de</strong>scobre, subitamente, a belezaúnica do momento que nunca mais será”, alerta Rubem Alves.


208Dulcinea da Mata R. MonteiroAposentadoria: metanóia e reposicio<strong>na</strong>mento.Tempo e valores nos ciclos da vida“Para tudo há um tempo; para cada coisa há um momento <strong>de</strong>baixodos céus. Tempo para <strong>na</strong>scer e tempo para morrer. Tempo para <strong>de</strong>molir etempo para construir. Tempo para chorar e tempo para rir. Tempo paraguardar e tempo para jogar fora.” (Ecl. 3).Esta sabedoria mile<strong>na</strong>r nos insere <strong>na</strong> mais fundamental verda<strong>de</strong> daexistência: somos seres <strong>de</strong> passagem. Estamos inseridos <strong>na</strong> roda da vida,que não para, está sempre girando. Interessante é a história <strong>de</strong> Oki<strong>na</strong>wa, aregião do Japão com maior índice <strong>de</strong> longevida<strong>de</strong>. Eles têm uma dança típicachamada kachashi, que significa mesclar. Todos os participantes formamum círculo e começam a dançar <strong>de</strong> forma improvisada, e mais dançarinosvão entrando <strong>na</strong> roda, e nela todas as diferenças <strong>de</strong>saparecem. Paraentrar <strong>na</strong> roda da vida basta querer. Não tem or<strong>de</strong>m, data preestabelecida,só <strong>de</strong>sejo e fortaleza. <strong>Vida</strong> é ativida<strong>de</strong>, seja ela física, mental, afetiva,imagi<strong>na</strong>tiva, solidária; seja trabalho, empreen<strong>de</strong>dorismo, vida artística oudoce <strong>de</strong>leite. Estar <strong>na</strong> roda é o que importa. Eles privilegiam a percepçãodas possibilida<strong>de</strong>s que se apresentam no momento presente, no agora,e entram <strong>na</strong> roda. Não importa a ida<strong>de</strong>, o que importa é usufruir dotempo que temos - o presente. Tempo <strong>de</strong> reposicio<strong>na</strong>r, escolher, ousar,“enloucrescer”, ressignificar, sentir-se <strong>de</strong> bem com a vida. Aldous Huxleyafirma que ”experiência não é o que acontece com você, mas o que vocêfaz com o que lhe acontece”. Com tantas experiências adquiridas ao longodos anos, po<strong>de</strong>remos saber, <strong>de</strong> fato, on<strong>de</strong> alimentar nossa alma e encontrarnossa satisfação.Hillman (2001) conclama que o estudo da passagem do tempo<strong>de</strong>ve sair da influência do arquétipo do jovem e incorporar o arquétipo dovelho. O que nutre a velhice? Companheirismo, <strong>na</strong>tureza, artes, silêncio,simplicida<strong>de</strong>, ampliar a compreensão da “vida como ela é”, e não como elaera ou <strong>de</strong>veria ser. Assim, a compreensão <strong>de</strong>sta fase vital implica perceberque ela traz, inevitavelmente, perdas, mas Nietzsche nos conclama a “cadavez mais, apren<strong>de</strong>r a ver a necessida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s coisas como a beleza em si:assim serei um daqueles que embelezam as coisas. Amor fati: que isso seja,doravante, o meu amor”.


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação209Este conceito nietzscheano do amor fati talvez sintetize o quechamamos <strong>de</strong> sabedoria – a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitar as coisas que nosacontecem e que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> nós. Nossa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha está <strong>na</strong>compreensão do fato e no enfrentamento do <strong>de</strong>safio. Diante do inevitável,cabe-nos mobilizar a resiliência ou a fortaleza – capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentaradversida<strong>de</strong>s ou percalços da realida<strong>de</strong>. Diz a canção popular: “levanta,saco<strong>de</strong> a poeira e dá a volta por cima”. Diz Jung (1975): precisamos forjarum eu que suporte a verda<strong>de</strong> – é assim que é, não como era ou comogostaríamos que fosse. O que fazer?Da fase heróica para a fase da sabedoriaOs ciclos vitais foram <strong>de</strong>scritos por Jung (OC, vol. 8/1) em duasfases: a primeira meta<strong>de</strong>, ou diástole, que perdura até a meia ida<strong>de</strong>, é a faseda vida heróica; a segunda meta<strong>de</strong>, ou sístole, que perdura até o fi<strong>na</strong>l davida, é a fase da sabedoria. Ambas mobilizam diferentes manifestações eintensida<strong>de</strong>s da energia psíquica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as buscas <strong>de</strong> sobrevivência, sexual,<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, conhecimento e espiritual.A fase heróica geralmente está focada <strong>na</strong> realização da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>profissio<strong>na</strong>l. Quer a expansão no mundo externo, a luta pela sobrevivência,empunhar o arco ou a espada, ter ganhos e sucesso. Fase <strong>de</strong> acelerar. Fase<strong>de</strong> auto-afirmação, agressivida<strong>de</strong> e competição. Prevalece ser produtivo,ganhar tempo, “tempo é dinheiro”, “império do ter”.De fato, o dinheiro tem gran<strong>de</strong> valor, pois permite comprar quasetudo. Po<strong>de</strong> comprar os bens materiais <strong>de</strong>sejados – casa, jóias, planos <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, fama e sucesso, sexo e prazer –, mas não po<strong>de</strong> comprar harmoniafamiliar, sabedoria, saú<strong>de</strong>, paz, respeito e amor, valores que se fazem maisfundamentais <strong>na</strong> segunda meta<strong>de</strong> da vida.A fase da sabedoria, que po<strong>de</strong> ou não se iniciar com a meiaida<strong>de</strong>,permite um redimensio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> valores, um reposicio<strong>na</strong>mento<strong>de</strong> vida, que Jung <strong>de</strong>nominou metanóia, uma expansão <strong>de</strong> consciência eressignificação <strong>de</strong> vida, como exploramos em “Metanóia e Meia-Ida<strong>de</strong>”(Monteiro, 2008). O foco <strong>de</strong>sloca-se para a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal. Nesteponto <strong>de</strong> mutação, po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado atitu<strong>de</strong>s, convicções, pessoas,carreira etc., que não fazem mais parte <strong>de</strong> nossa verda<strong>de</strong> existencial. Fase<strong>de</strong> <strong>de</strong>sacelerar e curtir a travessia. Lenine canta e encanta ao dizer que a


210Dulcinea da Mata R. Monteirovida pe<strong>de</strong> um pouco mais <strong>de</strong> calma e o corpo pe<strong>de</strong> um pouco mais <strong>de</strong> alma.Fase <strong>de</strong> pendurar o arco e acen<strong>de</strong>r lanter<strong>na</strong>s, fase <strong>de</strong> mais autenticida<strong>de</strong>,autorrealização, solidarieda<strong>de</strong>, cooperação e busca do sentido para avida.“Ninguém po<strong>de</strong> fazer história se não quiser arriscar a própria pele,levando até o fim a experiência da própria vida e <strong>de</strong>ixando bem claro quea vida não é uma continuação do passado, mas sempre um novo começo.Continuar é uma tarefa que até os animais são capazes <strong>de</strong> fazer, mascomeçar a inovar é a única prerrogativa do homem que o coloca acima dosanimais”, ensi<strong>na</strong> Jung (1975). Aposentadoria e meia-ida<strong>de</strong>, queiramos ounão, requerem um reposicio<strong>na</strong>mento, uma metanóia.Compartilho este e-mail recebido <strong>de</strong> uma participante <strong>de</strong> um dosprogramas <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria, por mim ministrado, emagra<strong>de</strong>cimento pelas reflexões suscitadas. Retrata, numa imagem singela einfantil, o que é metanóia.Tempo mágicoContei meus anos e <strong>de</strong>scobri que terei menos tempo paraviver daqui pra frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquelameni<strong>na</strong> que ganhou uma bacia <strong>de</strong> jabuticabas. As primeiras ela chupoudisplicentemente, mas, percebendo que faltavam poucas, roeu o caroço.Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei<strong>de</strong> conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria domundo. Não quero que me convi<strong>de</strong>m para eventos <strong>de</strong> um fim <strong>de</strong> sema<strong>na</strong>com a proposta <strong>de</strong> abalar o milênio. Já não tenho tempo para reuniõesintermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentosinternos. Já não tenho tempo para administrar melindres <strong>de</strong> pessoas que,apesar da ida<strong>de</strong> cronológica, são imaturas. Não quero ver ponteiros dorelógio avançando em reuniões <strong>de</strong> “confrontação” on<strong>de</strong> “tiramos fatos alimpo”. Detesto fazer acareação <strong>de</strong> <strong>de</strong>safetos que brigam pelo majestosocargo <strong>de</strong> secretário geral do coral. Meu tempo tornou-se escasso para<strong>de</strong>bater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.Sem muitas jabuticabas <strong>na</strong> bacia, quero viver ao lado <strong>de</strong> gentehuma<strong>na</strong>, que sabe rir <strong>de</strong> seus tropeços, não se encanta com triunfos, nãose consi<strong>de</strong>ra eleita antes da hora, não foge <strong>de</strong> sua mortalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação211a dignida<strong>de</strong> dos margi<strong>na</strong>lizados e <strong>de</strong>seja tão-somente andar ao lado <strong>de</strong>Deus. Caminhar perto <strong>de</strong> coisas e pessoas <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong>sse amorabsolutamente sem frau<strong>de</strong>s nunca será perda <strong>de</strong> tempo. O essencial faz avida valer a pe<strong>na</strong>.Existe um momento certo <strong>de</strong> parar?“A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persistir em seu próprio ser.” (Spinoza)Ativida<strong>de</strong> é a expressão básica da vida. O si<strong>na</strong>lizador da mortetem sido sempre o parar. Antigamente, a pessoa morria quando parava<strong>de</strong> respirar – dava o último suspiro – ou quando o coração parava <strong>de</strong>bater. Atualmente, confirma-se a morte quando se constata a parada dofuncio<strong>na</strong>mento cerebral. Portanto parar é sinônimo <strong>de</strong> morrer. Mas fazerparadas estratégicas, <strong>de</strong>sacelerar, reposicio<strong>na</strong>r-se e ressignificar-se é vitalem todos os ciclos da vida.O termo aposentadoria significou origi<strong>na</strong>lmente retirar-se paraos aposentos da casa após anos <strong>de</strong> trabalho, <strong>na</strong>quela fase em que, aose aposentar, a velhice e a morte já estavam batendo <strong>na</strong> porta, pois alongevida<strong>de</strong> era bem menor. Portanto significava retirar-se para osaposentos. Mas atualmente nos perguntamos: para quais aposentos? Dacasa? De si mesmo?Retirar-se para os aposentos da casa significava parar, retirar-separa o mundo <strong>de</strong> menos valia, <strong>na</strong>da a fazer, com todos os preconceitoscitados acima e articulados ao paradigma cartesiano. Cabe à nossa geraçãofazer a revolução das idéias e entrar <strong>na</strong> concepção do paradigma sistêmico.Se teremos pela frente 20 a 30 anos <strong>de</strong> vida, então que a tenhamos emabundância! Deixando claro que o trabalho é e será sempre uma fonte <strong>de</strong>energia. Quando se faz expressão <strong>de</strong> valores e dons pessoais, é uma bemaventurança.Aposentadoria po<strong>de</strong> ter muitos significados. Po<strong>de</strong> ser tempo <strong>de</strong>retirada parcial ou total do mercado <strong>de</strong> trabalho. Tempo <strong>de</strong> se livrar darigi<strong>de</strong>z dos horários, pontos ou não, pois muitos gostam da adre<strong>na</strong>li<strong>na</strong>e não irão mudar o estilo <strong>de</strong> vida (são os workaholics). Tempo <strong>de</strong> usara adre<strong>na</strong>li<strong>na</strong> para abrir o próprio negócio; momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacelerar eescolher novos espaços <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> seguir <strong>na</strong> mesma ativida<strong>de</strong>.


212Dulcinea da Mata R. MonteiroTempo <strong>de</strong> resgatar sonhos adormecidos. Tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir formas <strong>de</strong>compartilhar a bagagem <strong>de</strong> vida e conhecimento adquirida ao longo <strong>de</strong> 30anos (feliz a empresa que faz o processo <strong>de</strong> mentoring – transferência <strong>de</strong>aprendizado. Inversamente ao que se pensa, acaba lucrando mais, apesardos salários mais altos). Tempo <strong>de</strong> ser solidário, <strong>de</strong> entrar em sintoniacom os problemas sociais. Tempo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um potencial artísticoadormecido. Tempo <strong>de</strong> curtir hobbies como espaço <strong>de</strong> realização e nãomais como um tempinho roubado do trabalho. Tempo <strong>de</strong> resgatar a<strong>de</strong>dicação a amores que não tiveram chance <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar, <strong>de</strong> viver commais tranquilida<strong>de</strong> e não se preocupar tanto. Tempo <strong>de</strong> ativar a dimensãointelectual através <strong>de</strong> viagens, conhecer lugares sonhados. Tempo <strong>de</strong> fazeruma volta para si mesmo: me <strong>de</strong>diquei muito aos outros, agora é a minhavez, quero meu espaço em casa, quero ir e vir, quero não querer fazer <strong>na</strong>daagora – laissez faire. Aposentadoria po<strong>de</strong>, enfim, ser a oportunida<strong>de</strong> parauma ressignificação da vida e um investimento mais radical em si mesmo.Consequentemente, vemos que parar, nunca.O escritor, médico e consultor Roberto Shinyashiki contou que,quando recém-formado, trabalhava numa enfermaria <strong>de</strong> doentes fora <strong>de</strong>recursos terapêuticos e escutou um homem dizer: “Doutor, não me <strong>de</strong>ixemorrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e serfeliz.” Diz ter sentido uma dor enorme por não fazer <strong>na</strong>da, e ali apren<strong>de</strong>uque a felicida<strong>de</strong> é feita <strong>de</strong> coisas peque<strong>na</strong>s. Ninguém, <strong>na</strong> hora da morte, dizse arrepen<strong>de</strong>r por não ter aplicado em imóveis ou ações, por não compradoisto ou aquilo. Mas sim <strong>de</strong> ter esperado muito tempo ou perdido váriasoportunida<strong>de</strong>s para aproveitar a vida”. Portanto a aposentadoria po<strong>de</strong> sereste tempo mágico. A escolha está <strong>na</strong>s mãos <strong>de</strong> cada um: ser empreen<strong>de</strong>dor<strong>de</strong> si mesmo e para si mesmo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seguir articulado aomercado <strong>de</strong> trabalho, ou sair <strong>de</strong>le.Anos atrás, participei <strong>de</strong> uma palestra dada por L. Wal<strong>de</strong>z.Falava sobre a realida<strong>de</strong> do empreen<strong>de</strong>dorismo, mas o foco estava <strong>na</strong>vida profissio<strong>na</strong>l. Contudo seus conceitos se aplicam aos tempos daaposentadoria e à vida ativa, que é como a vida <strong>de</strong>ve ser, porém respeitandoo ritmo e os valores <strong>de</strong> cada um. <strong>Vida</strong> só é vida se for ativa. Parar émorrer! O programa <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria tem ajudado aatualizar estas perspectivas aos seus participantes, como tenho confirmadoem minha experiência. A seguir, os conceitos <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>dorismo porele propostos. Eu os traduzo para os tempos da aposentadoria com foco


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação213<strong>na</strong> vida pessoal.Agente <strong>de</strong> mudançasAposentar e envelhecer exigem mudanças básicas em nossoshábitos e dinâmicas <strong>de</strong> vida. Temos <strong>de</strong> ser ativos nesta <strong>de</strong>manda ao trilharnovos caminhos, a<strong>na</strong>lisar a realida<strong>de</strong> que se nos apresenta e fazer escolhascriativas. Permanecer no mercado <strong>de</strong> trabalho ou sair <strong>de</strong>le? Ter novaprofissão ou prosseguir <strong>na</strong> mesma?Gerente <strong>de</strong> transiçãoAposentar-se é viver um processo <strong>de</strong> transição. Como ponto <strong>de</strong>mutação, <strong>de</strong>ve ser bem gerenciado, pois implica <strong>de</strong>ixar, muitas vezes, umavida cheia <strong>de</strong> roti<strong>na</strong>s e horários fixos, em que nem paramos pra pensar,somos levados. De repente está tudo <strong>na</strong>s nossas mãos. E agora, o que fazer?Como nos ocupar? Como gerenciar esse novo tempo? Como transformarsonhos e <strong>de</strong>sejos em planos realizáveis?Diretor <strong>de</strong> imagi<strong>na</strong>çãoDesenvolver a criativida<strong>de</strong> no resgate do que fazer, como se ocupar,como se sentir útil ou como seguir ganhando dinheiro para complementaros rendimentos, como acontece para a maioria da população brasileira,implica ser um diretor <strong>de</strong> imagi<strong>na</strong>ção. Criativida<strong>de</strong> implica viver <strong>de</strong>safios.Desafiar os padrões, as normas, a rigi<strong>de</strong>z do certo e errado, a tradição, aautorida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> engolir sapo e <strong>de</strong> silenciar as emoções e os medos.Re<strong>de</strong>scobrir a criança inter<strong>na</strong>, que talvez tenha sido soterrada por tantasobrigações. Ela nos traz a espontaneida<strong>de</strong>, a alegria <strong>de</strong> viver em coisassimples e até bobas do cotidiano: a curiosida<strong>de</strong> (Monteiro, 2008).Pessoa <strong>de</strong> aprendizagemHipocrátes disse que curta é a vida e longa a ciência. Sempreestamos em aprendizagem, e muitas vezes, quando apren<strong>de</strong>mos as respostas,as perguntas mudam. Foi nesta perspectiva que Sócrates pô<strong>de</strong> dizer aofi<strong>na</strong>l da vida o famoso “só sei que <strong>na</strong>da sei”. Poeticamente, Almir Sater


214Dulcinea da Mata R. Monteiroe Re<strong>na</strong>to Teixeira também falam: “Ando <strong>de</strong>vagar porque já tive pressa/Elevo esse sorriso porque já chorei <strong>de</strong>mais/Hoje me sinto mais forte, maisfeliz, quem sabe/Eu só levo a certeza <strong>de</strong> que muito pouco eu sei/Nadasei”. Conhecimento é a via régia para o po<strong>de</strong>r pessoal. Ser fiel a si mesmoimplica ser eterno aprendiz do seu <strong>de</strong>sejo.Consultor <strong>de</strong> performanceSendo eternos aprendizes, estamos articulados ao nosso<strong>de</strong>sempenho, querendo melhorar e ousar, mas isto feito com a sabedoriada ida<strong>de</strong>, com humor e vendo os erros como fator <strong>de</strong> crescimento. “Mas osriscos <strong>de</strong>vem ser corridos; Porque o maior perigo é não arriscar <strong>na</strong>da. Hápessoas que não correm nenhum risco, não fazem <strong>na</strong>da, não obtêm <strong>na</strong>dae não são <strong>na</strong>da. Elas po<strong>de</strong>m até evitar sofrimentos e <strong>de</strong>silusões, mas nãoconseguem <strong>na</strong>da, não sentem <strong>na</strong>da, não mudam”, conclui Sêneca (1993).Como po<strong>de</strong>mos nos sentir melhores no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ser e viver nossodia a dia?Diretor <strong>de</strong> capitalAdministrar os recursos materiais, os bens adquiridos ao longodos anos <strong>de</strong> maior ativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l e fazê-los prosperar é condição<strong>de</strong> sobrevivência. Mas o diretor <strong>de</strong> capital também precisa articular adireção dos recursos psíquicos ou espirituais, pois esta é a última chance<strong>de</strong> fomentá-los. Se nesta fase da vida não dirigirmos nossos recursos edons psíquicos, eles correm o risco <strong>de</strong> permanecer um capital inexplorado.Que pe<strong>na</strong>!Gerente <strong>de</strong> relaçõesMuitas vezes, a aposentadoria implica uma difícil volta paracasa. As dinâmicas relacio<strong>na</strong>is se complicam, as <strong>de</strong>sarmonias se tor<strong>na</strong>mmanifestas com parceiro e/ou filhos. Faz-se fundamental gerenciar asrelações, mudar direções, dar limites, abrir o próprio espaço, resgatar aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar mais amor e atenção – o que não acontece durante acorrida exigida pela vida laboral. Também não po<strong>de</strong>mos esquecer que asaída do emprego po<strong>de</strong> gerar um afastamento do contato com os amigos.


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação215Ser gerente <strong>de</strong> relações com a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> amigos, para manter os antigos ecriar novos laços, tem sido <strong>de</strong> fundamental importância <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida no pós-aposentadoria.Aposentar-se e envelhecer exigem postura cada vez maisempreen<strong>de</strong>dora. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persistir <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> si mesmo, da própriarealização e satisfação com a vida. Viver é estar aberto para ampliar aconsciência do que somos e queremos ser, mudar nosso modo <strong>de</strong> ver, <strong>de</strong>amar e ser amado, <strong>de</strong> se respeitar e <strong>de</strong> se disponibilizar para os outros.“Viver e não ter a vergonha <strong>de</strong> ser feliz”. Sábio Gonzaguinha!Os 3 R: redirecio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> carreira, recolocaçãoe retirada do mercado. Casos práticos <strong>de</strong> reposicio<strong>na</strong>mentoA aposentadoria, inevitavelmente, apresenta questões que trazema necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um reposicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> vida. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementeda direção escolhida, é vital que o eixo seja o da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal.Vislumbramos duas direções e três posições:- I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal alicerçada no mercado: redirecio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong>carreira, recolocação no mercado.- I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal fora do mercado: retirada do mercado.Portanto teremos diferentes versões para a aposentadoria. Aliás,sempre um processo multidimensio<strong>na</strong>l e singular, tal como é a vida –não temos regras e verda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finitivas, certo e errado (agra<strong>de</strong>ço a MariaTeresa O. S. Campos, pela ajuda <strong>na</strong> elaboração <strong>de</strong>stas três possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> reposicio<strong>na</strong>mento).Os casos apresentados a seguir foram obtidos, principalmente, <strong>de</strong>participantes dos programas <strong>de</strong> preparação para aposentadoria nos quaisministro alguns módulos.Redirecio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> carreira é uma mudança <strong>de</strong> direção <strong>na</strong>produtivida<strong>de</strong>. Busca-se uma nova profissão, um novo espaço <strong>de</strong> trabalho,mobilizando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas competências e novos campos<strong>de</strong> saber. Esta nova profissão po<strong>de</strong> estar resgatando <strong>de</strong>sejos e dons queficaram abafados por diferentes motivos pessoais, mas que agora po<strong>de</strong>mser vividos com o sabor da maturida<strong>de</strong>. Por exemplo, mudar <strong>de</strong> executivopara professor, <strong>de</strong> empresário para escritor, <strong>de</strong> médico para pintor, <strong>de</strong>


216Dulcinea da Mata R. Monteiroadministrador para produtor rural, <strong>de</strong> secretária para cantora.Caso 1: LB, advogado <strong>de</strong> banco estatal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte“Estou planejando essa aposentadoria do banco há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanos. Procurei focar minha futura vida profissio<strong>na</strong>l em uma ativida<strong>de</strong> queme fosse prazerosa. No meu caso, o magistério. Fiz mestrado em DireitoEconômico e doutorado em Engenharia <strong>de</strong> Produção. Titulei-me para mecandidatar a uma colocação em uma universida<strong>de</strong> e passei a publicarartigos técnicos, apresentar-me em congressos. Aceitei um convite para daraulas <strong>na</strong> graduação, para ir apren<strong>de</strong>ndo sobre o novo ambiente. A saídado banco já não representa um fim, mas uma mudança <strong>de</strong> lugar em queposso exercer minha criativida<strong>de</strong> e encontrar realização. Acho que, graçasaos ritos <strong>de</strong> passagem (cursos dados e recebidos), quando receber meucrachá <strong>de</strong> aposentado, já estarei acostumado com minha nova situação.Dar trei<strong>na</strong>mento para os novos empregados do banco foi uma forma muitogratificante <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedir-me. Senti-me útil e feliz em algo que foi bom paratodas as partes envolvidas. Como ficará meu trabalho <strong>de</strong> professor, tãoansiado? Como privilegiar meus horários nesses novos tempos? “Acho”tantas coisas... há todo um mundo novo <strong>de</strong> escolhas esperando por mim, eestou <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> vivê-lo.”Caso 2: AMT, matemático <strong>de</strong> empresa estatal“Após trabalhar por mais <strong>de</strong> 30 anos <strong>na</strong> empresa, senti que tinhaoutras ambições profissio<strong>na</strong>is mais ligadas à área social. Frequentei novoscursos, fiz MBA em Responsabilida<strong>de</strong> Social e atualmente trabalho comogerente <strong>de</strong> projetos <strong>na</strong> área social <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> empresa. Sinto-merealizado nesta nova ativida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvo espírito <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>e humanismo.”Recolocação profissio<strong>na</strong>lPessoas que amam o que fazem se realizam ple<strong>na</strong>mente em suaativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l, chegam a dizer que não saberiam fazer outra coisa<strong>na</strong> vida e normalmente vislumbram a direção <strong>de</strong> se recolocarem <strong>na</strong> mesmaárea <strong>de</strong> atuação, porém buscando modos peculiares <strong>de</strong> atuação. Po<strong>de</strong>mescolher a carga horária, ter mais liberda<strong>de</strong>... Seguem no contexto daprodutivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senvolvem competências adicio<strong>na</strong>is, a<strong>de</strong>quando melhorsuas necessida<strong>de</strong>s.


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação217Caso 3: HM, geólogo, trabalhou em empresas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e estrangeiras“Sempre fui apaixo<strong>na</strong>do por exploração e pesquisa mineral, viajeipor este Brasil <strong>de</strong> norte a sul em busca <strong>de</strong> metais básicos e preciosos. Ocupeicargos <strong>de</strong> gerenciamento por muitos anos <strong>na</strong>s empresas em que trabalhei.Ao aposentar-me, constituí uma firma <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços, iniciandotrabalhos <strong>de</strong> consultoria para empresas <strong>de</strong> mineração. Continuei atuandono mesmo setor em que sempre trabalhei, só que agora como consultor,validando um saber adquirido ao longo da minha vida profissio<strong>na</strong>l. Retirarmeda vida ativa? Não sei quando.”Caso 4: AB, engenheiro <strong>de</strong> empresa <strong>de</strong> petróleoUm caso especial, pois, após retirar-se do mercado <strong>de</strong> trabalho,volta a se recolocar <strong>na</strong> mesma empresa.“Depois <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 30 anos <strong>de</strong> profissão, aposentei-me aos 55.<strong>Vida</strong> nova, ginástica, caminhadas, praia, <strong>na</strong>tação, ativida<strong>de</strong>s para mantera <strong>de</strong>streza mental, como xadrez, ioga, cinema, sinuca, música e muitaleitura <strong>de</strong> temas variados. Escrevi um livro sobre cinema, meti-me comtodos os tipos <strong>de</strong> musica, frequentava teatros, museus. Ao mesmo tempo,cuidava dos netos e ia ao supermercado. Chamado <strong>de</strong> volta ao trabalhoem 2006, aos 62 anos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> breve hesitação inicial, encarei <strong>de</strong> novo obatente. Após curta reciclagem, <strong>de</strong>ram-me cursos, recebi funções à altura<strong>de</strong> minha experiência, viajei a serviço, fui prestigiado e estou tão felizcomo nos tempos <strong>de</strong> aposentado, pois <strong>na</strong>da me foi tirado. Sigo fazendotudo aquilo que fazia antes. O convívio familiar continua ótimo, os netosestão crescendo e continuo curtindo os amigos”.Retirada do mercadoAlgumas pessoas trabalharam no que gostavam por 30 anos oumais, mas, cansadas <strong>de</strong>ssa roti<strong>na</strong>, querem agora alçar, principalmente,o vôo da liberda<strong>de</strong> – <strong>na</strong>da <strong>de</strong> obrigações! Outras pessoas talvez nãotenham trabalhado no que gostavam, fizeram concursos visando maisà remuneração e à segurança do que à satisfação. A vida profissio<strong>na</strong>lpo<strong>de</strong> ter sido um fardo, <strong>de</strong>svinculado dos <strong>de</strong>sejos e dons pessoais. Emboracom realida<strong>de</strong>s e motivos diferentes, essas pessoas optam pela retirada domercado <strong>de</strong> trabalho. Não retiram-se para os aposentos da casa, mas paraos aposentos da alma, <strong>de</strong> si mesmas, como tenho enfatizado ao ministrarmódulos do PPA. A aposentadoria po<strong>de</strong> ser uma libertação para ir em


218Dulcinea da Mata R. Monteirobusca <strong>de</strong> outras dimensões, <strong>de</strong> realizar sonhos, <strong>de</strong>senvolver dons. Só que,agora, fora do mercado <strong>de</strong> trabalho.Caso 5: LFBG, economista <strong>de</strong> um banco estatal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte“Minha saída do mercado <strong>de</strong> trabalho aconteceu aos 58 anos, em 15<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008. Foi um processo planejado, porém muito difícil. Eu estava<strong>de</strong>ixando o banco on<strong>de</strong> passei quase toda a vida profissio<strong>na</strong>l. No entantotive convicção <strong>de</strong> que estava concluindo um importante ciclo da minha vida.O começo fora do mercado <strong>de</strong> trabalho foi muito difícil, principalmente a“volta para casa”. Percebi também que, a partir da aposentadoria, estavacomeçando um novo ciclo <strong>de</strong> vida, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> novas vivências, sem a preocupação <strong>de</strong> ter um trabalho, ou seja, possoparticipar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que me dêem prazer, sem estar vinculado ao cicloanterior. No dia a dia, estou buscando coisas que sempre tive vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> fazer e não tinha tempo. Defini três priorida<strong>de</strong>s: maior participaçãono convívio familiar, ativida<strong>de</strong>s sistemáticas <strong>de</strong> preservação da saú<strong>de</strong>(praticando <strong>na</strong>tação, caminhadas e sessões <strong>de</strong> acupuntura) e as opções<strong>de</strong> entretenimento (leitura, cinema e muitas viagens, principalmente paraa minha casa fora do Rio, on<strong>de</strong> passo, com minha mulher, boa parte donosso tempo).”Caso 6: LMG, psicóloga, atuou sempre <strong>na</strong> área <strong>de</strong> Recursos Humanos”Minha vida profissio<strong>na</strong>l esteve sempre articulada com a gestão <strong>de</strong>pessoas, com a área <strong>de</strong> Recursos Humanos. Planejei, com antecedência <strong>de</strong>seis anos, parar minha ativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l aos 56. Para isto, redimensioneimeu projeto <strong>de</strong> vida, incluindo o motivador que sempre me impulsionou:o <strong>de</strong>safio. Fiz a gestão econômica para <strong>de</strong> fato me retirar do mercado<strong>de</strong> trabalho. Encontrei, através da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> uma filha (autismo) estenovo projeto. Comecei a participar da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Síndromes, fui meenvolvendo e, atualmente, sou vice-presi<strong>de</strong>nte. Estamos cada vez maisjuntas, e esta ativida<strong>de</strong> – ou voluntariado – me enche <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> esentido <strong>de</strong> vida. Sigo ple<strong>na</strong>mente envolvida e muito feliz, amplio a cadadia meu círculo <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s e solidarieda<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>”.Somos todos artistas <strong>de</strong> nossas vidas. Sabemos que, principalmente,os atores não param, estão sempre <strong>na</strong> roda, fazem acontecer. Por quê? Eisuma questão fundamental. Talvez por terem <strong>de</strong>senvolvido ao longo davida a arte <strong>de</strong> serem diretores <strong>de</strong> Imagi<strong>na</strong>ção. Isto implica um contínuo


Aposentadoria: Ponto <strong>de</strong> Mutação219processo <strong>de</strong> imersão <strong>na</strong> alma, em si mesmos. Quando falamos <strong>de</strong> alma,não po<strong>de</strong>mos esquecer Heráclito, no fragmento 45: “Mesmo percorrendotodos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundoé seu Logos”. Daí a criativida<strong>de</strong> ser sempre um fator <strong>de</strong> renovação, <strong>de</strong>satisfação e, consequentemente, <strong>de</strong> satisfação com a vida. Importa saberenfrentar o <strong>de</strong>safio e fazer as paradas certas e necessárias, no momentocerto, tendo consciência dos limites, das mudanças <strong>de</strong> foco e valores etc.Mas o fundamental é não se <strong>de</strong>sviar do caminho da realização, dos sonhose da missão pessoal.Jung diz que imoralida<strong>de</strong> é não ser fiel a si mesmo, é fugir do seuprocesso <strong>de</strong> individuação, é se trair. Não <strong>de</strong>sistir dos sonhos, <strong>de</strong> ser feliz,orgulhando-se <strong>de</strong> si mesmo: este é nosso <strong>de</strong>ver. Mas importa saber vivêlosdo modo que é possível, não como era ou gostaríamos que fosse.Parar? Só quando <strong>de</strong>sistirmos <strong>de</strong> viver. Mas fazer paradas,apren<strong>de</strong>r a arte <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacelerar, <strong>de</strong> valorizar a riqueza do tempo kairótico,tempo da subjetivida<strong>de</strong>, tempo da graça, po<strong>de</strong> ser a maior aprendizagemnesta etapa da vida. Winnicott, estudioso <strong>de</strong> psique huma<strong>na</strong>, encerrou suaautobiografia afirmando: “Ó, morte, espero que me encontres vivo”.Segundo Shakespeare, “somos feitos da mesma matéria dos sonhos”.Se alguns foram esquecidos, po<strong>de</strong>rão agora ser resgatados e vividos nesteempreen<strong>de</strong>dorismo <strong>de</strong> si mesmo.Imersão <strong>na</strong> alma. Quem sou eu? O que quero? Possivelmente, é vitalredirecio<strong>na</strong>r o foco do profissio<strong>na</strong>l para o pessoal. Ouçamos a sabedoria<strong>de</strong> Fer<strong>na</strong>ndo Pessoa: “Há um tempo em que é preciso/abando<strong>na</strong>r as roupasusadas/Que já têm a forma do nosso corpo/E esquecer os nossos caminhosque/nos levam sempre aos mesmos lugares/É o tempo da travessia/E senão ousarmos fazê-la/Teremos ficado para sempre/À margem <strong>de</strong> nósmesmos”.Nestas reflexões vislumbramos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar sempre <strong>na</strong>roda da vida, <strong>de</strong> ressignificar, <strong>de</strong> ser atuante <strong>na</strong> realização do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>viver e não ter vergonha <strong>de</strong> ser feliz sendo um eterno aprendiz. Que asescolhas feitas, sejam no sentido <strong>de</strong> seguirem alicerçados no mercado <strong>de</strong>trabalho ou não, sejam também promotoras da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concluira jor<strong>na</strong>da, como propõe Cervantes: “Eu tirei o melhor <strong>de</strong> mim. Esta é amaior vitória que se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar”.


220Dulcinea da Mata R. Monteiro2001.BibliografiaCHOPRA, D. A cura quântica. São Paulo, Ed. Best Sellers.HILLMAN, James. A força do caráter. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Ed. Objetiva:JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Ed. NovaFronteira: 1975.JUNG, C. G. Obras completas. Vol. 8/1. A <strong>na</strong>tureza da psique”.Petrópolis, Ed. Vozes.KUNDTZ, David. A essencial arte <strong>de</strong> parar. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Ed.Sextante: 2005.MONTEIRO, Dulcinea M. R. Metanóia e meia-ida<strong>de</strong>. Trevas e luz.São Paulo, Ed. Paulus: 2008.MONTEIRO, Dulcinea M. R. Puer-Senex. Dinâmicas Relacio<strong>na</strong>is.Petrópolis, Ed. Vozes: 2008.MORIN, Egard. Meus <strong>de</strong>mônios. Rio <strong>de</strong> Janeiro, BertrandBrasil:1997.SÊNECA. Sobre a brevida<strong>de</strong> da vida. São Paulo, Ed. NovaAlexandria:1993.


Educação, <strong>Trabalho</strong>e a Terceira Ida<strong>de</strong>221Élio VieiraProfessor e consultor <strong>de</strong> Recursos Humanos, mestre em Educação pela USP,com doutorado em Educação pela PUC-SP. Especialista em Educação noInstituto Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Pesquisas da Educação, da Unesco, em Paris.Conjugar o verbo ser no presente do indicativo é uma virtu<strong>de</strong> aser cultivada por aquele que teve o privilégio <strong>de</strong> chegar à terceira ida<strong>de</strong>.Há, ainda, dois verbos a serem conjugados no presente do indicativo nocotidiano da pessoa da terceira ida<strong>de</strong>. São eles os verbos fazer e estar.Para ser coerente com o que acabo <strong>de</strong> escrever, eu, que sou um educador,estou neste momento, <strong>de</strong>bruçado sobre o teclado do computador para fazeraquilo que fiz <strong>na</strong> maior parte dos meus quase 72 anos <strong>de</strong> existência, ouseja: educar. Escrever um capítulo <strong>de</strong> um livro é uma forma <strong>de</strong> educar.Elaborar um texto é uma forma <strong>de</strong> fazer; e fazer é trabalhar. Vamos,portanto, ao trabalho, às reflexões e às análises que o tema nos estimula aproduzir. O tema oferece três expressões a serem a<strong>na</strong>lisadas, quais sejam:trabalho, educação, terceira ida<strong>de</strong>. Vou começar pela terceira ida<strong>de</strong>, ematenção àqueles aos quais mais interessam as consi<strong>de</strong>rações que farei aseguir e as posteriores análises sobre educação e trabalho.


222 Élio VieiraTerceira ida<strong>de</strong>A expressão terceira ida<strong>de</strong> é usada para indicar pessoas <strong>na</strong> faixaetária <strong>de</strong> 60 ou mais anos em superposição à expressão “idoso”, que é usadaem dois sentidos: numa visão cronológica, indica “qualquer pessoa commais <strong>de</strong> 65 anos”; numa visão social, “pessoas com mais <strong>de</strong> 60 anos”. Há,ainda, outra forma <strong>de</strong> referir-se às pessoas <strong>de</strong>ssa faixa etária: a expressãomelhor ida<strong>de</strong>, que, nos últimos anos, vem sendo usada, sobretudo, emdocumentos oficiais da área social.A Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> relata que até 2.025 o Brasilserá o sexto em número <strong>de</strong> idosos (OPAS, 2005), com cerca <strong>de</strong> 32 milhões.O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial. A populaçãoidosa brasileira em 2003, por ocasião da publicação do Estatuto do Idoso,já contava, aproximadamente, 15 milhões <strong>de</strong> pessoas, ou seja, 9,5% dapopulação à época (Estatuto do Idoso, outubro <strong>de</strong> 2003). Segundo dadosdo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2000 essapopulação já atingia o índice <strong>de</strong> 8,6%, sendo que no município <strong>de</strong> SãoPaulo essa porcentagem chegava a 9,3% (IBGE, 2000).Os dados que apresentamos sobre a terceira ida<strong>de</strong> no Brasilestimularam o governo a dar maior atenção ao idoso mediante a criação <strong>de</strong>políticas públicas <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> atendimento socioeducacio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.As políticas públicas para a saú<strong>de</strong> e a educação enfatizam a criação <strong>de</strong>programas, objetivando um envelhecimento saudável, mediante ações <strong>de</strong>caráter preventivo, para melhorar a capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l do idoso. Essasações estão voltadas à conservação e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das a manter a in<strong>de</strong>pendência e a auto-suficiência do idoso <strong>na</strong>família e <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.Entre outras ações, foram implementadas nos últimos anos “ofici<strong>na</strong>sda memória”. A ofici<strong>na</strong> da memória po<strong>de</strong> ser caracterizada como umaexperiência <strong>de</strong> construção coletiva <strong>de</strong> conhecimentos. Com base no estudoconceitual sobre a memória, esclarecimentos acerca do seu funcio<strong>na</strong>mento esobre o processo <strong>de</strong> envelhecimento, são utilizadas estratégias para mantere melhorar o <strong>de</strong>sempenho da memória. Os participantes são estimulados arefletir sobre as aplicações <strong>de</strong>sses conhecimentos <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong> e a exporseus conhecimentos sobre os assuntos tratados <strong>na</strong>s reuniões <strong>de</strong> estudo.A memória é fundamental à manutenção da autonomia e da


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>223in<strong>de</strong>pendência do idoso. A memória, assim como o corpo, atrofia-se casonão seja exercitada; daí a importância <strong>de</strong> tais ofici<strong>na</strong>s para as pessoas <strong>de</strong>terceira ida<strong>de</strong> (VIEIRA, 2000, p. 13). Há uma máxima que diz: “O <strong>de</strong>susocausa a atrofia”. Isso vale para qualquer pessoa, não ape<strong>na</strong>s para as daterceira ida<strong>de</strong>. Participar <strong>de</strong> uma ofici<strong>na</strong> da memória ou <strong>de</strong> qualquer outrotipo <strong>de</strong> evento <strong>de</strong> cunho sociocultural ou educativo significa à pessoada terceira ida<strong>de</strong> conjugar os verbos ser, estar e fazer no presente doindicativo. Foi isso que sugeri no início <strong>de</strong>ste capítulo, e é assim queprocuro agir no cotidiano da minha existência. No ano passado (2008),após minha aposentadoria, sendo eu mestre e doutor em Educação, <strong>de</strong>cidivoltar aos bancos escolares e matriculei-me no curso <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong>Multiplicadores <strong>de</strong> Ofici<strong>na</strong> da Terceira Ida<strong>de</strong> da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Pública da USP. A princípio, houve uma certa estranheza da parte dacoor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora do curso, que me telefonou para confirmar se eu estava mematriculando no curso certo, por tratar-se <strong>de</strong> um curso cujo pré-requisitopara a matricula é ape<strong>na</strong>s ser portador <strong>de</strong> certificado <strong>de</strong> curso superior.O curso, portanto, não foi planejado para aten<strong>de</strong>r a mestres ou doutores.Conversamos por telefone e apresentei a ela os meus motivos. Ela aceitouas justificativas e conce<strong>de</strong>u-me a matrícula. Fiz o curso e hoje tenho maisuma habilitação pela USP, o que só po<strong>de</strong> envai<strong>de</strong>cer e contribuir para aauto-afirmação <strong>de</strong> qualquer pessoa.O que acabo <strong>de</strong> relatar faz-me lembrar que em 1998, aos 60anos, ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> qual a maioria dos trabalhadores sonha aposentar-se,provoquei risos <strong>de</strong> espanto nos caros colegas doutores da pós-graduaçãoem Educação da PUC-SP, quando <strong>na</strong> reunião <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> projetosdos candidatos ao doutorado, projetos estes já aprovados em primeirainstância, foi anunciado que o projeto <strong>de</strong> Élio Vieira era um <strong>de</strong>ntre osaprovados. Felizmente não foram risos <strong>de</strong> <strong>de</strong>boche, mas <strong>de</strong> aprovaçãoe solidarieda<strong>de</strong> da parte <strong>de</strong> inúmeros colegas professores doutores quejá haviam trabalhado comigo e, em alguns casos, subordi<strong>na</strong>dos à minhacoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>na</strong> extinta Fundação Ce<strong>na</strong>for 1 . Em 2002, mais precisamenteno dia 16 <strong>de</strong> maio, <strong>de</strong>fendi minha tese <strong>de</strong> doutorado e fui aprovado coma nota máxima pelos doutores daquela banca exami<strong>na</strong>dora. Fosse eu umatleta, diria que, nesse dia, mais uma vez, subi ao pódio.1 CENAFOR – Centro Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Pessoal para a Formação Profissio<strong>na</strong>l, órgãoda administração indireta do Ministério da Educação, extinto em 1986, foi o órgão coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor dasações <strong>de</strong> formação e trei<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> pessoal para a formação profissio<strong>na</strong>l em âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, noperíodo <strong>de</strong> 1972 a 1986.


224Élio VieiraConterrâneo e conterrânea da terceira ida<strong>de</strong>, lembre-se: sempreé tempo para subir ao pódio enquanto estivermos vivos. Se eu subi aopódio com quase 65 anos, por que você não po<strong>de</strong>rá fazê-lo? Se, comodisse acima, aos 71 anos voltei à condição <strong>de</strong> aluno em busca <strong>de</strong> mais umaqualificação profissio<strong>na</strong>l, por que você não po<strong>de</strong>rá fazê-lo? Deixo à suareflexão, caro leitor, essas duas questões.Para não ficar ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong>s citações sobre a minha pessoa, já quetemos magníficos exemplos <strong>de</strong> pessoas da terceira ida<strong>de</strong> que estão ativasprofissio<strong>na</strong>lmente, cito aqui o arquiteto Oscar Niemeyer, que, aos 101 anos,continua trabalhando, criando seus projetos <strong>de</strong> arquitetura para o Brasil epara o mundo. O trabalho empreen<strong>de</strong>dor não tem ida<strong>de</strong>. O que conta, nessecaso, é mais a atitu<strong>de</strong> diante do trabalho do que a ida<strong>de</strong> daquele que sepropõe a fazer algo - respeitados, é lógico, os limites físicos e intelectuaisda pessoa em questão.Há pessoas que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formadas e com uma ida<strong>de</strong> avançada, sesentem envergonhadas ou diminuídas quando se lhes apresenta a situação<strong>de</strong> voltar à condição <strong>de</strong> alu<strong>na</strong>s. Isso é um preconceito que, <strong>de</strong> fato, aspessoas dotadas <strong>de</strong> bom senso e <strong>de</strong> amor ao seu semelhante não levamem conta. Com a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 69 anos, quando me <strong>de</strong>i conta <strong>de</strong> que teriaape<strong>na</strong>s mais um ano para exercer minhas ativida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is antesda aposentadoria compulsória, que nos órgãos públicos se dá aos 70 anos,matriculei-me num curso livre profissio<strong>na</strong>lizante <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> terapeutaholístico. Hoje sou um terapeuta autônomo especialista em cromoterapia 2e radiestesia 3 , e sinto-me gratificado em po<strong>de</strong>r oferecer o meu trabalhoàqueles que me procuram. E tem mais: um i<strong>de</strong>al ecológico me levou, háalguns anos, à produção <strong>de</strong> mudas <strong>de</strong> algumas espécies <strong>de</strong> árvores ouarbustos que tenho em casa ou nos arredores. Nesse período, produziaproximadamente, mil plantas, entre as quais a maioria é da palmeiraareca 4 . Dessas mudas, boa parte já foi replantada, em áreas <strong>de</strong> pessoas2Cromoterapia – terapia que utiliza luzes coloridas, <strong>na</strong>s cores do arco-íris, aplicadas a uma certadistância do corpo humano, visando à sua energização.3 Radiestesia – ciência que <strong>de</strong>senvolveu inúmeras técnicas <strong>de</strong> indicação e avaliação da energia dos corposfísicos, mediante o uso do pêndulo, sendo largamente aplicada no diagnóstico das condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>da pessoa, sobretudo por terapeutas. “Ciência que procura <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r o comportamento energético doser humano em relação ao meio em que vive, bem como suas predisposições, possibilida<strong>de</strong>s e níveis<strong>de</strong> energia em que se encontra num <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento e, em função disso, sua projeção para umfuturo próximo”. (Campa<strong>de</strong>llo, p. 1995:15).4Areca - popularmente conhecida como areca-bambu, por soltar inúmeras hastes ao redor da hasteprincipal, à semelhança do bambu, é muito utilizada em jardins resi<strong>de</strong>nciais, <strong>de</strong>vido à sua beleza


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>225amigas. As <strong>de</strong>mais plantas, aproximadamente 500 mudas <strong>de</strong> diversostamanhos, estão no viveiro que mantenho nos fundos do quintal <strong>de</strong> minhacasa e serão, oportu<strong>na</strong>mente, vendidas ou doadas. Se o caro leitor tivera curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer saber porque um professor-doutor aposentado se<strong>de</strong>dica a fazer cultivo <strong>de</strong> palmeiras, eu po<strong>de</strong>ria satisfazer sua curiosida<strong>de</strong>dizendo que faço o que faço pelo prazer <strong>de</strong> fazer e po<strong>de</strong>ria, aqui, utilizaruma metáfora que criei e utilizei <strong>na</strong> minha tese <strong>de</strong> doutorado, a metáforado vibrafone 5 : “Trabalhar criando; apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r fazendo; apren<strong>de</strong>ra fazer brincando; trabalhar pelo prazer <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a fazer, pela satisfação<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, <strong>de</strong> enfrentar <strong>de</strong>safios e <strong>de</strong> realizar um trabalho útil; trabalharpelo conforto que usufruímos com a sensação <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> autorealizaçãoadvindas do ato <strong>de</strong> produzir algo útil”.EducaçãoFarei a análise da expressão educação <strong>de</strong> forma integrada àexpressão trabalho por um viés profissio<strong>na</strong>l, qual seja: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong>1968, quando fiz o curso <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Professores <strong>de</strong> Artes Industriaise, posteriormente, lecionei a matéria Artes Industriais no “Experimentalda Lapa”, hoje Escola <strong>de</strong> Ensino Fundamental Professor Edmundo <strong>de</strong>Carvalho, em São Paulo (SP), tenho como objeto <strong>de</strong> estudo e pesquisa aintegração do trabalho à educação.O conceito <strong>de</strong> educação que mais se aproxima do nosso objeto<strong>de</strong> estudo é o seguinte: “Educação é um processo permanente <strong>de</strong> ensinoaprendizagemque envolve os conteúdos das discipli<strong>na</strong>s curriculares dosdiversos níveis formais <strong>de</strong> ensino - a saber: o fundamental, o médio eo superior -, bem como a práxis relacio<strong>na</strong>da aos conhecimentos, àshabilida<strong>de</strong>s e aos comportamentos apreendidos pelo indivíduo nesseprocesso e <strong>na</strong> convivência em socieda<strong>de</strong> e, em especial, <strong>na</strong> família”. Esseconceito, tal como o escrevi, não consta <strong>de</strong> nenhum dicionário ou livroestética e sua função <strong>de</strong>corativa. “Areca é uma espécie <strong>de</strong> palmeira asiática amplamente cultivada emparques e jardins”.(Ferreira, A. 1999: 185).5Vibrafone – do inglês “vibraphone”. S.m. (Ferreira, 1999:2068) “Vibraphone (n) – A musicalinstrument similar to a marimba, but having metal bars and rotating disks in the reso<strong>na</strong>tors toproduce a vibrato” (The American Heritage Dictio<strong>na</strong>ry, 1991:1346). Vibrafone é um instrumento <strong>de</strong>percussão composto por placas <strong>de</strong> metal apoiadas numa mesa, que sustenta um conjunto <strong>de</strong> tubos,sendo um sob cada uma das barras, tendo sobre cada um <strong>de</strong>sses tubos discos <strong>de</strong> metal soldados aum eixo que gira ao ser acio<strong>na</strong>do um motor elétrico <strong>de</strong> pequeno porte fixado <strong>na</strong> parte interior <strong>de</strong>uma das cabeceiras da mesa. Isso dá sustentação ao instrumento, provocando uma vibração ao somda nota tocada.


226Élio Vieirasobre educação, pois acabei <strong>de</strong> criá-lo. Abriga a idéia <strong>de</strong> que educaçãonão é ape<strong>na</strong>s aquilo que se apren<strong>de</strong> <strong>na</strong> escola, mas também a práxis<strong>de</strong>corrente dos conhecimentos, das habilida<strong>de</strong>s e dos comportamentos quea escola - lócus do ensino formal instituído por lei - oferece ao futurocidadão e à socieda<strong>de</strong> da qual faz parte. A práxis diz respeito àquilo quefazemos com o que nos foi dado apren<strong>de</strong>r, <strong>na</strong> escola ou fora <strong>de</strong>la. E o quefazemos diz respeito aos cidadãos que somos, ou seja, como contribuímospara a manutenção e o aperfeiçoamento dos valores éticos e morais danossa socieda<strong>de</strong>. Esse raciocínio <strong>de</strong>ságua, inevitavelmente, <strong>na</strong> expressãotrabalho. O trabalho é o retorno dado à socieda<strong>de</strong> daquilo que a escola, afamília e a própria socieda<strong>de</strong> oferecem para a formação <strong>de</strong> cada indivíduo,em particular. O processo <strong>de</strong> construção do cidadão, do qual a escola épeça fundamental, é aferido, entre outros fatores, pelo trabalho que o exaprendizrealiza no meio em que vive.Aproximando a idéia <strong>de</strong> educação como processo contínuoà premissa terceira ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>duz-se que o fato <strong>de</strong> estar aposentado oucom uma ida<strong>de</strong> não condizente às necessida<strong>de</strong>s do mercado formal <strong>de</strong>trabalho não justifica que o indivíduo <strong>de</strong>va encerrar o seu processo <strong>de</strong>aprendizagem. A aprendizagem <strong>de</strong> novos conteúdos, <strong>de</strong> novas habilida<strong>de</strong>se <strong>de</strong> novos comportamentos se constitui em estímulo para uma vida ativae ple<strong>na</strong> <strong>de</strong> realizações e trabalhos úteis, a si próprio e à socieda<strong>de</strong>. Nessesentido, ocorre-nos dizer que, transformar a terceira ida<strong>de</strong> em “melhorida<strong>de</strong>” é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong> cada “idoso” em particular, já queas instituições <strong>de</strong> ensino superior, bem como outras instituições <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dasao atendimento sociocultural, aumentaram em muito a oferta <strong>de</strong> cursos,ofici<strong>na</strong>s, eventos culturais e <strong>de</strong> lazer para a “melhor ida<strong>de</strong>”.<strong>Trabalho</strong>Da mesma forma que minhas análises sobre educação foram feitas<strong>de</strong> forma integrada ao trabalho, as análises que farei sobre a expressãotrabalho serão feitas <strong>de</strong> forma integrada à educação. O motivo é simples,pois, como já disse anteriormente, como educador, venho há algum tempotrabalhando <strong>na</strong> questão da relação “educação-trabalho”.Na minha dissertação <strong>de</strong> mestrado, o trabalho foi por mima<strong>na</strong>lisado como um componente educacio<strong>na</strong>l voltado para a emancipaçãodas pessoas, <strong>de</strong>stacando a importância do trabalho produtivo como


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>227instrumento legitimador do processo <strong>de</strong> conscientização do educandopara o exercício da cidadania. A idéia <strong>de</strong>fendida foi que “o trabalho é uminstrumento legitimador do direito da pessoa <strong>de</strong> intitular-se um cidadão”,<strong>de</strong>vendo ser, portanto, um componente da formação do cidadão. Essa idéiainclui o princípio <strong>de</strong> que “todo cidadão tem direito ao trabalho digno eremunerado”; mas inclui também a idéia <strong>de</strong> que “toda pessoa tem o <strong>de</strong>ver<strong>de</strong> buscar os meios para <strong>de</strong>senvolver-se e, mediante o trabalho produtivo,dar a sua contribuição ao <strong>de</strong>senvolvimento e ao bem-estar <strong>de</strong> sua famíliae da socieda<strong>de</strong> em que vive” (Vieira, E. 1990).Na tese <strong>de</strong> doutorado, aprofun<strong>de</strong>i as análises sobre a relaçãoeducação-trabalho numa ótica interdiscipli<strong>na</strong>r. Pesquisei e a<strong>na</strong>liseio conceito trabalho por diferentes ângulos, enfatizando as relações dotrabalho com a educação, buscando, nos filósofos <strong>de</strong> todos os tempos enos educadores brasileiros que escreveram sobre o assunto, extrair liçõessobre “o sentido do trabalho <strong>na</strong> educação”. (Vieira, E. 2002). Apresentoa seguir alguns excertos do extenso trabalho <strong>de</strong> pesquisa que realizei <strong>na</strong>época.Na interdiscipli<strong>na</strong>rida<strong>de</strong>, o trabalho situa-se <strong>na</strong> categoria ação.Não uma ação qualquer, mas uma ação intencio<strong>na</strong>l comprometida edirecio<strong>na</strong>da a um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do fim, objetivando a transformação e oaperfeiçoamento. O trabalho traz, <strong>na</strong> sua essência, um apelo ao movimento,à ativida<strong>de</strong>, ao fazer. O único tipo <strong>de</strong> trabalho não observável é o trabalhointelectual - quando esse fica ape<strong>na</strong>s no campo das idéias. Mesmo assim, otrabalho intelectual implica constante movimento do organismo humano.É importante lembrarmos aqui que as idéias não mudam o mundo; o quemuda o mundo é a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar as idéias em prática, em movimento,mediante o fazer, mediante a ativida<strong>de</strong>, e isto é trabalho. O trabalho<strong>de</strong>staca-se pelo mistério, pela ambiguida<strong>de</strong>, pelo fascínio que exercesobre a alma huma<strong>na</strong>. O mistério se manifesta <strong>na</strong> falta <strong>de</strong> explicação dofascínio que o trabalho exerce sobre o homem e a ambiguida<strong>de</strong> emerge <strong>de</strong>uma contradição: está no trabalho a possibilida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> realização dohomem ou a sua alie<strong>na</strong>ção.Ao buscarmos uma <strong>de</strong>finição para o que é trabalho, recorremosaos dicionários, que nos informam que “o trabalho consiste <strong>na</strong> aplicaçãodas forças e faculda<strong>de</strong>s huma<strong>na</strong>s para alcançar um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do fim -ou fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>” (Ferreira, 1999: 1980). Já do ponto <strong>de</strong> vista etimológico,


228Élio Vieiraa palavra trabalho tem conotação negativa; origi<strong>na</strong>-se <strong>de</strong> “tripalium”,palavra lati<strong>na</strong> que significa “instrumento <strong>de</strong> tortura feito com três paus”(Larousse, 1982: 1026).Na pesquisa sobre o conceito <strong>de</strong> trabalho, constatamos que aexpressão mais forte, no sentido etimológico, é trabalho escravo. É algoque sempre existiu e, por mais incrível que possa parecer, é encontrado,ainda que esporadicamente, nos dias atuais. Fiel à etimologia da palavra,o dicionário francês Le Robert (1994: 2.300) traz como explicação primeiraa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> dor e sofrimento: “Travail - 1. État d’une personne que souffre,qui est tourmentée; activité pénible”. Em seguida, explicita a expressão“trabalho <strong>de</strong> parto”, referindo-se ao sofrimento da mulher no processo <strong>de</strong>dar à luz um filho.Vejamos, <strong>de</strong> forma resumida, qual o pensamento <strong>de</strong> alguns dosprincipais filósofos <strong>de</strong> todos os tempos sobre o conceito trabalho.Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, distingue doiscomponentes no trabalho: o pensar e o produzir. O primeiro coloca afi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> e concebe os meios para realizá-la. O segundo concretiza o fimpretendido. Essa dualida<strong>de</strong> do pensamento <strong>de</strong> Aristóteles sobre o trabalhonão está ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> divisão do ato do trabalho em dois componentesdistintos, mas <strong>na</strong> prática da socieda<strong>de</strong> em que viveu, a Grécia antiga,<strong>na</strong> qual o pensar era privilégio dos sábios, dos senhores, e o fazer era aobrigação dos escravos. Apesar da visão preconceituosa sobre o trabalho,Aristóteles legou-nos o conhecimento sobre os passos essenciais noprocesso da produção huma<strong>na</strong>, que consiste em distinguir duas etapas:nóesis, a etapa mental, e a poíesis, etapa da realização exterior.A alie<strong>na</strong>ção no trabalho não é algo que surgiu nos temposmo<strong>de</strong>rnos, como se po<strong>de</strong> perceber a partir da forma como Aristótelessitua o trabalho no seu tempo. A alie<strong>na</strong>ção é, também, uma forma <strong>de</strong>expressar o lado negativo da etimologia da palavra trabalho, uma vezque o indivíduo alie<strong>na</strong>do está psicologicamente sujeito a um estado <strong>de</strong>sofrimento, insatisfação e angustia comparáveis à tortura física. EmJapiassu (1996: 6), lemos que a expressão alie<strong>na</strong>ção (do latim alie<strong>na</strong>tio,<strong>de</strong> alie<strong>na</strong>re: transferir para outrem; aluci<strong>na</strong>r; perturbar) indica o estadodo indivíduo que não mais se pertence, que não <strong>de</strong>tém o controle <strong>de</strong> simesmo ou que se vê privado <strong>de</strong> seus direitos fundamentais, passando a serconsi<strong>de</strong>rado uma coisa.


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>229Segundo alguns autores, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>staco Giannotti (1983:85), a análise mais completa do conceito trabalho aparece em Marx, nocapitulo V do primeiro volume <strong>de</strong> “O Capital”. Em Marx (1895: 149) lemos:“Antes <strong>de</strong> tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a <strong>na</strong>tureza, umprocesso em que o homem, por sua própria ação, po<strong>de</strong> mediar, regulare controlar seu metabolismo com a <strong>na</strong>tureza. (...) Uma aranha executaoperações semelhantes à do tecelão, e a abelha envergonha mais <strong>de</strong> umarquiteto humano com a construção dos favos <strong>de</strong> suas colméias. Mas oque distingue, <strong>de</strong> antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que eleconstruiu o favo em sua cabeça antes <strong>de</strong> construí-lo em cera. No fim doprocesso <strong>de</strong> trabalho, obtém-se um resultado que, já no início <strong>de</strong>ste, existiui<strong>de</strong>almente <strong>na</strong> imagi<strong>na</strong>ção do trabalhador”.O trabalho suscita <strong>na</strong>s pessoas diferentes reações. Para uns, otrabalho é um castigo. Para outros, uma bênção, uma necessida<strong>de</strong>, um<strong>de</strong>ver. Para poucos, um prazer ou um lazer, ou ainda motivo <strong>de</strong> satisfação.A forma <strong>de</strong> trabalho que faculta ao homem satisfação e alegria é o trabalholivre, o trabalho espontâneo e produtivo. Conforme citamos acima, Marx(1985: 149) vê o trabalho como um processo em que o homem, por suaprópria ação, po<strong>de</strong> mediar, regular e controlar seu metabolismo com a<strong>na</strong>tureza. Hegel (1770 – 1831), consi<strong>de</strong>rado “o mais importante filósofodo i<strong>de</strong>alismo alemão pós-Kantiano” (Jupiassu, 1996: 122), vê o trabalhocomo a mola que impulsio<strong>na</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento humano, como se po<strong>de</strong>observar no texto seguinte: “É no trabalho que o homem se produz a simesmo. O trabalho é o núcleo a partir do qual po<strong>de</strong>m ser compreendidasas formas complicadas da ativida<strong>de</strong> criadora do sujeito humano. Foi como trabalho que o ser humano ‘<strong>de</strong>sgrudou-se’ um pouco da <strong>na</strong>tureza epô<strong>de</strong>, pela primeira vez, contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos<strong>na</strong>turais. Se não fosse o trabalho, não existiria a relação sujeito-objeto”(Kon<strong>de</strong>r, 1981: 23, 24).O trabalho é, também, uma atitu<strong>de</strong>, algo que se exerce. É um <strong>de</strong>safioà ousadia e ao talento humano. O trabalho faculta ao homem a condição<strong>de</strong> conhecer-se e <strong>de</strong> se permitir ser conhecido. Em Marx (1985: 150,151)fica evi<strong>de</strong>nciada a importância do trabalho humano para o conhecimentoda história da humanida<strong>de</strong> e para a i<strong>de</strong>ntificação dos diferentes estágios <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e econômico do homem, mediante objetosencontrados em escavações arqueológicas.


230Élio VieiraPo<strong>de</strong>-se inferir, a título <strong>de</strong> ilustração, que talvez o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiodo homem primitivo, ao sair da caver<strong>na</strong>, tenha sido trabalhar <strong>na</strong> construçãoda sua própria moradia. Esgotadas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abrigos <strong>na</strong>turaispara proteger-se dos perigos e das intempéries, o homem, buscando asegurança indispensável para preservar e perpetuar a sua espécie, planejoue construiu sua moradia. Esse talvez tenha sido o primeiro projeto noqual o homem empenhou-se e pelo qual <strong>de</strong>senvolveu suas habilida<strong>de</strong>s.Essa ação exigiu do homem uma atitu<strong>de</strong> em relação ao trabalho. E nesseprocesso o homem teve que, a um só tempo, <strong>de</strong>senvolver as diversashabilida<strong>de</strong>s que o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> construir uma moradia lhe impunha. Foi pormeio do trabalho que o homem, transformando a <strong>na</strong>tureza, transformou-sea si mesmo. O nosso primata já era, incontestavelmente, um polivalente.Ele forjou suas ferramentas, i<strong>de</strong>ntificou <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza os elementos <strong>de</strong> quenecessitava (pedra, barro, ma<strong>de</strong>ira etc.), extraiu, transportou, mo<strong>de</strong>louesses elementos, integrando-os para compor um todo organizado: a casa.Por mais tosca que fosse a casa primitiva, esse é um exemplo típico davisão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> do homem sobre o trabalho.Para Hegel e Marx, a história do <strong>de</strong>senvolvimento humano estádiretamente ligada ao trabalho, pois à medida que o homem transformao seu meio pelo trabalho, transforma-se a si próprio. Todo trabalho exigeum projeto ou planejamento. Se complexo, exigirá compreensão e visão<strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>. Logo, a ação <strong>de</strong> planejar e realizar um trabalho complexo éinterdiscipli<strong>na</strong>r, o que exige do homem múltiplas habilida<strong>de</strong>s. O trabalho,<strong>na</strong> sua origem, é ação interdiscipli<strong>na</strong>r; é politécnico, uma vez que exigeum ser polivalente. As corporações <strong>de</strong> artesãos são um exemplo disso. Oartesão estudava, conhecia e praticava todos os processos atinentes aoseu trabalho e <strong>de</strong>senvolvia todas as habilida<strong>de</strong>s para a sua realização.Assim, por exemplo, ele domi<strong>na</strong>va todo o processo <strong>de</strong> trabalho que vaida extração da ma<strong>de</strong>ira até o acabamento do móvel, ou da casa, ou doutensílio doméstico.Como vimos, o homem tinha o domínio da totalida<strong>de</strong> do seutrabalho, domínio esse que foi perdido ao longo das mudanças ocorridasno mundo a partir da Revolução Industrial. Na ontologia <strong>de</strong> Lukács,filósofo húngaro (1885-1971), o trabalho é um fenômeno originário, omo<strong>de</strong>lo, a protoforma do ser social (Japiassu, 1996: 168). De acordo como pensamento <strong>de</strong> Lukács, o trabalho <strong>de</strong>ve ser colocado no centro dasdiscussões sobre a educação formal. Há que constar dos planos, projetos e


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>231programas <strong>de</strong> educação.Voltando a Marx, observamos que o trabalho ganha diferentessentidos. Marx não se limita à análise da centralida<strong>de</strong> do trabalho comofator <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Suas análises têm como ponto <strong>de</strong> partida aquestão da acumulação do capital, ocorrida num processo que ele chama<strong>de</strong> “a espantosa expropriação do povo trabalhador”. Marx aprofunda eabre diferentes perspectivas sobre a questão da alie<strong>na</strong>ção do homem notrabalho, em suas análises sobre o capital e o modo capitalista <strong>de</strong> produçãoque aportou no mundo do trabalho, mediante a aplicação dos processosfabris <strong>de</strong>senvolvidos a partir da Revolução Industrial. A reflexão sobre opensamento <strong>de</strong> Marx quanto ao trabalho leva-nos à compreensão <strong>de</strong> comoe por que no trabalho po<strong>de</strong> estar tanto a centelha da suprema realizaçãodo homem quanto a causa maior da sua alie<strong>na</strong>ção.Voltando a Hegel, encontramos algumas “pérolas” do seuilumi<strong>na</strong>do espírito que aqui transcrevemos: “O homem, ao <strong>de</strong>sejar levarum conteúdo à realização, o faz traduzindo-o da noite da possibilida<strong>de</strong>para o dia da realida<strong>de</strong>”. Para Hegel, <strong>na</strong> medida em que o homem não éum ser passivo-receptivo e que, ao contrário, busca ativamente relacio<strong>na</strong>rsecom o mundo, quando se coloca como um indivíduo no processo <strong>de</strong>apropriar-se do mundo produtivamente, ele faz do mundo o seu mundo.Em Hegel, o trabalho concreto só tem sentido humano se reenraizado nomovimento da idéia, manifestando, assim, tanto a sua dimensão interior(nóesis) quanto o seu lado exterior (poíesis). Hegel vê o trabalho comoa mola que impulsio<strong>na</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento humano: “É no trabalho queo homem se produz a si mesmo; o trabalho é o núcleo a partir do qualpo<strong>de</strong>m ser compreendidas as formas complicadas da ativida<strong>de</strong> criadorado sujeito humano”. Hegel vê no trabalho o remédio à alie<strong>na</strong>ção primeirado homem. Na dialética do senhor e do escravo, Hegel <strong>de</strong>clara que “é porseu trabalho que o escravo encontra sua liberda<strong>de</strong> e se tor<strong>na</strong> o verda<strong>de</strong>iromestre” (Japiassu, 1996: 262).A dialética, o humanismo e uma “pitada” <strong>de</strong> romantismo são asmarcas <strong>de</strong>ixadas pelo pensamento <strong>de</strong> Hegel sobre a relação do homemcom o trabalho e sobre o sentido do trabalho para o homem.Goethe (1749-1837), genial poeta alemão, nos oferece a expressãomais poética sobre o trabalho humano em sua obra “Fausto”, ao afirmarque “nem a posse, nem o po<strong>de</strong>r, nem a satisfação sexual po<strong>de</strong>m preencher


232Élio Vieirao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> significado para sua própria vida. Em tudo isso, ele [o homem]permanece separado do todo, e por isso infeliz. Só ao ser produtivamenteativo po<strong>de</strong> o homem encontrar sentido para sua vida. E embora assim elea aproveite, não se agarra a esta vorazmente. Desistiu da cobiça <strong>de</strong> ter,e fica satisfeito em ser; sente-se farto por estar vazio; ele é muito por terpouco” (FROMM,1983:38).ConclusãoQual o sentido do trabalho e da educação <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>?A releitura dos últimos parágrafos acima nos impõe algumasreflexões, levando-nos às seguintes questões: seria o homem o senhorda sua forma <strong>de</strong> trabalhar e <strong>de</strong> produzir? Estaria o homem fadado a umtrabalho infeliz, alie<strong>na</strong>do? Enfim, qual o sentido do trabalho que se po<strong>de</strong>extrair dos pensamentos <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>ntre os maiores filósofos <strong>de</strong> todas asépocas?Em princípio, não existe um sentido único possível <strong>de</strong> ser atribuídoao trabalho no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano. Nem tampouco seriapróprio da filosofia dar um sentido ou uma conclusão única sobre qualquerquestão ou problema objeto <strong>de</strong> estudo. Se isso ocorresse, estaria sendo<strong>de</strong>cretada a antifilosofia. Numa tentativa <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a essas questões,eu diria que há inúmeros sentidos possíveis ao trabalho. O homem po<strong>de</strong>,sim, ser o senhor da sua forma <strong>de</strong> trabalhar e produzir, sendo certo queisso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá exclusivamente <strong>de</strong>le, do seu querer, da sua atitu<strong>de</strong> dianteda vida, da socieda<strong>de</strong> e do mundo do trabalho. Logo, não está o homemfadado a um trabalho infeliz, alie<strong>na</strong>do. Mas, se isso acontecer, o homem,que tem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si “a centelha divi<strong>na</strong>”, saberá encontrar os meios paralivrar-se <strong>de</strong>sse “tripalium”.Como vimos anteriormente, a dimensão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> do trabalhofoi, aos poucos, se per<strong>de</strong>ndo, <strong>na</strong> medida em que surgiram os processos<strong>de</strong> reorganização da produção. A Revolução Industrial provocou afragmentação do trabalho. Nas linhas <strong>de</strong> montagem, os processos foramtransformados em operações tão peque<strong>na</strong>s que levaram o homem à perdada visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> do trabalho. A perda da visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> tirou asatisfação e o prazer do trabalho. “O prazer pelo trabalho bem feito” foisubstituído, aos poucos, pela qualificação para operar máqui<strong>na</strong>s, levando


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>233o homem à alie<strong>na</strong>ção.Nos dias atuais, a qualida<strong>de</strong> do trabalho <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> mais da tecnologiaaplicada aos equipamentos do que da potencialida<strong>de</strong>, da vonta<strong>de</strong> dohomem como operador <strong>de</strong> uma máqui<strong>na</strong>. No antológico filme <strong>de</strong> CharlesChaplin “Tempos Mo<strong>de</strong>rnos”, a tragédia huma<strong>na</strong> é representada <strong>na</strong> figura<strong>de</strong> um operário que está a ponto <strong>de</strong> enlouquecer e é salvo ape<strong>na</strong>s pelo seuespírito romântico, por seu amor à vida e ao seu semelhante. Eu acreditoque, a <strong>de</strong>sfragmentação do trabalho é uma condição que se impõe paraque o homem recupere a visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> e reencontre a satisfação. Areapropriação dos próprios talentos <strong>de</strong>ve ser a marca do trabalho no terceiromilênio; e trabalhar <strong>de</strong>verá ser, cada vez mais, uma ação interdiscipli<strong>na</strong>r,em <strong>de</strong>trimento da especialização até então imposta pelo mundo do trabalhoao trabalhador. Se assim for, o homem, ao recuperar a visão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>do trabalho, terá recuperado a satisfação, por menor que seja.Ainda que estar <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> possa sugerir a idéia <strong>de</strong> que“não estamos nem aí” com as questões da educação e do trabalho, cabenosdizer, por <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ofício, que educação e trabalho constituem-se emestímulos para a vida. Sabemos todos que, do ponto <strong>de</strong> vista psicológico,o indivíduo busca sempre acomodação, um estado <strong>de</strong> equilíbrio. Porém,do ponto <strong>de</strong> vista físico, a acomodação po<strong>de</strong> ser um perigo, uma ameaçaà vida. A ação, ao contrário, po<strong>de</strong> levar o indivíduo a um estado <strong>de</strong>equilíbrio, <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> ple<strong>na</strong>, enfim, <strong>de</strong> vida, dando-lhe a oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> conjugar os verbos ser, estar e fazer no presente do indicativo. Éextremamente gratificante quando estamos participando <strong>de</strong> um curso outrabalhando num empreendimento e somos notados <strong>de</strong>vido à nossa ida<strong>de</strong>,por estarmos <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. Modéstia à parte, já vivi por algumas vezesessa situação, e isso contribui para a minha auto-afirmação. Não importahoje o que fizemos ou fomos ao longo da nossa vida, o que importa é oque fazemos agora, pois isso é a nossa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Estar envolvido numcurso, numa ofici<strong>na</strong> ou num trabalho significa estar vivo. Significa queestamos conjugando os verbos ser, estar e fazer no presente do indicativo.E lembre-se: só os vivos po<strong>de</strong>m fazer isso. <strong>Trabalho</strong> é ação criadora, umelo entre o homem e Deus, pois o homem e a mulher foram criados porvonta<strong>de</strong> e pelo trabalho do Criador (“A Bíblia Sagrada”, Gênesis 1.2, v 5).Mandino (1977: 92), oferece-nos uma bela ilustração sobre ovalor, a virtu<strong>de</strong> e a força do trabalho: “Jamais existiu o mapa, por mais


234Élio Vieiracuidadosamente executado em <strong>de</strong>talhe e escala, que elevasse seu possuidorum só centímetro do chão. Jamais houve uma lei, conquanto honesta, queimpedisse um crime. Jamais houve um pergaminho, mesmo como este queagora tenho <strong>na</strong>s mãos, que ganhasse um tostão sequer, ou produzisse umaúnica palavra <strong>de</strong> aclamação. Somente a ação transforma o mapa, o papel,este pergaminho, meus sonhos, meus planos, meus objetivos, em forçaviva. A ação é o alimento e a bebida que nutrirá o meu êxito”.Concluindo, <strong>de</strong>sejo convidar todas as pessoas que se <strong>de</strong>dicaram aler este texto até estas últimas linhas que mentalizem e repitam a si mesmos,como se fora um mantra, o último pensamento do texto <strong>de</strong> Mandino: “Aação é o alimento e a bebida que nutrirá o meu êxito”.Bibliografia__________. Memorização: uma chave para o sucesso pessoal eprofissio<strong>na</strong>l. São Paulo: Califórnia, 2000.__________. O sentido do trabalho <strong>na</strong> educação: uma investigaçãointerdiscili<strong>na</strong>r. Tese <strong>de</strong> Doutorado. São Paulo: PUC/SP, 2002.A BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, Ed. Claretia<strong>na</strong>, 1975.CAMPADELLO, Píer. Radiestesia <strong>na</strong> autocura. São Paulo, RobeEditorial, 1995.FAZENDA, I. C. A. Interdiscipli<strong>na</strong>rida<strong>de</strong>: um projeto em parceria.São Paulo: Loyola, 1991.FERREIRA, A.B.H. Novo Aurélio Século XXI. Rio <strong>de</strong> Janeiro: NovaFronteira, 1999.FROMM, Erich. Conceito marxista <strong>de</strong> homem. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz eTerra, 1983.GIANNOTTI, José Arthur. <strong>Trabalho</strong> e Reflexão. São Paulo:Brasiliense, 1983.IBGE – Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. Perfil dosidosos responsáveis pelos domicílios no Brasil. IBGE, 2000.JAPIASSÚ, Hilton et al. Dicionário Básico <strong>de</strong> Filosofia. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Jorge Zahar, 1996.KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 1981.LARROUSSE. Petit Larousse Ilustré. Paris : Larousse, 1982.LE ROBERT. Diction<strong>na</strong>ire <strong>de</strong> la langue française. Paris: Dicorobert, 1994.


Educação, <strong>Trabalho</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>235MANDINO, O. O Maior ven<strong>de</strong>dor do Mundo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: MundoMusical, 1977.MARX, Karl. O CAPITAL: Crítica da economia política. São Paulo:Nova Cultural, 1985.OPAS – Organização Pan-America<strong>na</strong> da Saú<strong>de</strong>. Envelhecimentoativo: uma política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Brasília, World Health Organization (tradução:Suza<strong>na</strong> Gontijo), 2005.VIEIRA, Élio. Educação, trabalho e participação: um estudo baseadoem experiências vividas no meio rural baiano. Dissertação <strong>de</strong> mestrado.São Paulo: 1990. 361p. Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SãoPaulo.


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<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong>no <strong>Trabalho</strong>237Euler Esteves RibeiroMédico, especialista em Geriatria pela Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica doRio Gran<strong>de</strong> do Sul e em Gerontologia e Saú<strong>de</strong> do Idoso pela Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Goiás. Ex-<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, atuou como relator da ReformaConstitucio<strong>na</strong>l. Ex-secretário <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Amazo<strong>na</strong>s.Atualmente é diretor da UnATI da Universida<strong>de</strong> do Estado do Amazo<strong>na</strong>s(UEA), professor titular <strong>na</strong> Escola Superior <strong>de</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong> da UEAe pesquisador do CNPq.A trajetória da luta <strong>de</strong>mocrática promovida pelos trabalhadoresao longo <strong>de</strong> décadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a constituição <strong>de</strong> direitos e a Consolidaçãodas Leis Trabalhistas, elaborada e promovida <strong>na</strong> Era Vargas, até a NovaRepública. Os vários momentos políticos pelos quais passamos, com algunsperíodos críticos, em que os direitos dos cidadãos e, particularmente, dostrabalhadores tinham sido abolidos e que duraram vários anos. Até que as“Diretas Já!” e, consequentemente, a instalação da Nova República vieramrestabelecer <strong>de</strong>finitivamente a <strong>de</strong>mocracia no nosso país. E, neste momento,o Movimento Social dos Trabalhadores volta à ce<strong>na</strong> política e a relaçãoSocieda<strong>de</strong> versus Estado se modifica para garantir os direitos i<strong>na</strong>lienáveisdos trabalhadores. E a Nova Constituição brasileira, promulgada em 1988,traz em seu Capítulo II, Seção II, artigos 196 a 200, a criação do SistemaÚnico <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), com serviços públicos especiais <strong>de</strong> prevenção,promoção e recuperação da saú<strong>de</strong> dos trabalhadores (Brasil, CF, 1988).Tudo isso visando à proteção à saú<strong>de</strong> daqueles indivíduos que,


238 Euler Esteves Ribeirocom seu próprio esforço e o apoio coletivo, ajudam a construir um ProdutoInterno Bruto (PIB) cada vez mais expressivo, culmi<strong>na</strong>ndo com mudançasda nossa economia e nos alçando à condição <strong>de</strong> país emergente ao PrimeiroMundo.Como a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos trabalhadores segue igual à <strong>de</strong>qualquer indivíduo da socieda<strong>de</strong>, um viés é o principal: a saú<strong>de</strong>. Contudo nãopo<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> comentar sobre o direito a habitação, renda necessáriapara subsistência, garantia <strong>de</strong> transporte seguro e confortável, existência<strong>de</strong> escolas suficientes e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para si próprio e para os seus. Agarantia <strong>de</strong> “salário-sobrevivência”, como os benefícios da segurida<strong>de</strong>social, pré-pagos para sua aposentadoria. Férias remuneradas. E, sobretudo,segurança, em todos os sentidos, <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>, mantida pelo Estado.Mas a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho (QVT) implica ainda a boa relaçãoentre os trabalhadores e os patrões. Condições a<strong>de</strong>quadas <strong>na</strong> planta on<strong>de</strong>exerce suas ativida<strong>de</strong>s. Com proteção específica para cada tipo <strong>de</strong> trabalhoexercido, como aeração <strong>de</strong>ntro dos padrões exigidos pela OrganizaçãoMundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS), ilumi<strong>na</strong>ção suficiente para não prejudicara saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus olhos, ruídos <strong>de</strong>ntro dos <strong>de</strong>cibéis previstos <strong>na</strong>s leis <strong>de</strong>segurança do trabalho, alimentos em quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> necessáriaspara reposição energética do trabalhador, temperatura ambiente controladae capaz <strong>de</strong> manter o sistema homeotérmico humano, estabilida<strong>de</strong> para afamília, com cobertura i<strong>de</strong>al para os bebês das trabalhadoras e creches<strong>de</strong>ntro do ambiente do trabalho, permitindo o aleitamento materno. Fériasremuneradas, licença gestante e paternida<strong>de</strong> garantidas por lei.E ainda: lazer estimulado, incluindo esportes individuais e coletivos,tendo como principio básico a manutenção da saú<strong>de</strong> através <strong>de</strong> programas<strong>de</strong> exercícios físicos. Acompanhamento psicoemocio<strong>na</strong>l, garantindo aestabilida<strong>de</strong> das relações interpessoais, para manter a produtivida<strong>de</strong>.Segundo a professora A<strong>na</strong> Magnólia Men<strong>de</strong>s, da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Brasília (UnB), o significado <strong>de</strong> um trabalho com qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>veser: trabalhar com disposição e alegria, sentindo que está sendo útil evalorizado pela sua chefia imediata.Acordar todos os dias com disposição pra ir ao trabalho, nuncapensar que é um gran<strong>de</strong> sacrifício. Chegar satisfeito e, quando sair, se sentirmuito provavelmente cansado, mas em quase 100% dos dias realizadoe agra<strong>de</strong>cido por ter um trabalho. Sentir-se prazeroso e sem incômodo


<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> no <strong>Trabalho</strong>239em trabalhar, principalmente quando reconhecido e valorizado. Sentirsebem mesmo tendo <strong>de</strong> fazer o que não está com vonta<strong>de</strong>. Integrar asboas condições <strong>de</strong> trabalho a um bom ambiente <strong>de</strong> trabalho - incluindosaú<strong>de</strong>, lazer, um tipo a<strong>de</strong>quado e agradável <strong>de</strong> tarefas a serem elaboradase boas perspectivas <strong>de</strong> recompensa remuneratória e garantias <strong>de</strong> fazer umacarreira.Ainda para a professora, um trabalho é sem qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidaquando em volume exagerado, com uma pressão muito gran<strong>de</strong> da chefia, oque promove <strong>de</strong>sestímulo à produtivida<strong>de</strong> e um <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>na</strong> quantida<strong>de</strong>e <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> dos produtos - distribuição <strong>de</strong>sigual do trabalho. Sãotrabalhadores menos afeitos àquela tarefa que acabam por sobrecarregaros mais esforçados. E isto promove <strong>de</strong>sequilibrio e injustiça social, pois nofi<strong>na</strong>l as remunerações são semelhantes. Há ainda outros vieses <strong>de</strong> implicaçãonegativa <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho, como insuficiência no número <strong>de</strong>funcionários e muitas missões <strong>de</strong> produção exageradas e não programadas<strong>de</strong> um produto em um tempo insuficiente para cumprimento das tarefas.De outro lado, a individualida<strong>de</strong> exagerada <strong>de</strong> alguns colegas, provocandouma enorme disputa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e, não raro, muita <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong>. E algunstrabalhadores sem espírito coletivo, que não cumprem tarefas ou cargashorárias, sobrecarregam os outros. De certa forma, a divisão entre quemplaneja e quem executa, <strong>de</strong>scumprindo a igualda<strong>de</strong> entre os trabalhadores,dividindo-os em castas, gerando privilégios <strong>na</strong> distribuição das tarefas edos prêmios. Promovendo, enfim, insatisfação do grupo não beneficiado.E a não utilização do processo <strong>de</strong>mocrático <strong>na</strong> escolha das li<strong>de</strong>ranças dasequipes <strong>de</strong> trabalho, perpetuando-os nos cargos comissio<strong>na</strong>dos, criandodificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações entre trabalhadores e esses lí<strong>de</strong>res.Uma outra série <strong>de</strong> equívocos po<strong>de</strong> promover acentuadamenteo <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>na</strong>s relações entre os próprios trabalhadores e seusdirigentes, tais como <strong>de</strong>ficiente comunicação dos objetivos da empresa,<strong>de</strong>spreparo e falta <strong>de</strong> conhecimento dos processos <strong>de</strong> gestão dos própriosgerentes, falta <strong>de</strong> comunicação a<strong>de</strong>quada com a administração central,falta <strong>de</strong> comunicação entre as equipes e os <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>partamentos, falta <strong>de</strong>sensibilida<strong>de</strong> dos diretores com os diversos problemas dos trabalhadores, queacabam por comprometer a produção da empresa, ruídos <strong>na</strong> comunicaçãoe falta <strong>de</strong> autonomia das li<strong>de</strong>ranças, acentuando o distanciamento entre ostrabalhadores e os objetivos centrais <strong>de</strong> uma empresa.


240Euler Esteves RibeiroA consequência é o aumento do absenteísmo e dos aci<strong>de</strong>ntes notrabalho, com diminuição da eficácia, da eficiência e da produtivida<strong>de</strong>,déficit da qualida<strong>de</strong> dos produtos e serviços, <strong>de</strong>terioração da imagem daempresa e <strong>de</strong>spesas com afastamentos por problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Os conflitos gerados por todos esses dissabores entre ostrabalhadores, seus lí<strong>de</strong>res e chefes <strong>de</strong> empresas acabam por ter reflexossérios sobre a saú<strong>de</strong> dos trabalhadores: disfunções tanto sociais comofísicas e psicológicas, causadas essencialmente pelos <strong>de</strong>safios e confrontosentre todos os participantes <strong>de</strong>ste complexo, acabam por gerar sentimentosnegativos, muitas vezes levando à <strong>de</strong>pressão e agravos psicológicos sérios.Por outro lado, os agravos sociais levam os trabalhadores a enfrentardificulda<strong>de</strong>s cada vez maiores <strong>na</strong>s relações entre si e entre seus familiares.Por fim, o aparecimento <strong>de</strong> dores físicas, mudanças bruscas <strong>de</strong> humor e dafisiologia orgânica.Estas alterações são por vezes tão graves que po<strong>de</strong>m levar aoaparecimento <strong>de</strong> eventos cardiovasculares, distúrbios do sono, diabetes,obesida<strong>de</strong>, calvície e síndrome do pânico.Men<strong>de</strong>s Ferreira (2003), em “Diálogo entre a Ergonomia da Ativida<strong>de</strong>e a Psicodinâmica do <strong>Trabalho</strong>”, on<strong>de</strong> tratou da cultura organizacio<strong>na</strong>l,levando em consi<strong>de</strong>ração o contexto do trabalho e suas condições, dizque a cultura huma<strong>na</strong> do trabalho po<strong>de</strong> gerar “prazer” e “sofrimento”. Econclui dizendo que, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da estratégia utilizada, po<strong>de</strong>mos chegara um dos dois vetores que se contrapõem: “sucesso” e “fracasso”.Todo ser humano tem como objetivo principal, em qualquer setorda sua vida, a busca incessante do sucesso. Quando amarga um fracasso,seja no trabalho ou fora <strong>de</strong>le, sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>cai, levando-omuitas vezes a atitu<strong>de</strong>s negativas e comprometedoras. Sendo assim, otrabalhador só se queda convencido <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> quando os setoressociais, psicológicos e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> estão ple<strong>na</strong>mente preenchidos <strong>de</strong> acordocom suas expectativas.A organização do trabalho passa por uma série <strong>de</strong> procedimentos,que incluem a <strong>na</strong>tureza e a divisão das tarefas, levando em conta ossistemas hierárquicos operacio<strong>na</strong>l, administrativo e social e estabelecendoo tempo da jor<strong>na</strong>da <strong>de</strong> trabalho incluso <strong>na</strong> própria legislação trabalhistae não esquecendo <strong>de</strong> levar em consi<strong>de</strong>ração as regras <strong>de</strong> ofício e suas


<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> no <strong>Trabalho</strong>241práticas. Cuida também <strong>de</strong> corrigir hábitos que levem a vícios prejudiciaistanto às empresas como aos próprios trabalhadores.As relações socioprofissio<strong>na</strong>is levam a crer que <strong>de</strong>vem existirinterações coletivas inter e intragrupos e comunicação entre os membrosda equipe <strong>de</strong> trabalho e membros <strong>de</strong> outros grupos da mesma empresa e/ou <strong>de</strong> outras congêneres. Sempre buscando manter o grau hierárquico <strong>na</strong>distribuição das tarefas, o grau <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> cada um e a autonomia,assim limitando a invasão <strong>na</strong>s tarefas e os conflitos que po<strong>de</strong>m advir<strong>de</strong>sstas praticas.Tudo tem um preço <strong>na</strong> vida.E qual será o custo humano no trabalho?Os esforços <strong>de</strong>spendidos pelo trabalhador, com gran<strong>de</strong>s gastosenergéticos e íntimos conflitos por terem <strong>de</strong> enfrentar as contradições doambiente do trabalho, acabam por <strong>de</strong>safiar sua inteligência. Não somenteisso. Sobretudo pelas alterações produzidas, com repercussão física às vezesgrave e distúrbios cognitivos sérios, po<strong>de</strong>m ocorrer bruscas mudanças <strong>de</strong>comportamento, <strong>de</strong> humor e da qualida<strong>de</strong> da afetivida<strong>de</strong>, que repercutemno ambiente da empresa e no seio <strong>de</strong> suas famílias. Isto tudo nos leva acomputar como custo humano no trabalho.E este custo humano os leva a se dividir entre os extremos: prazere sofrimento. Tendo como prazer a vivência <strong>de</strong> realização profissio<strong>na</strong>l e<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, origi<strong>na</strong>da <strong>na</strong> ressonância simbólica e/ou nouso da mobilização coletiva. E o sofrimento como uma vivência diferente.Seria o esgotamento e a falta <strong>de</strong> realização profissio<strong>na</strong>l, o que geraria, porfim, “angústia”, “medo” e insegurança provenientes das contradições entre<strong>de</strong>sejos e necessida<strong>de</strong>s do trabalhador. E que teriam como consequência,<strong>na</strong> realida<strong>de</strong>, a queda da produtivida<strong>de</strong>, gerando conflitos maiores <strong>de</strong>ntrodo sistema.Mas como proce<strong>de</strong>r para minimizar o sofrimento no trabalho? Devárias maneiras, coletivas ou individuais, <strong>de</strong> ver e pensar, sentir e agir,que po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>verão ser utilizadas pelos próprios trabalhadores, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>sse contexto, tentando <strong>de</strong>smistificar as adversida<strong>de</strong>s que acabaram pororigi<strong>na</strong>r o próprio sofrimento no trabalho. Po<strong>de</strong>m ainda ser utilizadas,<strong>na</strong> prática, ações <strong>de</strong>fensivas, com mecanismos <strong>de</strong> adaptação ao processo


242Euler Esteves Ribeirodoentio que gerou o sofrimento. O mais acertado no caso, porém, seria umamobilização subjetiva, reconhecendo todos os <strong>de</strong>svios coletivos geradosno próprio ambiente <strong>de</strong> trabalho.E uma vez que os gestores reconhecem que existe <strong>na</strong> empresa mais“sofrimento” do que “prazer” <strong>na</strong>quele tipo <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong>verão <strong>de</strong> prontoser tomadas providências para implementar com urgência um programa <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho (QVT). As ações a serem <strong>de</strong>senvolvidas serão<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> institucio<strong>na</strong>l, mas as tarefas terão, obrigatoriamente,<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> todos, para que possamos alcançar êxito nessa missão. Logo todomo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão tem <strong>de</strong> primar pela compatibilização entre o bem-estardos seus trabalhadores e os objetivos da empresa, para que obtenhamosêxitos bilaterais tanto no prazer no trabalho como <strong>na</strong> produção esperada.Portanto, para que possamos superar as ações localizadas e isoladasem qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, terá sido necessária uma preocupação inicial emformatar uma política <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho, em qualquer queseja a <strong>na</strong>tureza da empresa, pública ou privada. Pois estamos convencidos<strong>de</strong> que o contexto do trabalho reflete modos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> “perversos“e/ou “saudáveis”, favoráveis ou não à QVT.Os reflexos <strong>de</strong> um bom programa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalhoatingem, <strong>de</strong> maneira geral, todos os interessados – sejam trabalhadores,empresas ou clientes.Para os trabalhadores, o primeiro reflexo é a garantia do “prazer”no trabalho, criando um ambiente favorável <strong>de</strong> auto-estima contribuindopara reduzir indicadores negativos, tais como ausência do trabalho,aci<strong>de</strong>ntes, doenças profissio<strong>na</strong>is, licenças exageradas para tratamento <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e aposentadoria precoce.As empresas, por sua vez, são beneficiadas pelo fator <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong>organizacio<strong>na</strong>l, contribuindo para reduzir indicadores negativos, comoerros, retrabalho, perda <strong>de</strong> material, danificação <strong>de</strong> equipamentos e quedada produtivida<strong>de</strong> nos serviços prestados.Fi<strong>na</strong>lmente, os clientes, que <strong>na</strong> verda<strong>de</strong> são o objetivo principaldo produto fi<strong>na</strong>l, também se beneficiam, pois, recebendo produtos comqualida<strong>de</strong>, reduzem indicadores negativos, como queixas, reclamações einsatisfação.Para implantar um Programa <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> no <strong>Trabalho</strong> é


<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> no <strong>Trabalho</strong>243preciso ter em mente que não po<strong>de</strong>remos iniciar um programa <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>turezase não estivermos convencidos <strong>de</strong> que necessitamos fundamentalmente<strong>de</strong>stes princípios básicos: responsabilida<strong>de</strong>, comprometimento, parceriase participação com empresários e trabalhadores - sem esquecer leistrabalhistas que estabeleçam direitos e <strong>de</strong>veres bilaterais. É necessárioter consciência <strong>de</strong> que, para formar equipes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses princípiosbásicos, é <strong>de</strong> fundamental importância nunca esquecer a família <strong>de</strong> todosos envolvidos no programa. Caso contrário, jamais criaremos equipesinstitucio<strong>na</strong>is que se sintam uma mesma família. Tanto assim que o itemresponsabilida<strong>de</strong> não diz respeito somente ao institucio<strong>na</strong>l, mas sobretudoao social. Dentro <strong>de</strong>ste aspecto estão incluídas também todas as famílias dosparceiros do programa. Dessa maneira, é indispensável para a implantaçãodo Programa <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no <strong>Trabalho</strong> a existência <strong>de</strong> uma culturaorganizacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> bem-estar social coletivo, o que <strong>de</strong>verá vir ancorado <strong>na</strong>prevenção <strong>de</strong> riscos para saú<strong>de</strong>, conforto e segurança, no investimentopermanente e continuado em profissio<strong>na</strong>lização individual e coletiva dostrabalhadores, valorizando o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> cada um e o produto dastarefas coletivas <strong>de</strong>ntro da função social <strong>de</strong>senvolvida pela empresa.É fundamental que a comunicação <strong>de</strong>ntro da instituição estejabaseada <strong>na</strong> transparência e <strong>na</strong> visibilida<strong>de</strong>, o que <strong>de</strong>verá proporcio<strong>na</strong>r aalavancagem das ações <strong>de</strong> QVT. Mostrando a todos os ca<strong>na</strong>is já existentese sempre cuidando <strong>de</strong> propor alter<strong>na</strong>tivas que possam dar origem a novosca<strong>na</strong>is <strong>de</strong> comunicação entre todos. Criando, com isto, um clima <strong>de</strong>positivida<strong>de</strong> organizacio<strong>na</strong>l, evitando o aparecimento <strong>de</strong> ruídos negativos.A organização <strong>de</strong>verá estar atenta para que a produtivida<strong>de</strong> alcançadapela força <strong>de</strong> trabalho seja ao mesmo tempo geradora <strong>de</strong> bem-estar socialindividual e coletivamente. E o clima entre diretores, gerentes, lí<strong>de</strong>res,trabalhadores e clientes seja repleto <strong>de</strong> prazer e satisfação.Portanto a política <strong>de</strong> QVT <strong>de</strong>ve ser concebida <strong>de</strong> tal forma que oplanejamento das tarefas e os critérios <strong>de</strong> avaliação da produtivida<strong>de</strong> e do<strong>de</strong>sempenho estejam sintonizados permanentemente.<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> uma maneira geral, é o que tem sidorecomendado por todos, não somente para aumentar anos <strong>de</strong> vida, maspara colocar vida nestes anos a mais. E QVT não é diferente! Não basta terum trabalho, é necessário que esse trabalho traga consigo prazer e bemestar.No próprio trabalho e no seio da família dos trabalhadores.


244Euler Esteves RibeiroBibliografiaBRASIL, Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 1988.BRASIL, Decreto Legislativo nº 2, <strong>de</strong> 1992 - Aprova o texto daConvenção nº 155, da Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong> (OIT), sobresegurança e saú<strong>de</strong> dos trabalhadores e o meio ambiente <strong>de</strong> trabalho.Adotada em Genebra, em 1981, durante a 67ª Seção da ConferênciaInter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong>, em março <strong>de</strong> 1992. Documento disponívelpara consulta em www.institutoamp.com.br/oit155.htm. Acesso em 16<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008. Material da primeira aula da discipli<strong>na</strong> “Segurança eSaú<strong>de</strong> do Trabalhador”, ministrada no curso <strong>de</strong> Pós-Graduação Lato SensuTelevirtual em Direito e Processo do <strong>Trabalho</strong> (Uni<strong>de</strong>rp/Re<strong>de</strong> LFG).BRASIL, TST, Súmula nº 228, DJ 04 e 07.07.2008, Disponível emwww.tst.gov.br. Acesso em: 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008. Material da primeiraaula da discipli<strong>na</strong> Segurança e Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, ministrada nocurso <strong>de</strong> Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito e Processo do<strong>Trabalho</strong> (UNIDERP/REDE LFG).BRASIL, TST, RR - 1118/2004-005-17-00-6, 14/05/2008, 7ª Turma,Relator: ministro Ives Gandra Martins Filho. Material da primeira aulada discipli<strong>na</strong> Segurança e Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, ministrada no curso <strong>de</strong>Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito e Processo do <strong>Trabalho</strong>(UNIDERP/REDE LFG).CALVET, Otávio Amaral. Competência da Justiça do <strong>Trabalho</strong> paraações coletivas que tutelam o meio ambiente <strong>de</strong> trabalho. Disponível emwww.calvet.pro.br/in<strong>de</strong>x2.asp. Acesso em 17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008. Material daprimeira aula da discipli<strong>na</strong> Segurança e Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, ministradano curso <strong>de</strong> Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direito e Processodo <strong>Trabalho</strong> (UNIDERP/REDE LFG).FERREIRA, M. C., & Barros, P. C. R. (2003). (In)Compatibilida<strong>de</strong>:trabalho prescrito - trabalho real e vivências <strong>de</strong> prazer - sofrimento dostrabalhadores: um diálogo entre a ergonomia da ativida<strong>de</strong> e a psicodinâmicado trabalho. Revista Alethéia, Universida<strong>de</strong> Lutera<strong>na</strong> do Brasil, Canoas,RS.GUARNIERI, Bruno Marcos. Meio ambiente do trabalho: prevençãodos infortúnios laborais, dignificação do trabalho e responsabilida<strong>de</strong> doempregador. Revista LTR, v. 71, nº 12, <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007, pág. 1.474.Material da primeira aula da discipli<strong>na</strong> Segurança e Saú<strong>de</strong> do Trabalhador,ministrada no curso <strong>de</strong> Pós-Graduação Lato Sensu Televirtual em Direitoe Processo do <strong>Trabalho</strong> (UNIDERP/REDE LFG).LACAZ, Francisco Antônio <strong>de</strong> Castro. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida notrabalho e saú<strong>de</strong>/doença. Ciênc. saú<strong>de</strong> coletiva [serial on the internet].2000 [cited May 27, 2009]; 5(1): 151-161. Disponível em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232000000100013&lng=en.


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246


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> TerceiraIda<strong>de</strong> <strong>na</strong> França:necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios*247Jean-Pierre BauxAspectos <strong>de</strong>mográficos e econômicosIntroduçãoA França se distingue <strong>na</strong> Europa por três particularida<strong>de</strong>s: umataxa <strong>de</strong> emprego dos seniores, assim como dos jovens, situada entre asmais baixas do mundo <strong>de</strong>senvolvido, e uma fecundida<strong>de</strong> menos <strong>de</strong>gradadado que a dos países vizinhos. Agora, as perspectivas <strong>de</strong>mográficas tor<strong>na</strong>minsustentável no curto prazo, e mais ainda em médio e longo prazo, amanutenção das duas primeiras particularida<strong>de</strong>s.É preciso observar, nesse sentido, que a fraca taxa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> dosidosos tem sido alvo, há trinta anos, <strong>de</strong> um consenso tácito das instânciasgover<strong>na</strong>mentais e sindicais e, no mais das vezes, do acordo mais ou menossubentendido dos interessados. A manutenção <strong>de</strong> limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> muitobaixos para se beneficiar <strong>de</strong> uma aposentadoria e a implantação em gran<strong>de</strong>escala <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> “pré-aposentadorias” 1 recebeu, por muito tempo,a aquiescência dos interessados, com tanto mais boa-vonta<strong>de</strong> ,visto que ascondições fi<strong>na</strong>nceiras consentidas para sair da ativa eram fi<strong>na</strong>nceiamente1Uma aposentadoria antecipada com diminuição do benefício a ser recebido.


248Jean-Pierre Bauxestimulantes – o que não é mais o caso hoje em dia.A lenta, lentíssima conscientização dos <strong>de</strong>sequilíbrios crescentesdo sistema <strong>de</strong> aposentadoria por repartição – diminuição do número <strong>de</strong>cotizantes pelo fato <strong>de</strong> ingressarem no mercado <strong>de</strong> trabalho geraçõesmenos numerosas, <strong>na</strong>scidas a partir dos anos 70, e aumento do número<strong>de</strong> beneficiários pelo fato <strong>de</strong> chegarem à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aposentar geraçõesnumerosas, ditas do baby-boom (1946-1974)–, colocou <strong>na</strong> or<strong>de</strong>m do diaa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retardar a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cessação do trabalho. Os <strong>de</strong>batesem curso estão longe <strong>de</strong> suscitar um mínimo <strong>de</strong> consenso, como é ocaso, em geral, noutras partes da Europa. No entanto, nota-se que asmentalida<strong>de</strong>s começam a evoluir e que são tomadas medidas, emboraainda insuficientes.Para apreen<strong>de</strong>r em sua complexida<strong>de</strong> a questão do trabalho <strong>na</strong>Terceira ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França, é preciso proce<strong>de</strong>r, primeiramente, a um estudodo contexto <strong>de</strong>mográfico e econômico e, em particular, do envelhecimento<strong>na</strong> Europa e <strong>na</strong> França, para então a<strong>na</strong>lisar as causas da “exceção” francesa– a baixa taxa <strong>de</strong> emprego dos seniores -- e, por fim, estudar as evoluçõesrecentes dirigidas pelas projeções <strong>de</strong>mográficas a curto e médio prazo.1° contexto <strong>de</strong>mográfico e econômico“Sentir a ondulação do movimento profundo sob a onda doacontecimento.”1.1 – O envelhecimento <strong>na</strong> Europa e <strong>na</strong> França em 2008:uma bomba-relógioÉ indispensável, antes <strong>de</strong> seguir adiante, evocar asperspectivas <strong>de</strong>mográficas mundiais e europeias – a França,querendo ou não, é solidária com a Europa –, pois a <strong>de</strong>mografiaé o fator principal que comanda a evolução <strong>na</strong> duração do tempoque os seniores são mantidos no trabalho.O 25º Congresso inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da população, realizado emTours (França), em julho <strong>de</strong> 2005, constatou que uma implosão, enão uma explosão <strong>de</strong>mográfica, ameaçava o mundo no horizontedo meio do século. Os números publicados anualmente pela ONUconfirmam, ano após ano, essa tendência principal. Essa implosão


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios249atingirá, <strong>na</strong>s próximas décadas, a quase totalida<strong>de</strong> dos países domundo – um pouco mais tar<strong>de</strong>, a África – e será companhada <strong>de</strong>um envelhecimento 2 que já atinge o Japão e a Europa, incluindo aFrança. Convém lembrar, nesse tocante, que a França foi, nos anos1920 e 1930, o país mais envelhecido do mundo, um privilégiocujos frutos amargos o país experimentou em 1940.A Europa, incluindo a Rússia, conta 736 milhões <strong>de</strong>habitantes em 2008, menos <strong>de</strong> 12% da população mundial contra20% em 1900, e essa porcentagem segue, inelutavelmente, rumo ao<strong>de</strong>clínio. Na Europa oci<strong>de</strong>ntal, a evolução da população <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1945se <strong>de</strong>u em dois momentos. Após a guerra <strong>de</strong> 39-45, a fecundida<strong>de</strong>se manteve em um patamar elevado – em média, 2,7 filhos – até oinício dos anos 70, caracterizando o assim chamado “baby boom”.Em 1974 a fecundida<strong>de</strong> cai abaixo do limite para a reposição dasgerações, que <strong>na</strong> Europa oci<strong>de</strong>ntal é <strong>de</strong> 2,08 2 filhos por mulher.Essa taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> da União Europeia está em torno <strong>de</strong> 1,5atualmente, mas vários países extrapolaram esse limite, <strong>de</strong> modoque ela não renova mais as suas gerações há mais <strong>de</strong> vinte anos.A França, a <strong>de</strong>speito dos “cacarejos” periódicos, está praticamentenesse mesmo barco.O fenômeno foi mascarado pelo prolongamento espetacularda vida – 30 anos em um século –, do qual se beneficiaramfaixas etárias pouco numerosas <strong>na</strong>scidas antes da guerra, <strong>de</strong>poispela imigração e, fi<strong>na</strong>lmente, pela importância dos efetivos <strong>de</strong>mulheres em ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procriar <strong>na</strong>scidas por ocasião do Baby-Boom,(1946-1974). A chegada <strong>de</strong> gerações menos numerosas <strong>na</strong>scidasapós 1974 e a elevação da ida<strong>de</strong> das mulheres no <strong>na</strong>scimento doprimeiro filho – 29 anos, atualmente – vêm acelerar o fenômeno etorná-lo ainda mais visível, caso a fecundida<strong>de</strong> fique estabilizadanos baixos níveis atuais.Após a queda do muro <strong>de</strong> Berlim, o <strong>de</strong>créscimo dafecundida<strong>de</strong> foi particularmente brutal no leste europeu, emespecial <strong>na</strong> Polônia, Ucrânia, Bielorússia, etc. Em 2005, diversos2O envelhecimento é <strong>de</strong>finido como uma modificação <strong>na</strong> composição etária da população (menosjovens, mais idosos).3Essa taxa, normalmente fixada em 2,1, po<strong>de</strong> variar em função da situação sanitária dos paísesconsi<strong>de</strong>rados. Na Europa oci<strong>de</strong>ntal e <strong>na</strong> França, ela é mais baixa, e <strong>na</strong> África é mais elevada.


250Jean-Pierre Bauxpaíses, como Rússia e Alemanha, registraram um número <strong>de</strong>falecimentos superior ao <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimentos. A Europa, que hoje contaape<strong>na</strong>s com a Alemanha entre os 20 países mais populosos domundo, contra os cinco países europeus que figuravam entre os 10primeiros em 1900, po<strong>de</strong>ria ver, caso a fecundida<strong>de</strong> continue comoestá e se a imigração não vier preencher parcialmente os vazios,a sua população diminuir para 717 milhões no horizonte do ano2025 e <strong>de</strong>cli<strong>na</strong>r <strong>de</strong> forma acentuada para 654 milhões até 2050.A participação da Europa <strong>na</strong> população mundial <strong>de</strong>spencaria paracerca <strong>de</strong> 7%, em favor da Ásia, da América – sobretudo a AméricaLati<strong>na</strong> – e da África, a qual teria o crescimento mais acentuado.A Europa ver-se-á, então, inevitavelmente confrontada com asconsequências da diminuição do seu peso <strong>de</strong>mográfico relativo eabsoluto, bem como do seu envelhecimento 3 .Como membro da União Européia, a França partilhará asconsequências do seu <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>mográfico, mesmo que a sua situaçãoseja um pouco menos <strong>de</strong>sfavorável que a dos países vizinhos.1.2 – O caso específico da FrançaA fecundida<strong>de</strong> francesa <strong>de</strong> 2,01 filhos por mulher em2008, embora insuficiente para repor as gerações, é nitidamentesuperior à da Europa (1,4-1,5). O envelhecimento da populaçãofrancesa, contudo, é uma realida<strong>de</strong> que precisa ser encarada. Elaresulta do aumento <strong>na</strong> duração da vida (Envelhecimento pelotopo) e da acentuada diminuição da população com menos <strong>de</strong>20 anos (Envelhecimento pela base). A tabela abaixo ilustra essefenômeno.AnoPopulação daFrança continental(milhões)Menos <strong>de</strong> 20 anos(milhões e %)60 anos ou mais(milhões e %)197020085162,416 (31,3%)15 (24,03%)9 (17,6%)12,7 (20,35%)35303Projeções não são previsões, e há imprevistos que po<strong>de</strong>m modificá-las. Aquelas que foram realizadaspor Alfred Sauvy nos anos 30 não pu<strong>de</strong>ram prever nem a guerra, nem o baby-boom, nem a quedado muro <strong>de</strong> Berlim.Projeção da composição etária da população francesa (2000-2030)De 20 a 59 anos


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios251A acentuada diminuição da faixa com menos <strong>de</strong> 20 anos<strong>na</strong> população francesa é a causa primeira do envelhecimento<strong>de</strong>vido à queda da fecundida<strong>de</strong> <strong>na</strong> virada dos anos 70.Em poucos anos, essa taxa baixou <strong>de</strong> 2,5 para 1,7 parase recuperar um pouco nos últimos anos, ficando em torno <strong>de</strong>2. Ora, sabe-se que é preciso uma taxa <strong>de</strong> 2,08 para assegurar asimples reposição das gerações. A situação, portanto, está longe<strong>de</strong> ser tão satisfatória quanto anuncia a imprensa francesa comcomplacência.De fato, o aumento da população da França a partir <strong>de</strong>1975 é um fenômeno ilusório que resulta <strong>de</strong> dois movimentosdistintos: <strong>de</strong> um lado, a baixíssima mortalida<strong>de</strong> – em média,540 mil mortes ao ano <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1974 –, e <strong>de</strong> outro, o número <strong>de</strong><strong>na</strong>scimentos relativamente alto.As gerações que chegam ao fi<strong>na</strong>l da vida são menosnumerosas em função da queda <strong>na</strong> taxa <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> que afetavaa França até 1946, bem como <strong>de</strong> perdas e déficits <strong>de</strong> <strong>na</strong>scimentosprovocados pelas guerras <strong>de</strong> 14-18 e 39-45. Contudo a baixafecundida<strong>de</strong> das gerações ditas do baby-boom foi parcialmentecompensada pelo seu efetivo mais importante: 840 mil <strong>na</strong>scimentos,em média, <strong>de</strong> 1946 a 1974, contra cerca <strong>de</strong> 760 mil a partir <strong>de</strong>1974 e 640 mil <strong>de</strong> 1920 a 1945. A chegada ao fi<strong>na</strong>l da vida, porvolta do ano 2025, das gerações <strong>na</strong>scidas entre 1946 e 1974,conjugada com a queda da <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 70, causaráum exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> mortes em relação aos <strong>na</strong>scimentos, levando,portanto, à estag<strong>na</strong>ção ou à diminuição <strong>de</strong> uma populaçãoenvelhecida, ainda que a imigração se mantenha no seu nívelatual ou mesmo aumentado.O crescimento da longevida<strong>de</strong> é a segunda causa doenvelhecimentoNa França, a partir dos anos 1970, a expectativa <strong>de</strong> vidadas mulheres aos 60 anos aumentou seis anos (<strong>de</strong> 20,4 para 26,5anos) e a dos homens, cinco anos e meio (<strong>de</strong> 16 para 21,5 anos).A expectativa <strong>de</strong> vida das mulheres teria tendência a diminuir oritmo, e a dos homens, a se manter. Esse processo se dá ao ritmo <strong>de</strong>


252Jean-Pierre Bauxum trimestre por ano, o que aumenta, ano após ano, a proporçãodas pessoas idosas <strong>na</strong> população, fenômeno esse acentuado pelachegada progressiva das gerações numerosas do baby-boom àida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 60 anos ou mais.Ninguém sabe como vai evoluir a fecundida<strong>de</strong> <strong>na</strong> Europae <strong>na</strong> França durante os próximos anos e décadas. Os <strong>de</strong>mógrafosmantêm para a França uma hipótese média que prevê a manutençãoda sua taxa atual (cerca <strong>de</strong> 2 crianças por mulher), que é insuficientepara renovar as gerações. No entanto o aumento do número <strong>de</strong>pessoas idosas ou “gerontocrescimento” po<strong>de</strong> ser previsto, pois jáse conhecem os efetivos afetados e po<strong>de</strong>m-se formular hipótesessobre a evolução da mortalida<strong>de</strong> 4 .1.3 - Perspectivas População da para 2030França continental Menos <strong>de</strong> 20 anos 60 anos ou maisAno Em (milhões) 2030, uma França (milhões com 64 e %) a 65 (milhões <strong>de</strong> e habitantes%)1970 contaria com 51 20 milhões <strong>na</strong> 16 faixa (31,3%) <strong>de</strong> 60 anos ou 9 (17,6%) mais, sendo 8milhões <strong>de</strong>las acima dos 75 anos. O número <strong>de</strong> pessoas com menos2008 62,415 (24,03%) 12,7 (20,35%)<strong>de</strong> vinte anos cairia <strong>de</strong> 15 para 14 milhões.3530Projeção da composição etária da população francesa (2000-2030)De 20 a 59 anos25201510Mais <strong>de</strong> 60 anosMenos <strong>de</strong> 20 anos502000 2010 2020 2030Amplitu<strong>de</strong> do gerontocrescimento (em milhões)416Salvo pan<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> porte, guerra nuclear, etc.514Projeção média concebível.12108


502000 2010 2020 2030O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios2531614121086420Amplitu<strong>de</strong> do gerontocrescimento (em milhões)2000 2010 2020 2030Menos <strong>de</strong> 20 anosMais <strong>de</strong> 75 anosDe 60 a 74 anosOs gráficos mostram a amplitu<strong>de</strong> do fenômeno em curso edispensam comentários.1.4 - Consequências previsíveis sobretudo para o equilíbriodas aposentadorias e das contas sociaisO envelhecimento será difícil <strong>de</strong> administrar, pois aFrança conheceu um período <strong>de</strong> facilida<strong>de</strong> para fi<strong>na</strong>nciar asaposentadorias: muitos contribuintes, as gerações do baby-boom, emenos beneficiários, as gerações do baby-bust dos anos pré-guerra.Contudo, a partir <strong>de</strong> 2006, a situação se inverte para as próximasquatro décadas, no mínimo. De fato, as gerações do baby-boomcomeçam, a partir <strong>de</strong> 2006, a se aposentar, e são as gerações menosnumerosas, <strong>na</strong>scidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1974, que <strong>de</strong>vem contribuir agora. Ochoque leva progressivamente o po<strong>de</strong>r público a reagir: reduçãodas prestações, aumento dos recolhimentos sobre os indivíduosativos. Os avanços possíveis da produtivida<strong>de</strong>, provavelmentemenos importantes no setor secundário, que é o maior criador <strong>de</strong>emprego, não estarão à altura dos <strong>de</strong>safios a serem enfrentados.O prolongamento da vida e a escalada dos custos da saú<strong>de</strong>implicarão, para que se preserve um sistema <strong>de</strong> seguro-doençaao qual os franceses são apegados, fazer economias drásticase aumentar o valor das contribuições, sobretudo dos i<strong>na</strong>tivosidosos, pois os custos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> daqueles em ida<strong>de</strong> avançada sãoos mais pesados. O número crescente <strong>de</strong> idosos afetados pelo mal


254Jean-Pierre Baux<strong>de</strong> Alzheimer e por outras doenças <strong>de</strong>generativas começa, alémdo mais, a abalar a opinião pública. As medidas incontornáveisforam retardadas tempo <strong>de</strong>mais, sobretudo <strong>na</strong> França, e o esforçoinformativo e pedagógico, que é indispensável, foi e continuasendo insuficiente, pois a pressão eleitoral dificulta as reformas <strong>de</strong>longo prazo que requerem sacrifício da parte dos cidadãos.Infelizmente, a crise atual faz com que dificilmente sejacompreensível, e menos ainda aceitável, uma tal evolução. De fato,as medidas concebíveis para enfrentar o <strong>de</strong>safio do envelhecimentosão amargas: cortar o rendimento dos aposentados, aumentara taxa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> dos agentes econômicos – <strong>de</strong> nível sênior ejúnior – e fazer com que os beneficiários paguem uma parcelacada vez mais significativa <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Evoca-se ainda o <strong>de</strong>sdobramento da imigração <strong>de</strong> jovensadultos. Será difícil, porém, encontrar os trabalhadores qualificados<strong>de</strong> que a Europa em geral e a França em particular carecem, semlesar os países <strong>de</strong> origem, que tanto necessitam <strong>de</strong>sses migrantes.Além do mais, a imigração clan<strong>de</strong>sti<strong>na</strong> é fonte <strong>de</strong> tensões sociaisdifíceis <strong>de</strong> controlar, pois a integração social <strong>de</strong>ssas populações é,muitas vezes, difícil <strong>de</strong> efetuar.Não adianta recusar-se a encarar os fatos. Essas medidasvão, bem ou mal, e provavelmente mais mal do que bem, solucio<strong>na</strong>ro problema a médio prazo sem tratar a questão a fundo. De fato,o envelhecimento é um problema <strong>de</strong>mográfico que tem sua origemem uma fecundida<strong>de</strong> baixa <strong>de</strong>mais e no prolongamento da duraçãoda vida. A França <strong>de</strong>ve, portanto, repor novamente suas geraçõese aumentar sua produtivida<strong>de</strong> mantendo <strong>na</strong> ativa por mais tempoos homens e as mulheres da terceira ida<strong>de</strong>. Assim fica claro, semtentar profetizar, que a ida<strong>de</strong> efetiva da aposentadoria <strong>de</strong>verá,cedo ou tar<strong>de</strong>, ser elevada para 65 anos ou mais, como já ocorre<strong>na</strong> maior parte dos nossos vizinhos.


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios2552° O trabalho dos seniores: a exceção francesaSe é fácil dar um diagnóstico – a taxa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> dosseniores <strong>na</strong> França é baixa <strong>de</strong>mais e é preciso aumentá-las nospróximos anos -, bem menos fácil é administrar um remédio que aFrança possa aceitar <strong>de</strong> bom ou mau grado. Afi<strong>na</strong>l, a fraca taxa <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong> dos seniores é uma verda<strong>de</strong>ira “exceção francesa”.2.1- A França conta com uma baixa proporção <strong>de</strong> ativos acimados 55 anos 5 e 6A taxa <strong>de</strong> emprego global <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 55-64 anos no fim<strong>de</strong> 2008, com ambos os sexos reunidos, era <strong>de</strong> 38,3%, sendo queo objetivo europeu é chegar a ter 50% dos indivíduos <strong>de</strong>ssa faixaetária trabalhando 3 . Se separarmos por sexo, teremos uma taxa <strong>de</strong>emprego <strong>de</strong> 40,2% para os homens e <strong>de</strong> 36% para as mulheres.Essa taxa está mais <strong>de</strong> 10% abaixo da dos outros principais paíseseuropeus, exceto Bélgica e Itália, os quais já <strong>de</strong>ram início a reformasestruturais visando retardar a ida<strong>de</strong> da aposentadoria para alémdos 65 anos. Mais grave ainda, nota-se que a taxa <strong>de</strong> emprego caia partir dos 50 anos, especialmente para os trabalhadores poucoou não qualificados. Desse modo, no início <strong>de</strong> 2008, ou seja, antesda crise começar seus efeitos funestos em termos <strong>de</strong> aposentadoria,registrava-se uma taxa <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> 79,9% para pessoas <strong>de</strong> 50-54 anos, <strong>de</strong> 55,4% para 55-59 anos, e <strong>de</strong> 15,7% para 60-64 anos.É preciso ainda sublinhar que um número <strong>na</strong>da <strong>de</strong>sprezível <strong>de</strong>trabalhadores <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 50-64 anos, especialmente mulheres,trabalham meio-período ape<strong>na</strong>s, quase sempre a contragosto. Essaera a situação <strong>na</strong> mesma época para 12,5% das pessoas <strong>de</strong> 50-54anos, 10,3% das <strong>de</strong> 55-59 anos, e 3,9% das <strong>de</strong> 60-64 anos.A medíocre situação da França nesse terreno fica patenteno gráfico seguinte:6Fonte: estatísticas <strong>de</strong> emprego do INSEE (Dados anuais 1975-2000 e contínuos 2003-2007)7Esses números refletem as mudanças que passaram a integrar as pesquisas <strong>de</strong> emprego a partir <strong>de</strong>2006 e 20078A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> do INSEE e do Eurostat apresenta dois números ligeiramente diversos para ataxa <strong>de</strong> emprego dos seniores, mas não altera a tendência.


256Jean-Pierre Baux70% <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> 55 - 64 anos6050403020100Japão EUA ReinoUnidoAlemanha UE (27) França Itália70605040302010090807060504030201001975 2.2 - 2005: – A taxa Taxa <strong>de</strong> empregos dos sêniores seniores, <strong>na</strong> França no entanto, evoluiufavoravelmente nesses últimos anosNota-se que a taxa <strong>de</strong> emprego <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 55-64 anosaumenta sensivelmente no início dos anos 2000. As primeirasgerações do baby-boom <strong>na</strong>scidas a partir <strong>de</strong> 1946 entram nessacategoria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001. Mais ativos que seus antecessores, esses “jovens seniores “ fazem a curva <strong>de</strong> emprego subir claramente <strong>na</strong>França. Assim, Céline Thévenot e Clau<strong>de</strong> Minni, do Departamentodo <strong>Trabalho</strong> - Diretoria <strong>de</strong> estudos e estatísticas do Ministério do<strong>Trabalho</strong>, chegam à seguinte conclusão em seu informe <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong>abril 1975 <strong>de</strong> 2008: 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007Homens “No fi<strong>na</strong>l, corrigidos Mulheres os efeitos <strong>de</strong> estrutura Ambos <strong>de</strong>mográficapor ida<strong>de</strong>, a taxa <strong>de</strong> emprego dos seniores aumenta 2,4 pontosentre 2004 e 2007. Tal evolução é explicada, em parte, pela1975 - 2005: Taxa <strong>de</strong> emprego por categoria <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>chegada <strong>de</strong> mulheres mais ativas que suas antecessoras à faixadas mulheres com ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 55-59 anos, e em parte, pela evoluçãodo comportamento dos seniores.”Os redatores acima ainda <strong>de</strong>stacam: “Em 2007, corrigidosos efeitos <strong>de</strong> estrutura <strong>de</strong>mográfica por ida<strong>de</strong>, a taxa <strong>de</strong> empregodos seniores avança claramente” . Essa tendência se manteve nosprimeiros meses <strong>de</strong> 2008, mas é provável que a crise irá fazê-la<strong>de</strong>sacelerar, <strong>na</strong> melhor das hipóteses, ou regredir, <strong>na</strong> pior hipótese.Todavia, ela parece correspon<strong>de</strong>r a um movimento <strong>de</strong> fundo que<strong>de</strong>veria 1975 voltar 1980 a crescer 1985 tão 1990 logo haja 1995 uma retomada. 2000 2005 Os gráficos 2007aqui abaixo ilustram essas evoluções.Homens 55-59 Mulheres 55-59 Homens 60-64 Mulheres 60-64


5020401030020 Japão EUA O <strong>Trabalho</strong> Reino <strong>na</strong> Alemanha Terceira Ida<strong>de</strong> UE <strong>na</strong> (27) França: França necessida<strong>de</strong>s Itália e <strong>de</strong>safiosUnido2571001975 - 2005: Taxa <strong>de</strong> empregos dos sêniores <strong>na</strong> FrançaJapão EUA Reino Alemanha UE (27) França Itália7060Unido1975 - 2005: Taxa <strong>de</strong> empregos dos sêniores <strong>na</strong> França507040603050204010300201975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007100 HomensMulheresAmbos1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 200790807060 9050 8040 7030 6020 5010 4030 0201001975 - 2005: Taxa <strong>de</strong> emprego por categoria <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>HomensMulheres1975 - 2005: Taxa <strong>de</strong> emprego por categoria <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>Ambos1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007Homens 55-59 Mulheres 55-59 Homens 60-64 Mulheres 60-641975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007Homens 55-59 Mulheres 55-59 Homens 60-64 Mulheres 60-64


258Jean-Pierre Baux2.3 - Cessação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada ou imposta?À primeira vista, a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego dos francesesacima dos 50 anos parece bastante favorável. No terceiro trimestre<strong>de</strong> 2008 ela estava fixada em 5,1 – homens, 4,9; e mulheres 5,3, -,ao passo que a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para todas as ida<strong>de</strong>s,sem distinção, era <strong>de</strong> 7,3 no Censo do BIT (Bureau Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>ldo <strong>Trabalho</strong>). No entanto vimos anteriormente que a taxa <strong>de</strong>emprego dos seniores caía acentuadamente após os 55 anos e maisainda após os 60 anos. Essa aparente contradição é explicável selevarmos em conta a existência <strong>de</strong> vários dispositivos que seriacansativo a<strong>na</strong>lisarmos aqui – Contrat initiative emploi (CIE),Contrat d’accompagnement vers l’emploi (CAE) e Contrat d’avenir(CAV) –, os quais visam, teoricamente, ajudar <strong>na</strong> recolocação dos<strong>de</strong>sempregados.As tabelas aqui abaixo permitem avaliar melhor ofenômeno.1° Pessoas <strong>de</strong> 50-64 anos no mercado <strong>de</strong> trabalho em 2007(Homens e mulheres juntos) 9 e 10Juntos JuntosAno 2007 50-54 55-59 60-64 50-64 55-64(milhares <strong>de</strong> pessoas) anos anos anos Juntos anos Juntos anosAno 2007 50-54 55-59 60-64 50-64 55-64Emprego (milhares <strong>de</strong> pessoas) anos 3280 anos 2262 anos 485 anos 6026 anos 2746Incl. em meio-período 511 422 121 1054 543Emprego3280 2262 485 6026 2746DesempregadoIncl. em meio-período 199 511 128 422 1211054 348 543 148DesempregadoI<strong>na</strong>tivos199 627 1692 128 2587 21 4906 348 4279 148I<strong>na</strong>tivos Juntos4106 627 1692 4080 2587 3093 11280 4906 4279 7173Juntos4106 4080 3093 11280 71732° Taxa <strong>de</strong> emprego, <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em 2007(Homens e mulheres juntos) 9 e 10Juntos JuntosAno 2007 50-54 55-59 60-64 50-64 55-64(em %)anos anos anos Juntos anos Juntos anosAno 2007 50-54 55-59 60-64 50-64 55-64Taxa (em %) <strong>de</strong> emprego anos 79,9 anos 55,4 anos 15,7 anos 53,4 anos 38,3Incl. em meio-período 12,5 10,3 3,9 9,3 7,6Taxa <strong>de</strong> emprego 79,9 55,4 15,7 53,4 38,3Taxa Incl. <strong>de</strong>meio-período12,5 10,3 3,95,7 5,7 4,19,35,57,65,1<strong>de</strong>sempregoTaxa <strong>de</strong>5,7 5,7 4,1 5,5 5,19<strong>de</strong>sempregoFonte: INSEE, pesquisa emprego 200710O trabalho clan<strong>de</strong>stino, obviamente, não é levado em conta estatisticamente.Ano 2007(em %)50-54anos55-59anos60-64anosJuntos50-64Juntos anosJuntos55-64Juntos anos


Incl. em meio-período 12,5 10,3 3,9 9,3 7,6Taxa <strong>de</strong>5,7 5,7 4,1 5,5 5,1<strong>de</strong>sempregoO <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios259É interessante observar agora a situação dos seniores “i<strong>na</strong>tivos” em 2007.Ano 2007(em %)I<strong>na</strong>tivosIncl. aposentadoriaantecipadaIncl. dispensaremunerada <strong>de</strong>procurar empregoIncl. aposentadoriaantecipada porcarreira longaOutros i<strong>na</strong>tivos50-54anos55-59anos60-64anosJuntos50-64anosJuntos55-64anos15,2 41,4 83,6 43,5 59,60,4 1,1 0,4 0,6 0,86,7 3,4 3,4 5,25,5 2,0 3,114,8 28,1 79,8 37,5 50,5Essa tabela suscita algumas observações:- a elevação brutal no número <strong>de</strong> i<strong>na</strong>tivos a partir <strong>de</strong> 60anos, ida<strong>de</strong> a partir da qual a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aposentar,em função dos pontos acumulados, era possível.- o número expressivo <strong>de</strong> i<strong>na</strong>tivos, ao menos oficialmente 11aos 60 anos e mesmo antes dos 60 anos.- a importância do número <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> 55 a 59 anosque se beneficiam <strong>de</strong> diversos dispositivos permitindolhessair do mercado <strong>de</strong> trabalho com uma renda.- o número muito baixo <strong>de</strong> indivíduos ativos após 60 anose, a fortiori, 65.2.4 - A aposentadoria: um direito e um fato cultural emevolução.A aposentadoria é uma imensa conquista social doperíodo imediato do pós-guerra, que a economia francesa pô<strong>de</strong>fi<strong>na</strong>nciar sem maiores dificulda<strong>de</strong>s durante todo o <strong>de</strong>correr do quese convencionou chamar <strong>de</strong> “os trinta gloriosos” , que chegaramao fim em 1974, com o primeiro choque do petróleo. Não nos11 Os trabalhadores ‘clan<strong>de</strong>stinos’, obviamente, não constam das estatísticas.N. do Tradutor: referência aos 30 anos entre 1945 e 1975, logo após o término da II Guerra. Otermo foi usado pela primeira vez pelo <strong>de</strong>mógrafo francês Jean Fourastié .


260Jean-Pierre Bauxesqueçamos <strong>de</strong> que os beneficiários <strong>de</strong>ssa conquista social eram,<strong>na</strong> sua maioria, operários, artesãos e agricultores que se tor<strong>na</strong>ramoperários, os quais tinham efetuado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito jovens tarefasextremamente penosas. Foi esse o caso em particular dos mineiros,condutores <strong>de</strong> trens a vapor e todos os trabalhadores das indústriasmetalúrgicas. Convém ainda lembrar a esse respeito que foramgerações pouco numerosas que realizaram o extraordinário trabalho<strong>de</strong> reconstrução da França <strong>de</strong>vastada e arrui<strong>na</strong>da pela guerra <strong>de</strong>39-45, e que começaram a recolher para a geração mais velha,enquanto criavam mais filhos do que seus pais tinham criado.As gerações dos anos 1880-1900 tinham participado daguerra <strong>de</strong> 14-18, que <strong>de</strong>ixou um saldo <strong>de</strong> 1,3 milhões <strong>de</strong> mortose quase 3 milhões <strong>de</strong> incapacitados; as dos anos 1900-1939 eram,em parte, gerações do “baby-bust“ concebidas durante e após aguerra e postas para trabalhar muito cedo, não raro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 12-14 anos. São estas também as gerações que, pelo seu trabalho,fi<strong>na</strong>nciaram a política familiar que originou o baby-boom francês,excepcio<strong>na</strong>lmente vigoroso em relação ao dos <strong>de</strong>mais paíseseuropeus.Tal situação cessou a partir dos anos 70 <strong>de</strong>vido àconjunção <strong>de</strong> dois fenômenos: a queda brutal da fecundida<strong>de</strong>,embora menos acentuada do que em outras partes da Europa,e a quadruplicação dos preços do petróleo que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou aascensão implacável do <strong>de</strong>semprego <strong>na</strong> França. Devido à quedada fecundida<strong>de</strong>, as gerações <strong>na</strong>scidas após 1974 – os ativoscotizantes <strong>de</strong> hoje – são muito menos numerosas que as dos seusantecessores. Diante <strong>de</strong>ssa situação, tudo se passou como se asocieda<strong>de</strong> francesa tivesse <strong>de</strong>sejado há 40 anos manter o empregoda população <strong>de</strong> 25-50 anos em <strong>de</strong>trimento dos mais jovens edos mais idosos: os mais jovens prolongando seus estudos e osempregos subsidiados pontuais; os mais idosos pela saída precoceda ativa cujo rastro é visível <strong>na</strong>s estatísticas. Uma solução parao problema foi buscada paralelamente, através da diminuição dashoras sema<strong>na</strong>is trabalhadas, que em 1981 passaram <strong>de</strong> 40 para39 horas, e <strong>de</strong>pois em 1998-2000 para 35 horas. O resultado foibastante <strong>de</strong>cepcio<strong>na</strong>nte.


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios261Os esforços <strong>de</strong> informação pedagógica sobre a dimensão<strong>de</strong>mográfica do problema começam a dar frutos e a populaçãofrancesa parece encarar um pouco melhor a situação <strong>de</strong>gradadadas contas sociais e as causas disso, ainda que muito dificilmenteadmita a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adotar <strong>na</strong> França as medidas já tomadaspelos nossos vizinhos há quase uma década para equilibrar ascontas sociais: aposentadoria, <strong>de</strong>semprego, saú<strong>de</strong>, etc.3° Perspectivas: aceitar o <strong>de</strong>safio apesar dos freios3.1 - Existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já <strong>na</strong> França o início <strong>de</strong> um consenso paraprolongar a duração do emprego.A gran<strong>de</strong> maioria dos políticos dos partidos governistas nãoignora que é preciso prolongar a duração do emprego <strong>na</strong> França.Eles ape<strong>na</strong>s divergem quanto às modalida<strong>de</strong>s e ao calendário paraimplantar essa reforma inevitável. Trata-se, no entanto, <strong>de</strong> umtema explosivo, a ser tratado com tato, prudência, e longe dos anos<strong>de</strong> eleições.... Os responsáveis dos sindicatos sabem, eles também,o que está em questão, porém a posição <strong>de</strong>les é ainda mais difícilque a dos políticos, o que explica a aspereza das negociações.Sendo assim, o avanço segue passo a passo.Estão todos bem cientes <strong>de</strong> que é preciso reequilibraras contas dos sistemas <strong>de</strong> aposentadoria e, <strong>de</strong> modo maisgeneralizado, as contas dos sistemas sociais – saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>semprego–, pois as dificulda<strong>de</strong>s estão diante <strong>de</strong> nós. Não efetuar as reformasé <strong>de</strong>sembocar, a curto ou médio prazo, <strong>na</strong> implosão fi<strong>na</strong>nceira dosistema <strong>de</strong> repartição e <strong>na</strong> ruptura do seu próprio fundamento,que lhe confere, ao mesmo tempo, a sua origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> e nobreza:o contrato intergeracio<strong>na</strong>l que afirma a solidarieda<strong>de</strong> entreas diversas faixas etárias. É Alfred Sauvy 12 quem lembra que,inicialmente criado, educado e formado por meio do trabalhodos seus antecessores, o aprendiz cidadão participa a seguir dasubsistência <strong>de</strong>les, enquanto cria, educa e forma seus próprios filhos.Esse lembrete sensato mereceria, sem dúvida, ser rememorado eexplicado <strong>na</strong> mídia, e melhor ensi<strong>na</strong>do em nossas escolas.12Demógrafo e economista francês.


262Jean-Pierre BauxIsto posto, um primeiro passo bem mo<strong>de</strong>sto foi dado em2003 para incitar os seniores a permanecerem <strong>na</strong> ativa por maistempo. Certas medidas tiveram resultados paradoxais que nãoaten<strong>de</strong>ram às expectativas, outras não obtiveram muito êxito.A criação do prêmio, uma majoração da aposentadoriapaga aos que continuam a trabalhar após os 60 anos, apesar <strong>de</strong>preencherem os requisitos para se aposentar, não surtiu maisresultados do que a ampliação da ida<strong>de</strong> para 65 anos em vez <strong>de</strong> 60como limite para o empregador aposentar compulsoriamente umassalariado. O ajuste um tanto tímido da acumulação <strong>de</strong> um empregoalém da aposentadoria tampouco se saiu melhor. Assalariadose empregadores fizeram causa comum, praticamente igorandoessas medidas. Por outro lado, as disposições que permitiamaos trabalhadores se aposentar antes dos 60 anos ganhandoaposentadoria integral, especialmente para quem começou atrabalhar entre 14 e 17 anos, foram particularmente apreciadase adotadas, o que não era nem um pouco esperado. Infelizmente,esse encantamento teve como resultado um rebaixamento <strong>na</strong> ida<strong>de</strong>média da aposentadoria, que era <strong>de</strong> 61,4 anos em 2003, para 60,7anos em 2006. Com certeza, não era esse o objetivo visado!Um estudo recente <strong>de</strong> Frédéric Gonthier e Jean-FrançoisTchernia 13 enseja, no entanto, uma pitada <strong>de</strong> otimismo. Segundoeles, estaríamos assistindo <strong>na</strong> França a “um aumento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do‘valor trabalho’ por meio <strong>de</strong> uma transformação da relação como emprego... . um número cada vez maior <strong>de</strong> franceses sustentaque trabalhar constitui uma obrigação social”. Em <strong>de</strong>z anos, 1999-2008, a proporção dos que pensam que “trabalhar é um <strong>de</strong>verperante a socieda<strong>de</strong>” passou <strong>de</strong> 56% para 73%.Se isso estiver correto, essa mudança no estado <strong>de</strong> espíritoseria <strong>de</strong> modo a facilitar as alterações inelutáveis.3.2 - Os freios à uma evolução necessáriaA mudança, mesmo necessária, e ainda que tacitamentereconhecida como tal, é sempre algo difícil, sobretudo <strong>na</strong> Françaon<strong>de</strong> rei<strong>na</strong> absoluto o princípio sacrossanto das “vantagens13Estudo citado no Le Mon<strong>de</strong> <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2009, <strong>na</strong> seção “Débats Horizons“, pági<strong>na</strong> 17.


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios263adquiridas”. Uma formação econômica muito insuficiente nãopermite a um número muito gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadãos enten<strong>de</strong>r osmecanismos dos sistemas <strong>de</strong> aposentadoria por repartição – <strong>de</strong>resto, não mais do que outros sistemas <strong>de</strong> proteção social –nem compreen<strong>de</strong>r a importância <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte das limitações<strong>de</strong>mográficas. O mecanismo dos fluxos fi<strong>na</strong>nceiros é igualmentepouco conhecido. Muita gente ainda pensa fazer recolhimentospara a sua aposentadoria, quando <strong>na</strong> verda<strong>de</strong> elas pagam aaposentadoria da geração que as prece<strong>de</strong>u, da mesma forma comoparticipam dos custos da educação das gerações mais jovens queainda não estão em ativida<strong>de</strong>.A amplitu<strong>de</strong>, i<strong>na</strong>dmissível para um país <strong>de</strong>senvolvidocomo a França, do <strong>de</strong>semprego entre os jovens constitui tambémum freio po<strong>de</strong>roso à evolução das mentalida<strong>de</strong>s. Muita genteimagi<strong>na</strong> que, retirando-se da ativa mais cedo eles “ dão lugar “para um jovem, o que é uma ilusão fortemente enraizada. Porum lado, é raro que um posto ocupado por um elemento sêniorqualificado seja automaticamente dado a um jovem, sobretudo seeste tiver pouca ou nenhuma qualificação, e por outro lado, umaposentado precoce tem um custo para a socieda<strong>de</strong> que limita ascapacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento que esta po<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r em prol daformação dos jovens. O fato é que tal ilusão é difundida como oevangelho da verda<strong>de</strong>.Muito <strong>de</strong>safortu<strong>na</strong>damente, um dos trunfos a médio prazoda França, a sua fecundida<strong>de</strong> menos <strong>de</strong>gradada que a da maioria dosseus vizinhos europeus, constitui no curto prazo um impedimento,sobretudo em tempos <strong>de</strong> crise. A cada ano chegam efetivamenteao mercado <strong>de</strong> trabalho exércitos <strong>de</strong> jovens, em maior númerodo que <strong>na</strong> Alemanha, Itália ou Grã-Bretanha para citar <strong>na</strong>çõescomparáveis à França, porém muitos <strong>de</strong>les são insuficientementequalificados. A proporção dos que não encontram emprego (25%)– sem falar dos que são obrigados a aceitar empregos que nãocorrespon<strong>de</strong>m ao seu nível <strong>de</strong> estudos ou daqueles que pulam <strong>de</strong>um emprego temporário para outro - só po<strong>de</strong>, é claro!, manteros pais, amigos, vizinhos e conhecidos, e por tabela a opiniãopública, <strong>na</strong> ilusão <strong>de</strong> que a aposentadoria precoce é quase um<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> intergeracio<strong>na</strong>l.


264Jean-Pierre BauxA crise, enfim, com a alta do <strong>de</strong>semprego – as perspectivasda Comissão Européia, do FMI e da OCDE concordam em prever umaumento acentuado em 2009-2010--, certamente não predispõe asmentes a aceitarem que a prolongação da duração do trabalho dosseniores é indispensável para o bom andamento econômico e socialda França. Esperemos que isso não evolua para uma <strong>de</strong>pressãoeconômica, o que tor<strong>na</strong>ria quase impossível o equilíbrio dascontas, a não ser que venha a surgir uma inflação <strong>de</strong> dois dígitos,a qual faria encolher as prestações e economias dos aposentados,que seriam, então, as suas primeiras vítimas. Felizmente, o piornunca é uma certeza.3.3 - Em 2008, os po<strong>de</strong>res públicos tomaram medidas paraobrigar ou estimular os franceses a continuar suaativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l além dos 60 anosHá toda uma bateria <strong>de</strong> medidas que os po<strong>de</strong>res públicosfranceses adotaram em 2008, isto é, antes que nos déssemos contada gravida<strong>de</strong> excepcio<strong>na</strong>l da crise mundial, à luz dos resultadosdas medidas tomadas em 2003. Lembremo-nos a esse respeitoque a Lei <strong>de</strong> reforma das aposentadorias previa esse “ponto <strong>de</strong>encontro” <strong>de</strong> 2008.Essas medidas se situam <strong>na</strong> mesma linha daquelas adotadasem 2003: algumas tiveram caráter restritivo, outras se preten<strong>de</strong>mestimuladoras. Note-se que elas visam atingir o objetivo <strong>de</strong>finidopela Comissão Européia <strong>de</strong> chegar a uma taxa <strong>de</strong> emprego <strong>de</strong> 50%dos seniores no horizonte <strong>de</strong> 2010.O marco legislativo das medidas gover<strong>na</strong>mentais éfixado pela Lei <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, a qual estabelece asmodalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento da Segurida<strong>de</strong> Social para 2009. Asmedidas não primam pela origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Elas se propõem, <strong>de</strong> umlado, a acentuar os estímulos previstos em 2003, e <strong>de</strong> outro, a porfim <strong>na</strong>s aposentadorias antecipadas.É assim que:- o índice do prêmio para não se aposentar é aumentado;- as regras para acumulação <strong>de</strong> emprego e aposentadoriasão flexibilizadas e permitem especialmente retomar


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios265uma ativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l imediatamente após obter aaposentadoria, inclusive junto ao último empregador;- adia-se <strong>de</strong> 65 para 70 anos a ida<strong>de</strong> para aposentadoriacompulsória do assalariado por iniciativa doempregador;- para incitar os <strong>de</strong>sempregados “idosos” a procurar eretomar uma ativida<strong>de</strong>, a ida<strong>de</strong> em que eles po<strong>de</strong>m, apartir <strong>de</strong> agora, solicitar a dispensa <strong>de</strong> procurar empregoserá progressivamente aumentada até a supressãocompleta <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> em 2012.Tais medidas estão, incontestavelmente, <strong>na</strong> direção certa,mas parecem um tanto tímidas. Isto posto, po<strong>de</strong>-se ir muito maisalém no contexto econômico e social atual?Não se <strong>de</strong>ve acalentar ilusões: quando a retomadaeconômica esperada estiver a caminho, será preciso extrapolarum pouco, pois estamos longe <strong>de</strong> ter certeza se as novas medidassurtirão mais efeito que as anteriores. De todo modo, e pelo que seviu, elas não estão à altura do problema. É igualmente provávelque as aposentadorias complementares, geridas <strong>de</strong> forma partitáriae que interessam enormemente aos executivos, também sejam alvo<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontos, a curto ou médio prazo, no caso <strong>de</strong> aposentadoriaantes dos 65 anos.ConclusãoA situação francesa em matéria <strong>de</strong> trabalho dos indivíduos daterceira ida<strong>de</strong>, pudicamente <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>dos seniores, e que são por vezesretirados do mercado <strong>de</strong> trabalho a partir dos 50 anos, é mais que medíocre.A França é um dos piores exemplos em termos da Europa.Além disso, ao contrário da maioria dos vizinhos, a França nãotomou a braços o problema e vai ter que lidar com isso no pior momento,isto é, quando a crise esgotar-lhe os recursos e o <strong>de</strong>semprego vierpara dar as cartas. Mas não nos enganemos: a questão do trabalho dosseniores não é senão uma faceta <strong>de</strong> um problema que a França e a Europa


266Jean-Pierre Baux<strong>de</strong>verão resolver nos próximos anos e que é <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>de</strong>mográfica eeconômica. Em vista disso, é ilusório crer que a questão da prolongaçãoda manutenção dos seniores <strong>na</strong> ativa po<strong>de</strong>rá ser tratada à parte e queisso bastará para controlar os <strong>de</strong>sequiíbrios econômicos <strong>de</strong>correntes doenvelhecimento da população francesa. Na verda<strong>de</strong>, a França, e mais aindaa Europa, com a qual aquela é, bem ou mal, economicamente solidária,<strong>de</strong>vem se preparar para enfrentar, a curto e médio prazo, as consequências<strong>de</strong>sse envelhecimento, que é tanto mais grave porque insidioso, pois seusefeitos se fazem sentir muito lentamente.Esse fenômeno é o <strong>de</strong>safio do século para a França e a Europa.Aceitá-lo é mais que necessário, é indispensável. Infelizmente, será difícilfazê-lo, pois as mentes ainda não estão suficientemente conscientizadasda <strong>na</strong>tureza do problema, das suas consequências e dos remédios a seremaplicados.A Europa, já tão duramente atingida, precisa reagir: <strong>na</strong> faltado impulso inicial, ela parecerá cada vez mais um corredor fundistaempenhado numa competição mundial, carregando às costas um saco cadavez mais pesado. Ela <strong>de</strong>ve, então, ao mesmo tempo, prolongar a duraçãodo trabalho dos seniores para aumentar a riqueza <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l produzida e,por outro lado, repor as suas gerações, auxiliando as famílias e as mulheresque trabalham. Ela <strong>de</strong>ve, portanto, tirar suas conclusões da situação queterá pela frente. Seria um grave erro <strong>de</strong>ixar os europeus e os francesesignorarem a serieda<strong>de</strong> da situação e a importância dos esforços que lhesserão exigidos, todas as gerações aí incluídas, a fim <strong>de</strong> preservar um modo<strong>de</strong> vida ao qual eles são apegados.Po<strong>de</strong>-se ter alguma esperança com a divulgação em 2005, por parteda Comissão Européia, <strong>de</strong> um livro ver<strong>de</strong> intitulado “Face aux changementsdémographiques, une nouvelle solidarité entre générations” (Diante dasmudanças <strong>de</strong>mográficas – uma nova solidarieda<strong>de</strong> entre gerações), querompe com a indiferença que ela manifestava nesse assunto. Vale a pe<strong>na</strong>rever duas frases:“A Europa assiste hoje a mudanças <strong>de</strong>mográficas sem prece<strong>de</strong>ntes,tanto <strong>na</strong> amplitu<strong>de</strong> quanto <strong>na</strong> gravida<strong>de</strong>.”“A União <strong>de</strong>ve se conscientizar <strong>de</strong> que a sua juventu<strong>de</strong> tor<strong>na</strong>-se umrecurso escasso...”. Paralelamente, foi publicado <strong>na</strong> França um relatório


O <strong>Trabalho</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong> <strong>na</strong> França: necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios267<strong>de</strong> Michel Go<strong>de</strong>t e Évelyne Sullerot intitulado “La famille, une affairepublique” (A família, um negócio público), redigido no âmbito do Conselho<strong>de</strong> Análise Econômica (CAE) a pedido do primeiro-ministro, para eslarecêlosobre “as apostas econômicas da política familiar e suas relações comas <strong>de</strong>mais políticas sociais”. Esse documento encoraja os po<strong>de</strong>res públicosa praticarem uma política voluntarista em prol das famílias. De fato,como dizia o <strong>de</strong>mógrafo Jean-Édouard Rochas “...os jovens, em númeroreduzido <strong>de</strong>mais, <strong>de</strong>verão assumir o fi<strong>na</strong>nciamento das aposentadorias eda saú<strong>de</strong> dos seus antecepassados, esses bem numerosos, e não terão filhoso suficiente para que esses encargos sejam suportáveis. Daí a tentaçãopossível, senão provável, <strong>de</strong> reposicio<strong>na</strong>r em níveis ‘mais suportáveis’ osrendimentos (pensões e aposentadorias) dos seus antepassados”, a não ser,bem entendido, que esses últimos se aposentem em ida<strong>de</strong> mais tardia doque hoje.Com a porcentagem dos maiores <strong>de</strong> 60 anos sendo estimulada acrescer <strong>de</strong> modo acentuado nos próximos anos, seria mal visto por partedos jovens em ativida<strong>de</strong> que adultos possuindo boa saú<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong>sintelectuais intactas se distanciem do trabalho. Fiquemos atentos, pois, àrevolta dos jovens e à fuga <strong>de</strong> talentos!A França, afetada em 1939 pelos efeitos do envelhecimento que aatingiu em cheio, aceitou o <strong>de</strong>safio em condições históricas e econômicasinfinitamente mais difíceis. Lembremo-nos <strong>de</strong> que às vésperas da guerraforam passados os <strong>de</strong>cretos-leis <strong>de</strong> 12/11/1938 e 29/07/1939, conhecidospelo nome <strong>de</strong> “Co<strong>de</strong> <strong>de</strong> la famille” (Lei da família). Essas medidas forammantidas sob o regime <strong>de</strong> Vichy e <strong>de</strong>senvolvidas pelo governo provisóriodo general <strong>de</strong> Gaulle, enquanto a França era arrui<strong>na</strong>da e <strong>de</strong>vastada pelaguerra, pela ocupação e pelos combates da Libertação. Paralelamente, foramimplantados os sistemas sociais e, em especial, o sistema <strong>de</strong> aposentadoriapor repartição, do qual continuamos a nos beneficiar até hoje, mas cujoequilíbrio está ameaçado.A Europa e a França <strong>de</strong>vem se preparar para custear os efeitos doenvelhecimento e da <strong>de</strong>pendência da “ quarta ida<strong>de</strong> “, bem como o seurejuvenescimento. Isso só será economicamente possível se uma gran<strong>de</strong>maioria dos cidadãos participar <strong>de</strong>sse esforço, o que pressupõe acharuma solução para o problema do <strong>de</strong>semprego dos jovens e, em paralelo,prolongar a duração da ativida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l dos seniores <strong>de</strong> 60 a 65 anos,


268Jean-Pierre Bauxpelo menos. Tal como em 1939 e em 1944, a França po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve fazê-lo,tanto quanto a Europa, cujo envelhecimento é ainda mais acentuado ecuja fecundida<strong>de</strong> é mais baixa.Trata-se <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong> sobrevivência, pois “não há riquezasenão a dos homens”. 14Colin.Bibiografia- Les populations du mon<strong>de</strong>. Gérard-François Dumont. Armand- Livro ver<strong>de</strong> da Comissão Européia. Face aux changementsdémographiques, une nouvelle solidarité entre générations.- Vieillissement & territoires. Population & Avenir n° 274 bisseptembre, 2005- La famille, une affaire publique. Relatório <strong>de</strong> Michel Go<strong>de</strong>t eEvelyne Sullerot. La documentation française 2005.- La vague montante <strong>de</strong>s personnes âgées. Jean-Édouard Rochas.Population & Avenir n° 668. Mai-Juin 2004- Lei <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008 referente ao fi<strong>na</strong>nciamento daSegurida<strong>de</strong> Social para 2009.14Frase do jurista francês Jean Bodin: “Il n’est <strong>de</strong> richesses que d’hommes”.* Versão origi<strong>na</strong>l do texto no site do Instituto <strong>Trabalho</strong> e <strong>Vida</strong> www.trabalhoevida.com.br .


Ser Sênior <strong>na</strong> FrançaO lugar que os senioresocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>*269Jeanne UrvoyAposentada do Ensino Superior, doutora em Ciências, secretária geral daUniversité du Temps Libre <strong>de</strong> Bretagne.A França está envelhecendo, e os que eram chamados <strong>de</strong> “terceiraida<strong>de</strong>” após os anos 70 e que hoje <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>mos pudicamente sob o nome <strong>de</strong>“sênior” são cada vez mais numerosos com o passar dos anos. Ocupam umlugar <strong>de</strong> importância indiscutível no contexto francês: os seniores possuemsua emissão <strong>de</strong> rádio e televisão, possuem suas revistas, seus jor<strong>na</strong>is, sãoacompanhados em todos os caminhos da França e dos países do mundopor especialistas em viagem, possuem seu concurso anual <strong>de</strong> tango e valsano Palais <strong>de</strong> Bercy, em Paris, e possuem até mesmo seu concurso <strong>de</strong> moda.No entanto sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ainda permanece in<strong>de</strong>cisa.Uma nova população: os senioresO fi<strong>na</strong>l da segunda guerra mundial marcou o início <strong>de</strong> umaaventura fantástica que dominou o cenário da vida dos franceses. Coma retomada da paz, homens e mulheres aspiravam à felicida<strong>de</strong> e aosprazeres da liberda<strong>de</strong> reconquistada. Foi um período em que as mudanças


270Jeanne Urvoyque marcaram esta meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> século não transformaram somente nossasinstituições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is; também transformaram, sem que tenhamosfrequentemente consciência, nossos modos <strong>de</strong> vida e os comportamentosindividuais. Como consequência do baby-boom dos anos 50, assistimoshoje à chegada dos papy-boomers <strong>na</strong> ida<strong>de</strong> da aposentadoria.Quando o relatório LAROQUE 1 , primeira reflexão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Françasobre “a velhice e o envelhecimento”, foi publicado, em 1960, a tônicarecaía sobre o fato <strong>de</strong> que a variável “ida<strong>de</strong>” era ape<strong>na</strong>s um componenteentre tantos outros; ignorando essa recomendação, a locução “pessoaidosa” é utilizada nos estudos ou relatórios que se referem a essa parcela dapopulação que é apresentada <strong>de</strong> fato como “um grupo homogêneo”, grupo<strong>de</strong> “pessoas idosas em envelhecimento e com características idênticas”.Algumas tentativas existem para criar subgrupos <strong>de</strong> pessoas, mas sempresob o critério da ida<strong>de</strong>: florescentes, mais velhos, terceira ida<strong>de</strong>, quartaida<strong>de</strong> ou até mesmo quinta ou ida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>pendência, jovens-velhos,velhos-velhos, mas todos sem muito sucesso; a imprensa especializada, oseconomistas, os políticos, <strong>de</strong> acordo com os assuntos e as circunstâncias,falam indiferentemente <strong>de</strong> “pessoas idosas” ou <strong>de</strong> “seniores”. Discutemseos problemas dos idosos, as necessida<strong>de</strong>s dos idosos, os recursos dosidosos, mas talvez ainda mais sobre os lazeres dos seniores, as ativida<strong>de</strong>smúltiplas e diversas dos seniores, a participação como cidadão dos senioresà vida social...Tor<strong>na</strong>r-se “sênior” marca o fim “<strong>de</strong> um perso<strong>na</strong>gem” que o adultolevou muitos anos para construir. É preciso que ele encontre um novo sentidopara a vida; vestir, com ou sem arrependimento, a camisa do aposentado.O fi<strong>na</strong>l mais ou menos preparado <strong>de</strong> uma vida profissio<strong>na</strong>l frequentementemuito (ou <strong>de</strong>masiadamente) ativa traduz-se por um distanciamento, um<strong>de</strong>saparecimento das relações entre colegas, até mesmo dos hábitos entreamigos. Uma ruptura que marca o fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> uma vida preenchida por tensõespara obter sucesso ou realização, uma corrida frequentemente <strong>de</strong>senfreadacontra o tempo que passa, ruptura que gera certo sentimento <strong>de</strong> vazio dotempo e principalmente “<strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> social” diante <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> vaziocom o qual são preenchidos seus “amanhãs” do futuro. Os seniores, hoje,são mulheres e homens ativos, cuja mente se mantém aberta ao mundoque os cerca, às mudanças que afetam nosso tempo.1P.Laroque, Comissão <strong>de</strong> estudo dos problemas da velhice. Paris. A documentação francesa,p.4-5.1960.


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>271Mas o que caracteriza essa geração é o prolongamento do tempo<strong>de</strong> vida esperado que se esten<strong>de</strong> e, mais ainda, sem qualquer dúvida, amelhoria das condições <strong>de</strong> vida e saú<strong>de</strong>; esses dois fatores conjugadostransformam a expectativa <strong>de</strong> vida e jogam para o alto o limite da “velhice”,acompanhada pelo cansaço que se revela <strong>na</strong> imagem do “idoso”. Ontem, aida<strong>de</strong> máxima situava-se por volta dos 60-65 anos; hoje, por volta dos 80-85 anos e mais tar<strong>de</strong> ainda no plano individual. Dessa forma, não seria umparadoxo dizer que <strong>na</strong> população francesa existem, cada vez mais, pessoas“muito avançadas em ida<strong>de</strong>” e cada vez menos “velhos”.Com esse prolongamento da expectativa <strong>de</strong> vida, com aaposentadoria difundida, aumenta-se consi<strong>de</strong>ravelmente essa parcela dapopulação.Segundo constatam os maiores especialistas, os seniores gozam <strong>de</strong>capacida<strong>de</strong>s físicas e intelectuais que lhe permitem permanecer donos <strong>de</strong>suas vidas e participar <strong>de</strong> numerosas ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s mais diversas áreas.Aos 60 anos, o futuro ainda está diante <strong>de</strong>les. Fala-se comumente <strong>de</strong>“segunda carreira”, que é oferecida ao sênior para uma nova oportunida<strong>de</strong><strong>de</strong> integração, <strong>de</strong> participação <strong>na</strong> vida social e como cidadão, oportunida<strong>de</strong>que acaba <strong>de</strong> lhe ser dada. Chegamos aqui a valores comuns que divi<strong>de</strong>mativos e aposentados: ativida<strong>de</strong> conservada, espírito inovador, di<strong>na</strong>mismoe vitalida<strong>de</strong>.Um campo <strong>de</strong> investigação privilegiado: o voluntariadoA difusão e a uniformização da redução da ida<strong>de</strong> da aposentadoria,como se po<strong>de</strong>m verificar nos anos 1980 e que não foram consi<strong>de</strong>radasno plano legislativo, tiveram gran<strong>de</strong>s repercussões sobre “a relaçãono trabalho” em nossa socieda<strong>de</strong>. A institucio<strong>na</strong>lização <strong>de</strong> uma ida<strong>de</strong>necessária para “o direito à pensão <strong>de</strong> aposentado dos trabalhadores comperíodo integral” teve como consequência a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção progressiva dasaída para a aposentadoria e o fim <strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> assalariada <strong>de</strong>s<strong>de</strong>que esses direitos foram adquiridos. A “pré-aposentadoria” e o <strong>de</strong>semprego<strong>de</strong> longa duração <strong>de</strong> muitos com mais <strong>de</strong> 50 anos abaixaram a ida<strong>de</strong>do fi<strong>na</strong>l da vida profissio<strong>na</strong>l e induziram à exclusão da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>produção pessoas que tinham todas as capacida<strong>de</strong>s intelectuais e físicas eque estão, nos últimos anos dos seus cinquenta, “dispensados <strong>de</strong> procurarum emprego”!


272Jeanne UrvoyAssim, até 2008, os ”excluídos” do mundo do trabalho podiamexercer ativida<strong>de</strong>s a título <strong>de</strong> voluntariado, únicas situações compatíveiscom o pagamento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizações, para os <strong>de</strong>sempregados, da ajuda doFundo Nacio<strong>na</strong>l do Emprego, para os pré-aposentados, uma autorizaçãoque respon<strong>de</strong> a regras bem <strong>de</strong>finidas, o que limita esse campo <strong>de</strong> ação.Será que a nova legislação que promove a permanência dos seniores nocampo das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho, mudará a situação? É verda<strong>de</strong> que seránecessário certo tempo para que as coisas mu<strong>de</strong>m em profundida<strong>de</strong>, sendoque a situação atual perdurará ainda num futuro próximo.Com relação ao simples voluntariado, aberto a todas as iniciativas,é no quadro associativo que eles encontram um espaço real <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><strong>de</strong> ação, <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia. O voluntariado é a situação <strong>na</strong> qual uma pessoafornece, gratuitamente, uma prestação <strong>de</strong> serviço para uma pessoa ouum organismo. O voluntariado se distingue, portanto, da situação <strong>de</strong>trabalho (ou assalariado) essencialmente pelo fato <strong>de</strong> que o voluntário nãorecebe nenhuma remuneração e <strong>de</strong> que não está submetido a nenhumasubordi<strong>na</strong>ção jurídica – sua participação é voluntária, ele permanecelivre para colocar um fim ao seu envolvimento quando <strong>de</strong>sejar, sem avisoprévio.Na França, estima-se que o número <strong>de</strong> voluntários está por volta<strong>de</strong> 10 milhões. Participantes ocasio<strong>na</strong>is ou membros efetivos, todas asida<strong>de</strong>s estão envolvidas, mas convém fazer uma menção especial aosseniores, excluídos do espaço social produtivo, que encontram, às vezes <strong>na</strong>prolongação <strong>de</strong> uma experiência passada, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressare <strong>de</strong> agir.Os voluntários são autores ou atores <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> ação.O voluntariado é o coração da vida associativa.A associação: um espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> açãoe <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia.Quando falamos em associação, pensamos nos milhões <strong>de</strong> pessoasque, <strong>na</strong> França, consagram livremente e gratuitamente seu tempo, suacompetência, sua energia ao bem-estar dos outros.Na França, mais <strong>de</strong> 4 franceses entre 10, divididos em mais <strong>de</strong>


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>273700.000 associações, <strong>de</strong>dicam seu tempo à vida associativa e 4,2% dapopulação ativa está empregada no setor associativo (fonte INSEE) e gera4% do produto interno bruto.Setenta e oito porcento dos franceses <strong>de</strong>claram-se envolvidos<strong>na</strong> vida associativa; 13% <strong>de</strong>dicam-se 5 horas por mês a uma associação;63% são membros <strong>de</strong> pelo menos 2 associações; 1/3 <strong>de</strong>dicam-se mais <strong>de</strong>10 horas mensais às associações; 36% <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m uma causa social ouhumanitária; 80% a<strong>de</strong>rem a uma associação voltada ao <strong>de</strong>senvolvimentopessoal (esportivo, cultural ou <strong>de</strong> lazeres). A fonte é o CREDOC (Centro <strong>de</strong>Pesquisa para o Estudo e a Observação das Condições <strong>de</strong> <strong>Vida</strong>). É nessaúltima categoria que encontramos o maior número <strong>de</strong> seniores envolvidose, para um gran<strong>de</strong> número, em “período integral” <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>sdiversas e sema<strong>na</strong>is.Os organismos associativos (<strong>na</strong> maioria, do tipo da lei 1901) sãoinspirados em princípios e valores comuns, entre outros:- Desejam que sua ação seja cotidia<strong>na</strong>. Agrupam homens emulheres que se esforçam em estabelecer um modo <strong>de</strong> relaçõeshuma<strong>na</strong>s baseado em noções <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>solidarieda<strong>de</strong>.- Funcio<strong>na</strong>m <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>mocrática. Todos os membrosassociadossão iguais e solidários em <strong>de</strong>ver e em direito 2 .- São in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos outros setores públicos.- Encontram-se em um regime <strong>de</strong> gestão particular: osexce<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> exercício só po<strong>de</strong>m ser utilizados para ocrescimento da associação ou para um melhor serviço aosassociados.Todas as associações esforçam-se para melhor respon<strong>de</strong>r àsnecessida<strong>de</strong>s sociais e culturais, <strong>na</strong> medida <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s, sempresem fins lucrativos.A questão é que nem todo mundo se envolve em uma associaçãosob as mesmas bases, nem com os mesmos graus. Distinguem-se duascategorias:- os voluntários responsáveis eleitos ou simples voluntáriosativos,23 artigo 10 da lei nº 98-657, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998, e artigo L351-17 do Código do <strong>Trabalho</strong>(França).


274Jeanne Urvoy- os consumidores que “utilizam” a associação como fornecedora<strong>de</strong> programa <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s com um espírito crítico, masraramente construtor, com o passar do tempo, tor<strong>na</strong>m-se maisnumerosos.Um novo estado <strong>de</strong> espírito: “a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos”.Uma constatação muito recente: muitos aposentados, pessoascom ida<strong>de</strong> avançada, ocupam seu tempo <strong>de</strong> lazer à procura <strong>de</strong> novosconhecimentos. Po<strong>de</strong>mos nos perguntar sobre a importância dasativida<strong>de</strong>s culturais no equilíbrio do indivíduo e por que essa se<strong>de</strong> <strong>de</strong>conhecimentos.Existem épocas em que a cultura é <strong>de</strong> alguma maneira recebidacom a educação, ocorre por si mesma, sem pensarmos ou refletirmos sobreela. Então, estamos em períodos da história que chamamos <strong>de</strong> estáveis,equilibrados.Há momentos em que há uma inversão <strong>de</strong> valores. Tudo o queera evi<strong>de</strong>nte não o é mais, o equilíbrio estabelecido é <strong>de</strong>struído, as leisestabelecidas pelo homem estão ultrapassadas, cada pessoa não encontramais, através <strong>de</strong> suas referências, <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais, <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong>, aforma <strong>de</strong> estabelecer sua homeostasia. E como não possui instinto comoos animais para se estabilizar, <strong>de</strong>ve procurar outro equilíbrio. Para tanto,<strong>de</strong>ve refletir, compreen<strong>de</strong>r, julgar as condições existentes para encontraruma solução.Para julgar, para apreciar, é necessária a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comparar,escolher, o que pressupõe uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimentos.1 – A formação dos responsáveis <strong>de</strong> associações.O reconhecimento social da importância do voluntariado, daserieda<strong>de</strong> e da qualida<strong>de</strong> do envolvimento <strong>de</strong>ssas pessoas necessita, assimcomo para os profissio<strong>na</strong>is, <strong>de</strong> uma competência indiscutível <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong>aplicação múltiplas, no exercício <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direção, da gestãoda associação, do <strong>de</strong>senvolvimento dos diferentes setores <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s.Verificamos que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano 2000 (art. 37 da lei nº2000-627),em condições muito precisas, as qualificações para ensi<strong>na</strong>r, dirigir emonitorar com remuneração po<strong>de</strong>m ser validadas a partir da aquisiçãoda experiência como voluntário. Isso mostra a importância que o governo


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>275francês fi<strong>na</strong>lmente dá a esse trabalho, que é <strong>de</strong> um setor mais ou menossubterrâneo da economia.Muitas associações organizam, elas mesmas, estágios <strong>de</strong> formaçõespara os voluntários.Des<strong>de</strong> 1985 existe um Fundo Nacio<strong>na</strong>l para o Desenvolvimentoda <strong>Vida</strong> Associativa (FNDVA), que permite ajudar o fi<strong>na</strong>nciamento <strong>de</strong>ssasformações. O FNDVA é uma conta com <strong>de</strong>stino especial, alimentada poruma retirada sobre os ganhos do Paris Mutuels Urbain (PMU). Cada ano,uma instrução é transmitida às associações <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e para as associaçõeslocais, por meio dos serviços alocados dos ministérios envolvidos, que<strong>de</strong>finem as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atribuições.Vários dispositivos permitem que os assalariados se encarreguem<strong>de</strong> obter uma formação para satisfazerem as exigências <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>svoluntárias (condições enumeradas art. L931-1 do Código do <strong>Trabalho</strong>).Assim, no âmbito da formação contínua, as formações a título <strong>de</strong>voluntariado po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do empregador, seja noâmbito <strong>de</strong> formação das empresas, seja no âmbito da licença anual paraformação.2 – Uma educação ao longo da vida:a universida<strong>de</strong> dos senioresNa França, a história <strong>de</strong>sse movimento inicia-se em 1972, coma criação da primeira Universida<strong>de</strong> da Terceira Ida<strong>de</strong>, em Toulouse, peloprofessor Pierre Vellas. Depois com a União Francesa das Universida<strong>de</strong>s daTerceira Ida<strong>de</strong> em 1981, que se tornou União Francesa das Universida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Todas as Ida<strong>de</strong>s em 1993.Des<strong>de</strong> então, <strong>de</strong>ze<strong>na</strong>s <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s, ditats da terceira ida<strong>de</strong>,Interida<strong>de</strong>s, do terceiro tempo, do tempo disponível, da formaçãopermanente e outros nomes, <strong>na</strong>sceram <strong>na</strong> França. Todas essas estruturastêm em comum “laços <strong>de</strong> organização” estreitos com pelo menos umauniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu território acadêmico.Breve históricoOs objetivos das UTL (Universida<strong>de</strong>s do Tempo Livre) eram,num primeiro momento, <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dasa uma população chamada “idosa” para impedir que uma situação <strong>de</strong>


276Jeanne Urvoy“não-reconhecimento, <strong>de</strong> esquecimento” em que eles se encontravam seconcretizasse.Mas como <strong>de</strong>finir faixas da população baseadas <strong>na</strong> ida<strong>de</strong> civil emesmo <strong>na</strong> ida<strong>de</strong> biológica?Diante <strong>de</strong>ssa primeira dificulda<strong>de</strong>, as UTL <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>ram seu campo<strong>de</strong> ações a todos os “aposentados” que se incluíam no fenômeno social<strong>de</strong> extensão da aposentadoria a uma “certa ida<strong>de</strong>”, quer dizer, à saída <strong>de</strong>circuito do mundo da produção econômica e à “liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo”, foradas obrigações <strong>de</strong> horários <strong>de</strong> trabalho. Num primeiro momento, as UTLencontraram-se investidas da obrigação <strong>de</strong> inventar “uma ocupação paraesse tempo disponível”, para que:”vivessem bem a sua aposentadoria”Um papel complementar surgiu: o <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ”à importância <strong>de</strong>preparar a aposentadoria”, tratando-se do fim da vida profissio<strong>na</strong>l ou dasresponsabilida<strong>de</strong>s familiares, em particular para as mulheres. Depois, foinecessário que respon<strong>de</strong>ssem à “eventual rejeição da vida profissio<strong>na</strong>l”com o aumento do <strong>de</strong>semprego, as pré-aposentadorias etc. Então, tiveramcomo critério <strong>de</strong> referência “o tempo livre” e se abriram a “qualquer pessoadispondo <strong>de</strong> tempo livre”Com o aumento galopante da expectativa <strong>de</strong> vida, adotaram comoslogan:“dar vida à vida”.Uma nova <strong>de</strong>finição, traduzindo uma dupla preocupação por partedos organizadores, marca a origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> reconhecida <strong>de</strong>sse movimentoexistente <strong>na</strong>s missões da universida<strong>de</strong>:- romper com as exigências habituais das condições <strong>de</strong> inscriçãonos longos cursos universitários, suprindo a condição <strong>de</strong>diploma para “estarem abertas a todos”, “sem exigência <strong>de</strong>diploma”; elas são um meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização da cultura.- favorecer os encontros e as trocas intergerações, para evitar operigo do gueto <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, “sem exigência <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>”:“elas são interida<strong>de</strong>s”Uma evolução que hoje nos conduz a uma reflexão, elementocentral <strong>na</strong> orientação <strong>de</strong> nossas condutas, que é fazer com que:


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>277“Tempo Livre = Tempo Útil”No ano <strong>de</strong> 2000, um novo espaço <strong>de</strong> investigações abriu-se diante<strong>de</strong> nós. Depois da Europa, nós estamos encarregados <strong>de</strong> ajudar os membrosda UTL a entrar, sem medo e com muita esperança, em um movimentoirreversível, o da globalização, que penetra em nossa vida cotidia<strong>na</strong> diaapós dia e, com a aceleração dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> todo tipo, tomauma tal dimensão que nos vemos domi<strong>na</strong>dos por uma certa inquietu<strong>de</strong>ao constatar todas as mudanças que ela provoca. É um novo capítulo queinscrevemos <strong>na</strong>s nossas preocupações presentes:“Por uma UTL sem fronteiras”Somos convidados a uma conduta voluntária e pessoal que po<strong>de</strong>riase resumir em: ”é preciso apren<strong>de</strong>r e continuar a apren<strong>de</strong>r ao longo <strong>de</strong>nossa vida” para preservar nossa autonomia e nossas liberda<strong>de</strong>s cotidia<strong>na</strong>se justificar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parceiro útil que cada um reivindica com todaa justiça.Sem preten<strong>de</strong>r reduzir a indispensável autonomia <strong>de</strong> cada um, aUTL mostra que a comunicação já é, e sempre será, atualida<strong>de</strong>, abrindopara todos um espaço <strong>de</strong> discussão. Trocar experiências, trocar e <strong>de</strong>scobrircentros <strong>de</strong> interesse comuns, saber quem é o outro para saber melhor quemsomos: tal é a missão insubstituível que a UTL mantém, para a gran<strong>de</strong>satisfação <strong>de</strong> cada um, com um gesto <strong>de</strong> convivialida<strong>de</strong> que estabelece odiálogo e fortalece a ação.É importante mencio<strong>na</strong>rmos que no início <strong>de</strong>sse movimento nóstínhamos traçado um caminho que está se alargando sem parar. Paraseguirmos nosso caminho, <strong>de</strong>vemos, a cada vez, fazer escolhas, mas <strong>na</strong>ida<strong>de</strong> em que se diz que o apetite diminui, o dos seniores não se atenua.Um exemplo – “a Universida<strong>de</strong> do Tempo Livre <strong>na</strong> Bretanha”Em 1975, <strong>na</strong> Bretanha, criou-se uma associação, a “Universida<strong>de</strong>da Terceira Ida<strong>de</strong> da Bretanha” (que se tor<strong>na</strong>rá “Universida<strong>de</strong> do TempoLivre” em 1995), agindo sobre o território acadêmico <strong>de</strong> Rennes. Está<strong>de</strong>clarada <strong>na</strong> prefeitura, com o apadrinhamento conjunto das universida<strong>de</strong>sbretãs e da Escola Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> Pública, Rennes.O <strong>de</strong>sejo dos pioneiros <strong>de</strong>sse movimento foi o <strong>de</strong> “ir ao encontrodas populações interessadas” e não o <strong>de</strong> esperar que as pessoas viessem


278Jeanne Urvoyaté eles. O princípio <strong>de</strong> um <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s foi adotado eseções universitárias, “UTA locais”, reagrupamento <strong>de</strong> membros daUTA da Bretanha são criadas para respon<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas que vão semanifestando <strong>de</strong> ano a ano. Adotaram a titulação “Universida<strong>de</strong> do TempoLivre” <strong>na</strong> sequência. Esse esforço continua ainda hoje, em 2009, com 45implantações ativas e estruturadas e mais <strong>de</strong> 16.700 membros.O segundo trunfo da UTL <strong>na</strong> Bretanha é, sem dúvida alguma, o<strong>de</strong> ter estabelecido o essencial <strong>de</strong> sua ação através do voluntariado. Oobjetivo <strong>de</strong>clarado em seus estatutos é o “<strong>de</strong> permitir a seus membrosmanter sua autonomia <strong>de</strong> vida por mais tempo possível.” Como encontrarmelhor preparo para o exercício <strong>de</strong> uma livre escolha pessoal senão pelaprática da gestão da ocupação <strong>de</strong> seu tempo (fosse esse tempo livre), <strong>na</strong>participação da vida em grupo com suas obrigações, seus fracassos esuas satisfações, ou senão pela responsabilização frente aos outros? Ovoluntário dá do seu tempo, <strong>de</strong> suas liberda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> sua vida pessoal e muitofrequentemente, é preciso admitir, tem como retorno pouco agra<strong>de</strong>cimentoe até mesmo críticas pouco agradáveis. Os próprios membros, que se<strong>de</strong>dicam no <strong>de</strong>correr do ano para o bom funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong>ssas UTL locais,sendo o motor do movimento, estando no centro dos acontecimentos quevivenciam, estão perto das situações que geram problemas ou interrogaçõese, administrando-as, estão prontos a orientar as propostas <strong>de</strong> respostasesperadas pelos membros.Esses <strong>de</strong>slocamentos precisam <strong>de</strong> um estudo anterior <strong>de</strong> aceitação.As universida<strong>de</strong>s e as cida<strong>de</strong>s geralmente fazem um gran<strong>de</strong> esforço parafavorecer a implantação <strong>de</strong> seções universitárias, UTL locais, colocandoà disposição diversos serviços ou salas eanfiteatros. As municipalida<strong>de</strong>sestão conscientes da implicação local das UTL como fator <strong>de</strong> equilíbriopara o indivíduo (quando da saída para a aposentadoria), como fator <strong>de</strong>prevenção que atenua as tendências negativas do avanço em ida<strong>de</strong>, sobre avida cultural da cida<strong>de</strong> e às vezes como fator <strong>de</strong> peso para zo<strong>na</strong>s geográficas“em via <strong>de</strong> <strong>de</strong>sertificação”.Muitos membros são monitores junto à sua UTL. Cada uma dispõe<strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> recepção e <strong>de</strong> informação. Será que é necessário ressaltar queaqueles que aceitam fazer parte do conselho administrativo e da secretaria<strong>de</strong> sua UTL estão “ocupados em tempo integral”, pois frequentemente nãotêm horário <strong>de</strong>finido e estão disponíveis ao serem chamados?


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>279Não <strong>de</strong>vemos esquecer o fato <strong>de</strong> que numerosas ativida<strong>de</strong>sorganizadas junto às UTL são realizadas por pessoas assalariadas e quecada UTL gera, assim, “cente<strong>na</strong>s e até mesmo milhares <strong>de</strong> horas-professorese <strong>de</strong> horas-monitores remuneradas e gera, igualmente, empregos <strong>de</strong>secretariado administrativo”.Nós po<strong>de</strong>mos afirmar que, por todas as ativida<strong>de</strong>s propostas, asUTL locais participam ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma política educativa ecultural <strong>na</strong> medida das necessida<strong>de</strong>s contemporâneas. Elas contribuem,assim, para ampliar a “Missão das Universida<strong>de</strong>s”, qual seja, a <strong>de</strong> difundiro mais amplamente possível seus “Bens” e seus “Métodos“ junto aos maisdiversos públicos e sem exigência <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.A evolução da Universida<strong>de</strong> do Tempo Livre da Bretanha, como emtoda a França, é espetacular <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong>sse movimento, há 25 anos.Sem dúvida alguma, isso se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que os responsáveis tiveramcomo preocupação fundamental seguir as mudanças <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>para melhor respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s das pessoas que vêm, com o passardos anos, participar conosco por motivos diversos, o que é preciso perceberbem, numa preocupação <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r melhor às exigências dos membrose da socieda<strong>de</strong>.Uma necessida<strong>de</strong> para os seniores:permanecerem integrados à socieda<strong>de</strong>Várias vias <strong>de</strong> reflexões e <strong>de</strong> ações se abrem para dar um sentidoà vida em função dos <strong>de</strong>sejos, dos gostos, das competências e dascapacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssas pessoas, a fim <strong>de</strong> evitar sua exclusão da socieda<strong>de</strong> eum “<strong>de</strong>slizamento a um envelhecimento físico e mental prematuro”.O esforço <strong>de</strong> uma atualização dos conhecimentos para ficar <strong>de</strong>acordo com seu tempo é louvável, mesmo que seja necessário que todosque o <strong>de</strong>sejam possam utilizar suas competências antigas e seus novosconhecimentos em alguns campos <strong>de</strong> ações reconhecidos pelo meio emque vivem.É <strong>de</strong> notorieda<strong>de</strong> pública que, <strong>na</strong> França, para 30% dos novosaposentados, o fim do trabalho profissio<strong>na</strong>l é vivido como um traumafísico e psíquico, acompanhado <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s para se viver, sentimento<strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong> morosida<strong>de</strong>, até mesmo estado <strong>de</strong>pressivo.


280Jeanne UrvoyConstatar isso já é observar que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se abrir um<strong>de</strong>bate sobre o reconhecimento “do trabalho dos seniores” e <strong>de</strong> seu lugar<strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>.Deve-se admitir que falar <strong>de</strong> acúmulo <strong>de</strong> emprego assalariado como pagamento <strong>de</strong> uma aposentadoria seria incorreto, pelo menos até essesúltimos meses. Evi<strong>de</strong>ntemente, sempre houve um certo número <strong>de</strong> exceções,empregos reservados para os ex-militares, ativida<strong>de</strong>s remuneradas comvalor muito reduzido, in<strong>de</strong>nizações recebidas por políticos eleitos em suasúltimas funções legislativas etc. 3 Mas com direitos adquiridos, com a ida<strong>de</strong>legal <strong>de</strong> aposentadoria em vigor, anuida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho permitindo oaumento <strong>de</strong>ssa ida<strong>de</strong>... talvez seja a aposentadoria-guilhoti<strong>na</strong> que <strong>de</strong>va serrediscutida. A lei Fillon 4 “que permite o acúmulo <strong>de</strong> renda profissio<strong>na</strong>l e<strong>de</strong> pensão <strong>de</strong> velhice”, assim que abriu direitos, rapidamente teve <strong>de</strong> fechálos:“acúmulo, sim, mas no limite da última renda.”Na França, o número <strong>de</strong> trabalhadores <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 55 anos é ape<strong>na</strong>s37% da população em questão.O plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do emprego para quem tem mais <strong>de</strong>50 anos prevê 31 medidas que <strong>de</strong>veriam ser submetidas ao parlamentoproximamente.Fala-se também <strong>de</strong> um complemento <strong>de</strong> aposentadoria possívelpara os voluntários que colocam seu tempo e suas competências a serviçodos outros, transformando assim sujeitos “passivos” em sujeitos “ativos”,reconhecidos no seio da socieda<strong>de</strong>.Evi<strong>de</strong>ntemente, nenhuma solução uniforme <strong>de</strong>veria ser propostaou imposta 5 .ConclusãoO sênior é uma pessoa, homem ou mulher, “que envelhece, mascada vez mais com maior tempo tendo boa saú<strong>de</strong>”. Menos temerosos,mais autônomos e também menos conformistas do que as gerações queos prece<strong>de</strong>ram, vivem bem imersos no seio da socieda<strong>de</strong>. Eles se fun<strong>de</strong>mnos outros grupos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>s. Permanecem abertos às coisas do mundo,3Ver <strong>de</strong>talhe no artigo, C.Taglione e M.F.Viard.4Lei nº2003-775 <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003.5Ver <strong>de</strong>talhes no artigo, P.Baux.


Ser Sênior <strong>na</strong> França - O lugar que os seniores ocupam <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>281sem excesso <strong>de</strong> conservadorismo, com um certo respeito aos valorestradicio<strong>na</strong>is.Para satisfazer suas aspirações, <strong>de</strong>vem permanecer em concordânciacom seu tempo e, para isso, só uma atitu<strong>de</strong>: “apren<strong>de</strong>r”. Apren<strong>de</strong>r o quemuda no seu meio, apren<strong>de</strong>r os novos valores <strong>de</strong> referência, apren<strong>de</strong>r asadaptações necessárias para manter sua autonomia <strong>de</strong> vida no cotidiano.A universida<strong>de</strong> dos seniores tornou-se “um espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>on<strong>de</strong> os seniores colocam-se a serviço dos outros”; é a imagem <strong>de</strong> umagenerosida<strong>de</strong> que frequentemente negamos aos mais velhos.No programa <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> nossas UTL aparece em filigra<strong>na</strong>,“um prazer em viver cada instante que passa,com projetos para amanhã.”É um espaço <strong>de</strong> exploração infinito que se abre diante <strong>de</strong> nós, umespaço on<strong>de</strong> a cultura une os homens e reaviva a memória e, para ela, éa vida que continua. Essa constatação também se encontra nesta sublimefrase <strong>de</strong> Ernest Re<strong>na</strong>n, que gosto <strong>de</strong> lembrar:“O objetivo do homem não é o repouso.É a perfeição intelectual e moral.Trata-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>scansarmos quando se tem o infinito apercorrer e a perfeição a atingir.” 6O direito ao trabalho remunerado para os seniores mudaria esseestado <strong>de</strong> coisas; po<strong>de</strong>-se duvidar disso, mas não é o essencial. Desejemossimplesmente que cada um possa proteger esses tempos preciosos <strong>de</strong> trocase <strong>de</strong> esperanças que o espaço <strong>de</strong> tempo livre atual nos proporcio<strong>na</strong>.Uma informação recentíssima: um vocábulo acaba <strong>de</strong> entrar nocenário político: os anciãos. Sai “as pessoas idosas”, sai “os seniores”.O presi<strong>de</strong>nte da República Francesa escolheu esse novo vocábulo para aSecretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> seu novo governo em junho <strong>de</strong> 2009. Um termoque nos remete sem qualquer dúvida a uma imagem mais positiva, a dolaço intergeracio<strong>na</strong>l e da riqueza da experiência adquirida. O gabinetedo secretário <strong>de</strong> Estado assi<strong>na</strong>la “que se dirigirá aos papy-boomers quequerem uma forma <strong>de</strong> assistência e não <strong>de</strong> assistencialismo.”6Ernest Re<strong>na</strong>n, escritor e filósofo francês, em “Lembranças <strong>de</strong> infância e juventu<strong>de</strong>”.


282Jeanne UrvoyBibliografia.-BOUTAND M.: Relatório Seniors et Cité (Seniores e Cida<strong>de</strong>).Républica francesa, sessão <strong>de</strong> 10 e 11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009.1968.-DUMAZIER J., Education Permanente <strong>na</strong> Encyclopedia Universalis.-LAROQUE P., Commission d’étu<strong>de</strong> <strong>de</strong>s problèmes <strong>de</strong> la vieillesse.Paris. A documentação francesa. p.4-5. 1960.-MERIEU P., Conferência no quadro do Comitê mundial para aeducação ao longo da vida. 22 09 2005.-ROCHEFORT R., Vive le papy-boom, ed.. Odile Jacob, Paris, 2002.-SCHWARTZ B., Le concept d’éducation permanente. Educationpermanente.,1, 1969.- http://www.legifrance.gouv.fr(textes <strong>de</strong> loi France)- http://www.associations.gouv.fr- http://www.ufuta.fr- http://www.utlta.univ-rennes1.fr- http://www.credoc.fr* Versão origi<strong>na</strong>l do texto no site do Instituto <strong>Trabalho</strong> e <strong>Vida</strong> www.trabalhoevida.com.br .


O Dia Seguinteda Aposentadoria:Sonhos e Realida<strong>de</strong>283João Cândido <strong>de</strong> OliveiraGraduado em História pela Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Montes Claros -Unimontes/MG, especialista em Administração <strong>de</strong> Recursos Humanos peloIPADE/UFMG, aposentado como tecnologista da Fundacentro e atualmenteé consultor <strong>de</strong> empresas <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> segurança e saú<strong>de</strong> ocupacio<strong>na</strong>l.Sou feliz por estar vivo, <strong>na</strong> graça <strong>de</strong> Deus. As energias que merestam, emprego-as <strong>na</strong> obtenção dos prazeres que a vida po<strong>de</strong> oferecer-me,nos limites da minha ida<strong>de</strong>. Não me angustio por ser velho <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, viviintensamente o que a vida oferece aos vivos. Não fui rico <strong>de</strong> bens materiais,porém tive tudo <strong>de</strong> que necessitei para ser feliz. De material tenho ape<strong>na</strong>so corpo gasto e envelhecido, que em breve será <strong>de</strong>volvido à terra. Restoume,porém, o que não me angustio <strong>de</strong> possuir: vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar eimenso amor a Deus e à vida – posses que a mim bastam.(Depoimento <strong>de</strong> um aposentado <strong>de</strong> 83 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Vale doJequitinhonha, MG)On<strong>de</strong> e quando as experiências passadase o olhar do presente po<strong>de</strong>m influenciar o futuroAntes <strong>de</strong> abordar o trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, é importante mencio<strong>na</strong>ra inter-relação entre trabalho, aposentadoria e ida<strong>de</strong>. Aposentadorianão significa, necessariamente, rompimento com o mundo do trabalho,


284 João Cândido <strong>de</strong> Oliveiraespecialmente quando se aposenta por tempo <strong>de</strong> contribuição, que, antes daúltima reforma da Previdência Social, era entendido por tempo <strong>de</strong> serviço.Diferentemente da aposentadoria por invali<strong>de</strong>z, motivada por morbi<strong>de</strong>z,cujos efeitos incapacitam o individuo para o trabalho. Po<strong>de</strong>-se aindaromper com o mundo do trabalho pela senescência, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementeda aposentadoria formal. De qualquer forma, a aposentadoria guarda umaestreita relação com o <strong>de</strong>sfazimento <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> vínculos, símbolos eregras conferidos pelo trabalho formal.O fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> carreira, para quem fez carreira, é um acontecimentoinevitável, como inevitável é o que o acompanha – o envelhecimento e oque <strong>de</strong>le <strong>de</strong>corre. Querendo ou não, esse rito <strong>de</strong> passagem, necessariamente,ocorre com quem teve <strong>na</strong> vida uma profissão ou uma ocupação <strong>de</strong>finida.Já o envelhecimento é o entar<strong>de</strong>cer da vida, para os que tiveram a sorte<strong>de</strong> nele a<strong>de</strong>ntrar. É possível falar <strong>de</strong> envelhecimento sem fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> carreira,diferentemente do fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> carreira, que vem sempre acompanhado dasmarcas impressas pelo tempo. Todavia, do findar <strong>de</strong> uma carreira à velhicei<strong>na</strong>tiva, em termos <strong>de</strong> tempo, po<strong>de</strong> ainda existir uma consi<strong>de</strong>rável distânciaa percorrer. A expectativa <strong>de</strong> vida vem crescendo acentuadamente nosúltimos tempos. E é esse lapso <strong>de</strong> tempo que o aposentado ou o preten<strong>de</strong>nteà aposentadoria <strong>de</strong>verão cultivar com sabedoria e <strong>de</strong>stemor.O fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> carreira – aqui entendido como rompimento do vínculoformal <strong>de</strong> trabalho –, se criteriosamente planejado e perseguido, po<strong>de</strong>ráser um momento <strong>de</strong> boas e importantes realizações. Dele po<strong>de</strong>rá surgir umrumo novo para a vida, não menos pujante e criativo do que o que foravivido nos anos <strong>de</strong> trabalho formal. Milhares <strong>de</strong> pessoas em todo o mundofizeram e fazem isso com sucesso, embora este seja um acontecimentoque requer atenção especial, planejamento, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e investimento,às vezes, <strong>de</strong> anos. Na <strong>na</strong>tureza é assim: o fim <strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> vida é, porprincípio, o <strong>na</strong>scimento <strong>de</strong> outro. O viver das pessoas não é diferente.No <strong>de</strong>curso da vida, há momentos muito bem <strong>de</strong>lineados: infância,adolescência, maturida<strong>de</strong>, senescência e morte. E como vida e morte estãointimamente associadas à maneira como se vive, o que faz a diferença sãoas escolhas feitas ao longo da vida e os investimentos para transformá-lasem ações concretas. Não basta querer, é preciso transformar o querer emações concretas que levem à consecução dos objetivos almejados.O fim <strong>de</strong> carreira po<strong>de</strong> ser comparado ao fiel <strong>de</strong> uma balança: pen<strong>de</strong>


O Dia Seguinte da Aposentadoria: Sonhos e Realida<strong>de</strong>285para o lado <strong>de</strong> maior peso. Se, ao encerrar o ciclo <strong>de</strong> uma vida profissio<strong>na</strong>l– cujo tempo <strong>de</strong> duração oscila entre 35 e 40 anos –, o indivíduo nãoprocurou a<strong>de</strong>quar-se à continuida<strong>de</strong> do seu trabalho <strong>na</strong> mesma ativida<strong>de</strong>,quando isso é possível, nem se preparou, com a antecedência requerida,para outra ocupação compatível com a sua ida<strong>de</strong>, a noção <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> carreirapo<strong>de</strong> perfeitamente associar-se à idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>crepitu<strong>de</strong> e <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> vida.Isso ocorre com mais frequência com <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> cargos ou funções queenvolvem po<strong>de</strong>r e distinção e que não se prepararam suficientemente para aaposentadoria ou para a reforma, como é o caso <strong>de</strong> militares <strong>de</strong> alta patente.Convém ressaltar que, nessas circunstâncias, não é o fim <strong>de</strong> carreira quenecessariamente aponta para a idéia <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> vida, mas a exautoração,o sentimento <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> menos-valia. Imagine, porexemplo, um alto executivo que tenha passado por essa experiência porlongos anos, tendo ao seu dispor uma gama <strong>de</strong> recursos que, além doatendimento às <strong>de</strong>mandas especificas do cargo, resolviam todos os seusproblemas particulares. O preço <strong>de</strong>ssa comodida<strong>de</strong>, necessariamente, serápercebido quando o indivíduo se <strong>de</strong>parar com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidarpessoalmente dos assuntos que envolvem a sua vida privada.Voltando à questão da <strong>de</strong>socupação, João Calvino, no ápice daReforma Protestante, em diversas passagens <strong>de</strong> seus vigorosos sermões,tomando o trabalho como expressão da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, referia-se à<strong>de</strong>socupação como uma erva daninha, filha da preguiça, que corrompeo indivíduo e o distancia <strong>de</strong> Deus. Nesse sentido, a <strong>de</strong>socupação é vistacomo algo que subverte as pessoas, transformando-as em presas fáceisdo <strong>de</strong>mônio. Não tendo com o que se ocupar, não há escolha: pensa-seem tudo, menos no que possa agradar a Deus e agregar valor à vida.Situação não muito diferente ocorre quando o indivíduo se ocupa daquiloque não tem <strong>na</strong>da a ver com ele, fazendo-o por absoluta necessida<strong>de</strong>,como complemento <strong>de</strong> renda, por exemplo. Aliás, essa é uma situaçãoque <strong>de</strong>ve ser acompanhada <strong>de</strong> perto, por ter se transformado, no nossomeio, no momento atual, em prática corrente. Nessas circunstâncias, aocupação, que <strong>de</strong>veria ser opcio<strong>na</strong>l, que pu<strong>de</strong>sse ser <strong>de</strong>senvolvida porvocação e como fonte <strong>de</strong> prazer, transforma-se em obrigação, submetendoo indivíduo a toda sorte <strong>de</strong> constrangimento e <strong>de</strong>sgaste. Quando isso ocorre,é importante reconhecer que não foi a aposentadoria, em si, responsávelpelo <strong>de</strong>sequilíbrio da balança, mas a falta <strong>de</strong> preparo para vivenciá-la emcondições favoráveis.


286João Cândido <strong>de</strong> OliveiraA <strong>de</strong>socupação imprevi<strong>de</strong>nte, em todos os sentidos, termi<strong>na</strong> levandoas pessoas dispostas ao trabalho, primeiro, à inquietação, à angústia, ao<strong>de</strong>sânimo, à sensação <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong>; <strong>de</strong>pois, à <strong>de</strong>svalia, que repercutenegativamente no estado geral <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Desânimo, numa pessoa corajosae proativa, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> se transformar no primeiro lance <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>scida perigosa e sem volta rumo ao precipício, ao <strong>de</strong>smantelamentoda existência. Não nos referimos à morte, fim último <strong>de</strong> todos os seresvivos, mas ao sofrimento <strong>de</strong>smedido, ao <strong>de</strong>sfazimento das ilusões da vida,dos sonhos, que se constituem no principal sustentáculo da vida. <strong>Vida</strong> semilusões, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> sonhos, é vida vegetativa.É compreensível que o exercício <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> por longos anos,interrompida abruptamente, sem preparo, especialmente emocio<strong>na</strong>l, sem<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> outra ocupação compatível com as aptidões e com o estadogeral <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física e mental do indivíduo, po<strong>de</strong>rá produzir sentimentos<strong>de</strong> <strong>de</strong>scarte, <strong>de</strong> abandono, <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> e, consequentemente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalia.Quando <strong>na</strong>da é feito para se sentir útil, o sentimento <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong>menos-valia é inevitável. O indivíduo é tomado por uma sensação estranhae profundamente <strong>de</strong>sconfortante <strong>de</strong> achar que o que tinha por fazer <strong>na</strong> vidajá foi feito. É como se vivesse num ambiente on<strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> sonhos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir. E esse estado <strong>de</strong> espírito épiorado pela convicção <strong>de</strong> que, doravante, nenhum <strong>de</strong>safio vale mais ape<strong>na</strong> ser enfrentado.Não há dúvida <strong>de</strong> que esse jeito <strong>de</strong> ver a vida <strong>de</strong>corre da sensação <strong>de</strong>exclusão pela qual o indivíduo é tomado em <strong>de</strong>corrência da aposentadoriaimprevi<strong>de</strong>nte, que o <strong>de</strong>sloca do centro das atenções construídas durante avida laboral, empurrando-o para uma espécie <strong>de</strong> beco sem saída. É o ápiceda sensação <strong>de</strong> perda do referencial <strong>de</strong> vida. Esse estado <strong>de</strong> espírito po<strong>de</strong> tercaráter passageiro, mas po<strong>de</strong> também perdurar por tempo <strong>de</strong>masiadamentelongo. Nesse caso, não havendo mudanças substanciais <strong>na</strong> trajetória<strong>de</strong> vida, o indivíduo po<strong>de</strong>rá ter o seu estado geral <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> seriamenteafetado, principalmente no que se refere à saú<strong>de</strong> mental. Convém ressaltarque muitos aposentados por tempo <strong>de</strong> contribuição, pelas mais diversasrazões, não conseguem transpor esse momento crucial da vida. Morremantes mesmo <strong>de</strong> quaisquer iniciativas para encontrar outras razões quelhes pu<strong>de</strong>ssem restituir o ímpeto <strong>de</strong> viver.Viktor Frankl, numa das passagens mais brilhantes <strong>de</strong> um dos seus


O Dia Seguinte da Aposentadoria: Sonhos e Realida<strong>de</strong>287livros, “Em busca <strong>de</strong> sentido”, alerta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar atento aosentido da vida. Segundo ele, a vida tor<strong>na</strong>-se severamente comprometida<strong>na</strong> ausência <strong>de</strong> sentido que justifique o esforço e o ímpeto <strong>de</strong> viver. E,nesse particular, Viktor Frankl é enfático sobre o papel do trabalho nessaconstrução. Segundo ele, o alicerce da vida adulta assenta-se em variáveismúltiplas, que po<strong>de</strong>m ser resumidas em duas premissas básicas: amor etrabalho.Ao afirmar que o ser humano é uma criatura forjada no <strong>de</strong>ver e<strong>na</strong> responsabilida<strong>de</strong>, e que por isso precisa realizar o sentido potencial <strong>de</strong>sua existência, Frankl sugere “que o verda<strong>de</strong>iro sentido da vida <strong>de</strong>ve ser<strong>de</strong>scoberto no mundo, e não <strong>de</strong>ntro da pessoa huma<strong>na</strong> ou <strong>de</strong> sua psique,como se fosse um sistema fechado”. E acrescenta: “Quanto mais a pessoa seesquecer <strong>de</strong> si mesma – claro que vivenciando os seus valores –, <strong>de</strong>dicandosea servir a uma causa ou a amar outra pessoa, mais huma<strong>na</strong> será e maisse realizará”. Certamente em todos os sentidos, mas especialmente comopessoa.Para Frankl, o trabalho, nesse particular, é mais que importante,é absolutamente imprescindível, é qualquer coisa <strong>de</strong> sagrado,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do simbolismo que o insere no imaginário social. Elese constitui <strong>na</strong> ponte que liga o homem ao mundo externo. É por meio <strong>de</strong>leque o homem sustenta as bases materiais da vida e se apresenta diante <strong>de</strong>la.É por esse meio que ele é reconhecido, valorizado, admirado e respeitado.A construção <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> está intimamente relacio<strong>na</strong>da à maneiracomo o homem se posta diante do trabalho. A ocupação útil resgata averda<strong>de</strong>ira dignida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> porque restaura os sentidos <strong>de</strong> cidadania,responsabilida<strong>de</strong> e utilida<strong>de</strong> – sem dúvida, os maiores atributos da vidaadulta, ao lado da afetivida<strong>de</strong> realizada. Um ser humano <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><strong>de</strong>veres e responsabilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>svestido do significado do que se enten<strong>de</strong>por cidadania, é um ser <strong>de</strong>snudo <strong>de</strong> símbolos e do verda<strong>de</strong>iro significadoda existência como ser que pensa e que tem sentimentos.As pessoas que encontramos <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> aposentadas por tempo<strong>de</strong> contribuição, que pa<strong>de</strong>ciam pela ausência do que fazer, ora trabalhavamem ativida<strong>de</strong>s encerradas com a aposentadoria, ora não procuraramoutros afazeres que as mantivessem ocupadas, ativas. Aposentaram-se emcondições piores do que as que marcaram o início da carreira profissio<strong>na</strong>l,quando jovens. A falta <strong>de</strong> experiência, que comumente caracteriza o início


288João Cândido <strong>de</strong> Oliveira<strong>de</strong> carreira, é compensada, primeiro, pela vitalida<strong>de</strong>; <strong>de</strong>pois, pelo <strong>de</strong>safioda aprendizagem. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r termi<strong>na</strong> superando as limitaçõesimpostas pela falta <strong>de</strong> experiência – diferentemente dos aposentadosimprevi<strong>de</strong>ntes, <strong>na</strong> maioria das vezes esmorecidos, pachorrentos, à cata<strong>de</strong> lazer, convictos <strong>de</strong> que suas experiências são mais do que suficientespara colocá-los em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições <strong>na</strong> disputa por espaços nomercado <strong>de</strong> trabalho, se assim o <strong>de</strong>sejarem. Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições émodéstia: o que muitos aposentados, sobretudo egressos <strong>de</strong> funções <strong>de</strong>comando, pensam mesmo é que estarão empregados ou ocupados comativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consultoria <strong>na</strong> primeira tentativa <strong>de</strong> procura por trabalho.Acreditam que as empresas no ramo em que trabalhavam, ao saberem<strong>de</strong> suas aposentadorias ou ao consultarem os seus currículos, virão aoseu encontro, oferecendo-lhes trabalho em condições seguramente maisvantajosas do que as dos seus antigos empregos.Esse julgamento é, em todos os sentidos, <strong>de</strong>sastroso. Não ajudaos aposentados em absolutamente <strong>na</strong>da. Pelo contrário, só os atrapalha.Isso porque, quando o que se espera com absoluta certeza não se revela,sobrevém, primeiro, a frustração, que se constitui <strong>na</strong> <strong>de</strong>molição dasexpectativas; <strong>de</strong>pois, a dura constatação <strong>de</strong> que, numa relação <strong>de</strong> compra evenda <strong>de</strong> trabalho ou <strong>de</strong> qualquer outra mercadoria, o que prevalece não é aunilateralida<strong>de</strong>, isto é, a importância e o valor que se queira individualmenteconferir ao produto, mas a relação existente entre o que se queira ven<strong>de</strong>re as regras do mercado comprador. O <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte nessa relação é a leida oferta e da procura. E a procura por trabalho <strong>de</strong> pessoas idosas, <strong>na</strong>nossa cultura, nem sempre é abundante como imagi<strong>na</strong>m as pessoas quenunca passaram por essa experiência. Muitos foram os aposentados quepereceram no abandono à espera <strong>de</strong> ofertas ou <strong>de</strong> convites <strong>de</strong> trabalhonunca concretizados. A espera incerta, para quem pouco ou <strong>na</strong>da conhece<strong>de</strong> incertezas, po<strong>de</strong> transformar-se numa via <strong>de</strong> fácil acesso à angústia,ao <strong>de</strong>sespero e à precipitação das doenças típicas da ida<strong>de</strong>. E é por essavia, infelizmente, que muitos aposentados <strong>de</strong>spreparados a<strong>de</strong>ntram numaviagem tumultuada, com poucas chances <strong>de</strong> retorno.Esse estado <strong>de</strong> espírito, comum a muitos aposentados, estáintimamente associado às bases <strong>na</strong>s quais se assenta a construção <strong>de</strong> suaspróprias vidas. Em função dos compromissos <strong>de</strong> trabalho e familiares –investimento <strong>na</strong> carreira, criação, educação e encaminhamento dos filhos –muitas pessoas, especialmente homens, não construíram nem vivenciaram,


O Dia Seguinte da Aposentadoria: Sonhos e Realida<strong>de</strong>289em outros momentos, projetos pessoais que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dasobrigações impostas pelo trabalho formal e pelos vínculos familiares,continuassem conferindo sentido às suas vidas. Ignoraram ou esqueceramque o sentido da vida está precisamente no rumo que a ela é dado e quenenhum sentido po<strong>de</strong>rá advir do vazio, do <strong>na</strong>da. Sem sentido, a vida tor<strong>na</strong>sevazia e fugaz; per<strong>de</strong> seu atributo principal, que é a coragem (<strong>de</strong>safio) <strong>de</strong>enfrentar o <strong>de</strong>sconhecido, o futuro. A existência sem sentido comumenteleva o indivíduo a esgueirar-se dos valores fundamentais da própriaexistência, questio<strong>na</strong>ndo e às vezes negando, <strong>de</strong> maneira peremptória, oque se é <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> respostas para o irrespondível. A negação do que seé <strong>na</strong> procura do diferente, do singular, do melhor e do ajuste às <strong>de</strong>mandasda vida momentânea povoa a todos, indistintamente. O que não é saudávelé a negação do que se é, numa transposição ao que não se é. Desseexercício, sobretudo <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, só po<strong>de</strong>rão advir a aceleração do<strong>de</strong>clínio físico, as doenças típicas <strong>de</strong>ssa fase da vida e a morte prematura,justamente o que ocorre com uma parcela consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> aposentadosque, por uma razão ou outra, não se prepararam a<strong>de</strong>quadamente paraviver esse momento.O trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>: vencendo as barreirasda culturaFalar em trabalho, especialmente prazeroso, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> é,antes <strong>de</strong> mais <strong>na</strong>da, falar em projeto <strong>de</strong> vida. E nesse particular não hácomo <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong> algumas interrogações que a maioria dos aposentados,especialmente por tempo <strong>de</strong> contribuição, até pouco tempo atrás, nãose sentia à vonta<strong>de</strong> para respon<strong>de</strong>r: qual é a perspectiva <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> umaposentado que já trafega por longas distâncias pela terceira ida<strong>de</strong>? Comoele vislumbra o seu futuro? O que está fazendo ou fez para prevenir osefeitos <strong>de</strong>letérios da síndrome <strong>de</strong> estag<strong>na</strong>ção e/ou <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong>, comumà maioria dos aposentados, especialmente do sexo masculino, nessa faseda vida? Se <strong>na</strong>da se fez, o que ainda po<strong>de</strong>rá ser feito? As experiênciasmostram que muito po<strong>de</strong>rá ser feito, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da disposição das pessoas,sobretudo em termos <strong>de</strong> trabalho.Dos 650 aposentados que entrevistamos <strong>de</strong>z anos atrás, por ocasiãoda elaboração do livro “Aposentadoria: um caminho que nem sempre levao caminhante ao melhor lugar”, pouco mais <strong>de</strong> 4% aposentaram-se em


290João Cândido <strong>de</strong> Oliveiracondições altamente favoráveis, sobretudo no que se refere ao que fazer<strong>na</strong> condição <strong>de</strong> aposentados. Não há dúvida <strong>de</strong> que esse quadro mudousignificativamente <strong>na</strong> última década. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aposentados que hojetrabalha é significativamente maior do que <strong>de</strong>z anos atrás. Evi<strong>de</strong>ntemente,nem todos estão trabalhando por opção, e menos ainda envolvidos comativida<strong>de</strong>s compatíveis com a sua formação profissio<strong>na</strong>l, a sua vocação e assuas experiências. Todavia não é esse o foco da nossa observação. Vamosfalar das oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho que se apresentam para pessoas <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>, saudáveis e, principalmente, portadores <strong>de</strong> conhecimentos eexperiências acumulados ao longo dos anos <strong>de</strong> trabalho formal.A <strong>de</strong>speito das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho para pessoas da terceiraida<strong>de</strong>, necessário se faz ressaltar que uma coisa é o trabalho disponível nomercado e outra, muito diferente, são as condições reunidas por quem sepropõe a trabalhar <strong>de</strong>ssa forma. O mercado <strong>de</strong> trabalho, em consequênciada cultura domi<strong>na</strong>nte, trata o trabalhador da terceira ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneiramuito diferente <strong>de</strong> como o faz em relação ao trabalhador jovem. Não sãopoucas as barreiras (preconceitos) que o trabalhador da terceira ida<strong>de</strong> terá<strong>de</strong> transpor para se inserir e se manter no mercado <strong>de</strong> trabalho. A primeirae a mais contun<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>las, não há dúvida, é a ida<strong>de</strong>. A terceira ida<strong>de</strong><strong>de</strong>fine-se pelo tempo <strong>de</strong> vida: convencio<strong>na</strong>lmente, 60 anos. O que não é,para as pessoas saudáveis, empecilho ao trabalho.Preparando-se para o trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>O verbo preparar é, aqui, empregado preferencialmente noparticípio (preparado). Isso não significa que as pessoas que chegaram àterceira ida<strong>de</strong> com a intenção <strong>de</strong> continuar trabalhando e não se prepararamantecipadamente não tenham mais tempo para fazê-lo. Não é isso. O quequeremos dizer é que os que se prepararam com antecedência para essamissão certamente encontrarão menores dificulda<strong>de</strong>s. Além disso, nãoterão <strong>de</strong> gastar tempo e recursos <strong>na</strong> feitura do que já <strong>de</strong>veria ter sido feitoem outros momentos seguramente mais propícios.O ingresso no mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> se dá por viasmúltiplas e diferenciadas. O importante é o postulante estudar atentamentea alter<strong>na</strong>tiva que melhor lhe aprouver e não medir esforços para seguir emfrente.


O Dia Seguinte da Aposentadoria: Sonhos e Realida<strong>de</strong>291A via mais cômoda, para quem foi ou é empregado, é continuarcomo tal, quando isso é possível. Por essa via, o indivíduo não precisapassar por nenhum processo novo <strong>de</strong> aprendizagem. Basta renovar adisposição para o trabalho e ter emprego assegurado. Se aposentado for,a aposentadoria, nessa circunstância, não chega a ser percebida. Nãoocorrerá <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> do trabalho que interfira <strong>na</strong> sua realização. Porisso não haverá rito <strong>de</strong> passagem, com as adaptações típicas <strong>de</strong> outrasmaneiras <strong>de</strong> trabalhar, nessa fase da vida.Outra via largamente utilizada para o ingresso no mercado <strong>de</strong>trabalho, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, consiste <strong>na</strong> prestação <strong>de</strong> serviços. Por essavia, diferentemente da mencio<strong>na</strong>da anteriormente, o postulante terá <strong>de</strong> sepreparar - melhor dizendo, se estruturar. Para um prestador <strong>de</strong> serviços,qualquer que seja o trabalho, não basta ser ape<strong>na</strong>s competente no quepreten<strong>de</strong> fazer. Isso é o mínimo requerido por essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho.Trabalhar nessa condição <strong>de</strong>manda infraestrutura, que envolve pesquisa <strong>de</strong>mercado, recursos e estratégia <strong>de</strong> ação, não ape<strong>na</strong>s para prestar o serviçoproposto, mas principalmente para colocá-lo no mercado. Um percentualaltíssimo <strong>de</strong> postulantes a esse tipo <strong>de</strong> trabalho, mesmo portadores <strong>de</strong>formação específica e experiência, <strong>de</strong>siste por causa das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>colocação dos seus serviços.A prestação <strong>de</strong> serviços, especialmente no formato <strong>de</strong> consultoria,é feita comumente em três etapas distintas: aprendizagem, consolidaçãodas experiências e inserção no mercado. A primeira etapa se vencenormalmente pela formação profissio<strong>na</strong>l associada aos anos <strong>de</strong> trabalhoformal. A segunda etapa, que consiste <strong>na</strong> adaptação do trabalho aosobjetivos propostos e <strong>na</strong> conquista <strong>de</strong> mercado, é levada a cabo, <strong>na</strong>maioria das vezes, mediante associações com quem já está consolidado nomercado. A terceira e mais importante etapa se alcança quando não há maisnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum tipo <strong>de</strong> intermediação. Nessa fase, o prestador <strong>de</strong>serviços tor<strong>na</strong>-se senhor do seu ofício. Essa é a trajetória percorrida pelamaioria dos consultores hoje estabelecidos no mercado – embora simples,requer <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> objetivos, preparo e, principalmente, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção.Outra via para o ingresso no trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, largamenteutilizada, consiste numa gama <strong>de</strong> variadas ativida<strong>de</strong>s comerciais. Nessamodalida<strong>de</strong>, sobretudo quando são necessários investimentos, o trabalho<strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong>verá ser bem rigoroso. Muitos


292João Cândido <strong>de</strong> Oliveiraaposentados, por não consi<strong>de</strong>rarem tal variável, <strong>de</strong>sfizeram-se <strong>de</strong> economiasou contraíram empréstimos que culmi<strong>na</strong>ram <strong>na</strong> venda ou penhora <strong>de</strong> benspatrimoniais para saldá-los. Patrimônios, diga-se <strong>de</strong> passagem, adquiridosao longo da vida laboral, incluindo a própria moradia.Embora não seja prática corrente no Brasil, outra forma <strong>de</strong> se inserirno mercado <strong>de</strong> trabalho, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, consiste em os postulantesao trabalho se organizarem em cooperativas <strong>de</strong> serviços – uma forma <strong>de</strong>organização que, além <strong>de</strong> facilitar a colocação dos serviços propostos,barateia custos operacio<strong>na</strong>is, reforça os laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e solidarieda<strong>de</strong>entre os seus membros. Pela sua <strong>na</strong>tureza, não há dúvida <strong>de</strong> que essamodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização seja a mais promissora forma <strong>de</strong> enfrentar otrabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, pois, além <strong>de</strong> facilitar a colocação do trabalhono mercado, promove a troca <strong>de</strong> experiências entre os seus membros. Acomunhão <strong>de</strong> propósitos, a assistência mútua e a solidarieda<strong>de</strong> constituemseno mais importante lenitivo das ansieda<strong>de</strong>s e incertezas que costumampovoar a vida <strong>de</strong> quem trafega pelas estradas estreitas e tortuosas daterceira ida<strong>de</strong>.Outra modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, que resulta embenefícios mútuos, é a prestação <strong>de</strong> serviços voluntários. Essa modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> trabalho é <strong>de</strong> importância fundamental, não ape<strong>na</strong>s pelo seu caráteraltruísta, mas, principalmente, pelo que ela representa, em termos <strong>de</strong>satisfação, para quem se propõe a realizá-la. O princípio no qual sefundamenta esse tipo <strong>de</strong> trabalho resi<strong>de</strong> no <strong>de</strong>sprendimento, <strong>na</strong> abnegaçãoe no amor ao próximo. Daí não se preten<strong>de</strong>r outro retorno que não seja aassistência ao próximo e a satisfação pessoal <strong>de</strong> quem a realiza.O trabalho voluntário, além dos benefícios que proporcio<strong>na</strong>,apazigua espíritos inquietos, humaniza e minimiza angústias - não ape<strong>na</strong>s<strong>de</strong> quem o recebe, mas também <strong>de</strong> quem o presta. Quem se dispõe a ajudaro próximo ajuda a si mesmo. É dando que se recebe - não ape<strong>na</strong>s o que avida po<strong>de</strong> oferecer, mas também, e principalmente, o que nunca sobra aodoador: amor fraterno.Fi<strong>na</strong>lizando, não há como <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer no trabalho amelhor forma <strong>de</strong> servir e <strong>de</strong> ser servido. Trafegar pelo mundo do trabalho éum passeio, <strong>de</strong> certa forma, exuberante, rico, cheio <strong>de</strong> surpresas agradáveise <strong>de</strong>sagradáveis a um só tempo, <strong>de</strong> emoções fortes, <strong>de</strong> angústias e <strong>de</strong>dor, <strong>de</strong> alegrias não contidas, mas também <strong>de</strong> tristezas que abalam. Quem


O Dia Seguinte da Aposentadoria: Sonhos e Realida<strong>de</strong>293envelheceu trabalhando conhece <strong>de</strong> perto o significado <strong>de</strong>ssas afirmações.Não há quem não as tenha vivido intensamente.O trabalho representa o caminho por on<strong>de</strong> a humanida<strong>de</strong> tempercorrido a gran<strong>de</strong> jor<strong>na</strong>da <strong>de</strong> sua existência, fazendo-se e refazendo-se.Para o homem, é o caminho através do qual a <strong>na</strong>tureza, em toda a suaplenitu<strong>de</strong>, revela as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida – sem ele o homem jamais teriachegado aon<strong>de</strong> chegou; talvez tivesse perecido <strong>na</strong> primeira infância daexistência.<strong>Trabalho</strong> não mata ninguém. O que contribui para a morteantecipada é a tristeza gerada pela síndrome <strong>de</strong> inutilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarte.Bibliografia__________. O valor do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras,2006.BATÁGLIA, Felice. Filosofia do trabalho. São Paulo: EdiçõesSaraiva, 1958.FRANKL, Viktor E. Em busca <strong>de</strong> sentido. 5ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EditoraVozes, 1996.GIANETTI, Eduardo. Auto-engano. São Paulo: Companhia dasLetras, 1997.KÜBLE-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Ed. MartinsFontes, 1994.LEITE, Barbosa Celso. O século da aposentadoria. São Paulo: LTr,1993.OLIVEIRA, João Cândido. Aposentadoria: um caminho que nemsempre leva o caminhante ao melhor lugar. Belo Horizonte: Ed. Cultura,2001.


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Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>le Doenças Crônicas:Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado<strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e <strong>de</strong> Consumo <strong>de</strong> Serviços<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>295Josier Marques VilarMédico, professor-adjunto <strong>de</strong> Clínica Medica da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ralFluminense e mestre em Pneumologia. Sócio-diretor da PRONEP epresi<strong>de</strong>nte do Sindicato dos Hospitais e Clínicas do Município do Rio <strong>de</strong>Janeiro. Organizador do livro “Gover<strong>na</strong>nça corporativa em saú<strong>de</strong>”.O mundo da saú<strong>de</strong> mudou nos últimos 30 anos. Estamos vivendouma nova era <strong>de</strong> incertezas em que prevalecem fatores que influenciamfortemente a vida das pessoas, com imensas consequências para o futuro<strong>de</strong> todos nós, a saber: o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l; a prevalência <strong>de</strong>doenças crônicas; a incorporação frenética <strong>de</strong> novas; caras e excessivastecnologias <strong>de</strong> investigação diagnóstica e terapêutica.Tais fatores estão impactando fortemente o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão quetemos adotado até aqui, levando-nos a questio<strong>na</strong>mentos e colocando-nosdiante <strong>de</strong> dilemas sobre escolhas do melhor caminho a seguir. O mundooci<strong>de</strong>ntal acompanhou com muito interesse a implantação, <strong>na</strong> década <strong>de</strong>50, em diversos países europeus e nos Estados Unidos, <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>proteção social <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>dos Estado <strong>de</strong> Bem-Estar Social, o Welfare State,que compreendiam a cobertura universal <strong>de</strong> serviços sociais básicos, emespecial educação fundamental, previdência social, assistência social e,muito especialmente, a cobertura integral dos gastos e/ou investimentos


296 Josier Marques Vilarem saú<strong>de</strong>.Os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> Welfare State não eram necessariamente iguais entretodos os países que o adotaram. Alguns optaram pelo mo<strong>de</strong>lo universal <strong>de</strong>cobertura total e integral pelo Estado <strong>de</strong> todas as necessida<strong>de</strong>s básicas dapopulação e outros preferiram o mo<strong>de</strong>lo seletivo, em que a participação doEstado se dá pela cobertura <strong>de</strong>ssas necessida<strong>de</strong>s unicamente para as camadasmais <strong>de</strong>sfavorecidas. Por fim, alguns países do Sul da Europa adotaramum mo<strong>de</strong>lo em que o Estado assume o compromisso <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciar o bemestarsocial, utilizando recursos <strong>de</strong> terceiros para sua operacio<strong>na</strong>lização.É o sistema misto <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento, gestão e prestação <strong>de</strong> serviços, compredomi<strong>na</strong>nte participação do setor público. Este é o mo<strong>de</strong>lo adotadoamplamente, hoje em dia, principalmente no setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Até a década <strong>de</strong> 70, em especial <strong>na</strong> Europa, esses mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>Welfare State obtiveram a a<strong>de</strong>são crescente <strong>de</strong> inúmeros países. Mas umaprofunda crise econômica comprometeu todos os países da Europa e essemo<strong>de</strong>lo foi caindo em <strong>de</strong>suso, especialmente <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> oenvelhecimento populacio<strong>na</strong>l observado em todo o mundo e os custoscrescentes dos métodos <strong>de</strong> investigação diagnóstica vêm elevando <strong>de</strong>forma quase i<strong>na</strong>dministrável os custos <strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nciamento <strong>de</strong>sse setor.Embora o Brasil, por sua Constituição Fe<strong>de</strong>ral aprovada em 1988,<strong>de</strong>fi<strong>na</strong> a saú<strong>de</strong> como um <strong>de</strong>ver do Estado e um direito do cidadão, <strong>na</strong>prática, nunca a<strong>de</strong>riu ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Welfare State, comum <strong>na</strong> Europa,embora faça parte <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> países, quase todos <strong>de</strong> peque<strong>na</strong>sdimensões geográficas, como Grécia, Portugal, Inglaterra, EspanhaJamaica, Suri<strong>na</strong>me, Trinidad Tobago, Cuba, Barbados e Haiti, em que ofi<strong>na</strong>nciamento do setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> é feito quase integralmente pela cobrança<strong>de</strong> contribuições sociais com características <strong>de</strong> impostos.Como no Brasil, por diversas razões, o volume total <strong>de</strong> recursosarrecadados pelo governo não acompanha proporcio<strong>na</strong>lmente os gastoscrescentes com o setor saú<strong>de</strong>, obviamente vem se criando um déficitoperacio<strong>na</strong>l, com “prejuízos” se acumulando progressivamente a cada ano,quando consi<strong>de</strong>ramos os indicadores sociais como critério <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong>resultados.Tudo isso agravado pelo envelhecimento <strong>de</strong> nossa população,que hoje, segundo dados do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...297(IBGE), registra mais <strong>de</strong> 15 milhões <strong>de</strong> brasileiros com mais <strong>de</strong> 60 anos<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (9% da população), os quais são, historicamente, os principaisusuários dos sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> disponíveis em nosso país, sejam públicosou privados.É nessa faixa etária – acima <strong>de</strong> 60 anos – que se localizam aspessoas que mais utilizam serviços <strong>de</strong> investigação diagnóstica e consomemmais serviços hospitalares e ambulatoriais.Com nossa cultura “hospitalocêntrica”, em que equivocadamenteatribuímos aos hospitais e à hospitalização um valor muito superiorao que <strong>de</strong>veria existir em um programa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, temos <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>priorizar práticas <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> doenças e <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o quecertamente diminuiria muito os gastos com assistência médico-hospitalar.Consequentemente, sobrariam mais recursos para as ações permanentes<strong>de</strong> prevenção, tão necessárias para atingir o bem-estar social por todos<strong>de</strong>sejado.Se nunca atingimos, em momento algum <strong>de</strong> nossa históriacontemporânea, o estágio <strong>de</strong> Welfare State orgulhosamente apresentado pordiversos países europeus <strong>na</strong>s décadas passadas, não necessitamos cultivarin<strong>de</strong>finidamente a “vergonha social” como uma verda<strong>de</strong> absoluta.Rediscutir os processos operacio<strong>na</strong>is existentes e as políticas<strong>de</strong> atenção primárias, secundárias e terciárias, incluindo aí a tendênciamundial <strong>de</strong> investir fortemente em programas <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> doenças e<strong>de</strong> promoção da saú<strong>de</strong> com ênfase especial no envelhecimento saudável,é um imperativo da nova or<strong>de</strong>m social e econômica que certamente trariamuitos benefícios à nossa socieda<strong>de</strong>.Se já não existem dúvidas <strong>de</strong> que o mo<strong>de</strong>lo assistencial <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>focado no consumerismo é um equívoco, po<strong>de</strong>mos adicio<strong>na</strong>r uma afirmaçãoinquestionável: estamos envelhecendo e um dia ficaremos doentes. E mais,como disse o cientista alemão Karl Humboldt: “Todos <strong>de</strong>veríamos nospreocupar com o futuro, pois é lá que viveremos o restantes <strong>de</strong> nossosdias”.A principal priorida<strong>de</strong> e gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio dos responsáveis pelaspolíticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria ser a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir o mo<strong>de</strong>lo atual e buscarum novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão, que dê ênfase ao envelhecimento populacio<strong>na</strong>le às doenças crônicas, garantindo a sustentabilida<strong>de</strong> com qualida<strong>de</strong> da


298Josier Marques Vilarassistência à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa população. Temos <strong>de</strong> ter em mente que, quandoos problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são crônicos, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tratamento agudo nãofuncio<strong>na</strong>, e os sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o mundo não estão preparadospara o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l, muito menos para o tratamento dasdoenças crônicas que inevitavelmente acompanham a mudança do perfil<strong>de</strong>mográfico da população.Além disso, as mudanças políticas observadas no mundo <strong>na</strong>súltimas décadas nos trouxeram um novo formato <strong>de</strong> gerenciar osproblemas, inclusive os problemas da saú<strong>de</strong>, que passaram a ser pautadosprevalentemente pelo olhar econômico, em <strong>de</strong>trimento, muitas vezes,<strong>de</strong> outros valores que frequentemente também eram responsáveis pelastomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> - aí incluindo aspectos religiosos, éticos,morais etc.Portanto um dos maiores <strong>de</strong>safios que temos <strong>de</strong> enfrentar econhecer está exatamente relacio<strong>na</strong>do à mudança do perfil <strong>de</strong>mográficoda população mundial, que vem envelhecendo <strong>de</strong> forma sem prece<strong>de</strong>nte<strong>na</strong> história da humanida<strong>de</strong>. Este é um fenômeno muito novo para todos,e nenhum planejamento feito por governos e organizações sociais previuno passado o impacto econômico que o envelhecimento traria para toda asocieda<strong>de</strong>. Estamos, assim, diante <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> conquista <strong>de</strong> todos nós e <strong>de</strong>um gran<strong>de</strong> problema para resolvermos: como transformar o envelhecimentopopulacio<strong>na</strong>l em um diferencial competitivo para as populações <strong>de</strong> todoo mundo? Temos <strong>de</strong> encontrar a melhor forma <strong>de</strong> equacio<strong>na</strong>r o impactoeconômico que nos trouxe esta conquista da humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada portodos, pois é óbvio que com o envelhecimento da população surgem cadavez mais doenças crônicas para serem prevenidas e tratadas.Estamos, por fim, diante dos seguintes dilemas:- Como fornecer cuidados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> a toda a população?- Como fi<strong>na</strong>nciar o sistema?- Como estabelecer diretrizes e controles?- Qual a melhor forma <strong>de</strong> execução?- Como compatibilizar qualida<strong>de</strong> com sustentabilida<strong>de</strong>?É sabido que o nível <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma população, em geral,é fortemente influenciado por quatro fatores: fatores genéticos,


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...299<strong>de</strong>senvolvimento socioeconômico, estilo <strong>de</strong> vida e, fi<strong>na</strong>lmente, mas nãomenos importante, os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> existentes.Sem prejuízo dos três primeiros, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m mais <strong>de</strong> açõespreventivas/educacio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong> políticas públicas responsáveis, cabe a todosnós, profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e às nossas instituições a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>organizar serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que possam aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nossagente em qualquer nível <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong>, especialmente aos idosos eportadores <strong>de</strong> doenças crônicas, contribuindo para elevar o nível <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>da população em geral.É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste contexto da necessária reorganização dos serviços<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, com implantação <strong>de</strong> políticas consequentes que privilegiemações que promovam o envelhecimento saudável e reduzam o impactodas doenças crônicas, que a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência domiciliar tem sidoincluída pelos setores público e privado como um mo<strong>de</strong>lo preferencial <strong>de</strong>atenção à saú<strong>de</strong> para o atendimento aos idosos.Então, se bons serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m interferir no nível <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> da população e o foco <strong>de</strong>ssa atenção <strong>de</strong>ve ser feito em ambientedomiciliar, o que temos <strong>de</strong> fazer é ampliar e qualificar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidadoresdomiciliares, <strong>de</strong>senvolvendo neles as habilida<strong>de</strong>s necessárias e oferecendolhesas ferramentas fundamentais para o sucesso <strong>de</strong>sse acompanhamento.Este é o <strong>de</strong>safio que todas as instituições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do país <strong>de</strong>veriamenfrentar, sejam elas públicas ou privadas, buscando, pela melhoria <strong>de</strong>seus processos assistenciais, a qualida<strong>de</strong> necessária para que o mo<strong>de</strong>loassistencial brasileiro possa ser consi<strong>de</strong>rado por todos um núcleo <strong>de</strong>excelência em serviços à nossa população.A tendência, portanto, é que cada vez mais aumente a <strong>de</strong>mandapor profissio<strong>na</strong>is cuidadores qualificados para aten<strong>de</strong>rem às crescentesnecessida<strong>de</strong>s da população idosa e <strong>de</strong> portadores <strong>de</strong> doenças crônicas,passando nossas organizações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> a se envolver cada vez mais comtrei<strong>na</strong>mento e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pessoas capazes <strong>de</strong> gerenciar políticas<strong>de</strong> envelhecimento saudável e prevenção <strong>de</strong> doenças, com ênfase especialno combate ao risco <strong>de</strong> doenças cardiovasculares: diabetes, hipertensão,tabagismo, obesida<strong>de</strong>, se<strong>de</strong>ntarismo, alcoolismo etc.A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação da expectativa <strong>de</strong> vida e do aumentodas doenças crônicas no mundo leva as organizações responsáveis pelos


300Josier Marques Vilarplanejamentos em saú<strong>de</strong> a prever que até o ano 2020 as condiçõescrônicas, incluindo as sequelas <strong>de</strong> lesões e os distúrbios mentais, serãoresponsáveis por 78% das doenças nos países em <strong>de</strong>senvolvimento,transformando o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l e as doenças crônicas emfatores extremamente preocupantes, tendo em vista que eles:- estão aumentando em todo mundo, o que vai impactartodos os países;- representam um sério <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> gestão focada em resultados;- trazem sérias consequências econômicas e sociais;- seus impactos somente po<strong>de</strong>rão ser minimizados quandolí<strong>de</strong>res dos governos e da saú<strong>de</strong> adotarem práticas inovadoras<strong>de</strong> gestão.Está, portanto, <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> todos apoiarem uma fundamentalmudança <strong>de</strong> paradigma:- Precisamos modificar os sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que foramorganizados em torno <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> casos agudos eepisódicos, o que hoje não aten<strong>de</strong> mais as necessida<strong>de</strong>s dapopulação crescentemente idosa e <strong>de</strong> muitos portadores <strong>de</strong>doenças crônicas.- Um novo sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve pensar em promover oenvelhecimento saudável e prevenir as doenças crônicas,acompanhando o paciente em suas <strong>de</strong>mandas gerais e não <strong>na</strong>sdoenças.- Um novo mo<strong>de</strong>lo assistencial focado no envelhecimento e <strong>na</strong>doença crônicas exige o contato regular e extenso do cuidadorcom o paciente e seus familiares, preferencialmente emambiente domiciliar;- Um novo sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve inovar, investindo <strong>na</strong>conectivida<strong>de</strong> da informação, integrando a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> provedores<strong>de</strong> serviços e evitando o <strong>de</strong>sperdício.Além disso, temos <strong>de</strong> gerenciar o ambiente político, influenciandoe cobrando dos responsáveis pelas <strong>de</strong>cisões políticas e dos lí<strong>de</strong>res dasaú<strong>de</strong> que consi<strong>de</strong>rem sempre as necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>mandas dos idosos, dospacientes crônicos, das famílias e dos membros da comunida<strong>de</strong>, além dasorganizações que os representam.É fundamental para o sucesso <strong>de</strong>sse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> assistência à


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...301saú<strong>de</strong> do idoso e dos portadores <strong>de</strong> doenças crônicas que os sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>não sejam fragmentados e que compartilhem as informações, evitando,assim, o retrabalho e o <strong>de</strong>sperdício monumental hoje observados.Também é muito importante para o êxito <strong>de</strong>sse inovador mo<strong>de</strong>loassistencial que as políticas e os setores públicos e privados se integreme busquem o alinhamento do pensamento estratégico, maximizando osresultados que todos <strong>de</strong>sejam <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>.Por fim, o mais importante olhar <strong>de</strong>ve ser contemplado para aotimização dos recursos humanos <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>, pois gerenciar o envelhecimentoda população e o crescente aumento das doenças crônicas requer habilida<strong>de</strong>sespecíficas <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> orientação para mudança <strong>de</strong>comportamento e <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança contagiante para o aconselhamento daspopulações-alvo.Mas <strong>na</strong>da conseguiremos se não envolvermos a família e nãoapoiarmos os idosos e os pacientes com doenças crônicas em suascomunida<strong>de</strong>s. Eles necessitam ser, junto com suas famílias, agentes <strong>de</strong>mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> diante do envelhecimento e da sua doença crônica,quando ela aparecer.Portanto estimular a criação <strong>de</strong> programas atrativos <strong>de</strong> educaçãocontinuada para a saú<strong>de</strong> nos ambientes que os idosos frequentam – igrejas,clubes, praias, reuniões <strong>de</strong> condomínios etc, com ênfase em prevenção <strong>de</strong>doenças e promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> – po<strong>de</strong> ser um fator <strong>de</strong> muita relevância paraa mudança do perfil do envelhecimento populacio<strong>na</strong>l.Este é um novo mercado <strong>de</strong> trabalho que surge e uma gran<strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong> para a formação <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas que querem<strong>de</strong>senvolver novas habilida<strong>de</strong>s para o acompanhamento <strong>de</strong> idosos e <strong>de</strong>portadores <strong>de</strong> doenças crônicas.Acredito que estejamos próximos <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> e importantemudança <strong>de</strong> paradigma em que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> assistência à saú<strong>de</strong> atual, on<strong>de</strong>o hospital, que tem se caracterizado como a principal porta <strong>de</strong> entrada dosistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, se transformará em local reservado para o tratamento <strong>de</strong>doenças complexas, sendo os cuidados primários e secundários, incluindoos programas <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> doenças, preferencialmente realizados emambiente domiciliar.No mo<strong>de</strong>lo atual, a ênfase não tem sido <strong>na</strong> implantação <strong>de</strong>


302Josier Marques Vilarprogramas <strong>de</strong> promoção da saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> doenças, restando aospacientes e seus familiares, como alter<strong>na</strong>tiva, agir segundo suas condiçõese conhecimento e aguardar a ocorrência <strong>de</strong> uma complicação para po<strong>de</strong>rretor<strong>na</strong>r ao hospital. É um mo<strong>de</strong>lo que ten<strong>de</strong> a se transformar, criandooportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho para esse novo perfil <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l da saú<strong>de</strong>.Dessa forma, estaremos enfrentando, com uma nova modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> atenção, os dilemas da falta <strong>de</strong> recursos que a todos atormenta, pois osfi<strong>na</strong>nciamentos existentes são limitados e o envelhecimento populacio<strong>na</strong>l,da mesma forma que as doenças crônicas, avança em todo o mundo.É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto que tem crescido o foco da assistênciadomiciliar como o ambiente mais a<strong>de</strong>quado para gerenciamento doenvelhecimento saudável e para os controles <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> populacio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>forma mais eficiente e eficaz.O imperativo econômico que vem inviabilizando os sistemas <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o mundo nos levará a um maior foco nos cuidados primários,transformando o sistema, que abando<strong>na</strong>rá o mo<strong>de</strong>lo “hospitalocêntrico”vigente, fonte geradora <strong>de</strong> custos i<strong>na</strong>dministráveis em todos os países domundo, passando a <strong>de</strong>dicar mais recursos para uma mais efetiva política <strong>de</strong>atenção à saú<strong>de</strong> da população idosa e das pessoas com doenças crônicas.Manter o status quo com a assistência centrada <strong>na</strong> hospitalizaçãotem gerado uma situação <strong>de</strong> superlotação das unida<strong>de</strong>s hospitalares,<strong>de</strong>snecessariamente ocupadas por doentes idosos e com doenças crônico<strong>de</strong>generativas,aumentando os custos da assistência à saú<strong>de</strong> e gerandoenormes <strong>de</strong>sperdícios.Temos agora um <strong>de</strong>safio adicio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> qualificar a re<strong>de</strong> assistencial.Está <strong>na</strong> hora <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvermos organizações e profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>com as habilida<strong>de</strong>s necessárias para este novo <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> gestão, com baseem padrões <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> certificáveis. Embora o caminho atualmente maisusual para escolha <strong>de</strong>sses prestadores <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> seja a indicação<strong>de</strong> terceiros, em futuro próximo é <strong>de</strong>sejável que as escolhas sejam feitascom base em critérios mais objetivos, como, por exemplo, os indicadores<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho avaliados por instituições certificadoras <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong>.Com esta nova tendência <strong>de</strong> escolher o prestador <strong>de</strong> serviços emsaú<strong>de</strong> pela qualida<strong>de</strong> dos resultados que apresenta, necessitamos iniciar <strong>de</strong>


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...303imediato um programa <strong>de</strong> qualificação <strong>de</strong> pessoas e <strong>de</strong> instituições, visandoao aprimoramento <strong>de</strong> nossas práticas, e criar um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> comunicaçãoque permita a todos informar seus resultados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um padrão ético ecom dados claramente expostos para que os usuários do sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>possam fazer suas escolhas com base em dados técnicos confiáveis.No futuro, a expectativa é <strong>de</strong> que pacientes e seus familiaresescolham seus provedores <strong>de</strong> serviços – profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e organizações- entre aqueles que apresentem melhores resultados assistenciais.No futuro, a escolha <strong>de</strong> um cuidador ou <strong>de</strong> uma organizaçãoprestadora <strong>de</strong> serviço não será mais feita somente em base emocio<strong>na</strong>l, mastambém, e principalmente, com base racio<strong>na</strong>l, fundamentada em resultados,para que as pessoas saibam reconhecer, i<strong>de</strong>ntificar e comparar as melhorespráticas assistenciais. Atualmente, existem muitas razões apreciadas <strong>na</strong>tomada da <strong>de</strong>cisão da escolha <strong>de</strong> um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> uma maneiraem geral essas razões são puramente emocio<strong>na</strong>is. Na hora em que todos nóstivermos a disponibilida<strong>de</strong> da informação – e a certificação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>obriga todos a medir o que fazem –, os idosos, as pessoas com doençascrônicas e seus familiares po<strong>de</strong>rão escolher o prestador <strong>de</strong> serviços pelosmelhores programas que gerenciarem. Portanto as organizações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e seus profissio<strong>na</strong>is precisam se preparar para isso, criando uma gran<strong>de</strong>competição pela qualida<strong>de</strong>, com resultados benéficos para todos.Como crescem em nosso país os programas <strong>de</strong> gerenciamentodomiciliar das doenças crônicas, temos agora <strong>de</strong> dar ênfase ao gerenciamentodos idosos, criando programas <strong>de</strong> envelhecimento saudável que posterguem omáximo possível o surgimento das inevitáveis doenças que, inexoravelmente,a todos comprometerão em algum momento do futuro.Assim, sugerimos que possam se estabelecer nos setores público eprivado programas <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> idosos que atendam aos seguintesobjetivos:- prover os idosos <strong>de</strong> uma assistência integral à saú<strong>de</strong> combase em acompanhamento domiciliar feito por equipemultidiscipli<strong>na</strong>r <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;- montar um banco <strong>de</strong> dados confiável que permita umgerenciamento médico com base <strong>na</strong> medici<strong>na</strong> baseada emevidências;- oferecer aos organismos <strong>de</strong> controle sanitário e fi<strong>na</strong>nciadores


304Josier Marques Vilardo sistema um banco <strong>de</strong> dados epi<strong>de</strong>miologicamente confiávelque lhes permita planejar investimentos com base em análiseestatísticas a<strong>de</strong>quadas;- trei<strong>na</strong>r equipes multiprofissio<strong>na</strong>is e interdiscipli<strong>na</strong>res <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>para um acompanhamento ao idoso <strong>de</strong> forma integral.Como fazer o monitoramento dos idosos: o monitoramento dosidosos seria feito em centros <strong>de</strong> convivência ou em regime domiciliar,utilizando os recursos <strong>de</strong> Tecnologia da Informação (TI) disponíveis. Paratal, utilizar-se-ia:a) Rastreamento mínimo clínico e funcio<strong>na</strong>l: realizado mediantevisitas domiciliares feitas por agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que colherãodados epi<strong>de</strong>miológicos, sociais, familiares, culturais eeconômicos do idoso e da sua família;b) Análise <strong>de</strong> relatório gerencial clínico e funcio<strong>na</strong>l: feito a partirda obtenção dos dados inseridos em programas <strong>de</strong> controle dasaú<strong>de</strong> do idoso <strong>de</strong>senvolvidos com este objetivo.c) Ações preventivas e <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>: <strong>de</strong>senvolvidas apartir da análise do rastreamento mínimo clínico e funcio<strong>na</strong>l, oque inclui programa <strong>de</strong> imunização e programas <strong>de</strong> educaçãocontinuada para a saú<strong>de</strong>, incluindo uma a<strong>de</strong>quada orientaçãonutricio<strong>na</strong>l.Muita ênfase tem sido dada a metas <strong>de</strong> prevenção em saú<strong>de</strong> emdiversos países. Nos Estados Unidos, os clientes corporativos – empresase governos – estão cobrando das organizações prestadoras <strong>de</strong> serviçosplanos assistenciais que estabeleçam metas <strong>de</strong> prevenção, tais como oselaborados pelo Natio<strong>na</strong>l Center for Quality Assurance (NCQA). Os planosgeram relatórios para cada cliente corporativo, <strong>de</strong>talhando a porcentagem<strong>de</strong> empregados e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> fatias etárias e sexo, que têmrealizado as ações preventivas <strong>de</strong> imunizações, mamografia, exame <strong>de</strong>PSA e outras.Medidas <strong>de</strong> prevenção são classificadas em:- Prevenção Primária:aplicada à população geral, conforme indicações <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e sexo.- Prevenção Secundária:aplicada às pessoas com fatores <strong>de</strong> risco (história familiar,exposição anterior) para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...305<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da doença.- Prevenção Terciária:aplicada às pessoas com diagnóstico já realizado e comprobabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver sequela.A tendência é que se <strong>de</strong>senvolvam, para todos as pessoas incluídasnos programas <strong>de</strong> gerenciamento da saú<strong>de</strong>, metas <strong>de</strong> prevenção quepermitam a i<strong>de</strong>ntificação precoce <strong>de</strong> situações clínicas que causem agravosà saú<strong>de</strong> e que, em última análise, resultem em uma equação <strong>de</strong> somapositiva para todos.O que os fi<strong>na</strong>nciadores – públicos e privados - <strong>de</strong>sejam:- Melhoras mensuráveis <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> da população.- Redução dos gastos com assistência à saú<strong>de</strong>.- Aumento da produtivida<strong>de</strong> do trabalhador.- Cumprimento <strong>de</strong> metas <strong>de</strong> prevenção.- Maior satisfação da população com o sistema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>oferecido.Do que o cidadão/idoso/paciente precisa:- Melhor avaliação do seu “bem-estar” ou do “bem-estar” dosseus familiares.- Melhora perceptível <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong> e da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus familiares.- Redução dos gastos com saú<strong>de</strong>.- Realização <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> prevenção recomendadas.O que os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejam:- Melhores resultados dos <strong>de</strong>sfechos clínicos.- Melhora da remuneração pelo bom <strong>de</strong>sempenho.- Redução das <strong>de</strong>sgastantes roti<strong>na</strong>s burocráticas dasoperadoras <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;- Redução <strong>de</strong> <strong>de</strong>sperdícios <strong>de</strong> tempo.- Maior satisfação e gratificação profissio<strong>na</strong>l, com melhora dareputação profissio<strong>na</strong>l.


306Josier Marques VilarDe uma forma geral, diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong>doenças crônicas frequentemente presentes <strong>na</strong>s populações idosas têmsido aplicados com bons resultados clínicos e econômicos. Seja comconsultas presenciais ou orientações à distância, os resultados mostramefetivo benefício para os pacientes monitorados, sobretudo <strong>na</strong> a<strong>de</strong>são aostratamentos das doenças crônicas.Esses programas <strong>de</strong> monitoramento <strong>de</strong> doenças crônicas têmpromovido ações e intervenções assistenciais multiprofissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> formaa monitorar continuamente a evolução clínica dos pacientes e obter omelhor resultado com a terapêutica clínica proposta, fi<strong>de</strong>lizando o pacienteao planejamento terapêutico, orientando-o quanto ao automonitoramentoe estimulando hábitos <strong>de</strong> vida saudáveis.Desta forma, os programas <strong>de</strong> monitoramento <strong>de</strong> doenças crônicastêm buscado continuamente, preferencialmente atuando em regimedomiciliar:- fi<strong>de</strong>lizar o participante à equipe multiprofissio<strong>na</strong>l eao tratamento clínico proposto.- implantar protocolos clínicos <strong>de</strong> cuidados que permitammuniciar o médico <strong>de</strong> informações que aju<strong>de</strong>m <strong>na</strong> tomada <strong>de</strong><strong>de</strong>cisão e <strong>na</strong> implantação das melhores práticas terapêuticas.- difundir entre o participante e seus familiares conhecimentos einformações sobre as doenças;- fortalecer o conceito <strong>de</strong> que a modificação comportamental énecessária e imprescindível para o controle efetivo e global dadoença.- estimular a adoção <strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida saudável,- assistir o participante em suas <strong>de</strong>mandas clínicas, <strong>de</strong> formaa <strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s para o automonitoramento,contribuindo para a estabilida<strong>de</strong> da doença;- orientar o participante <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> si<strong>na</strong>is e sintomas <strong>de</strong>complicações, estabelecendo ações em situações <strong>de</strong> emergência.- orientar a utilização racio<strong>na</strong>l dos recursos disponíveis.Consi<strong>de</strong>rando o alerta da Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, queafirmou em seu relatório sobre cuidados inovadores <strong>na</strong>s doenças crônicasque elas são as principais causas <strong>de</strong> morte e incapacida<strong>de</strong> no mundo e que


Envelhecimento Populacio<strong>na</strong>l e Doenças Crônicas: Tendências <strong>de</strong> um Novo Mercado...307essas doenças po<strong>de</strong>m estar associadas a fatores <strong>de</strong> riscos que pioram seuprognóstico, as seguintes doenças, em função da sua prevalência em nossapopulação, têm sido preferencialmente monitoradas:- Diabetes Mellitus (DM)- Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS)- Doenças cardiovasculares.Os programas <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong>ssas doenças <strong>de</strong>vem<strong>de</strong>senvolver ações <strong>de</strong> intervenção, preferencialmente em ambientedomiciliar, através <strong>de</strong> uma equipe multiprofissio<strong>na</strong>l, <strong>de</strong> forma a obter omelhor resultado com a terapêutica clínica proposta, fi<strong>de</strong>lizando o pacienteao tratamento, orientando-o quanto ao automonitoramento e estimulandohábitos <strong>de</strong> vida saudáveis.Os programas <strong>de</strong>vem ter como foco central o cuidado integral e osucesso da terapêutica clínica através do monitoramento dos resultados,avaliando os indicadores clínicos constantemente medidos e a<strong>na</strong>lisadospela equipe técnica.Os profissio<strong>na</strong>is visitadores <strong>de</strong>vem envolver o paciente noautocuidado, i<strong>de</strong>ntificar e trei<strong>na</strong>r no núcleo familiar e estar habilitados adarem informações sobre as doenças e suas co-morbida<strong>de</strong>s, sobre os si<strong>na</strong>ise sintomas <strong>de</strong> intercorrências relacio<strong>na</strong>dos ou não à patologia, avaliar oestado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e as necessida<strong>de</strong>s clínicas dos participantes.Neste novo cenário da saú<strong>de</strong> e ambiente <strong>de</strong> trabalho, a equipemultiprofissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ve:- prover visitas domiciliares regulares, <strong>de</strong> forma a facilitar aimplementação <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lização ao tratamento econtrole das enfermida<strong>de</strong>s.- estruturar e implantar planos <strong>de</strong> cuidados individualizados, <strong>de</strong>acordo com a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada doença monitorada peloprograma e <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s do participante;- estimular a fi<strong>de</strong>lização do participante ao plano terapêutico eàs condutas do médico assistente;- utilizar materiais informativos e <strong>de</strong> orientação sobre cuidadosàs doenças e suas complicações no processo <strong>de</strong> educação doparticipante;- promover trei<strong>na</strong>mentos sistematizados para os profissio<strong>na</strong>is


308Josier Marques Vilare cuidadores familiares, visando ao <strong>de</strong>senvolvimento dashabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> orientação, monitoramento, prevenção <strong>de</strong>doenças e promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.


Educação por Inteiro <strong>na</strong>Perspectiva da Inclusão309Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza AlmeidaAssessoras técnicas do Serviço Social do Comércio – AdministraçãoNacio<strong>na</strong>l, atuam <strong>na</strong> Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção Nacio<strong>na</strong>l do SESC Ler, projeto <strong>de</strong>alfabetização e educação <strong>de</strong> jovens e adultos <strong>de</strong>senvolvido nos municípiosdo interior do Brasil.“... é um lugar <strong>de</strong> viver com outros, <strong>de</strong> falar dos sentimentos davida e isso afasta a gente da solidão da velhice”. (Depoimento<strong>de</strong> um aluno idoso que estuda num Centro Educacio<strong>na</strong>l do SESCLER. Relatório <strong>de</strong> Avaliação do Projeto: 2008, p.104)Histórico do Projeto SESC LERCriado em 1998, com o nome <strong>de</strong> LER AMAZÔNIA e prevendosomente um ano <strong>de</strong> alfabetização, foi logo expandido para outros Estados<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do então como Projeto SESC LER e escolarizando o primeirosegmento do Ensino Fundamental, até o 5º ano (antiga 4ª série), jovens apartir dos 15 anos, adultos e idosos.A ampliação do atendimento para o 1º e 2º ciclos do EnsinoFundamental, com o programa Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos (EJA), baseiase<strong>na</strong> premissa <strong>de</strong> que processo <strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fundamentalmente


310Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeidada continuida<strong>de</strong> e do uso sistemático da leitura e escrita enquanto práticassociais <strong>de</strong> comunicação. Nesse sentido a existência dos acervos das salas<strong>de</strong> leitura e bibliotecas <strong>na</strong>s Unida<strong>de</strong>s doSESC LER viabilizam o acesso e aformação <strong>de</strong> leitores.O projeto, inteiramente gratuito, oferece lanches e refeições comcardápios simples e nutritivos, constituindo-se, <strong>na</strong> maior parte das vezes,a única refeição diária dos alunos.O Centro Educacio<strong>na</strong>l, um espaço físico e social com traços daarquitetura escolar 2 , permanece aberto às comunida<strong>de</strong>s - parceiros,profissio<strong>na</strong>is da educação, funcionários e estudantes para que sejatransformado e ressignificado à medida quese estabelecem relaçõespedagógicas e culturais em seu interior. O SESC LER caracteriza-se porsua dupla dimensão: pela escolarização, promovendo aprendizagens e aapropriação <strong>de</strong> conhecimentos, práticas, valores e procedimentos própriosda cultura escolar e pelas interrelações dos sujeitos – jovens e até commais <strong>de</strong> oitenta anos - permitindo-lhes um papel ativo <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong> enos Centros.Reconhecido em 2005 com a chancela da UNESCO pela ação <strong>de</strong>vanguarda <strong>na</strong> Educação <strong>de</strong> Jovens e adultos viabilizando novas perspectivase melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das populações excluídas socialmente, eem 2006, com a Medalha e a Menção Honrosa Paulo Freire fornecidas peloMinistério da Educação pelo trabalho realizado nos Estados do Amazo<strong>na</strong>se Paraíba, firmou-se <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente como programa <strong>de</strong> alfabetização.A Educação no SESC LER – A Intergeracio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>e a Diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SujeitosO Projeto enten<strong>de</strong> que educar é respeitar as especificida<strong>de</strong>sbuscando a inclusão social. Para tanto, os educadores preocupam-se coma elaboração <strong>de</strong> currículos que contemplem a diversida<strong>de</strong> - dos grupossociais e dos sujeitos, pautados em características e contextos, dispensandoos currículos universalistas e padronizados. Por essa razão não há limites<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> para freqüentar as aulas - apren<strong>de</strong>-se durante toda a nossa vida!Na perspectiva da educação inclusiva privilegia o ser humano1 O projeto arquitetônico dos centros educacio<strong>na</strong>is prevê salas <strong>de</strong> aulas, refeitório, quadra esportiva,sala <strong>de</strong> leitura e outros ambientes voltados para o seu papel formativo, <strong>de</strong> caráter sociocultural.


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão311<strong>na</strong> sua integralida<strong>de</strong>, priorizando as diferentes gerações com ênfase<strong>na</strong>s juventu<strong>de</strong>s e no idoso e suas singularida<strong>de</strong>s, <strong>na</strong>s condições do sertrabalhador, <strong>na</strong>s questões <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong> raça, etnia, opção sexual, religiosa,respeitando a diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>ntre seus múltiplos aspectos.A Intergeracio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> é um dos princípios educativos resultantesdo ganho com a convivência - maior tolerância, compreensão e respeitomútuo, que incentiva a cidadania ple<strong>na</strong> dos jovens e idosos. Os maisvelhos transmitem as tradições e saberes aos jovens, simultaneamentebeneficiando-se <strong>de</strong> suas experiências, num intercâmbio permanente <strong>de</strong>valores e aprendizagens. Busca-se preservar e garantir o respeito aos maisidosos, revertendo as práticas sociais <strong>de</strong> “<strong>de</strong>scarte” do que é antigo, ou <strong>de</strong><strong>de</strong>srespeito por aqueles que não mais “produzem” e, por isso, “não servem”à socieda<strong>de</strong> contemporânea.A EJA, como espaço intergeracio<strong>na</strong>l - <strong>de</strong> diálogo entre saberes,<strong>de</strong> compreensão e <strong>de</strong> reconhecimento das experiências, tensio<strong>na</strong>do pelasculturas <strong>de</strong> jovens, adultos e idosos, tem, muitas vezes, essas relaçõestratadas como problemas.As formas <strong>de</strong> expressão conflitam com padrões homogêneos,exigindo acolher a discussão <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>s, do tempo <strong>de</strong> vida adultae <strong>de</strong> velhices, no plural, enten<strong>de</strong>ndo que assumem características eespecificida<strong>de</strong>s conforme os contextos socioculturais.Há em diversos Centros, ativida<strong>de</strong>s criadas com a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>aproximar as crianças dos mais velhos, como por exemplo, a contação<strong>de</strong> histórias e causos. A tradição da cultura oral é reiterada também comos cordéis, cantigas <strong>de</strong> roda e cantos <strong>de</strong> trabalho que os grupos <strong>de</strong> idososvoluntariamente apresentam.Idosos representam um número significativo <strong>na</strong> populaçãobrasileira e cada dia mais, face ao aumento da expectativa <strong>de</strong> vida eao envelhecimento da população. Em <strong>de</strong>corrência o Brasil começa a sepreocupar com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e com os direitos dos brasileiros com60 anos e mais, expressos no Estatuto do Idoso (2003). Por um lado, aexistência <strong>de</strong> idosos que não se escolarizaram, por outro, a concepçãodo apren<strong>de</strong>r por toda a vida exigem políticas públicas que valorizemsaberes da experiência daqueles, que embora não estejam mais vinculadosao trabalho, po<strong>de</strong>m continuar contribuindo para a produção cultural -


312Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeidamaterial e imaterial, da <strong>na</strong>ção brasileira.Assim, com dignida<strong>de</strong> e autonomia, muda-se a tendência histórica<strong>de</strong> relegálos ao ócio e a ativida<strong>de</strong>s pouco criativas, que não os possibilitama assumir compromissos sociais com o legado <strong>de</strong> uma vida <strong>na</strong> transmissãoda herança cultural.Reafirma-se o que preconiza a Declaração <strong>de</strong> Hamburgo sobreEducação <strong>de</strong> Adultos (Hamburgo, 1997) do reconhecimento do “Direito àEducação” e do “Direito a Apren<strong>de</strong>r por Toda a <strong>Vida</strong>” que é, mais do quenunca, uma necessida<strong>de</strong>: é o direito <strong>de</strong> ler e <strong>de</strong> escrever; <strong>de</strong> questio<strong>na</strong>r e <strong>de</strong>a<strong>na</strong>lisar; <strong>de</strong> ter acesso a recursos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver e praticar habilida<strong>de</strong>s ecompetências individuais e coletivas.As Concepções <strong>de</strong> Alfabetização e <strong>de</strong> Educação por InteiroA concepção <strong>de</strong> alfabetização do SESC é ampla – não se restringe aensi<strong>na</strong>r a ler e escrever, mas <strong>de</strong> promover novas formas <strong>de</strong> raciocínio, paraque os jovens e adultos se interessem pelos fatos da atualida<strong>de</strong> e tornem-seagentes <strong>de</strong> transformação. O incentivo à criativida<strong>de</strong>, ao raciocínio, ao <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r e à responsabilida<strong>de</strong> com o social e o auto<strong>de</strong>senvolvimentoten<strong>de</strong>m a melhorar as suas vidas e a da comunida<strong>de</strong>.Historicamente, um dos problemas fundamentais que os programas<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dos à educação <strong>de</strong> jovens e adultos vêm apresentando refere-se àfalta <strong>de</strong> formação a<strong>de</strong>quada dos seus professores que, geralmente, só forampreparados, <strong>na</strong>s escolas normais para trabalhar com crianças. Por isso,muitas vezes, professores elaboram planos e utilizam materiais didáticosi<strong>na</strong><strong>de</strong>quados infantilizando, em vez <strong>de</strong> promover o crescimento da autoestima.Quando não se leva em consi<strong>de</strong>ração a experiência histórica,política, cultural e social dos jovens e adultos, o educador <strong>de</strong>svincula osconteúdos das áreas <strong>de</strong> conhecimento das vivências dos saberes <strong>de</strong>ssesalunos, po<strong>de</strong>ndo gerar o <strong>de</strong>sinteresse e futuro abandono da escola.As inúmeras propostas voltadas a esse atendimento, ainda que bemintencio<strong>na</strong>das, acabam por resultar em fracasso.O SESC tem investido <strong>de</strong> forma continuada <strong>na</strong> formação dosprofissio<strong>na</strong>is que atuam <strong>na</strong> área <strong>de</strong> Educação, tendo em vista a preocupação


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão313com o aperfeiçoamento sociocultural <strong>de</strong>ssas comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> atua,contribuindo com o po<strong>de</strong>r público. O entendimento da formação continuada<strong>de</strong> professores como um processo amplo implica no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>uma metodologia <strong>de</strong> trabalho em que o professor seja sujeito do processo<strong>de</strong> produção dos saberes pedagógicos. Nesse sentido, prioriza-se oestabelecimento <strong>de</strong> uma interface efetiva, entre a teoria educacio<strong>na</strong>l e aexperiência profissio<strong>na</strong>l e história <strong>de</strong> vida dos professores.Portanto, a formação do educador é o eixo fundamental <strong>de</strong> umaproposta <strong>de</strong> educação <strong>de</strong> jovens e adultos. Uma formação continuada quebusque dar conta das constantes transformações do mundo atual e queexigem níveis cada vez mais complexos e ágeis <strong>de</strong> especialização.Para dar conta <strong>de</strong> ação educativa tão complexa, articulam-se asprogramações - esportiva, artística e cultural ao atendimento à saú<strong>de</strong>, àqualificação profissio<strong>na</strong>l, à formação ética para a cidadania e ainda aosplanos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico local. A mediação ou coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção<strong>de</strong> esforços para que as organizações que trabalham nessas áreas, a exemplodos diversos órgãos públicos, escolas, universida<strong>de</strong>s, outros agentes do“Sistema S”, igrejas, sindicatos e organizações comunitárias, tem sidonecessário a fim <strong>de</strong> assegurar o caráter integral da formação dos jovens eadultos, a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua educação geral e outras oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>qualificação profissio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>senvolvimento sociocultural.O modo como os homens se relacio<strong>na</strong>m com seu meio ambiente<strong>na</strong>tural tem muito a ver com o modo como os homens se relacio<strong>na</strong>m entresi, com a dinâmica da socieda<strong>de</strong>. Na medida em que o trabalho aumentoua produtivida<strong>de</strong> por meio da sua divisão social e do uso <strong>de</strong> métodos etécnicas cada vez mais mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s e eficientes, <strong>de</strong>senvolveram-se relaçõessingulares entre os integrantes <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das socieda<strong>de</strong>s. O trabalho éuma dimensão essencial da vida huma<strong>na</strong> e da organização da socieda<strong>de</strong>.A maioria dos adultos que ingressam nos programas <strong>de</strong> educaçãobásica insere-se no mundo do trabalho e os temas econômicos lhes sãofamiliares, vez que têm que lidar, cotidia<strong>na</strong>mente, com a dinâmica domercado <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> consumo, com preços e salários. Normalmente,a conquista <strong>de</strong> melhores oportunida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is constitui um motivoforte para muitos se <strong>de</strong>dicarem ao estudo, bem como pelas novas exigênciasquanto à qualificação, criados pelo <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico <strong>na</strong>agropecuária, <strong>na</strong> indústria e nos serviços. Simultaneamente, os postos <strong>de</strong>


314Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeidatrabalho vêm diminuindo, levando muitas pessoas a buscarem seu sustentono mercado informal assalariado ou ainda com o trabalho autônomo,submetendo-se a um mercado on<strong>de</strong> não são respeitadas as leis e ou acondições <strong>de</strong>suma<strong>na</strong>s <strong>de</strong> trabalho por não recebem ao que têm direito.Tal condição contemporânea do trabalho requer obtenção <strong>de</strong>informações sobre os <strong>de</strong>veres e direitos do trabalhador para que possamreivindicar quando necessário, assim como refletir sobre as oportunida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento profissio<strong>na</strong>l.O estudo das relações <strong>de</strong> trabalho oportuniza a compreensão <strong>de</strong>sua dimensão histórica no Brasil e no mundo, i<strong>de</strong>ntificando as formas quepredomi<strong>na</strong>ram em diferentes períodos e aquelas mais praticadas visandoao bem estar social.Os principais objetivos no <strong>de</strong>senvolvimento das ações <strong>de</strong> sala <strong>de</strong>aula envolvendo trabalho, tecnologia e emprego tem sido:• Reconhecer o <strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico comomeio <strong>de</strong> ampliar a produtivida<strong>de</strong> do trabalho humano.• Relacio<strong>na</strong>r o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico com as exigências<strong>de</strong> qualificação profissio<strong>na</strong>l.• A<strong>na</strong>lisar o problema do <strong>de</strong>semprego no país.• I<strong>de</strong>ntificar direitos e <strong>de</strong>veres pessoais e coletivos no âmbito<strong>de</strong> locais <strong>de</strong> moradia e trabalho, <strong>na</strong> escola, nos organismospolíticos, <strong>na</strong>s associações etc.Ser escolarizado é, pois, condição básica para participar dasocieda<strong>de</strong> com relativa in<strong>de</strong>pendência e autonomia – o que implica, entreoutras coisas, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empregar-se, <strong>de</strong> usufruir (consumir) osbenefícios da socieda<strong>de</strong> industrial e <strong>de</strong> manter o acesso aos variados bensculturais. A escolarização impõese como condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>participação no mercado <strong>de</strong> trabalho e, em tendo emprego, <strong>de</strong> participação– ainda que mínima – no mercado <strong>de</strong> consumo.A preocupação aqui posta, diz respeito à inclusão social - daspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> participação social <strong>de</strong> grupos cuja cidadania encontrasecomprometida. O trabalhador adulto e/ou idoso, não voltam à escolapara “retomar uma trajetória escolar interrompida” ou para ‘suplementar”conhecimentos, mas para reconstruir a trajetória escolar em busca <strong>de</strong>conhecimentos significativos nessa etapa <strong>de</strong> vida, em condições diferentes


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão315do momento em que interrompeu seus estudos.Na realida<strong>de</strong> brasileira, a condição <strong>de</strong> cidadania para a imensamaioria da população ainda não ocorreu. Sem esquecer que, umcenário <strong>de</strong> construção do mundo do trabalho exige a incorporação <strong>de</strong>transformações tor<strong>na</strong>ndo o <strong>de</strong>safio muito maior. Nesse universo, paraconstruir as transformações tão necessárias, não bastam a criação <strong>de</strong>projetos educacio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>senvolvidos <strong>de</strong> forma solitária <strong>na</strong>s escolas – urgea inserção no trabalho e o conhecimento <strong>de</strong> contextos amplos.Os Impactos Sociais dos Projetos Didáticos eOutras AprendizagensVale <strong>de</strong>stacar que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> projetos didáticos constituisemetodologia pedagógica eficiente no processo <strong>de</strong> aprendizagem da EJA,levando em conta a realida<strong>de</strong> dos alunos, o significado e a relevância <strong>de</strong><strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos conhecimentos a serem adquiridos para a transformação dassuas práticas e modus vivendi, como relataremos a seguir.A confecção dos filtros para purificação da água, em Guaribas- Estado do Piauí, que até então era transportada em latas e trazida <strong>de</strong>locais distantes ou <strong>de</strong> um poço lamacento <strong>na</strong> entrada da cida<strong>de</strong> foi feitasob a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> um oleiro os professores, usando-se dois fornos,especialmente construídos no Centro Educacio<strong>na</strong>l com esse fim.Pesquisas e leituras diversas sobre doenças provocadas pela águacontami<strong>na</strong>da, bem como a filtragem e fervura do precioso líquido comoforma <strong>de</strong> prevenção às doenças, contribuíram para a saú<strong>de</strong> e melhorqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos habitantes do lugar, após a realização <strong>de</strong> umacampanha <strong>de</strong> conscientização pelos alunos e convite para participação<strong>na</strong>s ofici<strong>na</strong>s. Vários alunos dão continuida<strong>de</strong> a essa produção, por contaprópria, gerando ou aumentando sua renda.A construção e a manutenção das Hortas dos Centros Educacio<strong>na</strong>isconstituem-se ativida<strong>de</strong>s do Projeto Pedagógico coletivo da comunida<strong>de</strong>escolar visando as mudanças nos hábitos alimentares e os subsídios paraconstrução <strong>de</strong> uma horta a<strong>de</strong>quada às condições do solo, além <strong>de</strong> agregarqualida<strong>de</strong> às refeições e lanches diários.A condição social dos alunos - geralmente <strong>de</strong>sempregados,


316Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeidacom ativida<strong>de</strong> econômica sazo<strong>na</strong>l ou dispondo <strong>de</strong> menos <strong>de</strong> um saláriomínimo para a sobrevivência <strong>de</strong> toda a família, são aspectos que reiterama realização dos Cursos voltados ao domínio <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, aquisição <strong>de</strong>conhecimentos e procedimentos, afi<strong>na</strong>dos com as necessida<strong>de</strong>s regio<strong>na</strong>is evoltados à geração <strong>de</strong> renda.A colaboração <strong>de</strong> voluntariado para ministrar os cursos éestimulada e bem vinda, tanto pela valorização dos saberes dos alunos queintercambiam com satisfação suas aprendizagens variadas <strong>de</strong> artesa<strong>na</strong>toscomo pintura, crochê, tricô, bordados, confecção <strong>de</strong> chinelos, etc. quantopor favorecer a geração <strong>de</strong> renda e a sobrevivência econômica <strong>de</strong> umaparte dos jovens, adultos e idosos.Curso <strong>de</strong> confecção <strong>de</strong> pães e bolos – Benevi<strong>de</strong>s/ParáCursos como a suinocultura e avicultura; a produção <strong>de</strong> perfumese sachês; a produção <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> higiene e limpeza doméstica (fotoabaixo); as ofici<strong>na</strong>s <strong>de</strong> confecção <strong>de</strong> filtros <strong>de</strong> água domésticos <strong>de</strong> barro,um equipamento essencial para a prevenção das doenças gastrointesti<strong>na</strong>isque acometiam toda a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guaribas, no Piauí, são exemplos.


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão317Projeto leituras <strong>na</strong> praça e contação <strong>de</strong> histórias - intergeracio<strong>na</strong>l - RR


318 Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza AlmeidaAs ações abrangem a interação <strong>de</strong> idosos com crianças contandohistórias e o <strong>de</strong> incentivo à leitura infantil <strong>na</strong>s praças e logradourospúblicos das comunida<strong>de</strong>s.O Ambiente Socioeducativo e suas DimensõesA pesquisa com o objetivo <strong>de</strong> avaliar o <strong>de</strong>senvolvimento do ProjetoSESC LER focou, <strong>de</strong>ntre outros, o ambiente educativo para se verificar comosuas dimensões e relações são percebidas ou se possibilitam aprendizagenspara além das escolares àqueles que o freqüentam ou trabalham, comintuito <strong>de</strong> buscar evidências <strong>de</strong> influências e aprendizagens <strong>de</strong> caráterperene <strong>na</strong> formação pessoal e escolar.Destacamos algumas dimensões contempladas no estudo:Formação cidadã e inclusãoUm efeito positivo do ambiente educativo do SESC LER diz respeitoà formação cidadã. Esse é um eixo articulador da Proposta Pedagógicaque também é apontado como um diferencial. Os estudantes, segundoos informantes, passam a se perceber como tendo direitos e po<strong>de</strong>ndoreivindicá-los. Há <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> orientadores que contam <strong>de</strong> mudançasnos hábitos <strong>de</strong> consumo percebidas pelo comércio local, <strong>de</strong> aumento <strong>na</strong>confiança e autonomia dos estudantes, <strong>de</strong> maior participação em instâncias<strong>de</strong> controle social e organizações comunitárias. Efeitos esses <strong>de</strong>correntesda convivência e aprendizagens realizadas nos centros.A perspectiva inclusiva também é indicada como uma qualida<strong>de</strong>do Projeto. Segundo os entrevistados, há inclusão <strong>de</strong> jovens, adultos eidosos em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e a atenção <strong>de</strong>dicada dos professores faza diferença, pois os municípios <strong>na</strong> maior parte das vezes, não contam comserviços <strong>de</strong> atendimento educativo a esse público.Alter<strong>na</strong>tiva <strong>de</strong> esporte, cultura e lazerÉ uma alter<strong>na</strong>tiva importante - o lazer, a cultura e o esporte noslocais on<strong>de</strong> há Centros Educacio<strong>na</strong>is. O ambiente educativo se mostraaberto a acolher as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> uso do espaço e também se ofereceminúmeras oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> participação <strong>na</strong>s programações que ocorremperiodicamente nos Centros.As equipes avaliam que não há equipamentos como os Centrosinstalados <strong>na</strong>s localida<strong>de</strong>s e que um espaço bonito, agradável, cheio <strong>de</strong>


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão319ativida<strong>de</strong>s, atrai a população. Segundo eles, a população e os estudantescuidam do espaço, sabem que é <strong>de</strong>les, não há vandalismo.Reconhecem que uma gran<strong>de</strong> ação local do SESC LER, além <strong>de</strong>trazer exposições artísticas, é a valorização da tradição cultural, abrindoespaço para que se valorizem festejos, danças típicas e outras tradições.Esse aspecto é outro diferencial do Projeto nos municípios e comunida<strong>de</strong>sem que se encontra.Festa juni<strong>na</strong> em Poxoréu - MTMudanças <strong>de</strong>correntes da ação da escolaa partir dos diferentes atoresProfessores:Ao longo das entrevistas grupais com professores, formaram-sealguns consensos quanto a resultados da ação do SESC LER junto aosestudantes jovens e idosos. Um <strong>de</strong>sses consensos é a transformação daoralida<strong>de</strong> dos alunos: eles chegam ao Centro quase sem conseguir falar,com vergonha <strong>de</strong> se dirigir ao professor e aos colegas, e a convivência vai<strong>de</strong>senvolvendo confiança e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação.


320 Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza AlmeidaVários entrevistados se referem a outras mudanças <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>:maior civilida<strong>de</strong> no trato com os colegas e com os familiares, alteraçõesno vestir, nos cuidados pessoais, mais consciência dos direitos e tor<strong>na</strong>m-semais atentos e críticos aos acontecimentos.Os professores relatam mudanças em relação ao consumo, notrato com a burocracia e com os hábitos quando os alunos se alfabetizam:adquirem confiança para se locomoverem, maior domínio no uso dasmáqui<strong>na</strong>s e procedimentos bancários, e critérios ao fazer compras,atentando para o melhor preço, a qualida<strong>de</strong>, prazos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> etc.Referem-se a uma conquista <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor simbólico paramuitos estudantes que ingressam no Projeto <strong>na</strong> condição <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lfabetos -o momento <strong>de</strong> trocar os documentos nos quais imprimiram a digital, poroutros com a sua assi<strong>na</strong>tura. Outra conquista é a obtenção da CarteiraNacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Habilitação.Alguns professores relatam casos <strong>de</strong> estudantes que <strong>de</strong>ramcontinuida<strong>de</strong> à escolarida<strong>de</strong> alcançando o nível médio ou trazem evidênciasda importância do aprendizado para o emprego. Alunos que forampromovidas no trabalho pela mudança da condição <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lfabeto paraalfabetizado, outros que iniciaram um pequeno negócio ou que começama trabalhar como artesãos garantindo seu sustento.Ambiente físico e social familiar valorizadoAlunos Idosos:Para os idosos, principalmente, o ambiente dos CentrosEducacio<strong>na</strong>is é extremamente valorizado, quando mencio<strong>na</strong>m que é“uma família”, reportando-se ao ambiente familiar para caracterizá-locomo ambiente receptivo. É um lugar on<strong>de</strong> se sentem bem, fazem novasamiza<strong>de</strong>s, conversam sobre a vida e os problemas que enfrentam. A título<strong>de</strong> ilustração seguem alguns excertos das entrevistas: “é um lugar on<strong>de</strong> sebrinca e se estuda, ali a gente se esquece das tristezas”, “o que tem aqui noSESC não tem em nenhuma escola do governo”; “aqui tem um aconchego<strong>de</strong> família que vive bem”, “o SESC LER é um pedaço <strong>de</strong> mim”, “é um lugar<strong>de</strong> viver com outros, <strong>de</strong> falar dos sentimentos da vida e isso afasta a genteda solidão da velhice”.Além <strong>de</strong> avaliar o lugar como propício à sociabilida<strong>de</strong>, lugar<strong>de</strong> encontro e interação, eles também <strong>de</strong>screvem o ambiente físico comatributos muito positivos. Consi<strong>de</strong>ram as salas <strong>de</strong> aula e os outros ambientes


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão321confortáveis, limpos, com mobiliário a<strong>de</strong>quado, com recursos e materiaisnecessários para a realização das ativida<strong>de</strong>s.O fato <strong>de</strong> gostarem do espaço se apresenta como um incentivopara não faltarem e para participarem das programações e cursos- sentemserespeitados por terem “uma escola tão bonita para estudar”. Citam aindaas quadras <strong>de</strong> esportes, o refeitório e as salas <strong>de</strong> leitura como ambientes queusam com freqüência e que são a<strong>de</strong>quados às ativida<strong>de</strong>s que realizam.Ativida<strong>de</strong> Cultural no Centro Educacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Porto Nacio<strong>na</strong>l - TocantinsAprendizagens escolaresA dimensão do conhecimento é extremamente valorizada e todosindicam mudanças em suas vidas advindas <strong>de</strong> aprendizagens adquiridasno SESC LER. As aprendizagens mais mencio<strong>na</strong>das referem-se à leitura e àescrita seguidas pelo aprimoramento da comunicação oral até a aquisição<strong>de</strong> conhecimentos mais gerais.Sobre a leitura e a escrita, os estudantes indicam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o domíniodo funcio<strong>na</strong>mento da escrita (aprendi as letras, sei escrever palavras, omeu nome, agora sei juntar as letras para escrever o que quero), passandopela leitura <strong>de</strong> textos, até aescrita <strong>de</strong> cartas e produção <strong>de</strong> textos <strong>na</strong> aula.Essas aprendizagens ligam-se a novas possibilida<strong>de</strong>s que experimentamno cotidiano: “antes tinha que usar a almofada [<strong>de</strong> carimbo], punha meu


322 Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeida<strong>de</strong>dão nos recibos, hoje eu assino meu nome”, “hoje eu sei fazer umanota <strong>de</strong> supermercado”, “consigo ajudar meus filhos com seus <strong>de</strong>veres”,“leio a Bíblia”, “escrevo cartas sozinho para os meus parentes”, “sei mevirar [locomover] <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> e até sei pegar um ônibus para outro lugar”,“consigo ver os preços <strong>na</strong>s lojas e até placas <strong>na</strong> rua”, “agora abri umaconta no banco para receber o dinheiro que meus filhos mandam lá do Rio<strong>de</strong> Janeiro, não <strong>de</strong>pendo mais da boa vonta<strong>de</strong> dos outros”. Esses exemplos<strong>de</strong> realizações relacio<strong>na</strong>m-se com mudanças <strong>de</strong> uma situação anterior,sem po<strong>de</strong>r fazer certas ações, para um agora, em que se sentem capazes<strong>de</strong> tomar parte em novas ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s quais a linguagem escrita se fazpresente.Alunos em sala <strong>de</strong> aula no Centro Educacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Indiaroba – SergipeSobre a comunicação oral, afirmam que passaram a conversare se expressar melhor, que apren<strong>de</strong>ram a falar português com correção,que falam melhor e enten<strong>de</strong>m o que as outras pessoas dizem. Tambémmencio<strong>na</strong>m conquistas em relação a conhecimentos matemáticos, atomada <strong>de</strong> consciência sobre direitos sociais.


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão323Cuidados com a saú<strong>de</strong>Diversas mudanças nos cuidados com a saú<strong>de</strong> são indicadas pelosestudantes como <strong>de</strong>correntes da participação no SESC LER. A primeira emais mencio<strong>na</strong>da diz respeito à alimentação: muitos afirmam que hojecomem melhor porque apren<strong>de</strong>ram isso no trabalho <strong>de</strong>senvolvido comas hortas. A segunda diz respeito à consulta oftalmológica e doação <strong>de</strong>óculos, benefício pelo qual <strong>de</strong>monstram gran<strong>de</strong> apreço. Em menor númerocitam o cuidado com os <strong>de</strong>ntes. E, por fim, há menções dispersas sobre amelhoria <strong>na</strong> condição física por meio das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esportes.Há relatos <strong>de</strong> pessoas que se tor<strong>na</strong>ram mais pacientes e calmas, que<strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> beber e que se curaram <strong>de</strong> processos <strong>de</strong>pressivos atribuindoessas mudanças à convivência saudável no SESC LER.Integração com outras ações do SESCNos últimos anos as salas <strong>de</strong> leitura estão se transformando embibliotecas com cerca <strong>de</strong> três mil títulos e equipamento informatizado. Essaé uma parceria com o Setor <strong>de</strong> Biblioteca do SESC e com as prefeituras quece<strong>de</strong>m funcionários para o atendimento <strong>na</strong> biblioteca, freqüentemente aúnica existente nessas comunida<strong>de</strong>s. Os menos jovens buscam os jor<strong>na</strong>is,que inúmeros municípios não recebem pelas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso,beneficiando-se das informações e sedimentando a prática da leituraenquanto função social.Alunos realizando ativida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> Sala <strong>de</strong> Leitura em Nova Mamoré - Rondônia


324 Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza AlmeidaNa área <strong>de</strong> Assistência o atendimento aos grupos <strong>de</strong> idosos temsido intensa, pois cada vez mais esse público é freqüente <strong>na</strong>s Unida<strong>de</strong>sdo SESC LER, por isso a necessida<strong>de</strong> das equipes pensarem em ações quevão além da escolarização, buscando, assim, aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong>ssessujeitos, seja com ações voltadas para a socialização, integração e inserção<strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, além do oferecimento <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> renda, a fim<strong>de</strong> contribuir com novas formas <strong>de</strong> subsistência.Com a área <strong>de</strong> Cultura do SESC tem-se uma parceria para aitinerância <strong>de</strong> Mostras <strong>de</strong> Artes plásticas, apresentações <strong>de</strong> música e teatropelos Centros Educacio<strong>na</strong>is com projetos institucio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>senvolvidosnessas áreas. No caso das mostras <strong>de</strong> artes plásticas são realizadas formaçõespara os professores do SESC LER e da comunida<strong>de</strong>, com a atuação <strong>de</strong>profissio<strong>na</strong>is da área. Estas ativida<strong>de</strong>s são incluídas no currículo emprojetos interdiscipli<strong>na</strong>res realizados com os alunos.O projeto “Ver para Apren<strong>de</strong>r” no qual os alunos que apresentamproblemas <strong>de</strong> acuida<strong>de</strong> visual são atendidos por médicos <strong>de</strong> instituiçõesparceiras e recebem óculos doados pelo SESC é outra valiosa contribuição.Um dos maiores obstáculos à aprendizagem, como se sabe, é o alto índice <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência visual presente <strong>na</strong> clientela <strong>de</strong> mais ida<strong>de</strong>. A doação <strong>de</strong> óculosé, portanto, indispensável para se alcançar as metas <strong>de</strong> escolarização.Aluno fazendo a locução <strong>na</strong> Rádio Escola do Centro Educacio<strong>na</strong>l em Plácido <strong>de</strong> Castro – AC


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão325O OdontoSESC, leva suas unida<strong>de</strong>s móveis <strong>de</strong> tratamento eprevenção odontológicos e educação para a saú<strong>de</strong> aos Centros Educacio<strong>na</strong>is,aten<strong>de</strong>ndo aos comerciários do município e aos alunos do SESC LER, umacooperação também relevante <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> daqueles menos jovens.A elevação da autoestima e a constituição <strong>de</strong> respeito à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>dos educandos é enfatizada pelo Projeto como <strong>de</strong> fundamental importânciapara que se sintam sujeitos <strong>de</strong> suas próprias histórias <strong>de</strong> vida, adquiramconhecimentos e valorizem suas culturas <strong>de</strong> modo que nela possam seexpressar e agir, transformando para melhor seu meio.Histórias do Projeto e a Diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> SujeitosA ação com idososGrupos <strong>de</strong> idosos <strong>de</strong>sejam manter outros vínculos para além dasala <strong>de</strong> aula e o SESC LER, em algumas Unida<strong>de</strong>s, busca aten<strong>de</strong>r essasexpectativas por meio do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Grupos da Terceira Ida<strong>de</strong>em parceria com a Ativida<strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> Social com Idosos, cujas açõesincentivam a socialização, promovem a autonomia. e a reconstrução daauto-estima.Os dados coletados em relação ao público atendido mostraram queo perfil dos estudantes é <strong>de</strong> adultos e idosos- majoritariamente <strong>de</strong> mulheres.Esse perfil coinci<strong>de</strong> com a opinião dos entrevistados <strong>de</strong> que o SESC LERaten<strong>de</strong> a segmentos não priorizados pelas políticas públicas locais, semacesso quando há oferta, aos sistemas <strong>de</strong> educação escolar. “A Escola”,segundo eles, não consegue respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagemdos estudantes.A gran<strong>de</strong> maioria — 88,3% — dos estudantes têm mais <strong>de</strong> 30 anos,chamando a atenção que quase um terço (34,7%) tem mais <strong>de</strong> 45 anos.Coerentemente com o perfil <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, só 30% dos estudantes são solteirose 79,5% têm filhos.É importante relembrar que a taxa <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lfabetismo nos segmentosda população com 60 anos e mais, ten<strong>de</strong> a aumentar substancialmenteconforme dados revelados pelo INEP (2000) <strong>de</strong>monstrando que 35,2 %<strong>de</strong>sse público e nessa faixa etária no Brasil são a<strong>na</strong>lfabetos, sendo asmaiores taxas <strong>na</strong>s regiões Nor<strong>de</strong>ste com 56,1% e Norte com 45,4%.Na visão dos entrevistados, a perspectiva da inclusão é traçomarcante da proposta pedagógica do SESC LER concretizada por aten<strong>de</strong>rprioritariamente idosos (homens e mulheres) e ainda por “abrir suas portas”


326 Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza Almeidapara jovens, adultos e idosos em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência.‘Feira Cultural’ com apresentação do Grupo da Terceira Ida<strong>de</strong> em Brasiléia– ACAtendimento a pescadores em parceria com aCooperativa em Itapipoca – CEARÁA Cooperativa <strong>de</strong> Pesca Artesa<strong>na</strong>l da Praia da Baleia - COPABA,em Itapipoca – CE, procurou o SESC para alfabetizar seus associados –pescadores, ren<strong>de</strong>iras, algueiras e marisqueiras – em função da exigência daCapitania dos Portos <strong>de</strong> que os pescadores concluam o primeiro segmentodo Ensino Fundamental para que obtenham suas habilitações <strong>de</strong> pesca emqualquer tipo <strong>de</strong> embarcação tor<strong>na</strong>ndo-se segurados do INSS. Necessitavamtambém alfabetizar-se para participarem <strong>de</strong> cursos do IBAMA visando àmelhoria do cultivo das algas <strong>na</strong> região.As comunida<strong>de</strong>s quilombolas – Itapecurumirim /MARANHÃOO atendimento a essa diversida<strong>de</strong> está presente <strong>na</strong>s turmas <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong>s remanescentes <strong>de</strong> quilombolas, segmento <strong>de</strong> população negrabrasileira marcada pela resistência, organização e, principalmente, pela


Educação por Inteiro <strong>na</strong> Perspectiva da Inclusão327luta em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos básicos: terra, liberda<strong>de</strong>, cidadania e igualda<strong>de</strong>.Atuamos <strong>na</strong>s comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Cachoeira, Trizi<strong>de</strong>la e Povoado <strong>de</strong> VistaAlegre, <strong>na</strong> zo<strong>na</strong> rural do município <strong>de</strong> Itapecurumirim, no Maranhão.Alunos da comunida<strong>de</strong> quilombola <strong>de</strong> Trizi<strong>de</strong>la, em Itapecurumirim, no MaranhãoConstituem-se grupos sociais extremamente carentes, constituídos<strong>de</strong> pessoas que pleiteiam melhores condições <strong>de</strong> vida, pois suas comunida<strong>de</strong>sainda utilizam água <strong>de</strong> poço e não dispõem <strong>de</strong> energia elétrica. Para eles, aleitura e a escrita representam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>rem visíveis e <strong>de</strong>reivindicarem benefícios para os seus povoados por meio da apropriaçãodas práticas sociais <strong>de</strong> letramento.Grupos indíge<strong>na</strong>sGrupos <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ias indíge<strong>na</strong>s também compõem as turmas doSESC LER principalmente no interior dos Estados do Acre, Rondônia,Amazo<strong>na</strong>s e Roraima, on<strong>de</strong> enriquecem o trabalho pedagógico com suasexperiências e histórias, consi<strong>de</strong>radas uma forma <strong>de</strong> resgate, <strong>de</strong> valorizaçãoe dissemi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> suas culturas, ao fortalecerem suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s comosujeitos sociais.


328Ligia Maria Paes Macacchero e Rosilene Souza AlmeidaReferências BibliográficasAção Educativa e Ministério da Educação. Proposta curricular para daeducação <strong>de</strong> jovens e adultos para o primeiro segmento do ensino fundamental.Brasília, 1997.Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação. Relatório Fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong>Avaliação do Projeto SESC LER. São Paulo, 2008.Declaração <strong>de</strong> Hamburgo sobre Educação <strong>de</strong> Adultos. Disponível emhttp://www.fe.unicamp.br/gepeja/arquivos/VConfintea.pdf.Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas Educacio<strong>na</strong>is – INEP. Mapa doA<strong>na</strong>lfabetismo no Brasil. Brasília, 2000.Ministério da Educação. Proposta curricular da Educação <strong>de</strong> Jovens eAdultos do segundo segmento do ensino fundamental. Brasília, 2002.Ministério da Educação. Relatório do encontro <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l preparatório àVI Conferência inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Adultos – CONFINTEA. Brasília,2008.Serviço Social do Comércio – Departamento Nacio<strong>na</strong>l. PropostaPedagógica do Projeto SESC LER. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.Serviço Social do Comércio – Departamento Nacio<strong>na</strong>l. PropostaPedagógica da Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.


Aposentadoria Ativa:O Papel das Organizações329Lucia FrançaPhD em Psicologia Social pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Auckland, Nova Zelândia.Mestrado em Psicologia Social pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong>Janeiro e especialista em Gerontologia pelo Instituto Se<strong>de</strong>s Sapientiae/SBGG-SP. Atualmente, é professora-titular do Mestrado em Psicologiada Universida<strong>de</strong> Salgado <strong>de</strong> Oliveira, on<strong>de</strong> coor<strong>de</strong><strong>na</strong> projetos e pesquisas<strong>na</strong> área do envelhecimento. Também presta consultoria para empresas emprogramas <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria.IntroduçãoO processo <strong>de</strong> envelhecimento acelerado da população brasileiratrouxe um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio para o país, frente às mudanças necessáriaspara lidar com as dificulda<strong>de</strong>s no pagamento das pensões públicas e aoaumento das <strong>de</strong>spesas com saú<strong>de</strong> dos idosos. Além disso, o país precisaresolver velhas questões, como uma distribuição <strong>de</strong> renda mais equitativa,maior qualida<strong>de</strong> no sistema <strong>de</strong> educação, saneamento e saú<strong>de</strong> pública.No que se refere ao pagamento das pensões, as Nações Unidas<strong>de</strong>stacam o crescimento da <strong>de</strong>pendência dos idosos em nível mundial 1 ,consi<strong>de</strong>rando que em 2002 a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência mundial era <strong>de</strong> novepara um e em 2050 essa proporção cairá para quatro por um (NaçõesUnidas, 2002). No Brasil, em 2002, esta proporção era <strong>de</strong> 12 para um,mas passará por uma queda vertiginosa e em 2050 teremos ape<strong>na</strong>s trêstrabalhadores sustentando um aposentado. Isto atinge diretamente o1 A taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência é a relação existente entre o número <strong>de</strong> pessoas <strong>na</strong> faixa <strong>de</strong> 15 e 64 anos –população economicamente ativa - e o número <strong>de</strong> pessoas com 65 anos ou mais.


330 Lucia Françaesquema das pensões públicas e, apesar <strong>de</strong> a reforma da Previdência tersido implantada em 2003, talvez não seja suficiente para pagar benefíciosque permitam a sobrevivência <strong>de</strong> tantos idosos. De acordo com o CentroLatino-Americano e Caribenho <strong>de</strong> Demografia (Cela<strong>de</strong>), é preciso que asreformas sejam realizadas para que cada governo torne sua PrevidênciaSocial mais eficiente e amplie as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho (O Globo, 27<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008).A Comissão Européia prevê que em 2050 a porcentagem <strong>de</strong> idosostrabalhando mais do que duplicará em todo o mundo, atingindo mais<strong>de</strong> 25% da força <strong>de</strong> trabalho global (The Economist, 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009).Paralelamente a essa mudança no mercado <strong>de</strong> trabalho, enfrentamosuma crise econômica mundial, em que as priorida<strong>de</strong>s são o aumento daprodução e do número <strong>de</strong> trabalhadores especializados.O Brasil é um dos poucos países on<strong>de</strong> a aposentadoria não significa,necessariamente, a saída do mercado <strong>de</strong> trabalho, e muitos aposentadoscontinuam trabalhando, mesmo recebendo a pensão da aposentadoria.Camarano (2001) apontou que em 1998 mais da meta<strong>de</strong> dos homens idosose pouco mais <strong>de</strong> um terço das mulheres idosas que estavam trabalhando jáeram aposentados. Nesse estudo, Camarano argumenta que o fator saú<strong>de</strong>é um dos mais importantes <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes da continuida<strong>de</strong> do idoso nomercado. Em que pese o sacrifício <strong>de</strong>sses idosos e o valor do seu trabalho,já que a maioria trabalhava <strong>na</strong> agricultura e 60% trabalhavam mais <strong>de</strong> 40horas sema<strong>na</strong>is, o retorno à ativida<strong>de</strong> laborativa <strong>de</strong>ve se constituir numaestratégia saudável, portanto com horários reduzidos.A tendência é que o trabalho não se realize ape<strong>na</strong>s em locaistradicio<strong>na</strong>is, ampliando-se as possibilida<strong>de</strong>s do trabalho em casa, adotandosecontratos temporários e sendo ampliadas as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhoem regime <strong>de</strong> meio-expediente. Demo (2006) aponta que a aposentadoriaé, a rigor, um outro modo <strong>de</strong> trabalhar, embora o aposentado <strong>de</strong>va <strong>de</strong>dicarsemais à auto-realização.Henretta (2000) assi<strong>na</strong>la que as expectativas da socieda<strong>de</strong> frenteàs pessoas que têm 60 ou 70 anos <strong>de</strong>vem se modificar, e até mesmo <strong>de</strong>lasconsigo mesmas, diante do vigor e da melhoria das condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> edo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>las <strong>de</strong> se engajarem num emprego que dê mais sentido a suasvidas. Empregadores colaboram com essa mudança à medida que criamoportunida<strong>de</strong>s mais atraentes para os trabalhadores mais velhos.


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações331Por certo, a flexibilida<strong>de</strong> dos horários e as alter<strong>na</strong>tivas dos contratos<strong>de</strong> trabalho precisam estar disponíveis não só para os trabalhadores maisvelhos, que gostariam <strong>de</strong> ter e têm condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para continuartrabalhando, mas também para estudantes e mães que cuidam <strong>de</strong> criançasmenores e que precisam trabalhar. É fundamental que as organizaçõesmantenham os trabalhadores mais velhos motivados, atualizados ecompetitivos para o mercado <strong>de</strong> trabalho, seja oferecendo cursos <strong>de</strong>atualização, inserção digital e metodologias que tragam maior facilida<strong>de</strong>no <strong>de</strong>sempenho do trabalho, seja revendo seus contratos <strong>de</strong> trabalho.Apesar <strong>de</strong> a aposentadoria não estar necessariamente vinculadaà velhice, a transição normalmente coinci<strong>de</strong> com o processo <strong>de</strong>envelhecimento. Como processo único, o envelhecimento aten<strong>de</strong> a padrões<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que se modificam <strong>de</strong> pessoa a pessoa (Erikson, 1997),<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> vários aspectos, subjetivos e objetivos. A adaptação àaposentadoria, tal qual o envelhecimento, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da antecipação dosaposentáveis aos fatores <strong>de</strong> risco - como a promoção da saú<strong>de</strong> e do alcance<strong>de</strong> uma poupança para o futuro - e da adoção <strong>de</strong> medidas que facilitemos fatores <strong>de</strong> bem-estar nessa transição - como educação, trabalho, renda,vínculos sociais, afetivos e familiares.Fatores <strong>de</strong> risco:tranquilida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceira e preservação da saú<strong>de</strong>O envelhecimento populacio<strong>na</strong>l trouxe uma série <strong>de</strong> consequênciaspara o mundo do trabalho. De fato, são necessários diversos ajustes <strong>na</strong>sorganizações, especialmente quanto a uma nova forma <strong>de</strong> pensar o própriotrabalho e a aposentadoria. A primeira gran<strong>de</strong> questão é a<strong>na</strong>lisar os fatores<strong>de</strong> risco da aposentadoria. Vimos, no início <strong>de</strong>ste capítulo, que o custo daaposentadoria implica uma divisão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s entre governoorganização-trabalhadores.Não ape<strong>na</strong>s o governo <strong>de</strong>ve assumir sua parte,mas as organizações precisam oferecer aos seus trabalhadores planos <strong>de</strong>complementação para a aposentadoria, bem como os próprios trabalhadoresprecisam apren<strong>de</strong>r a investir no seu bem-estar futuro. Dentre as formas <strong>de</strong>investimento, além da contribuição do governo, <strong>de</strong>ve ser adicio<strong>na</strong>da umaparte <strong>de</strong> seu salário para os fundos <strong>de</strong> pensão fechados, das empresas,ou para os fundos <strong>de</strong> pensão abertos ou mesmo para a própria poupançaindividual.


332Lucia FrançaA maior parte dos trabalhadores brasileiros conta ape<strong>na</strong>s com osistema público da Previdência, embora se estime que um número elevado<strong>de</strong> trabalhadores do mercado informal ainda não contribua para o sistema.Além disso, os proventos do INSS, <strong>na</strong> maior parte das vezes, são aquémdos salários que os aposentados recebiam quando estavam no mercado <strong>de</strong>trabalho. Por outro lado, ainda são poucos os trabalhadores apoiados porfundos <strong>de</strong> pensão das empresas para as quais trabalham.Em 1970, foram implantados os primeiros fundos <strong>de</strong> pensãono Brasil. Dados da Secretaria <strong>de</strong> Previdência Complementar apontamque no fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> 2008 existiam 371 entida<strong>de</strong>s fechadas <strong>de</strong> previdênciacomplementar, que, por sua vez, contavam com ape<strong>na</strong>s 2,1 milhões <strong>de</strong>participantes (Ministério da Previdência Social, 2008). Isto <strong>de</strong>nota anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as empresas criarem fundos coletivos <strong>de</strong> complementaçãopara a aposentadoria, <strong>de</strong> os trabalhadores fazerem sua poupança e <strong>de</strong> sepreocuparem com a maneira como administram seus recursos (França,2008).Pesquisas têm comprovado que quanto mais as pessoas percebemque acumularam recursos fi<strong>na</strong>nceiros a<strong>de</strong>quados para o futuro, maispositivas estarão frente à <strong>de</strong>cisão da aposentadoria (Gruber & Wise, 1999;Hershey & Mowen, 2000). O investimento para o futuro do trabalhador<strong>de</strong>ve ser um processo educativo li<strong>de</strong>rado pelas organizações, em parceriacom outros segmentos da socieda<strong>de</strong>, como a universida<strong>de</strong>, por exemplo.Em função disto, as organizações <strong>de</strong>vem propor encontros eseminários sobre a importância do planejamento fi<strong>na</strong>nceiro para o futuro,dirigidos a qualquer trabalhador, preferencialmente, muito antes da <strong>de</strong>cisãoda aposentadoria. Nesses encontros, os participantes <strong>de</strong>vem ser estimuladosa fazer simulações e refletir sobre o estilo <strong>de</strong> vida que <strong>de</strong>sejam, em que ecomo gastam os recursos disponíveis, quanto economizam, quanto esperamgastar <strong>na</strong> sua velhice e quanto precisarão reinvestir para o futuro.Apesar da relevância do papel dos economistas <strong>na</strong> condução<strong>de</strong>sses encontros, existem <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes psicológicos que influenciam oplanejamento fi<strong>na</strong>nceiro para a aposentadoria (Hershey & Mowen, 2000).Assim é que tais eventos <strong>de</strong>vem prever a participação <strong>de</strong> psicólogos, <strong>de</strong>forma a facilitar a discussão sobre os motivos pelos quais as pessoaseconomizam, e discutir com os aposentáveis as atitu<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>vem seradotadas para a construção <strong>de</strong> uma poupança prévia para o futuro.


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações333Um outro fator <strong>de</strong> risco é a condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que po<strong>de</strong> antecipara aposentadoria. Henretta, Chan e O’Rand (1992) confirmaram que há umatendência em solicitar a aposentadoria entre os trabalhadores que estejamvivenciando problemas sérios <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Embora existam outras formas<strong>de</strong> participação familiar e social para essas pessoas, é preciso i<strong>de</strong>ntificaraté que ponto as condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> impediriam uma outra escolhaprofissio<strong>na</strong>l ou a participação social e/ou comunitária. O aconselhamentoou a reorientação profissio<strong>na</strong>l são fundamentais nesta situação.A aposentadoria também po<strong>de</strong> influenciar a saú<strong>de</strong> daqueles quevão se aposentar. Huutanen e Piispa (1992) indicaram que a ansieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ser mais evi<strong>de</strong>nte entre aqueles que estão mais próximos da aposentadoriae <strong>de</strong>scobriram que o interesse em continuar trabalhando, mesmo estandoaposentado, é muito maior entre os que ainda estão trabalhando do queentre os que estão aposentados. Bossé, Aldwin, Levenson & Workman-Daniels (1991) revelaram que os motivos do estresse transitório eram abaixa condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e os problemas fi<strong>na</strong>nceiros familiares, mas nãoa perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. A pesquisa <strong>de</strong> Fletcher e Hansson (1991) apresentararesultado oposto quanto à perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, ao ressaltar que os escores maiselevados <strong>na</strong> escala <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> foram observados entre aqueles que tinhammaiores dificulda<strong>de</strong>s em transições sociais relevantes, particularmente osque eram sozinhos, tímidos ou tinham pouco controle pessoal sobre suasvidas <strong>na</strong> aposentadoria.Nuttman-Shwartz (2004), apontou que a percepção inicial daaposentadoria estava relacio<strong>na</strong>da à incerteza e à crise da aposentadoria.Após um ano do evento, foi notado um <strong>de</strong>créscimo no estresse, especialmenteentre aqueles que estavam felizes por terem voltado a trabalhar. A visãopessimista observada antes da aposentadoria foi atribuída à vida difícilque alguns tiveram e às oportunida<strong>de</strong>s limitadas <strong>de</strong> trabalho.A aposentadoria é vista, então, como mais uma fase <strong>na</strong> vida, umatransição <strong>na</strong>tural, on<strong>de</strong> os traços <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, o conhecimento e aexperiência não se modificam. Não ape<strong>na</strong>s Nuttman-Shwartz, mas outrospesquisadores compartilham da idéia da aposentadoria enquanto transição,acompanhada por uma redução da ansieda<strong>de</strong> entre a fase imediatamenteanterior e o período posterior da aposentadoria (Gall, Evans, & Howard,1997; Quick & Moen, 1998; Reitzes, Mutran & Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>z, 1996).Trabalhadores que têm uma visão negativa dos seus trabalhos


334Lucia Françanormalmente estariam mais propícios a realizar a transição para aaposentadoria (Beehr, Glazer, Nelson & Farmer, 2000). Myers e Booth(1996) <strong>de</strong>monstraram ainda que os trabalhadores que <strong>de</strong>ixam um trabalhoaltamente estressante acabam melhorando a qualida<strong>de</strong> do casamento, aopasso que fatores tais como papéis invertidos <strong>de</strong> gênero, condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e apoio social reduzido po<strong>de</strong>m prejudicar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casamento.Aqueles que queiram se aposentar, mas que tenham baixasexpectativas, precisam melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus recursos sociaisdisponíveis, <strong>de</strong> forma a protegê-los contra a ansieda<strong>de</strong> e o estresse. Ekerdte Bossé (1982) ressaltam que, mesmo que a aposentadoria provoque aansieda<strong>de</strong>, a educação e o aconselhamento concentrado nos seus aspectospositivos, funcio<strong>na</strong>riam como apoio fundamental nesta fase, principalmenteentre aqueles que têm atitu<strong>de</strong>s negativas frente à aposentadoria.Kean, Van Zandt e Miller (1996) exami<strong>na</strong>ram as similarida<strong>de</strong>s e asdiferenças entre as pessoas mais velhas que têm empresas montadas <strong>na</strong>spróprias residências e os aposentados entre 55 e 76 anos e concluíram quea condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o controle pessoal e o <strong>de</strong>sempenho social aumentamo bem-estar dos cidadãos idosos. Como apontado por Payne, Robbins eDaugherty (1991), a efetiva adaptação aos eventos da vida, como no casoda aposentadoria, requer a habilida<strong>de</strong> para manter o senso <strong>de</strong> propósito edireção.Fatores responsáveis pelo bem-estar <strong>na</strong> aposentadoria: otrabalho como manutenção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>Algumas pessoas constroem sua vida em função <strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s uminteresse – o trabalho. Até a forma <strong>de</strong> se apresentarem ao mundo tem a vercom o que fazem e/ou com a organização para a qual trabalham. Àquelesque apresentam uma forte i<strong>de</strong>ntificação com a carreira, a continuida<strong>de</strong><strong>de</strong> um trabalho provisório (bridge employment) po<strong>de</strong>rá trazer o senso <strong>de</strong>autovalia ou auto-estima e a ansieda<strong>de</strong> frente à aposentadoria (Kim &Feldman, 2000; Lim & Feldman, 2003).De forma geral, os trabalhadores que têm uma visão muitopositiva do trabalho ten<strong>de</strong>m a postergar a aposentadoria. Cu<strong>de</strong> e Jablin(1992) assi<strong>na</strong>laram o quão ambiguo é o compromisso organizacio<strong>na</strong>lpara os empregadores e empregados no que diz respeito à aposentadoria.


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações335Se, por um lado, estar atrelado a uma forte cultura organizacio<strong>na</strong>l eapresentar altos níveis <strong>de</strong> compromisso organizacio<strong>na</strong>l melhorariama produtivida<strong>de</strong> e a moral dos trabalhadores durante o tempo em queestivessem <strong>na</strong> organização, por outro lado estes mesmos esforços trariammaior dificulda<strong>de</strong> para quando tivessem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a empresa, <strong>na</strong> época daaposentadoria.Na opinião <strong>de</strong> Hoffste<strong>de</strong> (1994), os gerentes, normalmente, têmum forte vínculo com a empresa e atrelam muita importância ao querealizam para o sucesso <strong>de</strong>sta. Entretanto, para França (2004), a relevânciado trabalho irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r dos outros papéis ou funções que as pessoas têmou tiveram <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>. Os resultados da sua pesquisa realizada com517 executivos <strong>de</strong>monstraram que, apesar <strong>de</strong> apresentarem níveis altos<strong>de</strong> satisfação e envolvimento com o trabalho, eles estavam também muitopositivos quanto à aposentadoria.Essa percepção, obviamente, é representativa <strong>de</strong> trabalhadoresaltamente privilegiados, muito bem remunerados. Contudo nos faz lembrarque existem trabalhos <strong>de</strong>sgastantes, mas que trazem compensações (educaruma criança), reflexo das nossas escolhas, e lidam com o nosso po<strong>de</strong>rcriativo (a pintura <strong>de</strong> uma casa) ou com algo que traz uma contribuiçãosignificativa para a socieda<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong> não ser o objetivo <strong>de</strong>ste textodiscorrer sobre as inúmeras formas <strong>de</strong> trabalho, sejam elas formais,informais, prazerosas, precárias ou escravagistas (Demo, 2006), ressaltaque a noção <strong>de</strong> valor do trabalho <strong>de</strong>veria ser revista: “o trabalho é todaativida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong> que gera algum valor, não ape<strong>na</strong>s monetário, mercantil,mas vital, material ou imaterial. E ainda: o ‘trabalho mais profundo do serhumano é a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer-se sujeito da história própria, construirsua autonomia relativa, arquitetar mundos alter<strong>na</strong>tivos” (p.16). Para ele, onão-trabalho também é uma forma <strong>de</strong> trabalho, pois o corpo trabalha parase manter e para produzir novas energias, acumulando reservas criativaspara utilizar em um próximo trabalho. Para acumular estas reservas, oócio, o prazer e o lazer <strong>de</strong>vem ser exercitados.A importância dos relacio<strong>na</strong>mentos familiarese sociais <strong>na</strong> aposentadoriaO aumento da expectativa <strong>de</strong> vida provocou o aparecimento <strong>de</strong>situações inusitadas, que hoje fazem parte da vida das pessoas maduras,


336Lucia Françaespecialmente entre aqueles que estão em vias <strong>de</strong> se aposentar. De acordocom o psicólogo Bengtson (2001), o visível envelhecimento dos familiaresveio acompanhado também por outros fatores da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como oaumento no número <strong>de</strong> divórcios, a maior diversida<strong>de</strong> nos tipos <strong>de</strong> relaçõesintergeracio<strong>na</strong>is, seja entre os padastros e seus enteados ou pelo cuidadocom os pais, sogros idosos ou entre “os netos e avós emprestados”.Um aspecto que influi para a postergação da in<strong>de</strong>pendência dosfilhos é a dificulda<strong>de</strong> <strong>na</strong> formação profissio<strong>na</strong>l e o emprego dos jovens(que lhe permita ter condições <strong>de</strong> aproveitamento <strong>na</strong>s organizações).Em consequência, é comum que jovens <strong>de</strong> 30 anos ou mais continuemresidindo com os pais. Uma outra situação tipicamente brasileira é apossibilida<strong>de</strong> do retorno dos filhos casados à casa dos pais, por eventualseparação ou por dificulda<strong>de</strong>s fi<strong>na</strong>nceiras, tor<strong>na</strong>ndo a família extensa, porvezes <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da mais pelo aspecto econômico do que o afetivo. Estassituações po<strong>de</strong>m coincidir também com a época da aposentadoria dospais e <strong>de</strong>vem ser levados em consi<strong>de</strong>ração a responsabilida<strong>de</strong> fi<strong>na</strong>nceirada família e o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que terão <strong>de</strong> sustentar <strong>de</strong>pois datransição.O sucesso da transição trabalho-aposentadoria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> emgran<strong>de</strong> parte do nível <strong>de</strong> satisfação e harmonia familiar, principalmenteentre o casal. França (2004; 2009) aponta que quanto mais positivo foro apoio da família e dos amigos mais positiva será a sua atitu<strong>de</strong> frenteà aposentadoria. Ganham importância a flexibilização dos horários <strong>de</strong>trabalho e o tempo que também <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do para a família, parasi mesmo e para o lazer. O <strong>de</strong>sequilíbrio entre o tempo <strong>de</strong> trabalho e otempo para a vida po<strong>de</strong> resultar <strong>na</strong> aposentadoria em certo estranhamentofamiliar, especialmente no início da aposentadoria. Não é por acaso que atransição da aposentadoria vem, geralmente, acompanhada pela queda <strong>na</strong>qualida<strong>de</strong> do relacio<strong>na</strong>mento marital, percebida tanto pelos maridos quantopelas esposas, como apontado por Moen, Kim e Hofmeister (2001).A criação dos laços intergeracio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> família e <strong>na</strong>s oportunida<strong>de</strong>ssociais e os laços afetivos entre marido e mulher precisam ser estreitadose fortalecidos, especialmente diante <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> vida que inclui oencontro dos interesses, o companheirismo <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer e aparceria nos investimentos para o futuro.A aposentadoria po<strong>de</strong> coincidir com o momento em que os filhos


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações337ingressam <strong>na</strong> universida<strong>de</strong> ou com a saída <strong>de</strong>les <strong>de</strong> casa. Se, por um lado,a falta dos filhos <strong>de</strong>sperta um sentimento maior <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para os pais,por outro provoca, especialmente para a mãe, a síndrome do ninho vazio. O<strong>na</strong>scimento dos netos, as viagens e mudanças dos filhos, e mesmo a doençados pais são situações que modificam, sobremaneira, o núcleo familiar.Estes fatores po<strong>de</strong>m influenciar também <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão da aposentadoria.Um dos principais pontos <strong>de</strong> conflito familiar é a divisão dastarefas domésticas e das responsabilida<strong>de</strong>s familiares entre os homens e asmulheres. Dados do IBGE (2007) indicam que somente meta<strong>de</strong> dos homensrealiza afazeres domésticos (51,4%). Por outro lado, as pesquisas indicamque, se esta divisão não for realizada, será muito difícil o compartilhamentoentre homem e mulher em situação <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> (De Avelar, 1994; Wirth,2001, Bruschini & Puppin, 2004). No caso dos brasileiros que <strong>de</strong>têm maiornível hierárquico profissio<strong>na</strong>l, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é mais evi<strong>de</strong>nte (Franca,2004), e isto ten<strong>de</strong> a se refletir também nos relacio<strong>na</strong>mentos familiares,<strong>na</strong> aposentadoria.Ainda há muito que fazer para que homens e mulheres brasileirospossam se beneficiar <strong>de</strong> um tempo livre prazeroso e das mesmas condiçõestanto para o acesso profissio<strong>na</strong>l quanto <strong>na</strong> divisão <strong>de</strong> tarefas domésticas.Vale assi<strong>na</strong>lar a importância dos projetos, interesses e <strong>de</strong>sejos pessoais, maisainda para aqueles que são comuns ao casal e à família, como verda<strong>de</strong>irosempreendimentos <strong>de</strong> vida. Como uma nova proposta, a aposentadoria é aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento pessoal e familiar.Se <strong>na</strong> aposentadoria as pessoas terão mais tempo para convivercom o parceiro, com os amigos e com a família, é fundamental que opré-aposentado tenha um tempo prévio para experimentar e discutir aigualda<strong>de</strong> entre gênero, a solidarieda<strong>de</strong> entre faixas etárias, a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> fazer novos amigos e ainda o resgate <strong>de</strong> uma convivência satisfatóriaentre os parceiros e o entrosamento familiar nesta nova fase. Associadosà distribuição <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer, educacio<strong>na</strong>is e culturais, perfazemos conteúdos necessários que <strong>de</strong>vem ser brindados nos programas <strong>de</strong>preparação para a aposentadoria, apresentados logo a seguir.


338Lucia FrançaDiversida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s ativida<strong>de</strong>s culturais,<strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> lazerDistribuir o tempo livre durante o período <strong>de</strong> trabalho é um<strong>de</strong>safio para muitos trabalhadores, especialmente se consi<strong>de</strong>rarmos otempo consumido com o trabalho, o transporte casa-trabalho-casa, aalimentação, o <strong>de</strong>scanso. Realmente, é preciso ‘fabricar’ um tempo paracuidar <strong>de</strong> si, para o lazer, para o convívio familiar ou mesmo realizaralgum curso, tanto os que tragam <strong>de</strong>senvolvimento pessoal ou mesmo oaprimoramento profissio<strong>na</strong>l.Apesar <strong>de</strong> o lazer ser uma compensação do trabalho,contraditoriamente, ele é pouco inserido <strong>na</strong> vida dos trabalhadores. Assim,para muitos, o fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> sema<strong>na</strong> é quando realizam parte das obrigaçõesfamiliares, brincam com os filhos, veem os amigos, organizam algumasroti<strong>na</strong>s domésticas, praticam um hobby, <strong>na</strong>moram, caminham, vão àpraia, jogam futebol ou se <strong>de</strong>dicam à leitura, um cinema ou uma saídapara um restaurante. Estas são as ativida<strong>de</strong>s sociais e <strong>de</strong> lazer, típicas <strong>de</strong>um brasileiro <strong>de</strong> classe média que consegue distribuir seu tempo livre. Avisão da aposentadoria po<strong>de</strong> parecer uma versão ampliada da vida do fi<strong>na</strong>l<strong>de</strong> sema<strong>na</strong>, adicio<strong>na</strong>ndo algumas ativida<strong>de</strong>s que não são realizadas porausência <strong>de</strong> tempo ou expandindo outras que lhes <strong>de</strong>em maior prazer.Contudo nem sempre a distribuição entre trabalho e vida privadaacontece <strong>de</strong>sta forma e alguns trabalhadores acabam priorizando o trabalho,postergando o lazer e o prazer para as férias ou esperando a chegada daaposentadoria. Imagi<strong>na</strong>m que, como num click, possam substituir a vida<strong>de</strong> trabalho por uma vida <strong>de</strong> lazer. Para aqueles que têm uma ativida<strong>de</strong><strong>de</strong>sagradável ou insatisfatória, a aposentadoria po<strong>de</strong> representar umaforma <strong>de</strong> libertação.Alguns aposentados, após três ou seis meses <strong>de</strong> “férias”, começama se sentir entediados com o tempo livre e <strong>de</strong>sejam fazer outras coisas quetenham um sentido maior para eles. Outros imagi<strong>na</strong>m que irão <strong>de</strong>senvolverape<strong>na</strong>s uma ativida<strong>de</strong> – por exemplo, jogar tênis. Gee e Baillie (1999)apontam que as pessoas, que não sabem o que fazer com seu tempo livre,têm expectativas negativas acerca da aposentadoria. Eles sugerem que osfacilitadores <strong>de</strong>vam focalizar as habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer para toda a vida eestimular a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma antiga ou atual experiência <strong>de</strong> lazer.


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações339Adair e Mowsesian (1994) apontam ainda que a educação tambémé essencial para o empo<strong>de</strong>ramento 2 individual e o encontro dos interessese necessida<strong>de</strong>s dos aposentados e do tempo que eles têm pela frente. Oretorno à educação, <strong>na</strong> aposentadoria, po<strong>de</strong> resultar no <strong>de</strong>senvolvimentopessoal, ou apren<strong>de</strong>r algo que sempre quiseram no passado, mas nãotinham tempo suficiente; um novo interesse, vinculado ou não a umaativida<strong>de</strong> laborativa. A educação po<strong>de</strong> ser um meio para <strong>de</strong>scobrir novasamiza<strong>de</strong>s ou uma ponte para o retorno ao mercado do trabalho.Essa volta ao mercado <strong>de</strong> trabalho não significa, necessariamente,<strong>de</strong>senvolver as mesmas ativida<strong>de</strong>s que eram executadas antes daaposentadoria, nem tampouco ter a mesma carga horária <strong>de</strong> antes. Sejaqual for a maneira como o aposentável <strong>de</strong>sejar utilizar o seu tempo <strong>na</strong>aposentadoria, o PPA <strong>de</strong>verá apoiá-lo no planejamento da nova roti<strong>na</strong> <strong>de</strong>vida. O diagnóstico <strong>de</strong>verá i<strong>de</strong>ntificar como o aposentável aloca seu tempoe como preten<strong>de</strong> alocá-lo no futuro, como um instrumento que po<strong>de</strong> serutilizado pelo facilitador para apontar para o aposentável o caminho a serpercorrido por ele, até obter o estilo <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> aposentadoria.Programas <strong>de</strong> Preparação para a Aposentadoria (PPA)Os PPAs foram lançados no Brasil há três décadas, por gran<strong>de</strong>sorganizações que, compelidas pelo processo <strong>de</strong> globalização, fusão eprivatização, estimulavam a aposentadoria antecipada para que seusquadros <strong>de</strong> pessoal fossem enxugados e renovados (França, 2008). A maiorparte <strong>de</strong>sses programas era <strong>de</strong>senvolvida pelas áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, serviçosocial ou recursos humanos. Os empregados assistiam a várias palestrasinformativas e sob o efeito da novida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>nização consistente,<strong>de</strong>cidiam se aposentar (França, 1992). Contudo, estes programas nemsempre tinham a antecedência minima que permitisse ao aposentável are<strong>de</strong>finição ou elaboração do projeto <strong>de</strong> vida.Em termos gover<strong>na</strong>mentais, os PPAs tiveram sua importância2Empo<strong>de</strong>ramento teve origem <strong>na</strong> palavra inglesa empowerment. É um conceito que foi utilizado nomovimento feminista e <strong>na</strong>s ações sociais realizadas a partir <strong>de</strong> 1950. Em 1990 foi utilizado pelosmovimentos que buscam afirmar o direito <strong>de</strong> cidadania sobre distintas esferas sociais, entre as quais ada saú<strong>de</strong> (Carvalho, 2004) e a da Educação (Demo, 2001). Ver CARVALHO, S. R. (2004). Os múltiplossentidos da categoria empowerment no projeto <strong>de</strong> promoção à saú<strong>de</strong>, Cad. Saú<strong>de</strong> Pública, 20(4),1088-1095; e DEMO, P. (2001). Participação é conquista: noções <strong>de</strong> política social participativa. SãoPaulo: Cortez.


340Lucia Françareconhecida pela Lei 8842 (Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso) no art. 10, queressalta a competência dos órgãos e entida<strong>de</strong>s públicas <strong>na</strong> área dotrabalho e previdência em “criar e estimular a manutenção <strong>de</strong> programas<strong>de</strong> preparação para aposentadoria nos setores público e privado comantecedência mínima <strong>de</strong> dois anos do afastamento”. Em 2003, a Lei n°10.741 (Estatuto do Idoso), art. 28, estabelece que o Po<strong>de</strong>r Público criará eestimulará programas <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>lização especializada para os idosos,a preparação dos trabalhadores para a aposentadoria e o estímulo àsempresas privadas <strong>na</strong> admissão <strong>de</strong> idosos ao trabalho.Após uma redução das aposentadorias incentivadas <strong>na</strong>sorganizações, foi possível observar uma mudança <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> conduzirestes programas e agora assumidos também pelos programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida ou <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social das organizações. Mais coerentescom a aposentadoria ativa, eles abrem a possibilida<strong>de</strong> para discussões,ofici<strong>na</strong>s e workshops com os aposentáveis, visando o apoio ao projeto <strong>de</strong>vida pós-carreira.A fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do PPA é apoiar os trabalhadores <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão e <strong>na</strong>busca <strong>de</strong> uma aposentadoria ativa, baseada <strong>na</strong> escolha do estilo <strong>de</strong> vida,<strong>na</strong> harmonia dos relacio<strong>na</strong>mentos, <strong>na</strong> educação, no <strong>de</strong>senvolvimentopessoal e mesmo <strong>na</strong> retomada a um trabalho igual ou diferente, se assimeles <strong>de</strong>sejarem. Deve ser implementado pela organização, com o apoio dasuniversida<strong>de</strong>s e do governo, com uma antecedência minima <strong>de</strong> dois anosda aposentadoria.Para Adler & Hilber (2009), a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> continuar <strong>na</strong> força <strong>de</strong>trabalho ou <strong>de</strong> se aposentar é tipicamente realizada entre 55 a 64 anos,sendo esta <strong>de</strong>cisão influenciada por muitos fatores, nos quais tambémse inclui a disponibilida<strong>de</strong> dos empregos. Uma vez que o processo <strong>de</strong>envelhecimento difere <strong>de</strong> pessoa para pessoa, seria um preconceito limitaruma ida<strong>de</strong> específica para a aposentadoria. Por outro lado, é precisoexplorar até que ponto os trabalhadores mais velhos po<strong>de</strong>m ser contratadospor diferentes indústrias e i<strong>de</strong>ntificar os tipos <strong>de</strong> empregos e os fatores quemelhor po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r a sua empregabilida<strong>de</strong>.Quanto aos conteúdos a serem inseridos nos programas, <strong>de</strong>vemser mencio<strong>na</strong>dos os fatores-chave a serem inseridos nos PPAs, que forampriorizados por trabalhadores <strong>de</strong> cargos gerenciais e não-gerenciais, nosestudos <strong>de</strong> França (2004, 2008, 2009). Estes aspectos foram agrupados em


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações341quatro módulos. Os conteúdos <strong>de</strong>stes módulos, a critério das organizações,po<strong>de</strong>m ser subdivididos em outros módulos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do diagnósticoa ser realizado com os aposentáveis. O primeiro módulo diz respeito aosfatores <strong>de</strong> risco e sobrevivência e inclui os investimentos fi<strong>na</strong>nceiros e apromoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Este módulo po<strong>de</strong> ser aberto a todos os trabalhadores,sendo realizados seminários <strong>de</strong> educação fi<strong>na</strong>nceira e <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, que inclua novos hábitos <strong>de</strong> alimentação saudável, a prática <strong>de</strong>exercícios físicos e a elimi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> tabagismo, redução <strong>de</strong> consumo<strong>de</strong> remédios e álcool. O segundo módulo abrange os relacio<strong>na</strong>mentosfamiliares. Este foi consi<strong>de</strong>rado o módulo mais importante, tanto pelosexecutivos quanto pelos trabalhadores não-gerenciais. O terceiro móduloenvolve fatores <strong>de</strong> bem-estar pessoal e social e prevê a realização <strong>de</strong>encontros que estimulem o potencial criativo e o lazer dos trabalhadores,as oportunida<strong>de</strong>s educacio<strong>na</strong>is e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas relações sociais.O quarto e último módulo, novo começo profissio<strong>na</strong>l, po<strong>de</strong> ter doismomentos, um que agrupa as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho e o outro que dáapoio psicólogico específico ao novo projeto <strong>de</strong> vida.O projeto <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> prever encontros programados com osaposentáveis, que <strong>de</strong>verão ser intensificados quando os aposentáveisestiverem próximos da saída. Devem ser baseados nos interesses,necessida<strong>de</strong>s e no estilo <strong>de</strong> vida que as pessoas <strong>de</strong>sejam viver no futuro. Etambém <strong>de</strong>vem prever a discussão <strong>de</strong> como os trabalhadores irão lidar comas perdas, reforçando a retomada ou a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> interesses, ativida<strong>de</strong>se a busca da harmonia nos seus relacio<strong>na</strong>mentos sociais e familiares. Oprojeto é uma oportunida<strong>de</strong> para experienciar o gerenciamento do tempolivre, em que seus interesses e necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>rão as priorida<strong>de</strong>s acurto, médio e longo prazos.O programa <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar também o estímulo a integração dasequipes intergeracio<strong>na</strong>is, que hoje, mais do que nunca, estão presentes <strong>na</strong>sorganizações. Projetos nesta área <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar que os trabalhadoresmais velhos po<strong>de</strong>m apresentar a história do trabalho e das organizaçõespara os mais jovens, enquanto estes po<strong>de</strong>m intercambiar com os maisvelhos as novida<strong>de</strong>s do mundo digital. Igualmente relevante é a conexãodo PPA com as associações <strong>de</strong> aposentados.


342Lucia FrançaConclusãoO envelhecimento populacio<strong>na</strong>l provocou uma mudança drásticano perfil <strong>de</strong>mográfico mundial, ocasio<strong>na</strong>ndo, entre outras consequências,modificações no mundo do trabalho e uma nova realida<strong>de</strong> em relação àaposentadoria. Assim, a aposentadoria <strong>de</strong>verá ser adotada para aquelesque, além <strong>de</strong> terem alcançado a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão, queiram ou precisemparar <strong>de</strong> trabalhar. Para os <strong>de</strong>mais, a tônica será o estímulo à continuida<strong>de</strong>,facilitando o <strong>de</strong>senvolvimento e a atualização profisiso<strong>na</strong>l <strong>de</strong> modo queas pessoas possam continuar a trabalhar, preferencialmente, em períodosreduzidos.Esta nova forma <strong>de</strong> pensar o trabalho traz outros <strong>de</strong>safios paraas organizações, que terão <strong>de</strong> encontrar soluções para aten<strong>de</strong>r às novaspressões da economia, manter seus trabalhadores saudáveis, ativos etecnologicamente atualizados e, ao mesmo tempo, tor<strong>na</strong>r o trabalhomais realizador para os trabalhadores, valorado (incluindo-se aí oreconhecimento do trabalho <strong>de</strong> cuidar da casa e dos filhos), gerando prazer,<strong>de</strong>senvolvimento pessoal e compensação fi<strong>na</strong>nceira.A segurança no futuro traz uma série <strong>de</strong> implicações políticas esociais, e é quase impossível imagi<strong>na</strong>r a liberda<strong>de</strong> <strong>na</strong> aposentadoria semque a sobrevivência seja garantida. Sob o ponto <strong>de</strong> vista individual, apoupança a ser realizada não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s do salário que as pessoasganham, mas <strong>de</strong> quanto conseguem acumular e em quanto e como gastam.A família, a escola e as organizações po<strong>de</strong>m exercer uma influência positivaou negativa nos hábitos <strong>de</strong> economizar para o futuro. Estas influênciasabrem inúmeras possibilida<strong>de</strong>s para os psicólogos <strong>na</strong> investigação dosmotivos, hábitos e características psicológicas que levam as pessoas aplanejar para o futuro.Os governos <strong>de</strong>verão sustentar os aposentados <strong>de</strong> forma dig<strong>na</strong>,enquanto que as organizações precisam encontrar o equilíbrio entreempregar trabalhadores mais velhos que queiram continuar trabalhandoe criar oportunida<strong>de</strong>s para as gerações mais novas. Por outro lado, éimprescindível que todos setores da socieda<strong>de</strong> se u<strong>na</strong>m para proporpesquisas, projetos, diretrizes e políticas que tragam bem-estar à populaçãomais velha.Estamos vivendo uma revolução nos conceitos e práticas que visam


Aposentadoria Ativa: O Papel das Organizações343ao bem-estar dos trabalhadores <strong>de</strong> diversas faixas etárias. Esta mudançainclui a responsabilida<strong>de</strong> social da organização diante da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida dos trabalhadores e dos seus futuros aposentados. Neste movimento,é fundamental o papel das gerências, tanto no apoio aos trabalhadoresque estão sendo engajados em projetos pós-carreira quanto atuando comofacilitadores do repasse <strong>de</strong> conhecimentos, responsabilida<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>sdos mais velhos para os mais jovens e das novas práticas e tecnologias dosmais jovens para os mais velhos.Saber gerenciar equipes com faixas etárias diferenciadas é onovo <strong>de</strong>safio para as gestões <strong>de</strong> Recursos Humanos, que <strong>de</strong>vem facilitara motivação dos integrantes <strong>de</strong> toda a equipe, o apoio ao projeto <strong>de</strong> vidadaqueles que escolhem <strong>de</strong>ixar a organização e ainda facilitar a reduçãodos preconceitos frente ao envelhecimento (ageism) e os benefícios dasequipes intergeracio<strong>na</strong>is. A longevida<strong>de</strong> abriu um campo novo para aPsicologia, especialmente <strong>na</strong> área organizacio<strong>na</strong>l e do trabalho, e requermais estudos e pesquisas.É preciso estimular a realização <strong>de</strong> pesquisas longitudi<strong>na</strong>is, quecomparem atitu<strong>de</strong>s e comportamentos antes e <strong>de</strong>pois da aposentadoria, paraque possamos enten<strong>de</strong>r melhor o processo <strong>de</strong> transição e i<strong>de</strong>ntifiquemosas variáveis preditoras <strong>de</strong> bem-estar e adaptação nesta fase. Existe aindauma escassez quanto ao registro das práticas e metodologias utilizadas,especialmente quanto à avaliação dos programas e dos aposentado.Estas pesquisas trarão uma consi<strong>de</strong>rável contribuição, referendando oque já foi garantido em termos <strong>de</strong> legislação e expandindo os PPAs <strong>na</strong>sorganizações.Planejar a aposentadoria ativa é um processo educacio<strong>na</strong>lcontínuo e precisa estar atrelado ao projeto <strong>de</strong> vida. O planejamento <strong>de</strong>veser resultado <strong>de</strong> uma avaliação do passado, em função do resultado davida atual e do que é possível ainda realizar ou investir para obter o<strong>de</strong>sejável no futuro. O projeto <strong>de</strong> futuro interessa às pessoas <strong>de</strong> todas asida<strong>de</strong>s, tanto para o jovem que se inicia no mercado <strong>de</strong> trabalho, quantopara aquele que está se <strong>de</strong>sligando da organização. No projeto <strong>de</strong>vem estarinseridos aspectos que os aposentados julguem importantes para o seufuturo, como o relacio<strong>na</strong>mento familiar, emocio<strong>na</strong>l, lazer, distribuição <strong>de</strong>tempo, saú<strong>de</strong>, as fi<strong>na</strong>nças, participação social, a educação e mesmo umaativida<strong>de</strong> laborativa ou comunitária, sendo estes aspectos distribuídosnuma visão holística, em que a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> seja o seu bem-estar.


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O Desafio do Envelhecimentoda População e o Papel Chave daPromoção do Emprego Produtivo e do<strong>Trabalho</strong> Decente para Todas as Ida<strong>de</strong>s –Tendências Demográficas347Mariangels FortunyEspecialista do Departamento <strong>de</strong> Políticas <strong>de</strong> Emprego da OIT-Genebra.O mundo está passando por uma revolução <strong>de</strong>mográfica. Espera-seque a proporção <strong>de</strong> pessoas com mais <strong>de</strong> 60 anos passe <strong>de</strong> 8,5% em 1980para 22% em 2050. Esta mudança <strong>de</strong>mográfica ocorre principalmente<strong>de</strong>vido à queda generalizada das taxas <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> e a uma melhorada saú<strong>de</strong>, que reduziram o número <strong>de</strong> recém-<strong>na</strong>scidos e aumentaram aesperança <strong>de</strong> vida ao <strong>na</strong>scer, respectivamente.Como po<strong>de</strong>mos observar no gráfico, as primeiras tendências<strong>de</strong>mográficas variam segundo o país e a região. Os países em <strong>de</strong>senvolvimentotêm uma população relativamente jovem, enquanto que nos paísesindustrializados a população é relativamente mais velha. No entanto oritmo <strong>de</strong> envelhecimento da população nos países em <strong>de</strong>senvolvimento émaior que nos países industrializados. O gráfico nos mostra que a população<strong>de</strong> América Lati<strong>na</strong>, Caribe e, principalmente, Brasil está envelhecendo emritmo acelerado. No Brasil espera-se que a proporção da população commais <strong>de</strong> 60 anos aumente <strong>de</strong> 6%, em 1980, para quase 30%, em 2050.


348Mariangels FortunyGráfico 1Índice <strong>de</strong> envelhecimento <strong>de</strong>mográfico(população com 60 anos ou mais como porcentagem da população total)(Projeção das Nações Unidas – variante média)353025201510501980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025 2030 2035 2040 2045 2050África Ásia Europa América Lati<strong>na</strong>e CaribeBrasilFonte: World Population Prospects. The 2008 Revision. http://esa.un.org/unpp/p2k0data.aspA tabela 1 mostra, <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, no Caribe Fecundida<strong>de</strong> e no Brasil,Esperança <strong>de</strong> vida ao <strong>na</strong>scer (anos) (filhor por mulher)uma importante queda da fecundida<strong>de</strong>, relacio<strong>na</strong>da, sem dúvida, à maiorparticipação da mulher Brasil <strong>na</strong> força laboral,Am. Lati<strong>na</strong>assim como a um importantee Caribe BrasilAm. Lati<strong>na</strong>aumento da esperança <strong>de</strong> vida ao <strong>na</strong>scer. Prevê-se que a esperança <strong>de</strong> e vida CaribeH M H Mao <strong>na</strong>scer seja particularmente elevada para as mulheres, ultrapassando os831980-1985anos <strong>de</strong> vida – 60,4 7 anos a 66,8 mais em comparação 62,1 68,4com os 3,8 homens. 3,91985-1990 61,9 69 63,9 70,5 3,1 3,421990-1995 63,5 71,2 65,6 72,3 2,6 3,021995-2000 65,5 73,3 67,4 74,1 2,45 2,732000-2005 67,2 74,9 68,9 75,5 2,25 2,52005-2010 68,7 76 70,2 76,7 1,9 2,262010-2015 69,9 77,2 71,3 77,7 1,7 2,092015-2020 71,4 78,4 72,4 78,7 1,6 1,982020-2025 72,5 79,4 73,4 79,6 1,52 1,92025-2030 73,4 80,3 74,2 80,4 1,5 1,85


501980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020 2025O 2030 Desafio 2035do 2040 Envelhecimento 2045 2050 ...349África Ásia Europa América Lati<strong>na</strong>e CaribeBrasilTabela 1Esperança <strong>de</strong> vida ao <strong>na</strong>scer e fertilida<strong>de</strong> total – Brasil, América Lati<strong>na</strong> e Caribe(Projeção das Nações Unidas – variante média)1980-19851985-19901990-19951995-20002000-20052005-20102010-20152015-20202020-20252025-20302030-20352035-20402040-20452045-2050Esperança <strong>de</strong> vida ao <strong>na</strong>scer (anos)H60,461,963,565,567,268,769,971,472,573,474,375,175,876,5BrasilM66,86971,273,374,97677,278,479,480,381,28282,783,4Am. Lati<strong>na</strong>e CaribeH M62,1 68,463,9 70,565,6 72,367,4 74,168,9 75,570,2 76,771,3 77,772,4 78,773,4 79,674,2 80,475 81,175,6 81,876,2 82,376,7 82,9Fecundida<strong>de</strong>(filhor por mulher)Brasil3,83,12,62,452,251,91,71,61,521,51,551,61,71,75Am. Lati<strong>na</strong>e Caribe3,93,423,022,732,52,262,091,981,91,851,821,811,821,82Fonte: World Population Prospects. The 2008 Revision. http://esa.un.org/unpp/p2k0data.aspO envelhecimento da população.Uma conquista e um <strong>de</strong>safioO envelhecimento da população <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado como umaconquista das socieda<strong>de</strong>s. No entanto é preciso <strong>de</strong>stacar que este fenômeno<strong>de</strong>mográfico também representa um <strong>de</strong>safio econômico, político e socialcada vez mais importante tanto nos países <strong>de</strong>senvolvidos como nos paísesem <strong>de</strong>senvolvimento. Depen<strong>de</strong>ndo da região ou país, e principalmente doseu nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, tais <strong>de</strong>safios diferem. Nos últimos anos,principalmente nos países industrializados, o aumento da esperança <strong>de</strong> vidanão esteve acompanhado <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> econômica mais duradoura. Aocontrário, a maioria dos países industrializados experimentou uma drásticaredução da ida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> aposentadoria, e só recentemente esta tendênciaestá se invertendo. Os países têm que enfrentar problemas <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong>


350Mariangels Fortunyfi<strong>na</strong>nceira do sistema <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social. Embora existam muitas razõespara modificar as políticas <strong>de</strong> redução da oferta <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra, há muitasbarreiras que não permitem que esta tendência seja facilmente invertida.No entanto, nos países mais pobres, o envelhecimento da população estáocorrendo em um contexto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> pobreza, uma alta ecrescente participação trabalhista no mercado informal, uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>social persistente, pouco <strong>de</strong>senvolvimento institucio<strong>na</strong>l e baixa coberturado sistema <strong>de</strong> previdência social.A queda da taxa <strong>de</strong> fecundida<strong>de</strong> comporta uma redução donúmero <strong>de</strong> jovens que se incorporam às forças trabalhistas dos países.Isto representa importantes implicações nos fluxos migratórios <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dosa suprir as necessida<strong>de</strong>s do mercado <strong>de</strong> trabalho. O envelhecimento dapopulação e o aumento das taxas <strong>de</strong> participação das mulheres já <strong>de</strong>ramlugar a uma importante <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> imigração <strong>de</strong> trabalhadores do setor<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e dos serviços domésticos nos países da OCDE. No entanto é poucoprovável que os níveis <strong>de</strong> imigração necessários estimados para compensaro <strong>de</strong>clínio da população e da força trabalhista sejam suficientes.A dimensão <strong>de</strong> gêneroA pobreza <strong>na</strong> velhice está muito ligada ao gênero. Como já vimos,a esperança <strong>de</strong> vida das mulheres é superior à dos homens, e provavelmenteas mulheres serão mais pobres por mais tempo. Existe maior possibilida<strong>de</strong>das mulheres per<strong>de</strong>rem seus cônjuges do que os homens, mas estas ten<strong>de</strong>mmenos a casarem-se novamente. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mulheres com mais <strong>de</strong>sessenta anos que per<strong>de</strong>u seu parceiro supera à dos homens <strong>na</strong> mesmasituação. Em alguns países, é comum que o acesso ou o controle dasfi<strong>na</strong>nças sejam negados às viúvas. Em muitas socieda<strong>de</strong>s, os direitos <strong>de</strong>sucessão das mulheres não são reconhecidos como <strong>de</strong>veriam ser. Muitasvezes os bens do marido, incluindo casa, terra, equipamento agrícola edinheiro, são divididos entre outros membros da família. Em tais países,a viuvez significa muito mais que a perda do marido; significa também aperda da posição social e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. O aumento no número <strong>de</strong> viúvas nopróximo século resultará em uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>safios para nossas socieda<strong>de</strong>s:não só será preciso apoiar as mulheres nesta situação como também serápreciso dar a elas, oportunida<strong>de</strong>s para serem mais auto-suficientes.Durante o ciclo <strong>de</strong> vida, as mulheres acumulam <strong>de</strong>svantagens nos


O Desafio do Envelhecimento ...351últimos períodos <strong>de</strong> sua vida. As mulheres têm menos acesso a uma pensãodig<strong>na</strong> pelo fato <strong>de</strong> terem se <strong>de</strong>dicado a trabalhos não remunerados ou comsalários muito baixos, ou terem trabalhado em trabalhos <strong>de</strong> meio períodoou em trabalhos esporádicos ou informais ou por terem interrompido suacarreira profissio<strong>na</strong>l. As mulheres que recebem uma pensão normalmenteganham menos que os homens, porque seus salários eram menores ouporque contribuíram por períodos mais curtos que estes. Além disso, fatoressocioculturais <strong>de</strong>sempenham um papel significativo, pois <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>mqual ida<strong>de</strong> é consi<strong>de</strong>rada “avançada” para uma mulher trabalhadora. Adiscrimi<strong>na</strong>ção costuma aumentar à medida que as mulheres envelheceme po<strong>de</strong>m ver-se duplamente discrimi<strong>na</strong>das <strong>de</strong>vido ao gênero e à ida<strong>de</strong>. Noentanto é preciso <strong>de</strong>stacar o importante papel da mulher mais velha coma economia e a socieda<strong>de</strong>, por exemplo, quando se <strong>de</strong>dica ao cuidado dosmembros mais jovens da família <strong>de</strong> maneira gratuitaAlgumas orientações políticasO papel chave da promoção do emprego produtivo e otrabalho <strong>de</strong>cente para todas as ida<strong>de</strong>sOs <strong>de</strong>safios ligados à evolução <strong>de</strong>mográfica são comuns a todos ospaíses, mas cada país tem priorida<strong>de</strong>s diferentes e <strong>de</strong>ve encontrar estratégiasdiferentes para abordá-las.No entanto, em todas as regiões, a promoção do emprego produtivoe do trabalho <strong>de</strong>cente para os homens e mulheres <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s é amelhor maneira <strong>de</strong> garantir que as pessoas tenham uma aposentadoriasegura ou possam permanecer ativas durante mais tempo se assim o<strong>de</strong>sejam. Isto é muito importante nos países em <strong>de</strong>senvolvimento, nos quaiso índice <strong>de</strong> pobreza entre as pessoas idosas é cada vez mais preocupantee on<strong>de</strong> poucos têm acesso a uma aposentadoria dig<strong>na</strong>. Nestes países, éfundamental que se encontrem medidas para ampliar a segurida<strong>de</strong> social.Conclusões quanto à segurida<strong>de</strong> socialConferência Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong>, 89ª reunião,Genebra, 2001(Extrato)Em muitas socieda<strong>de</strong>s, o envelhecimento da populaçãoé um fenômeno que está repercutindo significativamente tantonos sistemas fi<strong>na</strong>nciados por capitalização como nos baseados


352Mariangels Fortuny<strong>na</strong> repartição, assim como no custo da assistência médica. Istoé óbvio nos sistemas baseados <strong>na</strong> repartição on<strong>de</strong> se produzuma transferência direta dos contribuintes aos pensionistas.Não obstante, é igualmente certo nos sistemas fi<strong>na</strong>nciados porcapitalização, on<strong>de</strong> os ativos fi<strong>na</strong>nceiros são vendidos parapagar as pensões e são comprados pela gerar trabalho. Assoluções <strong>de</strong>vem ser alcançadas, sobretudo, através <strong>de</strong> medidasque aumentem as taxas <strong>de</strong> emprego, principalmente entre asmulheres, trabalhadores idosos, jovens e <strong>de</strong>ficientes. Alémdisso, é preciso encontrar meios para obter melhores índices <strong>de</strong>crescimento econômico sustentável que resultem em aumentodo emprego produtivo.Fonte: http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc89/pdf/pr-16.pdfAtualmente, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas idosas tem fortesrazões para querer permanecer <strong>na</strong> ativa por mais tempo. Mais ainda: asocieda<strong>de</strong> necessita <strong>de</strong> sua contribuição. No entanto o prolongamento davida laboral não é aplicável para todos. É claro que é preciso consi<strong>de</strong>raras necessida<strong>de</strong>s das pessoas que passaram sua vida laboral em condiçõesdifíceis <strong>de</strong> trabalho, com longos períodos <strong>de</strong> contribuição ou com problemas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.A política do mercado <strong>de</strong> trabalho voltada aos trabalhadoresidosos,` como uma transição gradual e flexível à aposentadoria temum papel muito importante no momento <strong>de</strong> prolongar a vida laboral.Adquirem importância medidas complementares tais como as relacio<strong>na</strong>dascom o <strong>de</strong>senvolvimento das qualificações no marco <strong>de</strong> uma aprendizagemdurante toda a vida e os serviços <strong>de</strong> emprego que oferecem apoio eassessoria a<strong>de</strong>quados para os homens e mulheres idosos. As medidas<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das para acabar com a discrimi<strong>na</strong>ção e combater os estereótipos<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, especialmente com relação às mulheres idosas, também sãofundamentais para promover seu emprego e sua inclusão social; nestesentido, as iniciativas dos empregadores são muito importantes.Em relação à segurida<strong>de</strong> social, o principal <strong>de</strong>safio para os paísescom ingressos elevados é manter a sustentabilida<strong>de</strong> dos regimes <strong>de</strong>proteção social. A principal preocupação dos países com ingressos baixosé esten<strong>de</strong>r a cobertura da segurida<strong>de</strong> social aos grupos mais vulneráveis,principalmente <strong>na</strong> economia informal, e garantir os benefícios dos idosos.Deveria existir uma atenção especial ao acesso da mulher à segurida<strong>de</strong>social. Por último, é necessário proporcio<strong>na</strong>r aos trabalhadores idosos umambiente <strong>de</strong> trabalho a<strong>de</strong>quado, com a<strong>de</strong>quadas condições <strong>de</strong> segurança


O Desafio do Envelhecimento ...353e saú<strong>de</strong>, e elimi<strong>na</strong>r ambientes que <strong>de</strong> alguma forma prejudiquem suacapacida<strong>de</strong> produtiva.A Recomendação da OIT com relação aos trabalhadores idosos,1980 (número 162), é o instrumento que aborda este tema <strong>de</strong> forma maiscompleta e oferece orientações políticas.Recomendação da OIT sobre os trabalhadoresidosos, 1980(número 162)A Recomendação foi adotada em 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong>1980, durante a 66ª reunião da Conferência Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>ldo <strong>Trabalho</strong>. Na ocasião <strong>de</strong>finiram-se os “trabalhadores <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>” como todos aqueles que, <strong>de</strong>vido sua ida<strong>de</strong> avançada,encontram dificulda<strong>de</strong>s relacio<strong>na</strong>das ao emprego e ocupação.Na recomendação, primeiramente se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> oprincípio <strong>de</strong> que os problemas dos trabalhadores idosos<strong>de</strong>vem ser tratados <strong>de</strong> acordo com uma estratégia <strong>de</strong> plenoemprego, global e equilibrada, consi<strong>de</strong>rando todos os gruposda população e garantindo que os problemas <strong>de</strong> emprego nãose disseminem <strong>de</strong> um grupo a outro.Os Estados Membros são encorajados a adotaruma política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l voltada a promover a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> tratamento entre os trabalhadores <strong>de</strong> todasas ida<strong>de</strong>s, e a tomar medidas que impeçam a discrimi<strong>na</strong>ção dostrabalhadores idosos, particularmente em relação às seguintesquestões: acesso aos serviços <strong>de</strong> orientação profissio<strong>na</strong>l e <strong>de</strong>colocação; acesso a um emprego <strong>de</strong> sua escolha, tendo emconta suas aptidões profissio<strong>na</strong>is, experiência e qualificações;acesso aos meios <strong>de</strong> formação profissio<strong>na</strong>l, em particular os<strong>de</strong> aperfeiçoamento e atualização da informação; e segurançano emprego.Além disso, tal política <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ve estar dirigidaa melhorar as condições e o ambiente <strong>de</strong> trabalho em todasas fases da vida ativa, assim como a elaborar medidas quepermitam que os trabalhadores idosos continuem exercendoum emprego em condições satisfatórias.Recomenda-se também a adoção <strong>de</strong> medidas quegarantam que a transição da vida ativa a um regime <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong> livre seja progressiva, que a aposentadoria sejavoluntária e que a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admissão à prestação da velhiceseja flexível.Fonte: ilolex.ilo.ch:1567/english/docs/recdisp.htm.


354Mariangels FortunyNa América Lati<strong>na</strong> e no Caribe, a Estratégia Regio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Implantaçãodo Plano <strong>de</strong> Ação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Madri para o Envelhecimento insisteespecialmente <strong>na</strong> importância <strong>de</strong> promover o trabalho <strong>de</strong>cente para enfrentaros <strong>de</strong>safios das mudanças <strong>de</strong>mográficas, assim como <strong>na</strong> importância <strong>de</strong> queos países coloquem em práticas as disposições da Recomendação Número162 da OIT.A Estratégia reconhece que um componente fundamental daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das pessoas idosas é sua segurança econômica, <strong>de</strong>finidacomo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispor e usar <strong>de</strong> certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursoseconômicos a<strong>de</strong>quados e sustentados <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, garantindolhesuma velhice dig<strong>na</strong> e com qualida<strong>de</strong>. Segundo a Estratégia, <strong>na</strong> AméricaLati<strong>na</strong> e no Caribe, muitos idosos <strong>de</strong>sejariam continuar trabalhando ou<strong>de</strong>senvolvendo projetos que gerassem ingressos, os mantivessem ativose lhes proporcio<strong>na</strong>ssem realização pessoal. Não obstante, se <strong>de</strong>paramcom vários <strong>de</strong>safios relacio<strong>na</strong>dos ao acesso limitado ao crédito ou àfalta <strong>de</strong> capacitação para <strong>de</strong>senvolver qualquer ativida<strong>de</strong>. Muitos idososda região não têm acesso à educação contínua, apesar <strong>de</strong> fazerem partedo grupo <strong>de</strong> menor nível <strong>de</strong> instrução, com um elevado a<strong>na</strong>lfabetismo,especialmente entre as mulheres. A estratégia coloca várias metas, objetivose recomendações. Algumas estão resumidas no quadro abaixo.Estratégia regio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> implantação do Plano <strong>de</strong> AçãoInter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Madri para o Envelhecimento <strong>na</strong> AméricaLati<strong>na</strong> e no CaribeAS PESSOAS IDOSAS E O DESENVOLVIMENTOMeta: proteção dos direitos humanos dos idosos e criação<strong>de</strong> condições <strong>de</strong> segurança econômica, <strong>de</strong> participação social e<strong>de</strong> educação resultando <strong>na</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s básicasdos idosos e sua inclusão <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> e seu <strong>de</strong>senvolvimento.Objetivo 1: promover os direitos humanos dos idosos.a) Incorporar explicitamente os direitos dos idosos a políticas,leis e regulamentos.b) Elaborar e propor leis específicas que <strong>de</strong>fi<strong>na</strong>m e protejam estesdireitos, em conformida<strong>de</strong> com os padrões inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is eas normas aceitas pelos Estados.c) Criar mecanismos <strong>de</strong> monitoramento através dos órgãos<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is competentes.


O Desafio do Envelhecimento ...355Objetivo 2: possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso, com igualda<strong>de</strong>, ao emprego<strong>de</strong>cente, à formação contínua e ao crédito paraempreendimentos próprios ou comunitários.a) Aplicar as disposições da recomendação 162 da OIT referentesà promoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>tratamento entre trabalhadores <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s.b) Realizar campanhas <strong>de</strong> sensibilização e promoção dopotencial produtivo dos idosos, voltadas aos responsáveispelo mundo laboral público e privado.c) Gerar incentivos para que os idosos participem <strong>de</strong> trabalhosremunerados e não remuneradosd) Oferecer programas para que os idosos e suas organizações<strong>de</strong>senvolvam habilida<strong>de</strong>s laborais e <strong>de</strong> outros tipos, taiscomo alfabetização, aprendizagem <strong>de</strong> ofícios e capacitaçãono uso das tecnologias da informação, que lhes facilitemsua permanência no mercado <strong>de</strong> trabalho, assim comoa criação e o fortalecimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s geradoras <strong>de</strong>projetos e receitas.e) Promover o acesso dos idosos às oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crédito,facilitando a criação <strong>de</strong> empreendimentos próprios.f) Incentivar o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> economia solidária <strong>na</strong>s áreas rurais,margi<strong>na</strong>is e indíge<strong>na</strong>s.g) Promover a formação <strong>de</strong> organizações não gover<strong>na</strong>mentaisque tenham como objetivo o <strong>de</strong>senvolvimentosócioeconômico da população adulta idosa em áreasvulneráveis.Objetivo 3: promoção e facilitação da inclusão do adulto idosono mercado <strong>de</strong> trabalho formal.a) Incentivar a criação <strong>de</strong> empregos com horário reduzido.b) Promover medidas e normas que possibilitem a continuida<strong>de</strong>laboral do adulto idoso e sua reinserção no mercado <strong>de</strong>trabalho, não só para ter direito à aposentadoria.c) Criar medidas que protejam os idosos dos riscos <strong>de</strong> suasegurança e saú<strong>de</strong> ocupacio<strong>na</strong>l.


356Mariangels FortunyObjetivo 4: ampliação e melhora da cobertura <strong>de</strong> pensões,tanto contributivas como não contributivas.a) Ampliar a cobertura e suficiência das pensões nãocontributivas, com base em critérios <strong>de</strong> focalização quegarantam a inclusão dos idosos em situação <strong>de</strong> maiorvulnerabilida<strong>de</strong>.b) Incluir a problemática da população mais velha às estratégiasintegrais <strong>de</strong> redução da pobreza.c) Estabelecer mecanismos <strong>de</strong> cooperação entre o Estado, asocieda<strong>de</strong> civil e as organizações <strong>de</strong> idosos, garantindo ocumprimento <strong>de</strong> seus direitos.Objetivo 5: criação das condições a<strong>de</strong>quadas para estimular aparticipação dos idosos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, favorecendoque se torne um grupo social forte e fortalecendoo exercício <strong>de</strong> uma cidadania ativa.a) Ratificar, promover e difundir os instrumentos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>isvigentes em favor do adulto idoso e fazer com que secumpram os compromissos adotados em várias conferênciasmundiais.b) Incorporar os idosos <strong>na</strong> criação e no monitoramento daspolíticas que os afetam, mediante sua participação, comdireito a voz e voto, nos conselhos consultivos ou assessoresdas instituições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is responsáveis pelos assuntosrelacio<strong>na</strong>dos à velhice.c) Promover apoio fi<strong>na</strong>nceiro e técnico às organizações <strong>de</strong>idosos, favorecendo seu funcio<strong>na</strong>mento e sua autogestão eespecialmente <strong>na</strong> satisfação das necessida<strong>de</strong>s dos idosos emsituação <strong>de</strong> pobrezad) Incorporar os interesses e expectativas dos idosos nosserviços que organizações não-gover<strong>na</strong>mentais, privadas egovernos oferecem.e) Apoiar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estudos nos quais se calculeo aporte dos idosos às suas famílias, comunida<strong>de</strong>s esocieda<strong>de</strong>.Objetivo 6: promoção <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e acessoà educação durante toda a vida.a) Incentivar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s que facilitem oacesso dos idosos à alfabetização.b) Desenvolver sistemas flexíveis e incentivos para que osidosos completem sua educação básica e secundária.


O Desafio do Envelhecimento ...357c) Promover o envolvimento <strong>de</strong> idosos <strong>na</strong> transmissão da cultura ehistórias locais às novas gerações, possibilitando a conservação<strong>de</strong> tradições e raízes culturais das comunida<strong>de</strong>s locais.d) Incentivar o acesso dos idosos a programas <strong>de</strong> educaçãosuperior.e) Criar e incentivar as ativida<strong>de</strong>s dos idosos aposentados cujaexperiência laboral seja um apoio eficaz para gerações maisjovens.Fonte: Estratégia Regio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Implantação do Plano <strong>de</strong> Ação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Madripara o Envelhecimento <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong> e no Caribe. Santiago do Chile, 2003.www.cepal.org.ar/publicaciones/xml/4/14644/lcl2079e.pdfConclusãoO envelhecimento da população é um fenômeno inevitável eirreversível. Embora o aumento da esperança <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>va ser celebradocomo uma gran<strong>de</strong> conquista <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, o fato <strong>de</strong> que a maioriados idosos viva em condições precárias, abaixo da linha da pobreza esocialmente vulneráveis, faz com que tenham um futuro <strong>de</strong> privaçõese incertezas. A pobreza dos idosos, em um mundo que envelheceprogressivamente é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio político, econômico e social e aintrodução <strong>de</strong> medidas para enfrentá-la, é <strong>de</strong> crucial importância. Taismedidas <strong>de</strong>vem e po<strong>de</strong>m ser encontradas no mercado <strong>de</strong> trabalho e nossistemas <strong>de</strong> transferências sociais e <strong>de</strong>vem funcio<strong>na</strong>r <strong>de</strong> maneira integradae coerente no ciclo <strong>de</strong> vida, promovendo uma perspectiva <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>gênero entre gerações.A Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalizaçãoequitativa adotada pela Conferência Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong> em suano<strong>na</strong>gésima sétima reunião (Genebra, 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2008) 1 representao marco geral para adotar uma resposta holística, integrada e coerente.A Declaração reconhece a importância do compromisso dos países nomomento <strong>de</strong> “consi<strong>de</strong>rar o emprego pleno e produtivo e o trabalho <strong>de</strong>cente,elemento central das políticas econômicas e sociais”. A Declaração expressaa universalida<strong>de</strong> da Agenda <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> Decente:1Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalização equitativa adotada pela ConferênciaInter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do <strong>Trabalho</strong> em sua no<strong>na</strong>gésima sétima reunião, Genebra, 10 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2008.www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---cabinet/documents/publication/wcms_099768.pdf


358 Mariangels Fortuny“Todos os Membros da Organização <strong>de</strong>vem propiciar políticasbaseadas nos objetivos estratégicos, ou seja, o emprego, a proteção social,o diálogo social e os direitos trabalhistas. Ao mesmo tempo, insiste<strong>na</strong> importância <strong>de</strong> um enfoque holístico e integrado ao reconhecer queesses objetivos são “inseparáveis, estão inter-relacio<strong>na</strong>dos e se reforçammutuamente”, garantindo a função das normas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is do trabalhocomo meio útil para alcançar todos esses objetivos”.


Mulheres da TerceiraIda<strong>de</strong> e sua Relaçãocom o <strong>Trabalho</strong>:Expectativas <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong>*359Pauli<strong>na</strong> Osorio ParraguezAntropóloga social e doutora em Sociologia, professora do Departamento<strong>de</strong> Antropologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Sociais da Universida<strong>de</strong> do Chile,accésit do Prêmio <strong>de</strong> Pesquisa Realida<strong>de</strong> Social Basca, Espanha (2003).Participação das mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalhoO envelhecimento da população é um fenômeno <strong>de</strong>mográfico cujasrepercussões no mercado <strong>de</strong> trabalho e <strong>na</strong>s características do empregoadquiriram relevância política, social e econômica <strong>de</strong>ntro dos países maisenvelhecidos da América Lati<strong>na</strong>. A estrutura da população ativa apresentaum claro processo <strong>de</strong> envelhecimento. Portanto, o envelhecimento<strong>de</strong>mográfico não só resulta em mudanças <strong>na</strong> estrutura populacio<strong>na</strong>l, comotambém modifica a estrutura da população ativa. Se a isso somamos aincorporação da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho, que vem aumentando acada dia, estes fatores nos levam a pensar que em um futuro não muitodistante o mercado <strong>de</strong> trabalho chileno contará com um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>mulheres trabalhadoras da terceira ida<strong>de</strong>.A incorporação da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho foi umaimportante mudança que ocorreu <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> e provocou a alteraçãoda composição da população ativa em relação ao sexo, resultando emtransformações estruturais no mercado <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong>semprego. Com


360 Pauli<strong>na</strong> Osorio Parraguezo aumento da participação femini<strong>na</strong> no mercado <strong>de</strong> trabalho, espera-setambém uma mudança <strong>na</strong> proporção que esta representa <strong>na</strong> populaçãoativa, principalmente entre as trabalhadoras jovens, pois, ao cruzar aida<strong>de</strong> com o sexo, espera-se que as taxas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> mostrem diferençassignificativas. Porém, se a<strong>na</strong>lisarmos a estrutura da população ativaem homens e mulheres em termos <strong>de</strong> evolução e mudanças, percebe-seuma tendência ao equilíbrio ou neutralização global, à medida que asmulheres foram ingressando no mercado <strong>de</strong> trabalho e muitos homensse aposentando. Mesmo assim, a taxa <strong>de</strong> participação das mulheres nomercado <strong>de</strong> trabalho no Chile ainda é a mais baixa da América Lati<strong>na</strong>, comum <strong>de</strong> cada seis empregos criados ocupado por uma mulher.O mundo do trabalho para a mulher se encontra, portanto,caracterizado por uma maior taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e uma menor taxa <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong>. O trabalho feminino se caracteriza por várias jor<strong>na</strong>das <strong>de</strong> meioperíodo, trabalho por horas ou trabalho domiciliar. Para reduzir o custoda mão <strong>de</strong> obra e <strong>de</strong> produção, as empresas buscam cada vez mais asubcontratação e o trabalho domiciliar. Nestes casos, a mulher costumaser a empregada, combi<strong>na</strong>ndo seu trabalho e a sua ativida<strong>de</strong> doméstica emseu domicílio, e assim a linha que divi<strong>de</strong> o setor público do setor privado<strong>de</strong>saparece. As melhores condições <strong>de</strong> trabalho estão associadas às mulheresque buscaram novas alter<strong>na</strong>tivas <strong>de</strong> emprego, como as que constituíramuma peque<strong>na</strong> ou média empresa com a ajuda <strong>de</strong> algum subsídio por partedo Estado, as autônomas ou as que trabalham por conta própria.No entanto o ciclo vital <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas nãoestá mais organizado pelo emprego contínuo. Este paradigma trabalhistamasculino está sendo substituído pelas normas que caracterizam aexperiência das mulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho, principalmente quantoa sua <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e sua capacida<strong>de</strong> em complementar ativida<strong>de</strong>s. Isto éo que Schuller (1989) chama <strong>de</strong> “feminilização do emprego” e apresenta asseguintes características: a) fragmentação e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> do emprego;b) ausência <strong>de</strong> previsão trabalhista e ocupacio<strong>na</strong>l; c) <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>trabalhos em meio período; d) alta incidência <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>l<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte; e) posições secundárias nos postos <strong>de</strong> trabalho; f) altaambiguida<strong>de</strong> em relação ao status ou à posição em trabalhos informais.Todos esses elementos aportam especial importância à estruturatemporária <strong>na</strong> vida das mulheres, pois se relacio<strong>na</strong>m com suas trajetórias


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...361trabalhistas e seus níveis sociais no <strong>de</strong>correr do tempo e <strong>de</strong> suas vidas.A incorporação da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho é resultado <strong>de</strong>uma longa luta <strong>de</strong> vários segmentos sociais. Exercer o direito ao trabalhojá é uma realida<strong>de</strong> para uma gran<strong>de</strong> porcentagem <strong>de</strong> mulheres 1 . Porémesta situação se tor<strong>na</strong> complexa quando está relacio<strong>na</strong>da ao trabalho <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>. Essa é uma realida<strong>de</strong> que só recentemente foi conscientizadano âmbito trabalhista e da segurida<strong>de</strong> social. Guzmán et al (2000) 2 afirmamque as características do mercado <strong>de</strong> trabalho quanto à divisão sexualhierárquica sustentam a valorização diferenciada dos trabalhos realizadospor homens e por mulheres, diretamente relacio<strong>na</strong>da com a subordi<strong>na</strong>çãodoméstica e social das mulheres. Sua maior presença e participação nomercado <strong>de</strong> trabalho não indica necessariamente uma mudança <strong>na</strong> suaposição em relação aos homens e à valorização social <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> laboral.O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda, experiência e configuração social do trabalhadorcontinua sendo o masculino, e isso se acentua <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>.As idosas entrevistadas durante o trabalho <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> umapesquisa 3 afirmam que estão postergando o máximo possível o momento<strong>de</strong> retirarem-se do mercado <strong>de</strong> trabalho porque o que receberão por suaaposentadoria não será suficiente para garantir uma boa condição <strong>de</strong>vida em suas velhices. O fator insegurança diz respeito aos benefícios<strong>de</strong> aposentadoria e cobertura para saú<strong>de</strong>, ou seja, um emprego não éseguro quando não está respaldado por leis sociais mínimas ou básicas.Isto tem relação direta com o benefício <strong>de</strong> aposentadoria futura e com asexpectativas <strong>de</strong> receitas durante a velhice. O problema é que a flexibilida<strong>de</strong> ea consequente precarieda<strong>de</strong> do emprego se tornem a principal característicado mercado <strong>de</strong> trabalho em um futuro próximo. Assim, com o aumentoda população maior <strong>de</strong> 60 anos, aumentará a pobreza, resultando numavelhice com muito baixos ingressos. De tal forma que “a pobreza <strong>na</strong> velhice1A incorporação progressiva da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho tem modificado a estrutura dapopulação ativa com relação ao sexo. As mulheres participantes ativas do mercado <strong>de</strong> trabalhorepresentam mais <strong>de</strong> 30% do total da força <strong>de</strong> trabalho ocupada.2As autoras realizam uma análise dos percursos biográficos <strong>de</strong> mulheres <strong>de</strong> três gerações diferentes,focando inter-relações, mudanças e configuração. Neste estudo evi<strong>de</strong>ncia-se a coexistência <strong>de</strong>diversas gerações <strong>de</strong> mulheres trabalhadoras no mercado <strong>de</strong> trabalho e também “mostra algumasrecomendações <strong>de</strong> políticas para facilitar o acesso, a permanência e a mobilida<strong>de</strong> das mulheres nomercado <strong>de</strong> trabalho e o <strong>de</strong>senvolvimento das trajetórias laborais mais autônomas”.3O Projeto FONDECYT Pós-Doutoral nº 3050029, “Trabajadoras mayores y jubilación. Expectativasy valoraciones <strong>de</strong> las mujeres ante la jubilación y la vejez” (2005-2007), do qual a autora é apesquisadora responsável.


362Pauli<strong>na</strong> Osorio Parraguezcomeça quando se trabalha em troca <strong>de</strong> salários baixos, e com as mulheresisso ocorre <strong>de</strong> maneira mais constante” (Bazo, 2001:25). Isso é uma questãopreocupante quanto ao benefício <strong>de</strong> aposentadoria. Se já sabemos que ossalários das mulheres costumam ser mais irregulares que o dos homens- <strong>de</strong>vido à maternida<strong>de</strong>, à criação dos filhos ou aos familiares -, estassão mais afetadas pela perda, que lhes significa contribuir à segurida<strong>de</strong>social com salários mais baixos. “Enquanto as mulheres continuam sendo,no seu período <strong>de</strong> vida ativa, um exército <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra,se mantém e perpetua o sistema <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre gêneros, que seacentua <strong>na</strong> velhice” (op. Cit.: ibid). Portanto o trabalho e a aposentadoriaestão relacio<strong>na</strong>dos com os fatores econômico e social.A compreensão da trajetória trabalhista das mulheres não se baseiasó no número <strong>de</strong> empregos que estas tiveram e as mudanças por elasexperimentadas, mas também no conhecimento das características <strong>de</strong>ssasmudanças. Por exemplo, se representaram trabalhos mais qualificados eque lhes proporcio<strong>na</strong>ram uma maior satisfação pessoal. Com relação àsmulheres, os padrões <strong>de</strong> emprego são mais complexos (Phillipson 2002) evariam <strong>de</strong> acordo com alguns fatores relacio<strong>na</strong>dos ao mercado <strong>de</strong> trabalho(<strong>de</strong>manda) e fatores externos (estado civil, nível <strong>de</strong> instrução). Itinerários,trajetória trabalhista e qualida<strong>de</strong> do emprego que caracterizou a vidadas mulheres como trabalhadoras também nos indicam sua experiência,qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e expectativas <strong>de</strong> empreendimento <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>.A construção <strong>de</strong> uma trajetória ou percurso trabalhista é, sem dúvida,complexa tanto para homens como para mulheres. Nela intervém umasérie <strong>de</strong> fatores que lhe dão sentido social e individual. Cada fator ouelemento se configura em um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do tempo e espaço: “em qualquerhistórico trabalhista, é possível observar vários momentos <strong>de</strong> conflitose crises. A maneira <strong>de</strong> lidar com esses conflitos e superá-los e o apoiofamiliar para enfrentá-los sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar o emprego são<strong>de</strong>cisivos para o <strong>de</strong>senvolvimento da autonomia das trabalhadoras e paraseu melhor conhecimento das lógicas que organizam o meio laboral eseus direitos” (Guzmán et al 2000:21). De tal maneira que a relação entregênero, trabalho, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e viver a terceira ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneirasatisfatória se tor<strong>na</strong> cada vez mais estreita.Ao discutirmos a participação trabalhista femini<strong>na</strong> ou, maisconcretamente, a incorporação da mulher ao mercado <strong>de</strong> trabalho,necessariamente nos <strong>de</strong>paramos com estilos <strong>de</strong> vida, costumes conjugais e


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...363com a composição e dinâmica da família nuclear atual, porque “o ambiente<strong>de</strong> trabalho é o espaço mais revelador para enten<strong>de</strong>r a importância dogênero, os aspectos socioculturais, educacio<strong>na</strong>is e econômicos quecondicio<strong>na</strong>m e emolduram as inter-relações sociais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dasocieda<strong>de</strong> e em uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da época e está protagonizado por sujeitossexuados que constroem sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em torno <strong>de</strong>le, se confluem einteragem no trabalho” (Silveira 2001).A trajetória <strong>de</strong> trabalho das mulheres da terceira ida<strong>de</strong> apresentaum início muito bem <strong>de</strong>finido. O fim, ou aposentadoria, ainda é construído.Em relação ao primeiro emprego ou trabalho, po<strong>de</strong>m ocorrer duas situações.Na primeira, as mulheres <strong>de</strong>ixam seus lares para realizar um trabalho emoutros espaços, fora <strong>de</strong> casa; <strong>na</strong> segunda, trabalham como autônomas erealizam sua ativida<strong>de</strong> em suas próprias casas, <strong>de</strong> tal forma que se mantêmvinculadas e <strong>de</strong>dicadas às suas famílias e responsabilizadas por elas. Esteúltimo caso é mais característico dos grupos <strong>de</strong> mulheres com mais ida<strong>de</strong>.O início da trajetória <strong>de</strong> trabalho, tanto em homens como em mulheres,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> em gran<strong>de</strong> parte das características do mercado <strong>de</strong> trabalho edo sistema produtivo no momento <strong>de</strong> sua incorporação inicial, “porisso, quando as diferentes gerações iniciam sua vida laboral, enfrentamestruturas ocupacio<strong>na</strong>is diferentes e com <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> força<strong>de</strong> trabalho (…) e, como consequência, observam-se claras diferenças nosprimeiros empregos das mulheres <strong>de</strong> diferentes gerações” (Guzmán et al2000:5).A vivência da experiência trabalhista <strong>de</strong> diversas geraçõesmuda segundo as transformações estruturais do mercado <strong>de</strong> trabalho. Osignificado do trabalho também muda.“A história trabalhista da maioria das pessoas era, até há poucotempo, totalmente linear: mesmo com a mudança <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, ou atémesmo <strong>de</strong> empresa, os lucros eram sempre acumulativos. De fato, todas asmudanças eram justificadas por esse fato. Com o passar do tempo, adquiriaseexperiência, e essa experiência servia para construir um caminhoascen<strong>de</strong>nte pelo qual o trabalhador avançava durante sua vida laboral. Porisso, entrevistar um trabalhador com mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e convidá-loa nos contar sua história nos permitia construir um relato coerente <strong>de</strong> suatrajetória profissio<strong>na</strong>l, como se fosse uma gran<strong>de</strong> <strong>na</strong>rração clássica: comcomeço, <strong>de</strong>senvolvimento e fim claramente inter-relacio<strong>na</strong>dos.


364Pauli<strong>na</strong> Osorio ParraguezHoje isto é algo que começa a tor<strong>na</strong>r-se impossível. Para a maioriados trabalhadores, sua história laboral se assemelha mais a um pequenorelato pós-mo<strong>de</strong>rno, construído com pinceladas aparentemente <strong>de</strong>sconexas:uma sucessão <strong>de</strong> empregos sem relação ou escassamente relacio<strong>na</strong>dosentre si, <strong>de</strong> modo que não é fácil <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>r se a mudança <strong>de</strong> empregoimplica ou não uma melhora além da melhora imediata, uma vez que nãoé possível estabelecer um projeto a longo prazo” (Zubero 2000).As trabalhadoras da terceira ida<strong>de</strong> possuem uma trajetória laboralnão só mais longa que a das gerações mais jovens, como também secaracteriza por ser mais estável, geralmente em uma mesma empresa oulocal <strong>de</strong> trabalho, e seus empregos costumam ser mais qualificados e commenos mudanças e <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>. Entretanto, a trajetória trabalhistadas mulheres jovens se caracteriza por várias mudanças <strong>de</strong> empregos.Estudos realizados em países industrializados mostram que asmulheres preferem a estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emprego à mudança para um trabalhomelhor. As mudanças <strong>de</strong> trabalho nem sempre significam mudança <strong>na</strong>posição ocupacio<strong>na</strong>l. É por isso que elas preferem permanecer em ummesmo emprego e não arriscar-se a uma mudança que, com o tempo,possa significar <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> trabalhista. Os grupos mais jovens, porsua vez, costumam <strong>de</strong>ixar o trabalho para estudar. Muitas passam a se<strong>de</strong>dicar a estudos <strong>de</strong> formação técnica e superior. Por isso, ao voltaremao mercado <strong>de</strong> trabalho, normalmente conseguem melhores empregos –ou, pelo menos, têm essa expectativa. Na busca <strong>de</strong> uma melhor posiçãotrabalhista ou como consequência da flexibilida<strong>de</strong> do mercado <strong>de</strong> trabalhoatual, as mulheres apresentam uma maior mobilida<strong>de</strong> entre empregos.A mudança para trabalhos autônomos ou para autoempregos se dá,em muitos casos, <strong>de</strong>vido à busca <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> flexível e <strong>de</strong> maiorautocontrole, como é o caso do empreendimento <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>: “paraalgumas <strong>de</strong>stas mulheres, o autoemprego seria a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>continuar trabalhando quando já não po<strong>de</strong>m ser assalariadas, ou porquecom o avançar do ciclo vital a ida<strong>de</strong> se transforma em um obstáculo paraencontrar emprego” (Guzmán et al 2000: 15).Geralmente, as trabalhadoras com mais ida<strong>de</strong> têm uma trajetória<strong>de</strong> trabalho longa (mais <strong>de</strong> 20 anos). Segundo o estudo antes mencio<strong>na</strong>do,gran<strong>de</strong> parte das mulheres idosas realizou trabalhos paralelos, o quesignifica a quase inexistência <strong>de</strong> interrupções durante sua vida laboral. Esta


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...365situação <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> no trabalho é característica das profissio<strong>na</strong>is querealizaram trabalhos não-manuais altos e das trabalhadoras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.A <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e as interrupções no itinerário trabalhista são maiscaracterísticas das classes mais jovens. Nelas se constatam mais mudançase afastamento 4 do trabalho por <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do período, os quais implicammaior ausência <strong>de</strong> receita. Este período (em geral, não menos <strong>de</strong> um ano) é<strong>de</strong> retorno ao lar para a criação dos filhos e familiares, em tempo integral,até que volte a participar do mercado <strong>de</strong> trabalho ao encontrar um novoemprego ou quando termi<strong>na</strong> a fase <strong>de</strong> criação.Todas essas mudanças observadas no <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>na</strong> vidadas diversas gerações <strong>de</strong> mulheres trabalhadoras só são possíveis <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r e dimensio<strong>na</strong>r no contexto da transformação que a socieda<strong>de</strong>chile<strong>na</strong> sofreu nos últimos tempos. A posição e relação das mulherestrabalhadoras com o mundo social, doméstico e familiar é diferente.Deparamo-nos cada vez mais com o que Del Valle (2002) chama <strong>de</strong> “novassocializações”. Tais mudanças no panorama <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l “<strong>de</strong>bilitaram asrepresentações homogêneas sobre estilos e formas <strong>de</strong> vida e propiciarammudanças nos comportamentos pessoais e sociais. As transformaçõeseconômicas também significaram uma nova <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> trabalho para asmulheres, a qual estas pu<strong>de</strong>ram satisfazer <strong>de</strong>vido a sua maior preparação eà elevação <strong>de</strong> seus níveis <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>” (Guzmán et al 2000:18).Mulheres, trabalho e terceira ida<strong>de</strong>A construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como mulheres da terceira ida<strong>de</strong> ocorrecom novos elementos, relações interpessoais e um autoconceito positivo,que lhes permite um <strong>de</strong>senvolvimento integral <strong>de</strong> suas capacida<strong>de</strong>s. Estasmudanças e a geração <strong>de</strong> novos processos <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><strong>na</strong>s mulheres trabalhadoras nem sempre ocorrem durante a juventu<strong>de</strong> oucoinci<strong>de</strong> cronologicamente com a incorporação dos homens ao mercado<strong>de</strong> trabalho.O interessante é quando o início da vida laboral ocorre <strong>na</strong> terceiraida<strong>de</strong>. Para o caso das mulheres, costuma coincidir com outro fato4Entre as causas e motivações do afastamento ou da interrupção do trabalho encontram-se: a)motivação familiar: casamento, oposição do marido, <strong>na</strong>scimento e cuidado <strong>de</strong> filhos, tarefasdomésticas etc.; b) trabalho: salários, carga <strong>de</strong> trabalho, jor<strong>na</strong>da laboral, relações com o empregador,insatisfação com a ativida<strong>de</strong> etc.; e, em menor proporção, c) <strong>de</strong>manda: <strong>de</strong>missão, fim <strong>de</strong> contrato,fechamento da empresa etc.


366Pauli<strong>na</strong> Osorio Parraguezsignificativo em suas vidas: a viuvez. Para muitas mulheres, a experiênciatrabalhista surge <strong>na</strong> maturida<strong>de</strong>; para outras, <strong>na</strong> viuvez (Osorio, 2007).Vejam o que dizem:- “Eu gosto muito <strong>de</strong> trabalhar, principalmente com essa ida<strong>de</strong> emque falam muito do ‘ninho vazio’. Durante esses anos, me senti muito bem,com muita energia. Não pretendo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ninguém, eu não gostariadisso” (não-profissio<strong>na</strong>l, 59 anos).- “Dos 33 aos 40 anos, vivi uma fase <strong>de</strong> aprendizagem novamente.Minha vida laboral começou ao redor dos meus 40 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Nessetempo, acho que consoli<strong>de</strong>i minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e comecei a viver comouma pessoa. Primeiramente, como mulher: mulher-esposa, mulher-mãe,mulher-estudante. Depois, mulher-trabalhadora. Dos 50 aos 60 anos,experimentei a consolidação trabalhista. O aspecto profissio<strong>na</strong>l passou aser muito mais importante, o eixo da minha vida” (profissio<strong>na</strong>l, 67 anos).A ida<strong>de</strong> subjetiva 5 - mais que a cronológica - tem um papelimportante no <strong>de</strong>senvolvimento no espaço público das mulheres por meio<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho trabalhista:“Eu gosto muito da minha casa, mas não sirvo para isso e achoque até para cuidar não sirvo. Quando comecei a trabalhar neste novotrabalho, aos 51 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, parece que tiraram <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> cima <strong>de</strong>minha jor<strong>na</strong>da. Então percebi que me sentia com mais vitalida<strong>de</strong>, com maisânimo, mais contente. Inclusive a relação matrimonial não andava como<strong>de</strong>veria ser. Então voltar a trabalhar foi muito bom” (não-profissio<strong>na</strong>l, 66anos).Como já citado anteriormente, parece que o papel trabalhista e opapel familiar (do lar) se encaixam e se complementam satisfatoriamentetambém <strong>na</strong> vida cotidia<strong>na</strong> das trabalhadoras idosas. A eficiência multipapeldas mulheres faz com que o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ambos os papéis se traduzaem um importante uso social e em equilíbrio familiar. A trabalhadoraidosa constantemente procura a compatibilida<strong>de</strong> familiar, mas semsacrificar seu <strong>de</strong>senvolvimento profissio<strong>na</strong>l e trabalhista. Na experiência5 Teresa <strong>de</strong>l Valle (2001) também propõe e <strong>de</strong>staca a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar a diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> comrelação ao sentimento. O ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>sta ida<strong>de</strong> sentida é a realida<strong>de</strong> subjetiva <strong>de</strong> cada homeme cada mulher. “Configura-se a partir <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s pessoais e <strong>de</strong> caráter que manifestam graus <strong>de</strong>autoestima, saú<strong>de</strong>, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação às mudanças, habilida<strong>de</strong>s sociais, assim como aspectosrelacio<strong>na</strong>dos com as características do entorno social e afetivo” (p. 49). O ponto <strong>de</strong> partida da ida<strong>de</strong>sentida é a <strong>de</strong>finição que a pessoa faz <strong>de</strong> si mesma.


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...367cotidia<strong>na</strong>, ambas as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s não são vividas <strong>de</strong> modo inconciliável, eisso proporcio<strong>na</strong> uma maior sensação <strong>de</strong> bem-estar e vincula a ativida<strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvida com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. É um tudo <strong>de</strong> vida,integrado, muito bem conjugado, mas sempre com uma gran<strong>de</strong> porção <strong>de</strong>sacrifício e sentimento <strong>de</strong> culpa, próprio <strong>de</strong>ssa geração e <strong>de</strong> seu processo<strong>de</strong> socialização, que lhes reforçou que seu “<strong>de</strong>ver” como mulher é ser, antes<strong>de</strong> qualquer coisa, mãe e esposa, e que a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> trabalhar fora do larcolocaria em risco o funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> seu lar e <strong>de</strong> seu papel <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong>alguém. Há mulheres que não vêem sua participação trabalhista separada<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho doméstico. São as que se consi<strong>de</strong>ram parte <strong>de</strong> umageração que teve <strong>de</strong> experimentar a dupla jor<strong>na</strong>da trabalhista (produtiva ereprodutiva), mas sem que uma estivesse totalmente subordi<strong>na</strong>da à outra:“Eu tomei a consciente <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> estudar, mas não vou tirar muitotempo <strong>de</strong> estar com minha família, com meus filhos, pois queria estudare também queria ser do<strong>na</strong> <strong>de</strong> casa. Percebi que uma coisa não excluia outra: minha família, minha casa, minha profissão... para mim é umacoisa só, é um pacote só. Posso estar <strong>na</strong> cozinha e estou pensando em meuproblema, ou seja, é uma forma <strong>de</strong> vida. Inclusive as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> até on<strong>de</strong>ia chegar a minha vida trabalhista <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, certamente, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisãoque eu tomei com relação aos meus filhos. Mas sempre em um só núcleo:meus filhos, minha família e o trabalho - indistinguíveis” (profissio<strong>na</strong>l, 55anos).O mundo trabalhista não foi historicamente o espaço <strong>de</strong> intervençãoda mulher idosa, nem da mulher em geral. O mercado <strong>de</strong> trabalho mudou,incorporou as mulheres como um contingente significativo, “fixou novoslimites para entrar <strong>na</strong> velhice e re<strong>de</strong>finiu as fronteiras entre ativida<strong>de</strong> eaposentadoria” (Guillemard 1991:38). No ciclo vital, foram estabelecidasnovas relações entre ida<strong>de</strong> e experiência trabalhista. Manifestandosediretamente <strong>na</strong> resig<strong>na</strong>ção dos tempos: tempos vitais e tempos <strong>de</strong>trabalho. A ativida<strong>de</strong> trabalhista faz com que as pessoas <strong>de</strong> conexõessociais configurem uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social, penetrando <strong>na</strong> suasocieda<strong>de</strong> e participando <strong>de</strong>la reconhecidamente. A ocupação <strong>de</strong>fine, emgran<strong>de</strong> proporção, a vida social dos indivíduos. O trabalho não só ocupa otempo dos indivíduos, mas, muitas vezes, configura suas vidas, <strong>na</strong>s quaisas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conduta e sociais que comporta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, principalmente,da função trabalhista que <strong>de</strong>sempenha, integrando os diferentes grupossociais que constituem nossa socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>. O fato <strong>de</strong> a ativida<strong>de</strong>


368Pauli<strong>na</strong> Osorio Parragueztrabalhista configurar gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> nossa vida, por um lado, e <strong>de</strong> quea socieda<strong>de</strong> pós-industrial não exija gran<strong>de</strong>s esforços, nem signifique umgran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgaste físico, por outro, afeta e atua, necessariamente, sobre ofenômeno da aposentadoria e a experiência <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>.No caso da mulher idosa, o trabalho e a aposentadoria apresentamparticularida<strong>de</strong>s. O potencial econômico e social da funcio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> damulher é significativo, pois seu perfil ocupacio<strong>na</strong>l é menos rígido que odos homens. Silveira (2001) o vê da seguinte forma:”As mulheres tiveram que renunciar a ele [emprego] ou combinálocom sua tarefa doméstica, em um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ‘dupla presença’ queexplica a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> papel que hoje a mulher assume e que exigeum <strong>de</strong>sdobramento do tempo, atenção, espaços e energia para que sejapossível o funcio<strong>na</strong>mento da casa como se esta estivesse se <strong>de</strong>dicando aela em tempo integral. Isso resulta em uma clara <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> no uso dotempo e <strong>na</strong> distribuição das cargas”.Quando a mulher <strong>de</strong>sempenha ambos os papéis (trabalhista edoméstico), o faz <strong>de</strong> maneira eficiente e equilibrada. O fato <strong>de</strong> a mulher se<strong>de</strong>sempenhar tanto no âmbito privado (lar) como no público (socieda<strong>de</strong>)lhe permite, por um lado, estar mais preparada para adaptar-se e enfrentar<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s. Por outro, “nunca se aposenta”, afirma Moragas (1998),pois quando a mulher abando<strong>na</strong> a ativida<strong>de</strong> produtiva, <strong>de</strong>ve encarar –agora em tempo integral – a ativida<strong>de</strong> reprodutiva, isto é, o cuidado dosfilhos (<strong>na</strong> maioria dos casos, netos), o cuidado do esposo e dos idosos(geralmente seus pais) e a administração do lar. Sua característica multipapelnão a limita ao refúgio da família. Ela procura um equilíbrio entre asrelações familiares e outras ativida<strong>de</strong>s no espaço público. Assim, busca acontinuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas conexões sociais, logo muitas mulheres da terceiraida<strong>de</strong> se integram à participação <strong>de</strong> organizações da socieda<strong>de</strong> civil, sejamelas comunitárias, religiosas ou políticas, ou empreen<strong>de</strong>m ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>trabalho, principalmente o autoemprego e o microempreendimento.Por isso é interessante conhecer a expectativa e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>“aposentadas” que as mulheres idosas fazem <strong>de</strong>las mesmas. O gênero,como classificação socioantropológica e como componente da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>social das pessoas, cumpre um importante papel <strong>na</strong> compreensão e <strong>na</strong>explicação <strong>de</strong> tal processo vital. Já “o pensamento feminista propiciouo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um corpus teórico que a<strong>na</strong>lisa <strong>de</strong>talhadamente os


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...369fortes vínculos entre o gênero e o envelhecimento, ressaltando <strong>de</strong> maneiracrítica e lúcida as diferentes posições com relação ao po<strong>de</strong>r e status <strong>de</strong>homens e mulheres <strong>na</strong> hierarquia social” (Arber e Ginn 1996:8).Algumas pesquisas (Ber<strong>na</strong>rd et al, 1996), dando continuida<strong>de</strong> àtradição <strong>de</strong> pesquisadores pioneiros neste tema, a<strong>na</strong>lisaram a influência dotrabalho marcado pelo gênero <strong>na</strong> velhice das mulheres e observaram queos preconceitos contra a ida<strong>de</strong> também estão relacio<strong>na</strong>dos com a perda davalorização do acúmulo <strong>de</strong> experiência, seja profissio<strong>na</strong>l ou vital. Estaspesquisas ressaltam a dimensão <strong>de</strong> gênero como um fator fortementeenriquecedor ao aproximarmos a aposentadoria e a velhice da temáticalaboral, principalmente sob três aspectos. Primeiro, pelo lugar da mulherno mercado <strong>de</strong> trabalho, assim como o tipo <strong>de</strong> trabalho que <strong>de</strong>sempenha eo nível que alcança em sua vida e trabalho.Isto é relevante porque a discrimi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> – não só no mercado<strong>de</strong> trabalho – costuma estar caracterizada pelo gênero, prejudicando astrabalhadoras maiores. E “é provável que este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> discrimi<strong>na</strong>çãoseja <strong>de</strong>cisivo para configurar uma série <strong>de</strong> experiências que atingem asmulheres no trabalho e <strong>na</strong> aposentadoria – e também como vivem <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>” (Ber<strong>na</strong>rd et al., 1996: 93).Em segundo lugar, pela falta e continuida<strong>de</strong> das trajetóriaslaborais. Isto provoca postergação constante dos objetivos profissio<strong>na</strong>is.A experiência laboral, principalmente <strong>de</strong> tipo profissio<strong>na</strong>l, em mulheresjovens gera um “mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> convergência” em relação aos homens, emrelação do curso vital 6 . As experiências laborais das mulheres, sobretudodas idosas, e a estrutura do seu lugar <strong>de</strong> trabalho influiriam <strong>na</strong> suaaposentadoria.Terceiro, porque a adaptação à aposentadoria seria diferente emhomens e mulheres. A situação fi<strong>na</strong>nceira é fundamental. Mas tambéma diferenciação está marcada pelo nível <strong>de</strong> apego social ao local <strong>de</strong>trabalho, maior em mulheres. Apesar disso, algumas pesquisas – Atchley,1976 7 – mostram que os homens são mais incrédulos perante os efeitos daaposentadoria e a adaptação a essa mudança ao longo da terceira ida<strong>de</strong>.Para homens e mulheres, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> aposentar-se é diferente,6Segmentação do curso vital: divisão entre educação, trabalho e aposentadoria.7Selected social and psychological differences between men and women in later life, citada em Arbere Ginn 1996.


370Pauli<strong>na</strong> Osorio Parraguezconsi<strong>de</strong>rando os seguintes três aspectos (Jepsen, 2002): a) posição dasmulheres no mercado <strong>de</strong> trabalho, pois participam principalmente no setor<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços e em empregos <strong>de</strong> tempo parcial; b) suas pensõessão mais baixas, comparadas com as dos homens; c) o momento no qual asmulheres <strong>de</strong>ixam o mercado <strong>de</strong> trabalho. Po<strong>de</strong>-se perguntar a uma mulherque aspectos estão por trás da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> retirar-se do mercado <strong>de</strong> trabalho<strong>de</strong> forma prematura, se são só familiares.Algumas pesquisas, principalmente dos Estados Unidos, concluemque o impacto da saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos cônjuges <strong>na</strong> <strong>de</strong>cisão da aposentadoria,é diferente em homens e mulheres. Os homens continuam trabalhandopara pagar o tratamento <strong>de</strong> suas esposas. Por outro lado, as mulheresse aposentam prematuramente para que elas mesmas cui<strong>de</strong>m <strong>de</strong> seusmaridos. No entanto não está muito claro se a saída das mulheres está maisrelacio<strong>na</strong>da com uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados por parte <strong>de</strong> um familiarou por uma <strong>de</strong>pendência econômica. Este último caso é um incentivopara permanecer no mercado <strong>de</strong> trabalho ou para <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> empreendimento durante a terceira ida<strong>de</strong>. Assim, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cuidados motivaria a saída prematura e a <strong>de</strong>pendência fi<strong>na</strong>nceira motivariaa permanência (Jepsen, 2002).Entre as mulheres a aposentadoria prematura, por exemplo,costuma significar uma pobreza prematura durante a velhice: “para muitasmulheres […] que voltaram a trabalhar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar seus filhos e filhas ouque trabalharam com <strong>de</strong>dicação parcial em ofícios manuais, a perspectiva<strong>de</strong> um benefício <strong>de</strong> aposentadoria reduzido transforma a aposentadoriaantecipada em uma má opção” (Ber<strong>na</strong>rd et al, 1996:100). Se uma mulher seaposenta antecipadamente por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou para cuidar <strong>de</strong> algumfamiliar, o mais provável é que o faça ao redor dos 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Existetambém uma relação estreita com a aposentadoria antecipada do casal. Seo marido se aposenta prematuramente, há uma gran<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quea mulher também o faça e vice-versa (Osorio, 2004).As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero presentes <strong>na</strong> vida laboral normalmentese projetam <strong>na</strong> aposentadoria. A cultura com os costumes, sistema <strong>de</strong> valorese visão do mundo está estreitamente ligada ao processo <strong>de</strong> envelhecimento.Segundo o estudo <strong>de</strong> Ber<strong>na</strong>rd et al (1996), no caso das trabalhadorasidosas casadas, para a saída do mercado <strong>de</strong> trabalho ou a aposentadoriainvoluntárias se apresentam os seguintes motivos: necessida<strong>de</strong>s da empresa


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...371– reestruturações <strong>de</strong> quadro <strong>de</strong> funcionários, encerramento das ativida<strong>de</strong>sou <strong>de</strong>missões –, <strong>de</strong>terioração da saú<strong>de</strong> da própria trabalhadora e, comocitado anteriormente, as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cuidados e assistência a terceirose razões familiares. Estas saídas são consi<strong>de</strong>radas não voluntárias, logosão motivadas por causas exter<strong>na</strong>s e não relacio<strong>na</strong>das com as expectativas<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retirada ou aposentadoria das trabalhadoras idosas. Assim, <strong>na</strong><strong>de</strong>cisão da mulher <strong>de</strong> aposentar-se encontramos três elementos que parecemser importantes: no Chile, e em outros países, a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aposentadoriadas mulheres é anterior à dos homens; o papel <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> alguém, e osbenefícios da segurança social levam a consi<strong>de</strong>rá-las como <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Asaú<strong>de</strong> também constitui um fator que influi <strong>na</strong> aposentadoria, assim comoa composição do lar e a realida<strong>de</strong> conjugal.A terceira ida<strong>de</strong> como experiência <strong>de</strong> vida produtiva<strong>Trabalho</strong>, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e terceira ida<strong>de</strong> também nos <strong>de</strong>veriamlevar a pensar em <strong>de</strong>senvolvimento, em que as transformações do mercado<strong>de</strong> trabalho estão acompanhadas por um novo paradigma do trabalho edos modos <strong>de</strong> produção. Falamos, portanto, <strong>de</strong> envelhecimento produtivo,mas num sentido muito mais amplo do que simplesmente econômico. Osentido, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, acontecerá segundo o lugar que ocupem emnossas socieda<strong>de</strong>s o capital social, cultural e simbólico <strong>de</strong> toda uma geração.As ativida<strong>de</strong>s pós-aposentadoria ou <strong>de</strong> empreendimento <strong>na</strong> terceiraida<strong>de</strong> constroem um espaço real e simbólico para o <strong>de</strong>senvolvimento.Real, pois é um aporte concreto oriundo <strong>de</strong> seu trabalho e gera bens,sentido <strong>de</strong> vida, re<strong>de</strong>s sociais, comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvimento local,familiar e individual. E simbólico, pois configura significados positivos <strong>de</strong>capacida<strong>de</strong> e oportunida<strong>de</strong> e contribui fora da “carga social”, a exclusãoou a aposentadoria. Esta idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento se encontra <strong>na</strong> baseda construção do paradigma do envelhecer produtivo. Nos seus rasgosmais vinculados ao pensamento operacio<strong>na</strong>l, o paradigma do envelhecerprodutivo (Corporação Años, 2005) implica um conjunto <strong>de</strong> opções –intelectuais, perceptivas, metodológicas – em relação às pessoas da terceiraida<strong>de</strong>, seu estatuto e inclusão social. Inclusão que permite ir abrindoespaços e benefícios nos postos <strong>de</strong> trabalho, o que significa uma duplaconquista: esse bem-estar no trabalho ou <strong>na</strong> ativida<strong>de</strong> realizada logo seprojeta como qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida durante a terceira ida<strong>de</strong>.


372Pauli<strong>na</strong> Osorio ParraguezBibliografiaARBER, S. y J. GINN “Opiniones y limitaciones <strong>de</strong> las mujerescasadas ante la jubilación”, en Arber y Ginn (ed) 1996. Relación entregénero y envejecimiento. Madrid: Nancea; 1996.BAZO, Mª. T. La institución social <strong>de</strong> la jubilación: De la sociedadindustrial a la postmo<strong>de</strong>rnidad. Valencia: Nau Llibres; 2001.BERNARD, M. et al. “Trabajo y jubilación marcados por el género”,en Ar<strong>de</strong>r y Ginn (eds.) 1996. Relación entre género y envejecimiento.Madrid: Nancea; 1996.CORPORACIÓN AÑOS Adulto mayor y <strong>de</strong>sarrollo local. SerieIndagaciones Gerontológicas Nº1. Santiago; 2005.DEL VALLE, T. “Contrastes en la percepción <strong>de</strong> la edad”. EnMaqueira, V. 2001. Mujeres mayores en el siglo XXI. Madrid: Ministerio<strong>de</strong> Trabajo y Asuntos Sociales; 2001.DEL VALLE, T. (coord) Mo<strong>de</strong>los emergentes en los sistemas y lasrelaciones <strong>de</strong> género. Madrid: Nancea; 2002.GUILLEMARD, A. M. Envejecimiento, edad y empleo en Europa.Situación Actual y Perspectivas. Madrid: Instituto <strong>de</strong> Estudios <strong>de</strong>Prospectiva; 1991.GUZMAN et al. Trayectorias Laborales <strong>de</strong> tres generaciones <strong>de</strong>mujeres. Ponencia 3er Congreso Latinoamericano <strong>de</strong> Sociología <strong>de</strong>lTrabajo, 17-21 mayo <strong>de</strong> 2000. Buenos Aires; 2000.JEPSEN, M. “The scientific <strong>de</strong>bate on ol<strong>de</strong>r workers”, en Jepsen, Met al. (eds.) 2002 Active Strategies for Ol<strong>de</strong>r Workers. Bruselas: EuropeanTra<strong>de</strong> Union Institute; 2002.MORAGAS, R. Gerontología Social. Barcelo<strong>na</strong>: Her<strong>de</strong>r; 1998.OSORIO, P. “La Jubilación y sus implicancias socioculturales”,trabajo publicado en las Actas <strong>de</strong>l 3er Congreso Chileno <strong>de</strong> Antropología.Santiago: Colegio <strong>de</strong> Antropólogos, 1063- 1069; 1998OSORIO, P. Nuevos procesos <strong>de</strong> jubilación en las socieda<strong>de</strong>sindustriales contemporáneas: el caso vasco. Cua<strong>de</strong>rnos SociológicosVascos 14. Vitoria-Gasteiz: Secretaría <strong>de</strong> la Presi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l GobiernoVasco; 2004.OSORIO, P. “Nuevas transiciones hacia la jubilación”. RevistaElectrónica Euskonews & Media, sección Gaiak <strong>de</strong>l 15 al 22 <strong>de</strong> octubre,EUSKO IKASKUNTZA /SOCIEDAD DE ESTUDIOS VASCOS (EI/SEV),Publicación electrónica; 2004.NOTA: O “Envelhecimento ativo” e a contribuição da terceira ida<strong>de</strong> ao mundo laboral foi o temaprincipal do Congresso Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Organizações <strong>de</strong> Maiores, organizado pelo CEOMA (Confe<strong>de</strong>raçãoNacio<strong>na</strong>l), que aconteceu nos dias 22 e 23 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2009 <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> espanhola <strong>de</strong> Sevilha.


Mulheres da Terceira Ida<strong>de</strong> e sua Relação com o <strong>Trabalho</strong>:...373OSORIO, P. “Construcción Social <strong>de</strong> la Vejez y Expectativas antela Jubilación en Mujeres Chile<strong>na</strong>s”. Universum vol.22, Nº 2, pp.194-212;2007.PHILIPSON, C. Transitions from work to retirement. Developing anew social contract. Great Britain: Keele University; 2002.RIOS, P.; E. GUTIERREZ; P. OSORIO y C. WILSON. Adulto Mayor,Ciudadanía y Organización Social, Santiago: Instituto <strong>de</strong> NormalizaciónPrevisio<strong>na</strong>l; 1999.SILVEIRA, S. La Política formativa con dimensión <strong>de</strong> género:Avances y <strong>de</strong>safíos para el nuevo siglo. OIT. Publicación virtual; 2001.ZUBERO, I. El <strong>de</strong>recho a vivir con dignidad: <strong>de</strong>l pleno empleo alempleo pleno. Madrid: HOAC; 2000.* Versão origi<strong>na</strong>l do texto no site do Instituto <strong>Trabalho</strong> e <strong>Vida</strong> www.trabalhoevida.com.br .


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<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>,<strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>:Análise <strong>de</strong> um Percurso Introspectivo375Paulo Ferreira VieiraPsicólogo e consultor em Recursos Humanos.RetratoEu não tinha este rosto <strong>de</strong> hoje,Assim calmo, assim triste, assim magro,Nem estes olhos tão vazios,Nem o lábio amargo.Eu não tinha estas mãos sem forçaTão paradas e frias e mortasEu não tinha este coraçãoQue nem se mostraEu não <strong>de</strong>i por esta mudança,Tão simples, tão certa, tão fácil:- Em que espelho ficou perdidaA minha face?Cecília Meirelles


376 Paulo Ferreira VieiraA elaboração <strong>de</strong> um texto para ser publicado me <strong>de</strong>ixa sempreassustado, ansioso e bastante preocupado. A idéia <strong>de</strong> transformarexperiências, compreensões e mesmo sentimentos vividos ao longo <strong>de</strong> meupercurso profissio<strong>na</strong>l me impõe o receio <strong>de</strong> apeque<strong>na</strong>r o conhecimentoadquirido e a vida vivida.Penso que escrever sobre o trabalho, sobre os empreendimentoscom os quais nos envolvemos e sobre o tempo que passa é refletir sobrea vida - e, portanto, difícil empreitada. É possível que a incerteza dahabilida<strong>de</strong> para escrever e a certeza da permanência da palavra escrita noespaço e no tempo produzam em mim esse temor.Aqui estou eu, pleno <strong>de</strong> dúvidas, temores e até uma certa vergonha<strong>de</strong> escrever sobre algo que, <strong>na</strong> escala objetiva <strong>de</strong> faixa etária, já me dizrespeito. Ao mesmo tempo, o vigor com que enfrento esses fantasmasrevela para mim mesmo a intensida<strong>de</strong> da vida e da crença <strong>na</strong> consciênciaque a <strong>de</strong>senha.Des<strong>de</strong> o convite para participar <strong>de</strong>ste projeto, tenho adiado omomento <strong>de</strong> me colocar diante do computador. O prazer pelo convite éevi<strong>de</strong>nte em mim. O medo, vivido <strong>na</strong> mesma intensida<strong>de</strong>. Prazer-medo,binômio a ser enfrentado <strong>na</strong> ação empreen<strong>de</strong>dora. A ousadia é a saída parao começo. Mesmo assim, confesso que não sei por on<strong>de</strong> começar. Não meinteressa escrever algo que seja repetição do que tantos, com muito maiscompetência do que eu, já fizeram. Seria uma repetição <strong>de</strong>snecessária.Tenho certeza <strong>de</strong> que, como sempre, o medo será superado peloenfrentamento sincero <strong>de</strong> suas causas e pela alegria antecipada peloresultado obtido. Sinto-me animado pela perspectiva do momento <strong>de</strong>colocar o ponto fi<strong>na</strong>l e pelo prazer da leitura do texto que for construído.Fui tentado, pelo medo, a adiar e até recusar o trabalho <strong>de</strong> escrever,mas a responsabilida<strong>de</strong> pela palavra empenhada me impunha continuar.O compromisso assumido tem tanto ou mais valor do que um contratoescrito. O melhor <strong>de</strong> tudo é que experimento, ao escrever, como em tantosoutros empreendimentos, o prazer pelo triunfo da força do impulso criador,que não esmorece com a ida<strong>de</strong>. Constato em mim mesmo que a vida e aconsciência não têm ida<strong>de</strong>; o corpo, sim.Medo, fascínio pelo itinerário <strong>de</strong>sconhecido, pela porção <strong>de</strong>incertezas em minhas quase-certezas. Responsabilida<strong>de</strong> para comigo


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...377mesmo, para com aqueles que se interessarem pelo texto e por aquelesque, como eu, reagem às convenções <strong>de</strong> tabelas que fragmentam a vida emetapas que preten<strong>de</strong>m prescrever o viver.Deixei o tempo passar até hoje (quando iniciei a escrita), acreditandono movimento e no ritmo que ele nos impõe em sua inevitabilida<strong>de</strong>. Os diaspassaram, e aqui estou eu às voltas comigo mesmo, impreg<strong>na</strong>do por minhasexperiências, enredado pelo meu passado e por todo o conhecimento queacumulei e reciclei ao longo <strong>de</strong> minha história.Ao mesmo tempo, sinto-me pleno <strong>de</strong> futuro. Com a certeza<strong>de</strong> um texto gravado em mim e com a incerteza das palavras e forma.Encarregado por mim mesmo <strong>de</strong> uma tarefa cujo conteúdo e processo ainda<strong>de</strong>sconheço, mas que se tornou, <strong>na</strong>s últimas sema<strong>na</strong>s, <strong>de</strong>ver intrínsecoque me impulsio<strong>na</strong> ao <strong>de</strong>sconhecido ao qual me leva essa viagem à qualtenho-me convidado insistentemente em várias ocasiões <strong>de</strong> minha vida e,com a mesma força, recusado-me a empreen<strong>de</strong>r.Experimento prazer pelas primeiras frases que se <strong>de</strong>lineiamsem uma crítica mais severa, que atacaria minha coragem e <strong>de</strong>struiria avonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando-me soberano nos meus adiamentos pessoais, fugindodo <strong>de</strong>sejo implacável <strong>de</strong> me reproduzir em cada palavra, em cada citação<strong>de</strong> um autor conhecido, em cada história ou mito re-relatado.Empreen<strong>de</strong>r subenten<strong>de</strong> o sonho que norteia. Existe o norte, masnão existe a certeza do que se vai encontrar ao longo e ao fi<strong>na</strong>l da viagemem todos os <strong>de</strong>talhes. O risco é inevitável! É preciso ter a paciência -agora eu a tenho - para ir construindo aos poucos, aceitando a ajuda dascircunstâncias e das lembranças que vão calibrando nossas possibilida<strong>de</strong>sao longo do percurso. No vigor <strong>de</strong> minha ida<strong>de</strong> atual, a paciência foiaprendida e hoje é <strong>na</strong>tural.Na busca do ponto <strong>de</strong> partida, <strong>de</strong>i-me conta, repenti<strong>na</strong>mente, <strong>de</strong>que me encontro no limiar do que convencio<strong>na</strong>ram chamar <strong>de</strong> terceiraida<strong>de</strong>. Decidi ousar comigo e tratar o tema proposto viajando para <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> mim mesmo, nesse momento em que meu físico toma um lugar tãodiferente daquele <strong>de</strong> alguns anos atrás. Uma viagem num momento ema vida mais ousa comigo. A ousadia da vida me <strong>de</strong>ixa agra<strong>de</strong>cido a ela,porque me permite dizer com firmeza: continuo sendo. Resolvi compartilharminha introspecção ao empreen<strong>de</strong>r o texto. Ainda temo a arrogância oua pieguice quando <strong>de</strong>cido elaborar minha escrita a partir <strong>de</strong> meu mundo


378Paulo Ferreira Vieirapessoal-profissio<strong>na</strong>l. Prometo a mim mesmo a vigilância contra essas duasarmadilhas.Decidi escrever sobre a vida que pulsa em um corpo que jáultrapassou mais da meta<strong>de</strong> da melhor expectativa <strong>de</strong> vida que asestatísticas nos po<strong>de</strong>m apresentar. Resolvi empreen<strong>de</strong>r esse movimentopara <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> minha própria existência e estabelecer comigo meu própriodiálogo e texto. Escolhi testemunhar o objeto a ser tratado, em vez <strong>de</strong>teorizá-lo. Nas entrelinhas do testemunho pessoal, minha compreensão dotema vai se revelando.Tentarei ser útil, mas não tenho nenhum compromisso com opragmatismo presunçoso e arrogante que a posição cirúrgica e asséptica daneutralida<strong>de</strong> cartesia<strong>na</strong> impõe. Não quero ser neutro aqui. Impossível serneutro diante <strong>de</strong> si mesmo, diante <strong>de</strong> sua própria história. Estou convencido<strong>de</strong> que a neutralida<strong>de</strong> não é boa companhia para a compreensão, para osaber. Não tenho a intenção <strong>de</strong> contrapor ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar qualquer oposiçãoque não possa se traduzir em contribuição para pensar os dilemas nãoresolvidos e ainda presentes no <strong>de</strong>bate sobre os objetos do texto que jáiniciei. <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> e neutralida<strong>de</strong> não combi<strong>na</strong>m, além <strong>de</strong> tudo! Aemoção é motor do movimento, afirmava Aristóteles. Já me encontro empleno movimento para <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim.Há 23 anos, empreendi, construí, consoli<strong>de</strong>i e continuoempreen<strong>de</strong>ndo uma empresa artesa<strong>na</strong>l <strong>de</strong> consultoria em recursos humanos.Troquei uma carreira executiva bem-sucedida pelo sonho <strong>de</strong> aprofundaro conhecimento sobre alguns temas aos quais, como consultor, <strong>de</strong>cidi<strong>de</strong>dicar-me. Corri riscos. Mantive e renovei em cada momento o sonhoque está em sua gênese. Não há como empreen<strong>de</strong>r sem um sentido e semo porquê. A ida<strong>de</strong> não esmorece o sonho; tor<strong>na</strong>-o mais nítido, mais bem<strong>de</strong>finido. Os obstáculos, os riscos e as vicissitu<strong>de</strong>s são enfrentados commais serenida<strong>de</strong>. O significado do sonho ficou muito mais emocio<strong>na</strong>nteà medida que o tempo passou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1986. Cada <strong>de</strong>scoberta, cada novaexperiência me dá a certeza <strong>de</strong> que <strong>na</strong>da foi casual, menos ainda em vão.Há muito mais para <strong>de</strong>scobrir e apren<strong>de</strong>r.A emoção por realizar o trabalho <strong>de</strong> que gosto é experimentadacomo vida que se consuma <strong>na</strong> criação <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>talhe, <strong>de</strong> cada gesto,<strong>na</strong> escolha <strong>de</strong> cada palavra, no <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> cada solução. Não háempreen<strong>de</strong>dorismo sem a escolha por realizar o que se prefere, por realizar


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...379aquilo para o que nos sentimos potentes e vigorosos. Não há cansaço!Cumprir a vida sonhada é dar a ela toda a qualida<strong>de</strong>. <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>subenten<strong>de</strong> consciência, escolha, liberda<strong>de</strong>, ousadia e muita curiosida<strong>de</strong>.Algumas vezes tive <strong>de</strong> escolher em circunstâncias muito restritivas; outras,em situações mais abertas. Mas foram sempre escolhas! São as escolhasque vou fazendo <strong>de</strong> mim mesmo que me lançam no mundo e constroemmeu trabalho.Decido que este texto é minha empreitada atual, e o relato <strong>de</strong> minhaexperiência <strong>na</strong> sua construção favorecerá a exposição dos ingredientespessoais-existenciais vividos ao empreen<strong>de</strong>r <strong>na</strong> minha ida<strong>de</strong>. Apesar <strong>de</strong><strong>de</strong>cidido e iniciado o percurso, uma viagem <strong>na</strong>da fácil pressinto pela frente.Uma viagem que me leva diretamente à consciência do mundo-<strong>de</strong>-<strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>-mim,que me lança para fora, para o núcleo <strong>de</strong>ssa condição inexorávele inescapável <strong>de</strong> ser-no-mundo. Ser num mundo <strong>de</strong>sconhecido a cada dia,num mundo que me exige reinventar-me a cada instante, que me impõe omovimento quando a inércia po<strong>de</strong>ria ser mais confortável. Um mundo <strong>de</strong>contornos tão pouco <strong>de</strong>finidos, tão fluido, às vezes insustentável no seumodo aparentemente superficial <strong>de</strong> ser. Recito e repito para mim mesmo otítulo da obra <strong>de</strong> Paul Tilich: “A Coragem <strong>de</strong> Ser”.Escrever sobre empreen<strong>de</strong>dorismo, trabalho e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida<strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> a partir do próprio percurso exige coragem. Todo o meuser se volta, se revolta, se dobra e se <strong>de</strong>sdobra, se multiplica, se divi<strong>de</strong>,se orquestra e se integra para realizar a obra mais perigosa e difícil <strong>de</strong>todas aquelas que já realizei. Sei que tenho <strong>de</strong> percorrer as paisagens quefui compondo, compartilhando com muitos e guardando todas comigo.Lembro-me <strong>de</strong> que <strong>na</strong>vegar por um mar conhecido-<strong>de</strong>sconhecido foi o queensinou e ultimou em Ulisses sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no mundo.Desvendando o <strong>de</strong>sconhecido e recusando-se ao esquecimento,ele <strong>de</strong>svendou-se e revelou a imensidão <strong>de</strong> nossa gran<strong>de</strong>za-pequenez, <strong>de</strong>nossa coragem-covardia, <strong>de</strong> nossa vaida<strong>de</strong>-humilda<strong>de</strong>, nossa razão-<strong>de</strong>sejo,nossa impulsão-inércia, nossa ausência-solidão-presença, nossa atençãodistração,nossa lembrança-esquecimento-relembrança, nossa misériaabundância,nossa confiança-<strong>de</strong>sconfiança, nosso po<strong>de</strong>r-submissão. Velhoe solitário, conta Homero, aportou Ulisses em Ítaca, sua ilha, sua terra,seu mundo, seu eu. “Velho”, mas vigoroso o suficiente para <strong>de</strong>sbaratar aanomia e restaurar a or<strong>de</strong>m em sua casa e em sua vida.


380Paulo Ferreira VieiraAo escrever sobre o tema a mim proposto, vejo-me diante dosantagonismos e paradoxos próprios <strong>de</strong> mim mesmo e do tema. No fundo,eles revelam meu enorme <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fazê-lo. Gostaria que esse <strong>de</strong>sejoproduzisse algum significado para aqueles que venham a tomar contatocom o texto que vai brotando <strong>de</strong>ssa disposição sincera <strong>de</strong> compartilhar econtribuir para a reflexão sobre aspectos da vida tão tratados e, ao mesmotempo, tão velados e esquecidos <strong>na</strong> experiência cotidia<strong>na</strong>.Lembro-me do mito <strong>de</strong> Eco, que, castigada por Hera, ao sercon<strong>de</strong><strong>na</strong>da a repetir as últimas palavras ditas por aqueles que ela fossecapaz <strong>de</strong> ouvir, per<strong>de</strong>u a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar por inteiro, <strong>de</strong> representare, portanto, <strong>de</strong> gerar significado. Não pretendo ser Eco, repetindo o ditopor outros. Quero achar e ser autor <strong>de</strong> minhas palavras, nutrindo-me dasexperiências já significadas e daqueles significados que for <strong>de</strong>scobrindoe revelando para mim mesmo ao longo <strong>de</strong> minha viagem <strong>de</strong> construção<strong>de</strong>ste texto. Empreen<strong>de</strong>r é sempre fasci<strong>na</strong>nte e atraente e, ao mesmo tempo,árduo, arriscado e amedrontador.Dou voltas e circunvoluções para evitar o confronto tão evitado<strong>de</strong>sejado,tentando adiar o que já comecei a fazer, tentando segurar umtempo/prazo que já começou a correr. Percebo-me diante do estranho,previsível e até ba<strong>na</strong>l medo <strong>de</strong> publicar-me, colocar-me diante <strong>de</strong> pessoasque não têm um rosto para mim. Estranho, porque nos últimos anos <strong>de</strong>minha vida profissio<strong>na</strong>l tudo o que mais tenho feito é publicar-me. Falando,conversando com muitos ao mesmo tempo, porém sempre presentes evisíveis. Agora publicar-me é estar diante <strong>de</strong> mim mesmo, escrevendo para<strong>de</strong>pois me apresentar em um palco cuja platéia é invisível. Sou eu comigomesmo!Aqui cada palavra conforma uma parte ínfima do muito que eugostaria <strong>de</strong> escrever e me revela <strong>na</strong> tela do computador, que se transforma,a cada frase, no espelho mais íntimo <strong>de</strong> mim mesmo. Um espelho quecaptura e paralisa o verbo que não tem mais a dinâmica do falado,permitindo o exercício angustiante-odioso-prazeroso <strong>de</strong> se ver, rever,esmiuçar, olhar, reconhecer, <strong>de</strong>sconhecer, exami<strong>na</strong>r, aprovar, <strong>de</strong>saprovar,gostar e não gostar. Aqui, o recurso do esquecimento não é mais possível.Agora sou eu e minhas imagens pensadas, e às vezes faladas baixinho,com uma espécie <strong>de</strong> outro-eu transformado em palavras. Empreen<strong>de</strong>rrequer sempre o reconhecimento <strong>de</strong> si mesmo. Nas alturas da ida<strong>de</strong> em


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...381que me encontro, o exercício <strong>de</strong> me olhar no espelho tornou-se hábito etor<strong>na</strong> a tarefa menos penosa.Procuro as palavras para dizer <strong>de</strong> crenças e convicções que formamminha essência e a essência do ser humano em sua condição <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>relações - e que, em intensida<strong>de</strong>s exponencialmente maiores, constituema substância primeira do comportamento empreen<strong>de</strong>dor. Sei que para darconta da tarefa <strong>de</strong> escrever coloco minha razão à prova e experimentomeus temores e outros sentimentos no percurso.Permito que a razão e a emoção ditem o texto, perturbando-mee <strong>de</strong>sconfortando-me. Não há como empreen<strong>de</strong>r confortavelmente. Navivência intensa <strong>de</strong> mim mesmo, vou <strong>de</strong>ixando que a obra revele o criadorem sua essencialida<strong>de</strong>.Novamente a tentação <strong>de</strong> fugir, <strong>de</strong> escapar <strong>de</strong> mim e da exposição.Penso em me abrigar <strong>de</strong> mim e mudar <strong>de</strong> caminho. Os livros po<strong>de</strong>rãome oferecer um caminho mais seguro e menos arriscado. Não obe<strong>de</strong>ço àtentação.Estou convicto <strong>de</strong> que a vida empreendida com êxito e qualida<strong>de</strong>é aquela que se experimenta no esbanjamento, no vôo do sonho, que nosleva para limites tão distantes e, ao mesmo tempo, nos permite enxergaro que está tão perto, tão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós: a família, o trabalho, os amigos,os sonhos e - o essencial - nossa própria consciência. Não dá mais parafugir. Fazê-lo agora é negar-me. Negar o prazer já antevisto. Decido nãopechinchar comigo mesmo. Sigo em frente.Sei que vou apren<strong>de</strong>r comigo mesmo, em meus diálogos solitáriosdurante essa viagem sem testemunhas. Trago para meu palco interno osmilhares <strong>de</strong> indivíduos que ao longo <strong>de</strong> minha carreira me ensi<strong>na</strong>ram o que eutentava ensi<strong>na</strong>r-lhes. Tento evitar, assim, a armadilha da solidão-alie<strong>na</strong>ção.Constato que minha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não se compôs <strong>na</strong> solidão-ausência. Ela é oproduto elaborado a partir <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> conversas atentas compessoas-motoristas, pessoas-telefonistas, pessoas-secretárias, pessoasconsultores,pessoas-a<strong>na</strong>listas e, principalmente, pessoas-executivos. Aesses indivíduos pertence tudo o que aqui for escrito, ou reescrito, porqueeles são o “meu outro”, condição indispensável para o saber. Precisei <strong>de</strong>todos esses outros para me compor, para me compreen<strong>de</strong>r, para me refletire produzir as palavras que estão abrindo e <strong>de</strong>senhando o texto-caminho.


382Paulo Ferreira VieiraNo umbral da “terceira ida<strong>de</strong>” contabilizo o inestimável valordo patrimônio acumulado ao longo <strong>de</strong> uma vida profissio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>dicada ainvestir <strong>na</strong> luta por escolher/<strong>de</strong>cidir o que fazer e empreen<strong>de</strong>r aquilo queme <strong>de</strong>u prazer. Realizei o que me realizou. Construí o que me construiu.Enfrentei o que me impediria <strong>de</strong> ser com intensida<strong>de</strong>. Com esse patrimônioi<strong>na</strong>lienável, a<strong>de</strong>ntro esse tempo que a tantos constrange e ameaça.Não houvera eu <strong>de</strong>sfrutado das possibilida<strong>de</strong>s riquíssimas doestar-com, não po<strong>de</strong>ria formalizar aqui este relato tão particular e pessoal.A ida<strong>de</strong> não me impe<strong>de</strong> a fruição da vida. Dou-me conta, agora, que aoescrever reaprendo e reor<strong>de</strong>no em mim o significado <strong>de</strong> cada palavra ouafirmação que vou expressando no percurso do texto, como sempre fizno percurso da vida. A inquietu<strong>de</strong> é sempre valiosa para transformar avida em um empreendimento que valha a pe<strong>na</strong>. Como afirmam, RobertoBartolo, Bezamat <strong>de</strong> Souza Neto e Mauricio César Delamaro: é preciso“metamorfosear tanto mundo quanto possível <strong>na</strong> própria pessoa, a partir<strong>de</strong> provocantes e livres inter-relações”. Tirei proveito das oportunida<strong>de</strong>sque criei para mim e aquelas que me foram oferecidas para transformarmee transformar o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e <strong>de</strong> fora <strong>de</strong> mim.Ao refazer o trajeto <strong>de</strong> minha vida profissio<strong>na</strong>l e aquele quepercorro ao escrever, me dou conta <strong>de</strong> que posso testemunhar a afirmaçãodos mesmos autores citados: “e compreen<strong>de</strong>r os contextos situacio<strong>na</strong>is on<strong>de</strong>as ações empreen<strong>de</strong>doras se inserem e consi<strong>de</strong>rar as relações <strong>de</strong> mútuocondicio<strong>na</strong>mento entre situação e empreen<strong>de</strong>dorismo é algo que vai muitoalém do simples pragmatismo. Essa compreensão implica a referênciada ação empreen<strong>de</strong>dora a uma compreensão antropológico filosófica dacondição huma<strong>na</strong>, on<strong>de</strong> é <strong>na</strong> referência ao homem como ser relacio<strong>na</strong>l quese indica o sentido e o porquê do empreen<strong>de</strong>dor”.Pensando sobre a qualida<strong>de</strong> da minha vida, constato hoje, mais doque nunca, que ela diz respeito à consciência e à realização do quê, paraquê e do sentido <strong>de</strong> minha existência. Sinto uma alegria incontida ao perceber,como dizia Frie<strong>de</strong>rich Nietzsche, que <strong>de</strong> alguma forma tenho conseguido “sero poeta <strong>de</strong> minha própria vida, e primeiro <strong>na</strong>s menores coisas”.Parece-me a<strong>de</strong>quado, mas insuficiente, pensar em qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida como saú<strong>de</strong>, estar junto da família e dos amigos, ter tempo parao lazer e para o cuidado com o corpo. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida é certeza <strong>de</strong>sonho realizado. É transbordamento <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> alegria da <strong>de</strong>scoberta e <strong>na</strong>


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...383satisfação da curiosida<strong>de</strong> sobre os acontecimentos que nos cercam e nosafetam. É aproveitamento <strong>de</strong> todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolha que a vidanos oferece incessantemente. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida é liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher,ainda que <strong>na</strong>s situações mais restritivas. É afirmação <strong>de</strong> si, quando tudotenta impingir uma imagem menor e insípida <strong>de</strong> si mesmo.Faz lembrar o magistral conto <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis “O espelho”,que ele subintitulou <strong>de</strong> “Esboço <strong>de</strong> uma nova teoria da alma huma<strong>na</strong>”on<strong>de</strong> relata a experiência <strong>de</strong> um jovem que, ao ser promovido a alferes,após algum tempo, somente conseguia se enxergar no espelho quandovestido com sua farda <strong>de</strong> alferes. Em um momento do conto, <strong>de</strong>screvegenialmente Machado <strong>de</strong> Assis: “O alferes eliminou o homem”. Usando ametáfora machadia<strong>na</strong>, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida é po<strong>de</strong>r, em qualquer tempo davida, escolher quando usar e tirar a farda sem se per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> si mesmo.Não posso, aqui, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> refletir sobre o intrincado mundodas organizacio<strong>na</strong>is empresariais, que se tornou o locus hegemônico dotrabalho. Sou obrigado a lembrar a mim mesmo da “luta” incessante quetenho empreendido contra o recru<strong>de</strong>scimento do fenômeno do <strong>na</strong>rcisismo<strong>na</strong>s empresas do fi<strong>na</strong>l do século XX e início do século XXI.Em um outro texto que acabo <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r, a<strong>na</strong>liso e <strong>de</strong>nuncioa cultura do estrelato que tem florescido <strong>na</strong>s empresas. A proliferaçãoestimulada <strong>de</strong> “estrelas” e o consequente fortalecimento do <strong>na</strong>rcisismono mundo empresarial têm se transformado em um verda<strong>de</strong>iro ataque àcondição huma<strong>na</strong>, porque todos se vêm obrigados a lutar para se afirmarcomo “estrelas” e assim obter algum reconhecimento. Caso contrário,resta a alter<strong>na</strong>tiva da auto-anulação pela passivida<strong>de</strong> e pela obediência. Oestrelato e a passivida<strong>de</strong> ou submissão são antitéticos ao empreen<strong>de</strong>dorismoe à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.Sem realizar gran<strong>de</strong>s investimentos <strong>na</strong> vigilância e no <strong>de</strong>sbaratamentodo <strong>na</strong>rcisismo (porque esse é um fenômeno que <strong>de</strong> tempos em temposrefloresce), as organizações experimentam, hoje, uma verda<strong>de</strong>ira “compulsão”por obter altos índices <strong>de</strong> favorabilida<strong>de</strong> em suas pesquisas, cada vez maisfrequentes, <strong>de</strong> clima organizacio<strong>na</strong>l. As ações <strong>de</strong>correntes das constatações<strong>de</strong> índices baixos em tais pesquisas são pontuais e <strong>na</strong>da transformadoras doscontextos culturais que nutrem esses resultados. As insatisfações evi<strong>de</strong>nciadassão <strong>de</strong> inúmeras <strong>na</strong>turezas, mas todas elas convergem para um único ponto: aprecarieda<strong>de</strong> dos relacio<strong>na</strong>mentos que as pessoas experimentam em todas as


384Paulo Ferreira Vieiradireções <strong>de</strong> sua vida no ambiente <strong>de</strong> trabalho. Os investimentos emocio<strong>na</strong>is queos <strong>na</strong>rcisistas dirigem aos outros são escassos e insatisfatórios. Com toda essaescassez, eles agem permanentemente em busca da aprovação e da satisfação<strong>de</strong> seu orgulho insaciável, originário da ilusão infantil <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> emrelação ao outro.Em circunstâncias tão graves, chega a parecer <strong>de</strong> uma hipocrisia<strong>de</strong>scarada admitir e patroci<strong>na</strong>r ativida<strong>de</strong>s como coral, teatro, ginásticalaboral, ikeba<strong>na</strong>, dança <strong>de</strong> salão e outras iniciativas, como mecanismosque po<strong>de</strong>rão recompor a integrida<strong>de</strong> e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das pessoasque se vêem compulsoriamente obrigadas a elimi<strong>na</strong>r seu humano paraprosseguir e fazer carreira <strong>de</strong>ntro da empresa.Não se trata <strong>de</strong> negar o valor intrínseco <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s. Oproblema é <strong>de</strong>positar nelas a responsabilida<strong>de</strong> por restaurar a qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida “perdida” no dia a dia organizacio<strong>na</strong>l. Nas empresas on<strong>de</strong> essasiniciativas acontecem, após o intervalo idílico em que cada um “relaxou”,retor<strong>na</strong>-se ao mundo real <strong>de</strong> competição predatória ou <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong>induzida pelo acordo da convenção burocrática e pela anestesia dosentimento expressa <strong>na</strong> submissão. Assim sendo, se tais iniciativas não sãohipócritas/<strong>de</strong>magógicas, são pueris perto dos ataques e danos ao psiquismoe à alma causados por ambientes <strong>de</strong> trabalho insalubres. A resposta dadaà necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser reconhecido e aceito é a instalação do sentimento<strong>de</strong> dívida permanente por resultados (i<strong>na</strong>lcançáveis) que não incorporamsignificados pessoais e não são, portanto, alcançados. Configura-se, assim,a melhor condição para a <strong>de</strong>pendência, antítese da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolherque integra e realiza o empreen<strong>de</strong>r e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.Ao pon<strong>de</strong>rar minhas experiências como consultor <strong>de</strong> recursoshumanos, percebo que tenho conseguido ser sempre fiel aos propósitosque me motivaram a constituir uma empresa: ter tempo para estudar eaprofundar o conhecimento e também para prestar atenção e meditarsobre o mundo que me cerca em busca do saber que <strong>na</strong>sce <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong><strong>de</strong> abertura para o mundo. Essas duas disposições me impulsio<strong>na</strong>m a umamissão pessoal que me tenho imposto: contribuir para a transformaçãodos ambientes <strong>de</strong> trabalho em espaços <strong>de</strong> conviver, dialogar, apren<strong>de</strong>r,cooperar e ser feliz. Afi<strong>na</strong>l, o conhecimento e o saber somente sãovaliosos se forem colocados a serviço da melhoria da vida. Confesso quea vida está precisando <strong>de</strong> muita melhora, quando se trata dos contextos


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...385organizacio<strong>na</strong>is que se constituem nos locus privilegiados <strong>de</strong> realização<strong>de</strong> trabalho. Tenho investido insistentemente <strong>na</strong> transformação dotrabalho: da alie<strong>na</strong>ção consentida da própria vida para a participação no<strong>de</strong>sabrochar das possibilida<strong>de</strong>s das coisas e circunstâncias que <strong>de</strong>fine, paramim, empreen<strong>de</strong>r.Ao intuir a proximida<strong>de</strong> do fi<strong>na</strong>l do percurso que me guiou aotexto aqui apresentado, penso que a expressão “terceira ida<strong>de</strong>” não meconfere nenhuma significação ou atributo em especial e consi<strong>de</strong>ro que<strong>de</strong>veria ser assim com todos.Chego a pensá-la quase como categoria que, perigosamente e <strong>na</strong>“melhor das intenções”, po<strong>de</strong> invalidar alguém conferindo-lhe direitoslegais diferenciados, produtos do reconhecimento oficial das limitaçõesexperimentadas pelos indivíduos nessa fase <strong>de</strong> suas vidas. Reconhecimentoque em muitos po<strong>de</strong> ter o efeito <strong>de</strong> inferiorização <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s.Constato que uma categoria como essa po<strong>de</strong> produzir verda<strong>de</strong>iros estigmas<strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> negação dos infinitos campos <strong>de</strong> vida disponíveispara a consciência. Mais respeito, por favor!Lembro-me, neste momento, <strong>de</strong> uma experiência única e muitoespecial que vivi com uma pessoa da dita terceira ida<strong>de</strong>. Era 1986, estavaeu no interior mais pobre do Brasil, pesquisando possíveis motivos quelevariam pessoas <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, vivendo em condições <strong>de</strong>miséria, a se interessarem por apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever. Estava eu em umacasa muito pobre - ape<strong>na</strong>s dois cômodos <strong>de</strong> chão batido, pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> taipa etelhado <strong>de</strong> sapê - para indagar a uma senhora <strong>de</strong> 64 anos sobre seu possívelinteresse e motivo para apren<strong>de</strong>r a ler e a escrever. Notei que ela aparentavamuito mais ida<strong>de</strong>; o rosto era vincado e muito enrugado, a pele ressecadapelo sol, percebia-se um único <strong>de</strong>nte (o canino inferior direito), vestia-secom panos ralos e velhos. Senti-me constrangido em perguntar o que foraali indagar. O constrangimento era ape<strong>na</strong>s meu, porque ela parecia estarmuito à vonta<strong>de</strong> comigo, já me chamava <strong>de</strong> fio (sic) e ria muito para mim.Diante <strong>de</strong>sse estado, resolvi arriscar e soltei, meio <strong>de</strong> supetão, a perguntaque lhe fora fazer. Ela não se fez <strong>de</strong> achada e <strong>de</strong>u mais um enorme sorrisovazio <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes e pleno <strong>de</strong> vida, afeto e esperança. Respon<strong>de</strong>u-me <strong>de</strong> pronto:“Eu quero muito aprendê a lê e a iscrevê” (sic). Eu perguntei por que enovamente a resposta veio pronta e me <strong>de</strong>ixou <strong>na</strong> mais absoluta surpresa:“Eu quero aprendê a lê e a iscrevê para podê guardá segredo”. A surpresa


386Paulo Ferreira Vieirame impedia <strong>de</strong> localizar qualquer categoria on<strong>de</strong> inserir aquela resposta.A única alter<strong>na</strong>tiva era pedir que ela explicasse melhor o que queria dizercom po<strong>de</strong>r guardar segredo. Ela não se fez <strong>de</strong> rogada e assi<strong>na</strong>lou com todaa calma: “Sabe, fio, a gente é muito pobre por aqui”. Isso eu sabia. “Pobretem muito fio”, continuou ela - o que eu também sabia. - “Fio <strong>de</strong> pobremorre à toa, sarva muito pôco!” - o que também não era novida<strong>de</strong>. “Os quesarva vai tudo simbora pra Sum Paulo, Rio, Brasília. Vai pra cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>,tentar vida mió. Quando eis chega lá, eis arruma imprêgo e pur causa dissotem qui aprendê a lê. Eis apren<strong>de</strong> purquê num são burro. Aí eis <strong>de</strong>sgraça aiscrevê biête e carta pra nós. Aqui ninguém sabe lê e nóis tem que í <strong>na</strong> casada muié que sabe pra ela lê pra gente. Ela lê, ela é boa. Mas a gente quérespondê e num sabe, e o jeito é pedí pra ela tê um caquinho <strong>de</strong> paciênciae respondê pra nóis. Ela iscreve o qui a gente dita. Qué dizê, a gente achaqui ela iscreve, purque sabê mesmo nós num sabe. Nós num sabe lê, entãotodo mundo aqui fica sabendo das coisa da vida da gente e dos fio da gente.Ocê, fio, já pensô o dia que eu subé lê e iscrevê, que ninguém mais vai ficásabendo das coisa da genti?”.Essa senhora acabara <strong>de</strong> me dar o gran<strong>de</strong> presente <strong>de</strong> minhavida. Ela me <strong>de</strong>u a certeza <strong>de</strong> que a vida se esten<strong>de</strong> para além do que oconhecimento dito científico nos ensi<strong>na</strong>. O que eu ouvira era uma aula <strong>de</strong>vida, <strong>de</strong> sabedoria <strong>de</strong> alguém que prestava atenção <strong>na</strong> vida. Que meditavasobre as circunstâncias <strong>de</strong> sua vida. A consciência <strong>de</strong> seu mundo tinhaa luminosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um diamante. Escrever e ler para proporcio<strong>na</strong>riam aela sua reinvenção em seus relacio<strong>na</strong>mentos e no mundo. Estava ela <strong>na</strong>“terceira ida<strong>de</strong>”, <strong>na</strong>s piores condições <strong>de</strong> vida social e econômica, mas otriunfo do po<strong>de</strong>roso vital nela era explosivo. Ela habitava aquela casa, massua morada era a consciência que filosofava sua vida. Sua imensa dor, quenão <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser dor, me lançou no sublime.Essa ciência do homem que promulga um pensamento, comoassi<strong>na</strong>la Edgar Morin, “que recorta, isola, permite que especialistas eexperts tenham ótimo <strong>de</strong>sempenho em seus compartimentos, e cooperemeficazmente nos setores não complexos <strong>de</strong> conhecimento, notadamenteos que concernem ao funcio<strong>na</strong>mento das máqui<strong>na</strong>s artificiais; mas alógica a que eles obe<strong>de</strong>cem esten<strong>de</strong> à socieda<strong>de</strong> e às relações huma<strong>na</strong>s osconstrangimentos e os mecanismos inumanos da máqui<strong>na</strong> artificial e suavisão <strong>de</strong>terminista, mecanicista, quantitativa, formalista. E ignora, ocultaou dilui tudo o que é subjetivo, afetivo, livre, criador”.


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...387Esse modo <strong>de</strong> pensar o mundo retira a beleza, o impacto, asurpresa e a profundida<strong>de</strong> da meditação daquela senhora, reduzindo-ae incluindo-a em categorias como privação cultural, exclusão, terceiraida<strong>de</strong> etc., formando uma série <strong>de</strong> etiquetas que permitiriam pensá-la<strong>de</strong>ntro do paradigma costumeiro que fracio<strong>na</strong>, <strong>de</strong>sumaniza, atrofia e atéimpossibilita a reflexão. A vida se vê diminuída e a gran<strong>de</strong>za da consciênciadaquela mulher passaria <strong>de</strong>sapercebida ou colocada como uma exceçãoestatisticamente <strong>de</strong>sprezível, porque não permite nenhuma generalização.Esse pensar está mais interessado em respon<strong>de</strong>r à pergunta: como issofuncio<strong>na</strong>? Difícil respon<strong>de</strong>r como funcio<strong>na</strong> essa mulher! Melhor e maisvalioso admitir a potência criadora <strong>de</strong> seu saber.A ciência dita científica não dá conta <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a fantásticacomplexida<strong>de</strong> da <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. Parece que a arte e a literatura, emespecial, têm contribuído muito mais para nos revelar o humano em suaplenitu<strong>de</strong>. A esse respeito Edgar Morin cita um trecho <strong>de</strong> um manuscritoinédito <strong>de</strong> Hadj Garm Oren que acusa “todo indivíduo, mesmo o maisrestrito à mais ba<strong>na</strong>l das vidas, constitui, em si mesmo, um cosmo. Traz emsi multiplicida<strong>de</strong>s inter<strong>na</strong>s, suas perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s virtuais, uma infinida<strong>de</strong><strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário,o sono e a vigília, a obediência e a transgressão, o ostensivo e o secreto,pululâncias larvares em suas caver<strong>na</strong>s e grutas insondáveis. Cada umcontém em si galáxias <strong>de</strong> sonhos e <strong>de</strong> fantasias, <strong>de</strong> ímpetos insatisfeitos <strong>de</strong><strong>de</strong>sejos e <strong>de</strong> amores, abismos <strong>de</strong> infelicida<strong>de</strong>, vastidões <strong>de</strong> fria indiferença,ardores <strong>de</strong> astro em chamas, ímpetos <strong>de</strong> ódio, débeis anomalias, relâmpagos<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, tempesta<strong>de</strong>s furiosas...”O gran<strong>de</strong> problema é que essa ciência que se funda exclusivamenteno pensamento que calcula não respon<strong>de</strong> à pergunta que organiza a vidahuma<strong>na</strong>. Uma pergunta tão simples quanto aquela formulada por Tolstoi:O que <strong>de</strong>vemos fazer? Como <strong>de</strong>vemos viver? Ou ainda: Que significadotem a vida?O percurso feito até aqui me permite afirmar que a cada momentoestamos em busca <strong>de</strong> significados que nos impulsionem para a ação. A falada mulher que queria po<strong>de</strong>r guardar segredos revela a força da necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> significar, e ela o faz com uma clareza surpreen<strong>de</strong>nte.Em minha própria vida, vi-me sempre envolvido com ações quesomente foram exitosas porque pu<strong>de</strong> conferir a cada uma <strong>de</strong>las algum


388Paulo Ferreira Vieirasignificado que me emocio<strong>na</strong>va e, portanto, me colocava em movimento.Minha empresa <strong>de</strong> consultoria continua presente e viva porque permanecesignificando para mim a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r sempre mais e <strong>de</strong>transformar cada vez mais mundo <strong>de</strong>ntro e fora <strong>de</strong> mim. Não fosse euconsultor, não teria, possivelmente, recebido o convite para <strong>de</strong>senhareste texto. Não teria tido a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r essa maravilhosaviagem para recônditos tão bem guardados <strong>de</strong> mim. Não teria podidoapren<strong>de</strong>r tanto com as palavras já gravadas em minha trajetória.No júbilo do fi<strong>na</strong>l do texto, uma lembrança me toma e meemocio<strong>na</strong> por se tratar <strong>de</strong> quem se trata – mas, neste momento, maispor revelar e sintetizar a verda<strong>de</strong> da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma vida. Trata-se <strong>de</strong>meu ultimo encontro com meu pai, pouco antes <strong>de</strong> ele vir a falecer. Ao<strong>de</strong>spedir-me <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> abençoar-me como fazia com cada um dosfilhos, quando partiam em viagem <strong>de</strong> volta para suas casas, disse-me elenessa oportunida<strong>de</strong>: “Muito obrigado por essa beleza que você trouxe paramim” (sic). De um lado, um senhor aos 97 anos a exter<strong>na</strong>r com tantasimplicida<strong>de</strong> a profundida<strong>de</strong> da sua experiência filosófico-emocio<strong>na</strong>lestética.Tão lá <strong>na</strong> frente, <strong>na</strong> vida cronológica, esse senhor ainda estavaàs voltas com a composição estética <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, reconhecendo a<strong>na</strong>tureza e as origens <strong>de</strong> suas emoções. Tão lá <strong>na</strong> frente <strong>na</strong> consciência<strong>de</strong> sua vida, estava, por isso e ainda, a empreen<strong>de</strong>r seu existir e achandograça <strong>na</strong> vida.De outro lado, <strong>na</strong> parte que me toca nesse fato, a alegria profunda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser parte <strong>de</strong> uma experiência <strong>de</strong>ssa gran<strong>de</strong>za. Naquele momento,um outro excepcio<strong>na</strong>l presente me era dado: a certeza <strong>de</strong> que em algummomento <strong>de</strong> minha vida contribuí para fazer a vida <strong>de</strong> alguém que me étão caro valer a pe<strong>na</strong>. O presente eterno dado pelo pai <strong>na</strong>quele instantefoi a certeza emocio<strong>na</strong>lmente vivida <strong>de</strong> que <strong>de</strong> inúmeras maneiras eformas minha vida tem valido a pe<strong>na</strong>. <strong>Vida</strong> que vale a pe<strong>na</strong> é vida comqualida<strong>de</strong>.Termino por indagar com uma certa ironia: o que é terceira ida<strong>de</strong>?E qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, o que é? Por último, uma outra pergunta, dirigidaa todos que, por acaso ou por premeditação, se dispuseram a fazer essepercurso comigo: temos utilizado o trabalho e os relacio<strong>na</strong>mentos aele associados como oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> invenção ética e estética <strong>de</strong> nósmesmos?


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>, <strong>Trabalho</strong>, <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> e Terceira Ida<strong>de</strong>: Análise...389BibliografiaAssis, Machado <strong>de</strong>. Obra Completa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Aguilar1994. v. IIBARTHOLO, 2001, cit. in BARTOLO, Roberto; SOUZA Neto,Bezamat; DELAMARO, Maurício César, in “<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> além doplano <strong>de</strong> negócio”. Org.: Souza, Eda Castro <strong>de</strong>; Guimarães, Tomás <strong>de</strong>Aquino. São Paulo: Editora Atlas, 2005, 27HOMERO. A Odisséia. São Paulo: Ediouro, 2009MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita. 1999, Rio <strong>de</strong> Janeiro: BertrandBrasil, 2000. 15, 44Nietzsche, Frie<strong>de</strong>rich . The Will to Power. New York: VintageBooks, 1967


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<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>e a Terceira Ida<strong>de</strong>391Paulo OkamottoDiretor-Presi<strong>de</strong>nte do SEBRAE Nacio<strong>na</strong>l.Brasil, o país do futuro! Brasil, um país <strong>de</strong> jovens!São afirmações ainda ouvidas, mas que não mais representam anossa realida<strong>de</strong>. A primeira marcou o período histórico do Brasil exportador<strong>de</strong> café e importador <strong>de</strong> bens industrializados, situação que começou a semodificar com a política <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações, que permitiu oinício do processo <strong>de</strong> industrialização e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país, <strong>na</strong>segunda meta<strong>de</strong> do século passado.Nos dias atuais, o Brasil dispõe <strong>de</strong> uma das maiores economiasdo mundo, é um global tra<strong>de</strong>r e atua <strong>de</strong> forma dinâmica no âmbito dosorganismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, on<strong>de</strong> suas posições são respeitadas e levadasem consi<strong>de</strong>ração, sejam elas relativas a assuntos ligados a políticainter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ou sobre temas econômicos e comerciais.A segunda afirmação ainda não está totalmente invalidada, masten<strong>de</strong> a per<strong>de</strong>r significado, em face do notável aumento da participação <strong>de</strong>indivíduos com mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>na</strong> população brasileira.


392 Paulo OkamottoO tema aqui discutido é <strong>de</strong>safiador e, obviamente, sua análise nãopo<strong>de</strong>rá ser esgotada neste artigo. Em primeiro lugar, por ser a terceiraida<strong>de</strong> um estrato da população brasileira que passou, não faz muito tempo,a ser objeto <strong>de</strong> maior atenção, tor<strong>na</strong>ndo-se tema <strong>de</strong> pesquisas por partedo mundo acadêmico e motivo <strong>de</strong> maior preocupação para aqueles queconcebem e gerenciam políticas públicas.Há 50 anos, ficava-se velho aos 50. A aposentadoria chegavajunto com as doenças, e fazer 100 anos, por exemplo, era tratado comoum acontecimento mundial, com direito a inserção em livro <strong>de</strong> recor<strong>de</strong>s.Hoje é comum encontrar calouros com mais <strong>de</strong> 70 anos iniciando umcurso superior, buscando um novo casamento ou uma ativida<strong>de</strong> produtiva.E completar 80, 90 ou mesmo 100 anos já não é gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>.O país com a maior expectativa <strong>de</strong> vida é o Japão, com uma média<strong>de</strong> 82 anos. A Islândia está bem próxima, com média <strong>de</strong> 81, seguida <strong>de</strong>Suíça, Austrália, Suécia, Itália, Ca<strong>na</strong>dá e Israel, com 80 anos. O Brasil temhoje expectativa <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> 72 anos - e a tendência, conforme registro dosúltimos anos, é aumentar essa faixa etária.O conceito da “melhor ida<strong>de</strong>”, tão difundido <strong>na</strong> mídia, é, no entanto,amplo e envolve muitas questões. O empreen<strong>de</strong>dorismo é ape<strong>na</strong>s uma<strong>de</strong>las, e também <strong>de</strong>ve ser a<strong>na</strong>lisado em mão dupla, ou seja, sobre as muitaspossibilida<strong>de</strong>s que se abrem para aten<strong>de</strong>r a este estrato da população quebusca saú<strong>de</strong>, entretenimento e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e, por outro lado, sobreo tipo <strong>de</strong> serviços que po<strong>de</strong>m ser oferecidos àqueles que querem tambémempreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pois dos 60 anos.Para o Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE), sãoconsi<strong>de</strong>rados integrantes da “terceira ida<strong>de</strong>” aqueles indivíduos com mais<strong>de</strong> 60 anos. Estima-se que esse estrato populacio<strong>na</strong>l seja hoje <strong>de</strong> 10% dapopulação brasileira, o que significa dizer algo em torno <strong>de</strong> 19 milhões <strong>de</strong>pessoas. Seis vezes a população do Uruguai. Aproximadamente, a meta<strong>de</strong>da população da Argenti<strong>na</strong>.Para tratar das muitas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mercado a partir doenvelhecimento da população, po<strong>de</strong>mos fazer um parêntese sobre o setor<strong>de</strong> serviços, que representa mais <strong>de</strong> 60% do Produto Interno Bruto (PIB)<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e é o maior gerador <strong>de</strong> empregos formais do país, segundo oCadastro Geral <strong>de</strong> Empregados e Desempregados (Caged).


<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> e a Terceira Ida<strong>de</strong>393Países que <strong>de</strong>sejam alcançar níveis maiores <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,melhorar as condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> suas populações e a competitivida<strong>de</strong> dassuas empresas não po<strong>de</strong>m fazê-lo sem um setor <strong>de</strong> serviços dinâmico ebem estruturado.O <strong>de</strong>senvolvimento econômico dos países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da eficiência comque as empresas conseguem aten<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços da população e<strong>de</strong> como estes po<strong>de</strong>m impulsio<strong>na</strong>r as inovações <strong>na</strong> economia.O setor, como importante fornecedor <strong>de</strong> insumos tanto paraa indústria e para o comércio como para outros serviços, tem funçãorelevante no crescimento da economia e <strong>na</strong> geração <strong>de</strong> emprego.Com o que trabalhar para aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong>sse contingentepopulacio<strong>na</strong>l em crescimento? A atenção com a saú<strong>de</strong> e com a qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida implica uma série <strong>de</strong> serviços que já <strong>de</strong>monstram tendência<strong>de</strong> crescimento em nosso mercado. Clínicas geriátricas, aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong>ginástica, <strong>de</strong> dança e <strong>de</strong> terapias alter<strong>na</strong>tivas especializadas <strong>na</strong> terceiraida<strong>de</strong>, nutrição, estética, turismo... é muito extensa essa lista.O turismo brasileiro, por exemplo, cresceu 20% em janeiro efevereiro <strong>de</strong> 2009, quando comparado ao primeiro bimestre <strong>de</strong> 2008, eum dos nichos que impulsio<strong>na</strong>ram esse crescimento foi justamente o daterceira ida<strong>de</strong>, que po<strong>de</strong> comprar pacotes fora <strong>de</strong> temporada, <strong>na</strong>s chamadasépocas baixas, quando é preciso movimentar o setor.Não se po<strong>de</strong> esquecer, porém, que, se o setor <strong>de</strong> serviços apresentasecomo uma alter<strong>na</strong>tiva <strong>de</strong> mercado para aqueles que querem investir nestepúblico, ele <strong>de</strong>manda preparação específica, aperfeiçoamento contínuo eadaptação às características do setor.Essa busca por informações e conhecimento vale também para osmais maduros que querem se aventurar no empreen<strong>de</strong>dorismo. Chegar aos60 ou 70 anos significa acumular uma série <strong>de</strong> conhecimentos e expertises.Quando se tem saú<strong>de</strong> e disposição, po<strong>de</strong> ser o momento certo para realizaro sonho do próprio negócio.Como em qualquer ida<strong>de</strong>, é preciso se preparar, fazer um bom Plano<strong>de</strong> Negócios, conhecer o mercado em que <strong>de</strong>seja atuar. O diferencial aquiserá uma maior disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo para apren<strong>de</strong>r e uma sabedoriaque só a ida<strong>de</strong> confere.


394Paulo OkamottoO Serviço Brasileiro <strong>de</strong> Apoio às Micro e Peque<strong>na</strong>s Empresas tema responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajudar os empreen<strong>de</strong>dores, <strong>de</strong> qualquer faixa etária,a serem competitivos, impulsio<strong>na</strong>ndo o <strong>de</strong>senvolvimento do país. Umamaior expectativa <strong>de</strong> vida com qualida<strong>de</strong> é, sem dúvida, ter um Brasilmuito melhor.


Assistência à Saú<strong>de</strong>e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong><strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>395Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi CarvalhoDiretora Executiva da GEAP – Fundação <strong>de</strong> Segurida<strong>de</strong> Social.O <strong>de</strong>safio do envelhecimentoOs avanços tecnológicos e da medici<strong>na</strong> no século XX, aliadosà diminuição da taxa <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> e ao aumento da expectativa <strong>de</strong>vida, vêm promovendo mudanças significativas <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira.Segundo pesquisa realizada em 2007 pelo Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografiae Estatística (IBGE), a expectativa média no país é <strong>de</strong> 72 anos e <strong>de</strong>veatingir 81 anos até 2050. Ainda em 2050, estima-se que para cada cemjovens com menos <strong>de</strong> 15 anos haverá mais <strong>de</strong> 105 pessoas idosas.No entanto ainda é gran<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sinformação sobre o idoso e asparticularida<strong>de</strong>s do envelhecimento no contexto social brasileiro. Dadosrecentes da pesquisa Idosos no Brasil: vivências, <strong>de</strong>safios e expectativas <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>, realizada pela Fundação Perseu Abramo e pelo Serviço Socialdo Comércio (SESC) Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> São Paulo, apontam que o a<strong>na</strong>lfabetismo,o preconceito e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à saú<strong>de</strong> estão entre os principaisproblemas enfrentados pelos idosos no Brasil.Os dados mencio<strong>na</strong>dos acima apontam para uma importante


396 Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi Carvalhoreorganização no quadro <strong>de</strong>mográfico <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e, principalmente,para os impactos <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira, gerando novas <strong>de</strong>mandas empolíticas públicas. Ou seja, a longevida<strong>de</strong> implicará, necessariamente, umareestruturação política e social referente a inclusão social, segurida<strong>de</strong>social, melhorias da assistência à saú<strong>de</strong> e condições <strong>de</strong> moradia e transporterelativas à terceira ida<strong>de</strong>.Assistência à saú<strong>de</strong>As conquistas tecnológicas da medici<strong>na</strong> mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> (assepsia, vaci<strong>na</strong>s,antibióticos, quimioterápicos e exames complementares, entre outras), aolongo dos últimos 60 anos, viabilizaram a prevenção e/ou a cura <strong>de</strong> muitasdoenças fatais do passado. Essas conquistas contribuíram para o aumentoda expectativa <strong>de</strong> vida nos países <strong>de</strong>senvolvidos e em <strong>de</strong>senvolvimento.No Brasil - embora persistam problemas em <strong>de</strong>corrência dapobreza e da falta <strong>de</strong> acesso a saú<strong>de</strong>, educação e consumo -, a melhoria dascondições socioeconômicas <strong>de</strong> parcela da população e o investimento emsaú<strong>de</strong> e educação propiciaram aumento da expectativa <strong>de</strong> vida. Por outrolado, isso ocasionou maior incidência e prevalência <strong>de</strong> doenças e agravoscrônicos, resultando no aumento acentuado da <strong>de</strong>manda por serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, especialmente os <strong>de</strong> maior complexida<strong>de</strong> e custo.Atuamente, no Brasil, a pessoa idosa é portadora, em média, <strong>de</strong>três enfermida<strong>de</strong>s crônicas, e a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inter<strong>na</strong>ção hospitalar em<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> agravo à saú<strong>de</strong> é 20% maior 1 .Os principais fatores <strong>de</strong> risco para essas e outras doenças crônicassão: obesida<strong>de</strong>, hipertensão arterial, alto nível <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> álcool e tabaco,estresse social e se<strong>de</strong>ntarismo. Estes fatores estão diretamente ligados aoshábitos <strong>de</strong> vida das pessoas, em que a atuação do indivíduo no cuidar <strong>de</strong>si e <strong>na</strong> busca pelo bem-estar é <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte para a longevida<strong>de</strong>.Estudos também <strong>de</strong>monstram que ape<strong>na</strong>s um terço das pessoas quechegam aos 100 anos com saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida tem a ver com umapredisposição genética favorável. O sucesso dos 70% restantes é garantidopor um estilo <strong>de</strong> vida saudável. Ou seja, para afastar as doenças <strong>de</strong>generativas1 Lei 8.842, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1994. Dispõe sobre a Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso, cria o ConselhoNacio<strong>na</strong>l do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, Po<strong>de</strong>rExecutivo, Brasília, DF, 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1994. Seção 1, ano 132, nº 3.


Assistência à Saú<strong>de</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>397e ter qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> velhice é preciso ter uma alimentação regradae fazer exercícios físicos (CARLA, Daniela. “Longevida<strong>de</strong>: 100 anos e bem,uma questão <strong>de</strong> escolhas”. Jor<strong>na</strong>l A Gazeta. Espírito Santo, 2009).Esse cenário <strong>de</strong>monstra a necessida<strong>de</strong> da reestruturação <strong>de</strong>políticas e fi<strong>na</strong>nciamento <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong>, com um gran<strong>de</strong> enfoque <strong>na</strong>área do planejamento, trabalhando políticas e fi<strong>na</strong>nciamento com apelonão só coletivo, mas também individual. Estas questões são <strong>de</strong> importânciaestratégica para a pergunta que ainda se mantém como um <strong>de</strong>safio. Valea pe<strong>na</strong> viver tanto?Hoje esse questio<strong>na</strong>mento é respondido afirmativamente quandoassociado à “qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida”. A Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS),<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 90, vem trabalhando, particularmente, quanto aos fatoresque, no processo <strong>de</strong> envelhecimento, conferem sentimento <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida aos seres humanos, característica da socieda<strong>de</strong> contemporânea.No fi<strong>na</strong>l do século passado, a OMS apontou que nos mo<strong>de</strong>losassistenciais das políticas dos idosos os países <strong>de</strong>veriam ter como propósitoprincipal manter a autonomia física e mental das pessoas idosas, paraque pu<strong>de</strong>ssem viver da forma mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte possível. Esta propostamodifica o mo<strong>de</strong>lo assistencial <strong>de</strong> Envelhecimento Saudável paraEnvelhecimento Ativo, alterando o enfoque baseado em necessida<strong>de</strong>s parauma política <strong>de</strong> direitos.GEAP: um <strong>de</strong>safio assistencialA GEAP é uma entida<strong>de</strong> fechada <strong>de</strong> previdência complementar,sem fins lucrativos, que aten<strong>de</strong> servidores públicos fe<strong>de</strong>rais e familiares,<strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, assistência social e previdência, há mais <strong>de</strong> 60 anos.A<strong>na</strong>lisando o perfil da população assistida, o primeiro e maior<strong>de</strong>safio se impõe em relação à carteira <strong>de</strong> beneficiários com o maior número<strong>de</strong> idosos <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong> suplementar e mesmo do setor público, secompararmos com a pirâmi<strong>de</strong> populacio<strong>na</strong>l brasileira que perfaz a carteirado Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), como po<strong>de</strong>mos verificar a seguir:


398Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi Carvalho80 80 ou 80anosanosououmaismais1.081.718 1.587.53380 80 anos ou ou mais70 70 a 79 79 anos1.081.718 1.587.53370 a 79 anos2.542.879 3.291.61670 70 a 79 79 anos60 60 a 69 69 anos2.542.879 3.291.61660 a 69 anos4.741.148 5.516.14560 60 a 69 69 anos50 a 59 4.741.14850 59 anos5.516.14550 a 59 anos8.070.375 8.916.54750 50 a 59 59 anos40 40 a 49 49 anos8.070.375 8.916.54740 a 49 anos11.484.092 12.409.92340 40 a 49 49 anos30 30 a 39 39 anos11.484.092 12.409.92330 a 39 anos13.927.754 14.545.14230 30 a 39 39 anos20 20 a 29 29 anos13.927.754 14.545.14220 a 29 anos 17.535.222 17.547.21020 20 a 29 29 anos10 10 a 19 19 anos17.535.222 17.547.21010 a 19 anos 16.980.753 16.472.71910 10 a a 19 19 anosanos16.980.753 16.472.7190 a 9 anos16.795.371 16.166.66700 a a 99 anos16.795.371 16.166.66720.000.00020.000.000 10.000.00010.000.000 0010.000.00010.000.000 20.000.00020.000.00020.000.000 10.000.000 010.000.000 20.000.000Masculino MasculinoMasculinoFemininoFemininoFeminino808080 anosanos ououou maismais253.792253.792499.925499.92580 80 anos ou ou mais70 70 a 79 79 anos253.792 499.92570 a 79 anos662.394899.534899.53470 70 a 79 79 anos60 60 a 69 69 anos662.394899.53460 a 69 anos1.005.3501.369.8151.369.81560 60 a 69 69 anos50 a 59 1.005.35050 59 anos1.369.81550 a 59 anos1.962.790 2.364.05450 50 a 59 59 anos40 40 a 49 49 anos1.962.790 2.364.05440 a 49 anos2.817.1693.187.7513.187.75140 40 a 49 49 anos30 30 a 39 39 anos2.817.1693.187.75130 a 39 anos3.411.9873.925.8763.925.87630 30 a 39 39 anos20 20 a 29 29 anos3.411.9873.925.87620 a 29 anos3.897.5444.311.81720 20 a 29 29 anos3.897.54410 10 a 19 19 anos4.311.81710 a 19 anos2.648.4442.638.49110 10 a a 19 19 anosanos2.648.4442.638.4910 a 9 anos2.857.7112.730.22500 a a 99 anos2.857.7112.730.2256.000.0006.000.000 3.000.0003.000.000 003.000.0003.000.000 6.000.0006.000.0006.000.000 3.000.000 03.000.000 6.000.000Masculino MasculinoMasculinoGráfico 1Pirâmi<strong>de</strong> etária da população – l (Brasil/2008)Feminino FemininoFemininoGráfico 3Pirâmi<strong>de</strong> etária dos beneficiários da GEAP (março/2009)Fonte: População – IBGE/DATASUS/2008Gráfico 2Pirâmi<strong>de</strong> etária dos beneficiários <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> assistência médica (Brasil – março/2009)Fonte: Sistemas <strong>de</strong> Informação <strong>de</strong> Beneficiários – ANS/MS – Março/2000808080 anosanos ououou maismais22.99922.99943.31543.31580 80 anos ou ou mais70 70 a 79 79 anos22.99943.31570 a 79 anos34.67359.43459.43470 70 a 79 79 anos60 60 a 69 69 anos34.67359.43460 a 69 anos41.12564.30564.30560 60 a 69 69 anos50 50 a 59 59 anos41.12564.30550 a 59 anos 49.18674.69374.69350 50 a 59 59 anos40 a 49 49.18640 49 anos74.69340 a 49 anos28.05542.73440 40 a 49 49 anos30 30 a 39 39 anos28.05542.73430 a 39 anos15.10121.39030 30 a 39 39 anos20 20 a 29 29 anos15.10121.39020 a 29 anos33.50239.16920 20 a 29 29 anos10 10 a 19 19 anos33.50239.16910 a 19 anos36.75437.01010 10 a a 19 19 anos36.754anos37.0100 a 9 anos16.32916.64500 a a 99 anos16.32916.64560.00060.000 40.00040.000 20.00020.0000020.00020.00040.00040.00060.00060.00080.00080.000100.000100.00060.000 40.000 20.000020.00040.00060.00080.000100.000Masculino MasculinoMasculinoFeminino FemininoFemininoFonte: GEPESQ – Cadastro Clientes – Março/2009


Assistência à Saú<strong>de</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>399Quadro Comparativo - População TotalPopulação brasileira189,6 milhõesDados IBGE -<strong>de</strong>zembro/2008População <strong>de</strong> assistidospela saú<strong>de</strong> suplementar41,4 milhõesDados ANS -março/2009População da GEAP676,4 milDados GEAP -março/2009Segundo dados <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, a GEAP possui uma populaçãoassistida <strong>de</strong> 39,30% com ida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong> 59 anos, entre os quais 550 com100 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> ou mais. Isso <strong>de</strong>monstra uma expectativa <strong>de</strong> vida longa,<strong>de</strong> maneira que reformular políticas, rea<strong>de</strong>quar programas e reestruturarpropostas tem sido um <strong>de</strong>safio cotidiano para a fundação, levando emconsi<strong>de</strong>ração as premissas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e sustentabilida<strong>de</strong> dos serviçosoferecidos aos beneficiários.A reformulação e a elaboração <strong>de</strong> novos programas assistenciais,tendo em vista o perfil dos assistidos <strong>na</strong> área da saú<strong>de</strong>, foi uma estratégiaimediata <strong>de</strong> gestão, pois, além do <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> se estabelecer uma re<strong>de</strong><strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, distribuída em 27 estados, com cobertura <strong>na</strong>s capitais e interiores,teria que se observar uma capilarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 2.694 municípios (GEPESC, julho<strong>de</strong> 2009) que contam com servidores fe<strong>de</strong>rais domiciliados.Hoje, no Brasil, nem mesmo o Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> apresentare<strong>de</strong> instalada <strong>de</strong>sta magnitu<strong>de</strong>. A exigência, portanto, está <strong>na</strong> criação <strong>de</strong>programas ambulatoriais com equipes móveis, focadas <strong>na</strong> prevenção e nocontrole <strong>de</strong> riscos, bem como no ressarcimento e no referenciamento <strong>de</strong>serviços para suprir uma <strong>de</strong>manda ainda baseada no fee for service, (taxasobre serviço), conforme regulamentação da saú<strong>de</strong> suplementar no país.Observou-se também que <strong>na</strong> reavaliação <strong>de</strong> programas maisantigos, como inter<strong>na</strong>ção domiciliar, atendimento <strong>de</strong> urgência medianteunida<strong>de</strong>s móveis <strong>de</strong> terapia intensiva e programas <strong>de</strong> incentivo a hábitossaudáveis, não se verificavam a a<strong>de</strong>são e o impacto esperados nos projetosimplementados. Muito tem sido discutido sobre os dados a<strong>na</strong>lisados eprojetados, mas, <strong>na</strong> prática, observa-se que os procedimentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> têmsido utilizados, cada vez mais, como outros bens e serviços, sem melhoriasuficiente dos indicadores que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m maior qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.


400Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi CarvalhoA análise dos dados, no entanto, ressalta como ponto principal afaixa etária, mesmo levando em consi<strong>de</strong>ração diferenças socioeconômicase condições sanitárias dos diferentes grupos populacio<strong>na</strong>is. Tanto assimque as doenças crônicas <strong>de</strong>generativas no grupo <strong>de</strong> pessoas com 59 anosou mais constituem o segmento <strong>de</strong> maior peso para os sistemas e serviços<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, tanto dos países ricos como dos em <strong>de</strong>senvolvimento.Diversos fatores concorrem para o aparecimento <strong>de</strong>sses agravos:<strong>de</strong>sgaste biológico, herança genética e hábitos <strong>de</strong> vida associados ariscos como obesida<strong>de</strong>, estresse, tabaco, álcool, drogas e se<strong>de</strong>ntarismo.O processo <strong>de</strong> aposentadoria também agrava esses fatores, levando aspessoas a uma condição <strong>de</strong> exclusão social, se levarmos em conta que asocieda<strong>de</strong> contemporânea ocupa a maior parte do seu tempo no mundodo trabalho.Estudos <strong>de</strong>monstram que o estilo <strong>de</strong> vida é o maior responsávelpor ter longevida<strong>de</strong> com autonomia e in<strong>de</strong>pendência (CZERESNIA, 2003;PORTER & TEISBERG, 2007). Ter outro projeto <strong>de</strong>pois da aposentadoria,para manter a vida produtiva pelo maior tempo possível, está se tor<strong>na</strong>ndouma meta não só econômica e previ<strong>de</strong>nciária como <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Observando os assistidos da GEAP com ida<strong>de</strong> superior a 59 anos,particularmente, pós-aposentadoria, verifica-se aumento significativo <strong>de</strong>agravos relacio<strong>na</strong>dos às doenças crônicas, em especial a saú<strong>de</strong> mental,como a <strong>de</strong>pressão e mesmo o suicídio, que acometem especialmenteos homens. Esse panorama corrobora os dados do Ministério da Saú<strong>de</strong>(Datasus, Mato Grosso do Sul, 2008).Há quase uma década, o Programa Maturida<strong>de</strong> Saudável,<strong>de</strong>senvolvido <strong>na</strong> fundação, mostra, por outro lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>trabalhar uma agenda com os idosos, estimulando-os a <strong>de</strong>senvolverpráticas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> física e mental, além <strong>de</strong> proporcio<strong>na</strong>r iniciativas quevisem à ressocialização e ao aumento da autoestima.<strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>Hoje a maior parte dos trabalhadores com mais <strong>de</strong> 50 anos trabalhapor conta própria, sem carteira assi<strong>na</strong>da. No entanto ganham 36,3% amais que a média, se concentram <strong>na</strong> construção e no serviço doméstico erepresentam o único grupo etário a ganhar espaço no mercado <strong>de</strong> trabalho


Assistência à Saú<strong>de</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>401nos últimos quatro anos. Essa tendência <strong>de</strong> bom aproveitamento dosprofissio<strong>na</strong>is com mais experiência já foi <strong>de</strong>tectada pelo IBGE, conformeindica uma comparação entre os índices apresentados pela Pesquisa Mensal<strong>de</strong> Emprego <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002 a maio <strong>de</strong> 2006, que revelou o crescimento daparticipação <strong>de</strong> pessoas com mais <strong>de</strong> 50 anos <strong>na</strong> população em ativida<strong>de</strong>.O índice, que era <strong>de</strong> 15,4% há quatro anos, hoje compreen<strong>de</strong> 18,1%. Aindasegundo dados do IBGE <strong>de</strong> 2005, mais <strong>de</strong> 65% dos idosos contribuem parao orçamento familiar.Dados da publicação “Envelhecimento e <strong>de</strong>pendência: <strong>de</strong>safiospara a organização da proteção social”, do Ministério da PrevidênciaSocial, afirmam que pouco mais <strong>de</strong> um terço dos 18,2 milhões <strong>de</strong> idososbrasileiros estimados pela Pesquisa Nacio<strong>na</strong>l por Amostra <strong>de</strong> Domicílios(PNAD, 2005) concentrava-se em domicílios com renda per capita <strong>de</strong> atéum salário mínimo. Por outro lado, número menor vivia em domicílioscom renda per capita entre um e dois salários mínimos. Assim sendo, algoem torno <strong>de</strong> sete <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z idosos viviam em domicílios com até doissalários mínimos <strong>de</strong> renda per capita. Em que pese a alta concentração dosidosos <strong>na</strong>s faixas mais baixas <strong>de</strong> renda, é possível constatar que é baixa aincidência <strong>de</strong> idosos em situação <strong>de</strong> pobreza, ou seja, em domicílios comrenda per capita inferior a meio salário mínimo.Além disso, parte da população brasileira que hoje está <strong>na</strong> terceiraida<strong>de</strong> não se planejou para essa fase da vida. É o que revela uma pesquisadirigida pelo cientista social e ex-coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor <strong>de</strong> Desenvolvimento Humanoda Organização das Nações Unidas, o professor José Carlos Libânio. Deacordo com o estudo, com cerca <strong>de</strong> 1,2 mil homens e mulheres <strong>de</strong> 55 a74 anos entrevistados, 52% disseram ter feito algum planejamento. Desseuniverso, 81% optaram pelo INSS. Participaram pessoas das classes A, Be C das regiões Sul, Su<strong>de</strong>ste, Centro-Oeste e Nor<strong>de</strong>ste, com renda familiaracima <strong>de</strong> R$ 2 mil.Segundo a pesquisa, a maioria não realizou nenhum tipo <strong>de</strong>planejamento, pois não estava atenta à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se preparar para avida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. As dificulda<strong>de</strong>s fi<strong>na</strong>nceiras também foram apontadascomo um dos obstáculos para o planejamento.A<strong>na</strong>lisando esse cenário, a fundação <strong>de</strong>senvolveu, em 2007,o projeto Idoso Empreen<strong>de</strong>dor, em parceria com instituições públicas eprivadas. O objetivo foi <strong>de</strong> inserir o assistido da GEAP e a comunida<strong>de</strong>


402Regi<strong>na</strong> Ribeiro Parizi Carvalhoem geral em trabalhos e ações capazes <strong>de</strong> promover não só umacomplementação fi<strong>na</strong>nceira à aposentadoria, mas também investimento<strong>na</strong> saú<strong>de</strong> física e mental, mediante aprendizado <strong>de</strong> novos conhecimentos,aproveitamento <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> novas responsabilida<strong>de</strong>s.O referido projeto também tem o propósito <strong>de</strong> mostrar <strong>de</strong> queforma as áreas produtivas po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem utilizar a mão <strong>de</strong> obra <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong>. Assim, cada edição do seminário conta com palestrantescapacitados e consultores do Serviço Brasileiro <strong>de</strong> Apoio às Micro ePeque<strong>na</strong>s Empresas (Sebrae) que dão orientações <strong>de</strong> como proce<strong>de</strong>r <strong>na</strong>abertura <strong>de</strong> microempresas e dicas <strong>de</strong> mercado voltadas para a terceiraida<strong>de</strong>. Também são promovidas dinâmicas e palestras <strong>de</strong> incentivo aoempreen<strong>de</strong>dorismo e <strong>de</strong>batidos cases.Os envolvidos <strong>na</strong> iniciativa consi<strong>de</strong>ram o projeto um sucesso.Des<strong>de</strong> a sua criação até os dias atuais, foram realizados 15 semináriosem 13 estados do país, com a participação <strong>de</strong> 4 mil pessoas. As GerênciasRegio<strong>na</strong>is da fundação nos estados vêm mantendo esse trabalho comofici<strong>na</strong>s periódicas. Além disso, está prevista a ampliação do projeto,mediante um curso <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria em parceria comórgãos responsáveis pela política <strong>de</strong> recursos humanos dos servidoresfe<strong>de</strong>rais, no período dos quatro anos que antece<strong>de</strong> a aposentadoria.O empreen<strong>de</strong>dor que cria ou concebe seu trabalho/ocupaçãoconsegue <strong>de</strong>senvolver características como criativida<strong>de</strong>, inovação, gostopelo risco, além da in<strong>de</strong>pendência nos cargos executivos e operacio<strong>na</strong>is. Otrabalho, nesses casos, é realizado com autonomia e é fonte <strong>de</strong> realização,gratificação e prazer. Essa é a vida que a GEAP <strong>de</strong>seja para os idosos <strong>de</strong>hoje e do futuro.BibliografiaBELLOTTO, A. Ainda falta planejamento para maioria dosbrasileiros. Jor<strong>na</strong>l Valor Econômico, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009.CARBONI R. M.; REPPETTO, M. A. Uma reflexão sobre a assistênciaà saú<strong>de</strong> do idoso no Brasil. Ver. Eletr. Enf. [Internet] 2007;9(1):251-60.Available from:http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n1/v9n1a20.htmCARLA, D. Longevida<strong>de</strong>: 100 anos e bem, uma questão <strong>de</strong> escolhas,


Assistência à Saú<strong>de</strong> e <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>403Jor<strong>na</strong>l A GAZETA, Vitória (ES), 09 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009.CZERESNIA, Di<strong>na</strong>. Ações <strong>de</strong> promoção à saú<strong>de</strong> e prevenção<strong>de</strong> doenças: o papel da ANS. Fórum <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Complementar. 2003.Disponível em: HTTP://www. Ans.gov.br/portal/upload/biblioteca/TT AS02 DCzeresnia AcoesPromocaoSau<strong>de</strong>.pdf.CONGRESSO Nacio<strong>na</strong>l. Lei 8.842 <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1994. Dispõesobre a Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso, cria o Conselho Nacio<strong>na</strong>l do Idoso edá outras providências. Diário Oficial da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil,Po<strong>de</strong>r Executivo, Brasília, DF., 5 jan. 1994. Seção 1, ano 132, n.3.MINISTÉRIO da Previdência Social. Envelhecimento e Dependência:<strong>de</strong>safios para a Organização da Proteção Social, 2008.NÉRI, Anita Liberalesso. Idosos no Brasil: vivências, <strong>de</strong>safios eexpectativas <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramoe Edições SESC, 2007.PORTER, M. E.; TEISBERG, E. O. Repensando a Saú<strong>de</strong> - Estratégiaspara melhorar a qualida<strong>de</strong> e reduzir os custos. Ed. Artmed, 2007.


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A Inclusão Social do Idoso:Promovendo Saú<strong>de</strong>, DesenvolvendoCidadania e Gerando Renda405Re<strong>na</strong>to P. VerasGraduado em Medici<strong>na</strong> pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro(UFRJ), com especializações em Psiquiatria Social <strong>na</strong> Universida<strong>de</strong> doEstado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UERJ) e em Medici<strong>na</strong> Social <strong>na</strong> UniversidadNacio<strong>na</strong>l Autónoma <strong>de</strong> México (UNAM). Doutorado em Epi<strong>de</strong>miologia doEnvelhecimento <strong>na</strong> London University - Guy’s Hospital. Atualmente, éprofessor associado da UERJ.IntroduçãoO homem obteve, no século passado, uma das maiores conquistas<strong>de</strong> sua história: o prolongamento do tempo <strong>de</strong> vida. Nos dias atuais,apren<strong>de</strong>mos que não basta ape<strong>na</strong>s viver mais, pois os avanços tecnológicosnos permitem chegar a ida<strong>de</strong>s bem mais avançadas. Mas o que é precisofazer para usufruir esses anos a mais <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> forma ple<strong>na</strong> e saudável?Em primeiro lugar, é necessário que haja políticas públicas, serviços<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, com ética e humanismo. O que buscamos faz parte dagerontologia contemporânea.A longevida<strong>de</strong> da população é um fenômeno mundial, comimportantes repercussões nos campos social e econômico. Este processo,que é conhecido como transição <strong>de</strong>mográfica, ocorre <strong>de</strong> modo mais intensono Brasil. Seus efeitos, portanto, são ainda maiores.O país envelhece rapidamente e a expectativa média <strong>de</strong> vida seamplia. O número <strong>de</strong> idosos passou <strong>de</strong> 3 milhões, em 1960, para 7 milhões,em 1975, e 20 milhões, em 2009 – um aumento <strong>de</strong> quase 700% em menos


406 Re<strong>na</strong>to P. Veras<strong>de</strong> 50 anos. Estima-se que o Brasil alcançará 32 milhões <strong>de</strong> idosos em 2020.Em países como a Bélgica e a França, por exemplo, foram necessários mais<strong>de</strong> cem anos para que a população idosa dobrasse <strong>de</strong> tamanho (Lima-Costa& Veras, 2003).É sempre importante frisar que envelhecimento e <strong>de</strong>spesasandam juntos. As estimativas oficiais indicam que, em 30 anos, os países<strong>de</strong>senvolvidos terão <strong>de</strong> gastar, no mínimo, <strong>de</strong> 9% a 16% a mais do ProdutoInterno Bruto (PIB) simplesmente para honrar seus compromissos com osbenefícios <strong>de</strong> aposentadoria. Os compromissos para os quais não existemrecursos (isto é, os benefícios já conquistados pelos atuais trabalhadores,para os quais não há fi<strong>na</strong>nciamento previsto) elevam-se a quase US$ 35trilhões. Se acrescentarmos a esse valor o cuidado com a saú<strong>de</strong>, o totaldobra. Portanto o envelhecimento global representa uma questão pen<strong>de</strong>nte<strong>de</strong>, no mínimo, US$ 64 trilhões - como uma espada sobre o futuro domundo <strong>de</strong>senvolvido. É quase certo que essa estimativa é conservadora.Ela provavelmente subestima o futuro crescimento da longevida<strong>de</strong> e doscustos com <strong>de</strong>spesas médicas e, ao mesmo tempo, não leva em contaos efeitos negativos, para a economia como um todo, do aumento <strong>de</strong>empréstimos, das taxas <strong>de</strong> juros, dos impostos e da redução das taxas <strong>de</strong>poupança, produtivida<strong>de</strong> e aumentos salariais.Em nosso país, a velocida<strong>de</strong> do processo traz uma série <strong>de</strong> questõescruciais. Não só para os gestores e pesquisadores dos sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, maspara toda a socieda<strong>de</strong>. Não bastassem os problemas próprios do fenômenoepi<strong>de</strong>miológico, também é preciso levar em conta que as mudanças sedão num contexto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> acentuada <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, <strong>de</strong> pobrezae fragilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituições (Uchôa, 2003). Além disso, ao mesmo tempoque existe carência geral <strong>de</strong> recursos, há gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> jovens quetambém <strong>de</strong>mandam programas públicos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Ou seja: temosdois segmentos etários fora da produção, com necessida<strong>de</strong>s específicas,exigindo habilida<strong>de</strong> e criativida<strong>de</strong> gerencial dos gestores para administrara escassez.Somos um jovem país <strong>de</strong> cabelos brancos. Todo ano, 650 milnovos idosos são incorporados à população brasileira - a maior parte comdoenças crônicas e alguns com limitações funcio<strong>na</strong>is. Em menos <strong>de</strong> 40anos, passamos <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> próprio <strong>de</strong> uma populaçãojovem para um quadro <strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong>s complexas e onerosas, típicas


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...407da terceira ida<strong>de</strong>, caracterizado por doenças crônicas e múltiplas, queperduram por anos, com exigência <strong>de</strong> cuidados constantes, medicaçãocontínua e exames periódicos.Também não nos damos conta <strong>de</strong> que a ampliação dos idososnão é somente em termos numéricos, mas também nos anos a mais quecada um <strong>de</strong>sses indivíduos viverá. Isso faz com que um novo contingentepopulacio<strong>na</strong>l se torne protagonista nesta socieda<strong>de</strong>, o que significanovos mercados, <strong>de</strong> todas as or<strong>de</strong>ns – seja <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> ou, principalmente,no preenchimento qualificado <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s diárias pelos maisvariados serviços. Na área da saú<strong>de</strong>, no sentido amplo do conceito, temosum novo <strong>de</strong>safio: oferecer uma linha <strong>de</strong> ações, mais contemporâneas ediferenciadas, com base no que há <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno no conhecimentocientífico e que mu<strong>de</strong> a lógica atual do consumo excessivo ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong> basemédico-hospitalar.Deve-se frisar que essa maior expectativa <strong>de</strong> vida se fez acompanhar<strong>de</strong> uma melhora substancial dos parâmetros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> das populações,ainda que estes avanços estejam longe <strong>de</strong> se distribuir <strong>de</strong> forma equitativanos diferentes contextos socioeconômicos. O que antes era um privilégio<strong>de</strong> poucos – chegar à velhice – hoje passa a ser a norma, mesmo nossegmentos mais pobres. Se no século XX isso foi uma conquista, no séculoXXI representa um imenso <strong>de</strong>safio.Estima-se que os avanços po<strong>de</strong>rão permitir ao ser humanoalcançar <strong>de</strong> 110 a 120 anos, com a expectativa <strong>de</strong> vida atingindo olimite biológico máximo. São mudanças fantásticas e muito próximas,que exigem a busca <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los que garantam vida com qualida<strong>de</strong> paraeste contingente populacio<strong>na</strong>l (Veras, 2003). Em programas exemplares,gover<strong>na</strong>mentais e não-gover<strong>na</strong>mentais, públicos ou privados, projetos <strong>de</strong>iniciativa individual ou coletiva, enfim, buscam-se mo<strong>de</strong>los que tenhamcomo foco a vida ple<strong>na</strong> para a pessoa idosa.Deste modo, nossa intenção, aqui, é apresentar os conceitos eo novo linguajar da contemporânea gerontologia, sob uma perspectivaampla, procurando <strong>de</strong>monstrar a importância do tema no contexto atual dopaís e, em paralelo, evi<strong>de</strong>nciar que o envelhecimento humano, a economiada saú<strong>de</strong> e a geração <strong>de</strong> renda e emprego fazem parte <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong>preocupações atuais que serão tema <strong>de</strong> discussão <strong>de</strong>ste trabalho.


408Re<strong>na</strong>to P. VerasIdoso, saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidaNos últimos anos, o tema do idoso tem aparecido constantemente<strong>na</strong> gran<strong>de</strong> imprensa brasileira. O motivo é, sem dúvida, a expressivaampliação <strong>de</strong>sse segmento populacio<strong>na</strong>l. No entanto poucos ainda se<strong>de</strong>ram conta <strong>de</strong> que as repercussões <strong>de</strong>sse aumento do número <strong>de</strong> idosossão ainda mais expressivas do que se percebe. Em muitos casos, o idosoé um tema transversal, ao qual nem sempre a socieda<strong>de</strong> dá a <strong>de</strong>vidaimportância. Alguns exemplos po<strong>de</strong>m ser citados:a) <strong>na</strong> última década, nos anos 90 do século passado, osaposentados protestam <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente, em um movimento queficou conhecido como a “Campanha dos 147%”;b) a Clínica Santa Genoveva, <strong>de</strong> atendimento à população idosa,virou notícia em todo o país pela morte <strong>de</strong> 102 doentesinter<strong>na</strong>dos;c) o Congresso Nacio<strong>na</strong>l aprovou a lei 9.656/98, queregulamentou os planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Todos esses fatos, que tiveram gran<strong>de</strong> repercussão, foram poucoassociados à maior participação numérica <strong>de</strong> idosos <strong>na</strong> populaçãobrasileira.O que não po<strong>de</strong>mos esquecer é que a existência <strong>de</strong> mais idosos <strong>na</strong>socieda<strong>de</strong> exige transformações em várias áreas. O impacto <strong>na</strong> previdênciasocial é expressivo, pois os cálculos atuariais foram estimados para umavida laboral <strong>de</strong> 30 anos e um período <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> 8 a 10 anos pós-trabalho.Como a expectativa <strong>de</strong> vida era baixa, as universida<strong>de</strong>s não tiveram apreocupação <strong>de</strong> qualificar profissio<strong>na</strong>is para lidar com os idosos. Hoje seobserva uma carência importante <strong>de</strong> pessoal trei<strong>na</strong>do e competente emtodas as áreas sociais.Sempre lidamos com a gestão da saú<strong>de</strong> como se as doençastivessem custos semelhantes. As diferenças são gigantescas. As doençasagudas, predomi<strong>na</strong>ntes em populações mais jovens, são substituídas pelasdoenças crônicas, em populações mais envelhecidas. Não se trata ape<strong>na</strong>s<strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> nomenclatura. As doenças agudas são únicas e <strong>de</strong> curtaduração. As crônicas, por sua vez, são múltiplas e perduram por décadas,chegando a 20, 30 ou mais anos, retirando qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, impondorestrições para toda a família e pesando fi<strong>na</strong>nceiramente.


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...409A montagem <strong>de</strong> programas que visem oferecer cuidado integralao idoso é um <strong>de</strong>safio a ser enfrentado. Em outras palavras, um mo<strong>de</strong>loque vise incentivar o indivíduo a colocar seus talentos a serviço <strong>de</strong> umacomunida<strong>de</strong> mais ampla, <strong>na</strong> qual ele se veja refletido, com o objetivo <strong>de</strong>restituir ao idoso o seu sentimento <strong>de</strong> cidadania.A proposta-chave para esse grupo etário é a manutenção daqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, que <strong>de</strong>ve ser compreendida no seu sentido mais amplo,incluindo prevenção e assistência à saú<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> lazer, informação eparticipação social. Isso requer pessoal qualificado e competente, o queleva, por outro lado, a geração <strong>de</strong> renda e um novo ofício.As origens e concepções da promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>Intimamente relacio<strong>na</strong>da à vigilância da saú<strong>de</strong> e a um movimento<strong>de</strong> crítica à medicalização do setor, a promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> supõe umaconcepção que não se restrinja à ausência <strong>de</strong> doença, mas que seja capaz<strong>de</strong> atuar sobre seus <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes. Incidindo sobre as condições <strong>de</strong> vida dapopulação, extrapola a prestação <strong>de</strong> serviços clínico-assistenciais, supondoações intersetoriais que envolvam a educação, o saneamento básico, ahabitação, a renda, o trabalho, a alimentação, o meio ambiente, o acessoa bens e serviços essenciais e o lazer, entre outros <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes sociaisda saú<strong>de</strong>.A expressão “promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>” foi usada pela primeira vezem 1945, pelo ca<strong>na</strong><strong>de</strong>nse Henry Sigerist (Pereira et al., 2000). O médicohistoriador<strong>de</strong>finiu quatro tarefas essenciais à medici<strong>na</strong>: a promoção <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, a prevenção <strong>de</strong> doenças, o tratamento dos doentes e a reabilitação,afirmando que “saú<strong>de</strong> se promove proporcio<strong>na</strong>ndo condições <strong>de</strong> vida<strong>de</strong>centes, boas condições <strong>de</strong> trabalho, educação, cultura e lazer” (Sigeristapud Terris, 1992, p. 38).Terris (1992) ressalta que esta <strong>de</strong>finição origi<strong>na</strong>l da promoção, queenfatiza os “fatores gerais” <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção da saú<strong>de</strong>, difere da concepçãodifundida pelo Informe Lalon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1974, que privilegiou os “fatoresparticulares”. Apesar disso, este relatório foi tido como um marco históricono campo da Saú<strong>de</strong> Pública, por questio<strong>na</strong>r oficialmente o impacto e ocusto elevado dos cuidados médicos <strong>na</strong> saú<strong>de</strong>.O Informe Lalon<strong>de</strong> <strong>de</strong>staca a limitação das ações centradas <strong>na</strong>


410Re<strong>na</strong>to P. Verasassistência médica, insuficientes para atuar sobre os grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntesorigi<strong>na</strong>is da saú<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificados por ele: os biológicos, os ambientais e osrelacio<strong>na</strong>dos aos estilos <strong>de</strong> vida. Propusera, então, ampliar o campo <strong>de</strong>atuação da saú<strong>de</strong> pública, priorizando medidas preventivas e programaseducativos que trabalhassem com mudanças comportamentais e <strong>de</strong> estilos<strong>de</strong> vida. As repercussões do Relatório Lalon<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificadas<strong>na</strong> concepção orientadora das práticas <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ao longoda década <strong>de</strong> 1970, as quais, em sua maioria, tiveram seu foco restritoà modificação <strong>de</strong> hábitos, estilos <strong>de</strong> vida e comportamentos individuaisnão saudáveis, entre os quais o fumo, a obesida<strong>de</strong>, a promiscuida<strong>de</strong>sexual e o abuso <strong>de</strong> substâncias psicoativas. Tal abordagem centrava-se<strong>na</strong> prevenção <strong>de</strong> doenças crônico-<strong>de</strong>generativas, problema prioritário nospaíses <strong>de</strong>senvolvidos.Segundo Lalon<strong>de</strong> (1996), o enfoque abrangente correspon<strong>de</strong>à direção seguida pelos profissio<strong>na</strong>is da saú<strong>de</strong> pública que se filiam à“nova promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>”, dirigida aos fatores gerais e estruturais.São problemas característicos <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m a pobreza, o <strong>de</strong>semprego, oestresse, as condições <strong>de</strong> trabalho e moradia precárias, o envelhecimentopopulacio<strong>na</strong>l, a violência, o isolamento social, entre outros. Inspiradapor estas novas perspectivas, a promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ampliou seu marcoreferencial e assumiu a saú<strong>de</strong> como produção social, passando a valorizarmais intensamente <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes socioeconômicos, instigar o compromissopolítico e fomentar as transformações sociais.A partir da década <strong>de</strong> 1980, a promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> passou a ganhar<strong>de</strong>staque no campo da Saú<strong>de</strong> Pública, tendo o conceito sido introduzidooficialmente pela Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS, 1984). Seu marcoconceitual e sua prática foram <strong>de</strong>senvolvidos predomi<strong>na</strong>ntemente pororganizações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e por estudiosos da Europa Oci<strong>de</strong>ntal, doCa<strong>na</strong>dá e dos Estados Unidos (Cerqueira, 1997).Promoção da saú<strong>de</strong>, envelhecimento ea emergência <strong>de</strong> novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atenção ao idosoMais do que qualquer época, o século XX se caracterizou porprofundas e radicais transformações, <strong>de</strong>stacando-se o aumento dotempo <strong>de</strong> vida da população como um dos fatos mais significativos noâmbito da saú<strong>de</strong> pública mundial. A esperança <strong>de</strong> vida experimentou um


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...411incremento <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 30 anos ao longo do século XX, numa profundarevolução da <strong>de</strong>mografia e da saú<strong>de</strong> pública. Tal revolução formula paraos especialistas, homens públicos e coletivida<strong>de</strong>s um dos maiores <strong>de</strong>safiossociais da história huma<strong>na</strong> e uma intensa <strong>de</strong>manda por estudos e análisespara uma melhor <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> prevenção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>no envelhecimento. Trata-se <strong>de</strong> um fenômeno simultaneamente global elocal, com evolução preocupante a curto e médio prazo, à medida que arápida diminuição das taxas <strong>de</strong> <strong>na</strong>talida<strong>de</strong> observadas <strong>na</strong>s últimas décadas<strong>na</strong> maioria dos países si<strong>na</strong>liza um incremento ainda maior do processoglobal <strong>de</strong> envelhecimento da população. A equação <strong>de</strong>mográfica é simples:quanto menor o número <strong>de</strong> jovens e maior o número <strong>de</strong> adultos atingindoa terceira ida<strong>de</strong>, mais rápido é o envelhecimento da população como umtodo (Camarano, 1999).No Brasil, no fi<strong>na</strong>l da década <strong>de</strong> 1980, quando se intensificao movimento <strong>de</strong> valorização do idoso em <strong>de</strong>corrência das análises<strong>de</strong>mográficas acerca do envelhecimento populacio<strong>na</strong>l, muitos profissio<strong>na</strong>is<strong>na</strong>s áreas da saú<strong>de</strong> e das ciências huma<strong>na</strong>s e sociais tomaram como ponto<strong>de</strong> partida a marcante obra <strong>de</strong> Simone <strong>de</strong> Beauvoir 1 (1990), “A Velhice”,e, no âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, os eloquentes trabalhos <strong>de</strong> Eneida Haddad, “AI<strong>de</strong>ologia da Velhice” (1986), e <strong>de</strong> Ecléa Bosi, “Lembranças <strong>de</strong> Velhos”(1987). As duas autoras discutem a perda do valor social do idoso emfunção do avanço do capitalismo, que tor<strong>na</strong> o idoso elemento <strong>de</strong>scartável<strong>de</strong> um sistema que singulariza a capacida<strong>de</strong> produtiva em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong>outras dimensões do humano.Des<strong>de</strong> então, profissio<strong>na</strong>is que focalizam o envelhecimento comocampo <strong>de</strong> eleição <strong>de</strong> sua prática profissio<strong>na</strong>l e construção <strong>de</strong> saberes vêmtravando um embate <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> resgatar o valor social do idoso. Talresgate passa, inevitavelmente, por assegurar sua cidadania ple<strong>na</strong> (Veras& Caldas 2004).O <strong>de</strong>senvolvimento mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>terminou profundas transformaçõesno campo da saú<strong>de</strong>. Paim & Almeida Filho (2000) sublinham que a“nova or<strong>de</strong>m mundial”, que se instaura <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 80, inspirada no1 Escritora francesa e feminista, Simone De Beauvoir integrou um grupo <strong>de</strong> escritores filósofos que<strong>de</strong>ram uma transcrição literária dos temas do Existencialismo. Preocupada também com o tema davelhice, aborda o tema em Une mort très douce (1964 - “Uma morte suave”), sobre a morte <strong>de</strong> sua mãenum hospital, e La Vieillesse (1970; Old Age), uma amarga reflexão sobre a indiferença da socieda<strong>de</strong>em relação aos velhos.


412Re<strong>na</strong>to P. Verasneoliberalismo, fragiliza os esforços para o enfrentamento coletivo dosproblemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Particularmente nos países <strong>de</strong> economia capitalista<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a opção pelo “Estado mínimo” e o corte nos gastos públicos,em resposta à assim <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>da “crise fiscal do Estado”, comprometema esfera institucio<strong>na</strong>l conhecida como saú<strong>de</strong> pública. Emerge então uma“crise da saú<strong>de</strong> pública”, percebida <strong>de</strong> modo diferente pelos distintos sujeitosatuantes neste campo social. Visando superar esta situação adversa, váriosaportes têm sido propostos, reclamando novas abordagens.Fala-se <strong>de</strong> um paradigma pós-mo<strong>de</strong>rno, que reconheceria asdiferenças sociais e culturais, sem que haja uma ruptura com o conhecimentomo<strong>de</strong>rno, científico, mas sim a sua superação, pelo reconhecimento dasdiferenças – o que exclui a idéia <strong>de</strong> hierarquia entre os <strong>de</strong>siguais, uma vezque é o respeito às diferenças o que nos faz igual.Trata-se <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo, que tem como imperativos éticos aparticipação e a solidarieda<strong>de</strong>, articulados à ciência e ao mundo da vida.De acordo com Serrano (2002), este novo paradigma compreen<strong>de</strong>ria ummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que leva em conta:- a saú<strong>de</strong> como eixo das políticas públicas;- uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidado <strong>na</strong> relação com a <strong>na</strong>tureza;- o compromisso com a participação social <strong>de</strong> todos,compreen<strong>de</strong>ndo o empowerment e a construção dos sujeitoscidadãos;- o resgate do lazer;- o resgate do espiritual;- a inserção da perspectiva da promoção da saú<strong>de</strong> comoprioritária;- a integração das diferentes práticas culturais.Para construir este novo referencial é necessário garantir a cidadaniapara todos, inclusive para aqueles que a tiveram e a per<strong>de</strong>ram. É a partirda inclusão social que se po<strong>de</strong> contar com pessoas solidárias, cordiais econectadas com tudo e todos. É neste marco que se po<strong>de</strong> recuperar o valordo idoso para a socieda<strong>de</strong>.O contexto atual, no entanto, não parece favorecer esta atuação: abaixa priorida<strong>de</strong> conferida aos idosos pelas políticas públicas (assistenciais,


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...413previ<strong>de</strong>nciárias e <strong>de</strong> ciência & tecnologia) evi<strong>de</strong>ncia uma percepçãoi<strong>na</strong><strong>de</strong>quada das suas necessida<strong>de</strong>s específicas. Tor<strong>na</strong>-se necessário,portanto, um esforço político orientado no sentido <strong>de</strong> colocar <strong>na</strong> agendada socieda<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse segmento populacio<strong>na</strong>l.O a<strong>na</strong>cronismo do cuidadoChega-se à conclusão <strong>de</strong> que a cultura da preservação da saú<strong>de</strong>, emvez da velha prática da reparação da doença é algo ainda pouco praticado,apesar <strong>de</strong> aceito por todos. No entanto pouco está sendo feito paratransformar o mo<strong>de</strong>lo assistencial. É hora <strong>de</strong> novas instâncias <strong>de</strong> cuidado,como o hospital-dia, o home-care e os centros <strong>de</strong> convivência. Deve-secolocar ênfase <strong>na</strong>s informações epi<strong>de</strong>miológicas, não <strong>na</strong> tecnologia dasmáqui<strong>na</strong>s, ou seja, medidas que viabilizem a busca ativa e a antecipaçãoda intervenção sobre a doença.Com a ampliação da população idosa, a modalida<strong>de</strong> do cuidadodomiciliar ten<strong>de</strong> a se ampliar. O idoso, com suas múltiplas patologias ecom sua preferência em ter sua vida menos conturbada, <strong>na</strong> imensa maioriadas vezes, opta pelo tratamento em casa.Na verda<strong>de</strong>, este processo <strong>de</strong> maior participação da família notratamento e <strong>de</strong> partilhamento <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s é uma discussão queocorre no campo da psiquiatria <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 70 e que agora se transferepara todos os campos da medici<strong>na</strong>. Os psiquiatras ingleses Ro<strong>na</strong>ld Lainge David Cooper (Laing, 1973a; Laing, 1973b; Cooper, 1973), mentores domovimento da antipsiquiatria, não aceitavam mais o hospital como local<strong>de</strong> tratamento. Depois veio o movimento italiano (Basaglia, 1979; Basagila,1991) e, no Brasil, existe a lei Paulo Delgado 2 , que redirecio<strong>na</strong> a assistênciaem saú<strong>de</strong> mental, enfatizando uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços extra-hospitalares,limitando a inter<strong>na</strong>ção como último recurso assistencial e restringindo aconstrução e o fi<strong>na</strong>nciamento, pelo setor público, <strong>de</strong> novos leitos para odoente mental.Portanto o home-care não é um modismo, mas ape<strong>na</strong>s uma2 A lei que dispõe sobre a “proteção e os direitos das pessoas portadoras <strong>de</strong> transtornos psíquicos eredirecio<strong>na</strong> o mo<strong>de</strong>lo assistencial em saú<strong>de</strong> mental”, conhecida como Lei Paulo Delgado, tem umalonga trajetória no parlamento. O início do processo ocorreu <strong>na</strong> Câmara Fe<strong>de</strong>ral, através do projeto<strong>de</strong> lei número 3.657, em 1989. Somente em 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1999 a Comissão Diretora do Se<strong>na</strong>doapresentou a redação fi<strong>na</strong>l do substitutivo do Se<strong>na</strong>do ao projeto <strong>de</strong> lei da Câmara. Agora a lei precisaser votada <strong>na</strong> Câmara, no entanto ainda não tem data prevista para a votação.


414Re<strong>na</strong>to P. Verasmodalida<strong>de</strong>, mais contemporânea, <strong>de</strong> cuidar. Aliás, a “invenção” domo<strong>de</strong>rno hospital é que é algo recente. Até há bem pouco tempo, o cuidadose dava <strong>na</strong> residência. Hospital era o espaço reservado para os excluídosda socieda<strong>de</strong> e funcio<strong>na</strong>va como local para <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> loucos, prostitutas,leprosos, tísicos, vadios e todas as <strong>de</strong>mais categorias que maculavam aor<strong>de</strong>m social. A estrutura asilar/hospitalar tinha como missão retirar osindivíduos in<strong>de</strong>sejados do convívio da socieda<strong>de</strong>, estigmatizando-os aopapel <strong>de</strong> doentes, con<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo-os a conviver fora das suas relações sociais,no espaço medicalizado da instituição fechada. Estas reflexões já foram<strong>de</strong>scritas nos trabalhos <strong>de</strong> estudiosos como Michael Foucault (Foucault,1977; Foucault, 1986; Foucault, 1997), J. Guilhon (Guilhon, 1972) eJurandir Freire Costa (Costa, 1981).Portanto tratar em casa e ter um médico no centro <strong>de</strong>ste cuidadonão é novida<strong>de</strong>. A novida<strong>de</strong> é ir contra todos os cenários mundiais queapontam o a<strong>na</strong>cronismo do hospital <strong>na</strong> atual e facetada organização dosserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Justificativa para a inclusão social do idosoProjetos que visem à inclusão social do idoso através da promoçãoda cidadania e da geração <strong>de</strong> renda têm como objetivo contribuir comações que busquem alter<strong>na</strong>tivas que favoreçam a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida <strong>de</strong> idosos, com foco <strong>na</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>na</strong> informação, no lazere <strong>na</strong> inclusão social dos idosos em suas comunida<strong>de</strong>s.A i<strong>de</strong>ia é trei<strong>na</strong>r, qualificar e proporcio<strong>na</strong>r uma nova habilida<strong>de</strong>,com consequente geração <strong>de</strong> renda, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver programas<strong>de</strong> base comunitária – e gran<strong>de</strong> relevância social – para proporcio<strong>na</strong>rcuidado integral ao idoso, com qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Isso, necessariamente,inclui prevenção e assistência à saú<strong>de</strong>, lazer, educação, informação esocialização.No Brasil, os esforços <strong>de</strong> atendimento ao idoso ainda são pontuaise <strong>de</strong>sarticulados. Os mo<strong>de</strong>los vigentes se mostram ineficientes e <strong>de</strong> altocusto. Assim, tor<strong>na</strong>m-se imprescindíveis novos métodos <strong>de</strong> planejamentoe gerência, pois a prestação dos cuidados reclama estruturas criativas einovadoras, com propostas <strong>de</strong> ações diferenciadas, <strong>de</strong> modo que o sistemaganhe eficiência (Veras, 2003).


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...415A Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) recomenda que as políticas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>na</strong> área <strong>de</strong> envelhecimento levem em consi<strong>de</strong>ração a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> uma ação articulada <strong>de</strong> vários segmentos, bem como os fatores sociais,econômicos, comportamentais, pessoais e culturais, as questões específicas<strong>de</strong> homens e mulheres, além do ambiente físico e do acesso a serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, presentes ao longo <strong>de</strong> todo o curso <strong>de</strong> vida.Porém, no mo<strong>de</strong>lo brasileiro, o peso assistencial ainda éprepon<strong>de</strong>rante e o notável grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticulação <strong>de</strong>ntro do sistema <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> dificulta a operacio<strong>na</strong>lização <strong>de</strong> qualquer lógica baseada em umaavaliação capaz <strong>de</strong> abranger os múltiplos aspectos da vida do idoso. Dessemodo, tor<strong>na</strong>-se urgente incluir <strong>na</strong> agenda <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do país, <strong>de</strong> modoprioritário, a saú<strong>de</strong> da pessoa idosa, baseada no paradigma da capacida<strong>de</strong>funcio<strong>na</strong>l, abordada <strong>de</strong> maneira multidimensio<strong>na</strong>l (Veras et al., 2007).Quando se pensa <strong>na</strong> elaboração <strong>de</strong> uma nova política <strong>de</strong> cuidadopara o idoso baseada <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, é fundamental ter em vistao conceito <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l, isto é, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter ashabilida<strong>de</strong>s físicas e mentais necessárias para uma vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte eautônoma. É fato que a maioria das doenças crônicas dos idosos tem seuprincipal fator <strong>de</strong> risco <strong>na</strong> própria ida<strong>de</strong>. No entanto esta longevida<strong>de</strong> nãoimpe<strong>de</strong> que o idoso possa conduzir sua própria vida <strong>de</strong> forma autônoma e<strong>de</strong>cidir sobre seus interesses sem ajuda <strong>de</strong> quem quer que seja. Esse idoso,que mantém sua in<strong>de</strong>pendência e auto<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção, ou seja, a capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> exercer sua autonomia, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado um idoso saudável, aindaque apresente uma ou mais doenças crônicas (Veras & Caldas, 2004).Dessa forma, o centro <strong>de</strong> qualquer política contemporânea <strong>de</strong>vefocar a promoção do envelhecimento saudável, com manutenção e melhoriacada vez maiores da capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l dos idosos, com prevenção <strong>de</strong>doenças, recuperação da saú<strong>de</strong> dos que adoecem (e/ou a estabilização dasdoenças) e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacida<strong>de</strong>funcio<strong>na</strong>l restringida.Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, este conceito é o mais a<strong>de</strong>quadopara estruturar e viabilizar uma política <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> do idoso. Oobjetivo <strong>de</strong>ve ser a manutenção da máxima capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l pelomaior tempo possível. A <strong>de</strong>pendência, física ou mental, é um fator <strong>de</strong> riscoimportante para mortalida<strong>de</strong>, mais até do que as próprias doenças quelevaram à <strong>de</strong>pendência, já que nem todo doente se tor<strong>na</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Daí é


416Re<strong>na</strong>to P. Verasfundamental que todas as iniciativas <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> assistênciae <strong>de</strong> reabilitação em saú<strong>de</strong> tenham como meta aprimorar, manter ourecuperar a capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l do indivíduo, valorizar a autonomia oua auto<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e a in<strong>de</strong>pendência física e mental. Tudo isso vai alémdo simples diagnóstico e do tratamento <strong>de</strong> doenças específicas (Lourençoet al., 2005).Ao consi<strong>de</strong>rarem que qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida tem múltiplos sentidos,Mi<strong>na</strong>yo, Hartz & Buss (2000) afirmam que esta noção tem sido aproximadaao grau <strong>de</strong> satisfação encontrado <strong>na</strong> vida familiar, amorosa, social eambiental e à própria estética existencial. Pressupõe a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>efetuar uma síntese cultural <strong>de</strong> todos os elementos que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dasocieda<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra seu padrão <strong>de</strong> conforto e bem-estar. O termo abrangemuitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores<strong>de</strong> indivíduos e coletivida<strong>de</strong>s que a ele se reportam em variadas épocas,espaços e histórias diferentes, sendo, portanto, uma construção social coma marca da relativida<strong>de</strong> cultural (Rosen, 1979).Assis (1998) observa que os inúmeros problemas que afetam aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos idosos em um país em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong>mandam, por sua vez, respostas urgentes em diversas áreas. Às políticaspúblicas cabe garantir os direitos fundamentais (habitação, renda,alimentação) e <strong>de</strong>senvolver ações voltadas para as necessida<strong>de</strong>s específicasda população idosa, como centros <strong>de</strong> convivência, assistência à saú<strong>de</strong>especializada, centros-dia, serviços <strong>de</strong> apoio domiciliar ao idoso, programa<strong>de</strong> medicamentos, universida<strong>de</strong>s da terceira ida<strong>de</strong> etc.O conceito <strong>de</strong> envelhecimento bem-sucedido (Teixeira & Neri,2008) envolve baixo risco <strong>de</strong> doenças e <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong>s, funcio<strong>na</strong>mentofísico e mental excelentes e envolvimento ativo com a vida. Depen<strong>de</strong> dacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adaptação às mudanças físicas, emocio<strong>na</strong>is e sociais. Estacapacida<strong>de</strong> é o resultado da estrutura psicológica e das condições sociaisconstruídas ao longo da vida.Para um envelhecimento bem-sucedido, é necessário que hajauma substituição simbólica das inexoráveis perdas por ganhos em outrasdimensões. É preciso também o atendimento às necessida<strong>de</strong>s sociais (boascondições <strong>de</strong> vida e oportunida<strong>de</strong>s socioculturais) e a renovação dosprojetos <strong>de</strong> vida.


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...417O envelhecimento mal-sucedido, por sua vez, se dá quandoocorrem perdas dos projetos <strong>de</strong> vida, falta <strong>de</strong> reconhecimento, dificulda<strong>de</strong><strong>de</strong> satisfazer suas próprias necessida<strong>de</strong>s, sentimento <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong>,incapacida<strong>de</strong>, baixa estima, <strong>de</strong>pendência, <strong>de</strong>samparo, solidão, <strong>de</strong>sesperança,ocorrência <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pressão, hipocondria e fobias.As doenças que coloquem a vida em risco; a morte <strong>de</strong> pessoapróxima; a saída dos filhos <strong>de</strong> casa; as mudanças <strong>de</strong> residência; a perdada autonomia e as perdas materiais são importantes riscos para que seestabeleça um processo <strong>de</strong> envelhecimento mal-sucedido.<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como “a percepção do indivíduo<strong>de</strong> sua posição <strong>na</strong> vida no contexto da cultura e do sistema <strong>de</strong> valoresnos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrõese preocupações” (WHOQOL Group). Na velhice, os principais indicadores<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida são a própria longevida<strong>de</strong>, a saú<strong>de</strong> biológica, asaú<strong>de</strong> mental, a satisfação com a vida, um bom <strong>de</strong>sempenho cognitivo,competência social, produtivida<strong>de</strong> e ativida<strong>de</strong>.A fragilida<strong>de</strong> é outro conceito importante para avaliar a saú<strong>de</strong> doidoso. Esta é <strong>de</strong>finida como uma vulnerabilida<strong>de</strong> que o indivíduo apresentaaos <strong>de</strong>safios do próprio ambiente. Esta condição é observada em pessoasmuito idosas ou <strong>na</strong>quelas mais jovens, que apresentam uma combi<strong>na</strong>ção<strong>de</strong> doenças ou limitações funcio<strong>na</strong>is que reduziam sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>adaptar-se ao estresse causado por doenças agudas, hospitalização ououtras situações <strong>de</strong> risco.A fragilida<strong>de</strong> representa risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência. A <strong>de</strong>pendência setraduz por uma ajuda indispensável para a realização dos atos elementaresda vida. Não é ape<strong>na</strong>s a incapacida<strong>de</strong> que cria a <strong>de</strong>pendência, massim o somatório da incapacida<strong>de</strong> com a necessida<strong>de</strong>. Por outro lado, a<strong>de</strong>pendência não é um estado permanente. É um processo dinâmico cujaevolução po<strong>de</strong> se modificar e até ser prevenida ou reduzida, se houver umambiente e assistência a<strong>de</strong>quados.Faz-se necessário classificar a incapacida<strong>de</strong> em graus <strong>de</strong><strong>de</strong>pendência: leve, parcial ou total. É exatamente o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendênciaque <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> os tipos <strong>de</strong> cuidados que serão necessários. Para se avaliaro grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência utiliza-se o método <strong>de</strong> avaliação funcio<strong>na</strong>l. Funçãoé a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um indivíduo adaptar-se aos problemas cotidianos, ou


418Re<strong>na</strong>to P. Verasseja, aquelas ativida<strong>de</strong>s que lhe são requeridas por seu entorno imediato,incluindo a sua participação social, ainda que apresente limitação física,mental ou social.Martins Sá (Sá, 2002) <strong>de</strong>staca que o profissio<strong>na</strong>l que atua no campoda saú<strong>de</strong> do idoso precisa estar apto a apreen<strong>de</strong>r, histórica e criticamente, oprocesso do envelhecimento em seu conjunto; compreen<strong>de</strong>r o significadosocial da ação gerontológica; situar o <strong>de</strong>senvolvimento da gerontologiano contexto sócio-histórico; atuar <strong>na</strong>s expressões da questão da velhicee do envelhecimento, formulando e implementando propostas para oenfrentamento; realizar pesquisas que subsidiem a formulação <strong>de</strong> açõesgerontológicas; compreen<strong>de</strong>r a <strong>na</strong>tureza interdiscipli<strong>na</strong>r da gerontologia,buscando ações compatíveis <strong>de</strong> ensino, pesquisa e assistência; zelar poruma postura ética e solidária no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções e orientara população idosa <strong>na</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> recursos para o atendimento àsnecessida<strong>de</strong>s básicas e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos.Po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que a promoção da saú<strong>de</strong> do idoso <strong>na</strong>comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve garantir um aprofundamento <strong>de</strong> práticas preventivas,balizado pelo afã <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar precocemente os agravos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Operacio<strong>na</strong>lização <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo preventivoApesar <strong>de</strong> os conceitos preventivos já estarem bem estruturados eaceitos pelos profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, sua operacio<strong>na</strong>lização ainda é bastanteprecária, particularmente no grupo etário dos idosos, on<strong>de</strong> existem algunscomplicadores teóricos. O mo<strong>de</strong>lo preventivo foi concebido em um mundomenos envelhecido que o atual. A ênfase, portanto, foi conferida aosgrupos populacio<strong>na</strong>is mais jovens.Estamos assumindo que existe concordância <strong>na</strong> aplicaçãodas estratégias preventivas e no cuidado integral à saú<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>,existe um discurso favorável ao método entre os profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,possivelmente pelo fato <strong>de</strong> que ser contrário à prevenção é algo por<strong>de</strong>mais retrogrado - e, portanto, difícil <strong>de</strong> assumir. No entanto, quandose observa a prática médica, particularmente em alguns segmentos dosetor da saú<strong>de</strong>, vê-se que, apesar do discurso da prevenção, existe ape<strong>na</strong>sserviço curativo e tradicio<strong>na</strong>l. A <strong>de</strong>sculpa para tamanha dicotomia éimputada à difícil mensuração da eficácia, do ponto <strong>de</strong> vista fi<strong>na</strong>nceiro,


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...419para tais programas. Des<strong>de</strong> a Carta <strong>de</strong> Ottawa, já havia a preocupação em<strong>de</strong>monstrar a efetivida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo preventivo e <strong>de</strong> caracterizar aquelaspráticas eficazes que conduzem a mudanças nos <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ntes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Portanto, embora a dicotomia continue presente no discurso -amplamente incorporado, mas pouco executado -, muitos passos estão sendodados. Do ponto <strong>de</strong> vista didático, passaremos a apresentar alguns propostasbem-sucedidas e alguns dos caminhos para sua operacio<strong>na</strong>lização.Promoção e prevençãoPrimeiramente, temos <strong>de</strong> valorizar o fato <strong>de</strong> vivermos no séculoda informação. No campo da saú<strong>de</strong> coletiva, a informação epi<strong>de</strong>miológicase traduz em capacida<strong>de</strong> para prever eventos, possibilitando diagnósticoprecoce, em especial em relação às doenças crônicas, retardando oaparecimento <strong>de</strong>sses agravos e melhorando a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e daabordagem terapêutica (Para<strong>de</strong>la, E.; Lourenço, R.; Veras, R., 2005).É necessário, contudo, manejar algumas questões teóricas queconsi<strong>de</strong>rem as especificida<strong>de</strong>s do idoso e mostrem que os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>prevenção para este grupo etário são distintos dos preconizados para osgrupos populacio<strong>na</strong>is mais jovens. A proposta-chave para os idosos é amáxima postergação do início das doenças, pois elas, em sua maioria, sãocrônicas. Uma vez instaladas, não mais regri<strong>de</strong>m, restringindo a atuaçãomédica ao controle <strong>de</strong> seu tempo <strong>de</strong> progressão. Ou seja, <strong>de</strong>ve-se buscara compressão da morbida<strong>de</strong>, em que a estratégia passa a ser a <strong>de</strong> levar amorbida<strong>de</strong> ao limiar mais próximo possível do limite biológico da vida(Fries, 1980; Fries & Crapo, 1981).O mo<strong>de</strong>lo clássico <strong>de</strong> prevenção sistematizado no livro <strong>de</strong> Leavell& Clark “Medici<strong>na</strong> Preventiva” (1976) não está sendo ensi<strong>na</strong>do <strong>na</strong>s escolas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> forma completa, pois ape<strong>na</strong>s valoriza uma dimensãopara cada um dos níveis propostos pelos autores, ao passo que elespreconizavam dois níveis para a prevenção primária e para a secundária.Para os idosos, propomos avançar este conceito e trabalhar em todos ostrês níveis preventivos com dois graus distintos <strong>de</strong> intervenção.Para tal, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r a prevenção primária para os idososem seus dois níveis: o da prevenção tradicio<strong>na</strong>l, ou seja, das ações quetentam evitar a instalação <strong>de</strong> quadros mórbidos, incluindo os programas


420Re<strong>na</strong>to P. Veras<strong>de</strong> promoção e educação em saú<strong>de</strong>; e o da <strong>de</strong>tecção precoce <strong>de</strong> doençasatravés do instrumental da epi<strong>de</strong>miologia, ou seja, do movimento quevisa à antecipação diagnóstica, antes da sua instalação ou em fase aindabastante branda, para postergar a manifestação da doença para um estágiomais avançado e pelo mais longo espaço <strong>de</strong> tempo (Veras, 2003).No primeiro nível, <strong>de</strong>vemos atuar com vaci<strong>na</strong>s, programaseducacio<strong>na</strong>is, ativida<strong>de</strong>s físicas e grupos <strong>de</strong> convivência. Para o segundonível, o da “postergação-preventiva”, é necessário implantar uma novaconcepção, que requer um aporte do conhecimento epi<strong>de</strong>miológico comvistas a estruturar programas <strong>de</strong> screening, triagem, rastreamentos emunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, visando à <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ainda emfase <strong>de</strong> cura ou para tentar reduzir o ritmo da evolução <strong>de</strong> uma doençacrônica (Lourenço & Motta, 1999; Veras & Parahyba, 2007). Como se po<strong>de</strong>observar, a prevenção primária se divi<strong>de</strong> em dois segmentos, e ambos sãofundamentais.Saú<strong>de</strong> não é sinônimo <strong>de</strong> assistência. No entanto, sem o cuidadoambulatorial e domiciliar, sem as instâncias intermediárias <strong>de</strong> apoio oumesmo a hospitalar, em muitos casos, não se po<strong>de</strong> restabelecer a saú<strong>de</strong>.Mais uma vez, no entanto, <strong>de</strong>ve ser ressaltado que nos idosos a ativida<strong>de</strong>assistencial também é distinta das <strong>de</strong>mais faixas etárias.A compreensão <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve investir no idoso saudável, mesmoaquele já em tratamento (ou seja, <strong>na</strong> imensa maioria dos idosos da nossasocieda<strong>de</strong>), e ter programas qualificados para os <strong>de</strong>mais é uma visãocontemporânea que os gestores da área <strong>de</strong>veriam aplicar. Desse modo, omo<strong>de</strong>lo assistencial <strong>de</strong>ve ser operacio<strong>na</strong>lizado a partir das característicaspróprias do idoso. A ocorrência <strong>de</strong> doenças crônicas <strong>na</strong> população idosaé, sem dúvida, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância. Cabe-nos saber, entretanto, o quantotais patologias os impe<strong>de</strong>m <strong>de</strong> exercer suas ativida<strong>de</strong>s rotineiras <strong>de</strong> formaautônoma e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Assim, a avaliação funcio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> um idosoparece essencial para estabelecer um diagnóstico, um prognóstico e umjulgamento clínico a<strong>de</strong>quados para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um planejamentoassistencial efetivo. É a diminuição da capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l do idoso queo tor<strong>na</strong>rá, <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um nível mais complexo <strong>de</strong>assistência. Esta po<strong>de</strong>rá ser ocasio<strong>na</strong>da pela evolução da própria patologia<strong>de</strong> base, por sua má administração e, consequentemente, por suas sequelasou pela i<strong>na</strong><strong>de</strong>quada assistência recebida (familiar, social ou institucio<strong>na</strong>l).


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...421É significativo o número <strong>de</strong> idosos que apresentam múltiplosproblemas coexistentes, o que com frequência os leva a consultas cominúmeros especialistas, como resultado da fragmentação do sistema <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>. Tais fatores, além <strong>de</strong> elevar o custo da assistência, não representamnecessariamente uma relação <strong>de</strong> custo-efetivida<strong>de</strong> positiva, pois <strong>de</strong>lapo<strong>de</strong>m ocorrer iatrogenias assistenciais importantes, com consequênciasin<strong>de</strong>sejáveis.A presença <strong>de</strong> comorbida<strong>de</strong>s, associada às perdas relacio<strong>na</strong>das aoenvelhecimento, não <strong>de</strong>ve ser vista como condição <strong>de</strong> um envelhecimentomal-sucedido. É a administração <strong>de</strong> tais perdas (evitando, postergandoou compensando suas limitações), obtida pelo correto manejo <strong>de</strong> ummo<strong>de</strong>lo contemporâneo <strong>de</strong> assistência, aliado a competências e recursosdisponíveis, que po<strong>de</strong>rá garantir ao idoso e à sua família a condição <strong>de</strong>vivenciar essa fase da vida como uma conquista (Karsch 2003).Um dos “gargalos” do mo<strong>de</strong>lo assistencial diz respeito à insuficientei<strong>de</strong>ntificação e à precária captação da clientela. A baixa resolubilida<strong>de</strong>dos serviços ambulatoriais, o não acompanhamento das doenças maisprevalentes e os escassos serviços domiciliares fazem com que o primeiroatendimento ocorra, muitas vezes, em estágio avançado. Isso aumenta oscustos e diminui as chances <strong>de</strong> um prognóstico favorável. Além disso, aabordagem médica tradicio<strong>na</strong>l, focada em uma queixa principal, e o hábitomédico <strong>de</strong> reunir todos os sintomas e si<strong>na</strong>is em um único diagnósticopo<strong>de</strong>m até se a<strong>de</strong>quar, com algumas restrições, ao adulto jovem, mascertamente não se aplicam aos idosos.Aqueles idosos mais doentes, mais fragilizados e com menorcapacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l são os que têm a maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adoeceragudamente. Surge daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma forma não só <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificaros idosos fragilizados ou com riscos <strong>de</strong> fragilização, mas também <strong>de</strong>criar categorias diferenciadas <strong>de</strong> risco, <strong>de</strong> forma a possibilitar uma nítidaseparação entre aqueles <strong>de</strong> maior risco (portanto com necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>intervenção imediata) e aqueles que reúnem condições favoráveis a umagendamento para um médico clínico, não geriatra, <strong>de</strong>vidamente trei<strong>na</strong>doe habilitado a lidar com idosos.À semelhança da prevenção primária e secundária para os idosos,os programas <strong>de</strong>vem exibir duas vertentes também para a prevençãoterciária ou a reabilitação. Deve-se trabalhar para aqueles que necessitam


422Re<strong>na</strong>to P. Verasse restabelecer <strong>de</strong> sequelas <strong>de</strong>ixadas por doenças, como também <strong>de</strong>vem serincluídos idosos ainda não elegíveis nos critérios atuais, mas que, se nãoforem incorporados aos programas <strong>de</strong> reabilitação, <strong>de</strong>senvolverão agravosjá previsíveis. A reabilitação preventiva significa ampliar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida para o idoso e sua família e uma relação custo-beneficio favorávelaos sistemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Portanto a prevenção terciária tem por objetivo reduzir aprogressão e as complicações <strong>de</strong> uma doença já sintomática, sendo umaspecto importante da terapêutica e da reabilitação.Um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> do idoso que pretenda apresentareficácia e eficiência precisa aplicar todos os níveis da prevenção e possuirum fluxo bem <strong>de</strong>senhado <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> educação, promoção da saú<strong>de</strong>,prevenção <strong>de</strong> doenças evitáveis, postergação <strong>de</strong> moléstia e reabilitação<strong>de</strong> agravos. Deve ainda existir uma etapa <strong>de</strong> captação e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>idosos <strong>de</strong> riscos distintos – além do acompanhamento –, em que estejamincluídos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> patologias não-geriátricas e oreferenciamento para cuidado geriátrico, quando houver a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tratamento especializado. Esta unida<strong>de</strong>, mais avançada e especializada,<strong>de</strong>ve estar centrada <strong>na</strong> presença do médico e <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>com capacida<strong>de</strong> resolutiva que atendam o idoso fragilizado, com múltiplassíndromes geriátricas e perda <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l, oferecendotratamento e reabilitação.O conceito <strong>de</strong> fator <strong>de</strong> riscoO termo fator <strong>de</strong> risco é tradicio<strong>na</strong>lmente utilizado em Ciências daSaú<strong>de</strong> para indicar certas características que aumentam a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>seu portador se tor<strong>na</strong>r doente. A exposição a certo fator <strong>de</strong> risco significaque, antes <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>r doente, o indivíduo entrou em contato com ofator exposição, seja em um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento ou durante um longoperíodo <strong>de</strong> tempo (Fletcher et al., 1996; Rothman & Greenland, 1998; Szklo& Nieto, 2000).O conceito <strong>de</strong> fator <strong>de</strong> risco é utilizado, antes <strong>de</strong> tudo, para estabelecerpredições a respeito da ocorrência <strong>de</strong> eventos mórbidos. A melhor maneira<strong>de</strong> prever tais eventos é a experiência passada com um gran<strong>de</strong> número<strong>de</strong> indivíduos portadores <strong>de</strong> fator ou fatores <strong>de</strong> risco semelhantes (Sacket


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...423et al., 1991; Fletcher et al., 1996; Rothman & Greenland, 1998; Szklo &Nieto, 2000).Se um fator <strong>de</strong> risco mantém com um evento mórbido umaassociação do tipo causal, então a remoção <strong>de</strong>ste fator po<strong>de</strong> ser usada<strong>na</strong> prevenção do dito evento, <strong>de</strong> tal sorte que o conceito aparece comoimportante operador em procedimentos <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> risco.Capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l e prevençãoO conceito <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>ve ser entendido como oelemento central para o manejo <strong>de</strong> uma nova política <strong>de</strong> cuidado parao idoso. Como já <strong>de</strong>scrito, prevenção, <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, tem um caráterdistinto das <strong>de</strong>mais faixas etárias. O objetivo é evitar que o idoso consumaintensamente os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e elevar a sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Paratal, <strong>de</strong>ve-se organizar uma estrutura distinta daquelas existentes paraas <strong>de</strong>mais faixas etárias. A maioria das doenças crônicas que acometemo indivíduo idoso tem <strong>na</strong> própria ida<strong>de</strong> seu principal fator <strong>de</strong> risco.Envelhecer sem nenhuma doença crônica é mais a exceção do que a regra.No entanto a presença <strong>de</strong> uma doença crônica não tor<strong>na</strong> o idoso incapaz<strong>de</strong> gerir sua própria vida e encaminhar o seu dia a dia <strong>de</strong> forma totalmentein<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. E a maioria dos idosos é, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, absolutamente capaz<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir sobre seus interesses e organizar-se sem nenhuma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ajuda <strong>de</strong> quem quer que seja. De acordo com os mais mo<strong>de</strong>rnos conceitosgerontológicos, esse idoso que mantém sua auto<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e prescin<strong>de</strong><strong>de</strong> qualquer ajuda ou supervisão para realizar suas ativida<strong>de</strong>s diárias <strong>de</strong>veser consi<strong>de</strong>rado um idoso saudável, ainda que portador <strong>de</strong> uma ou maisdoenças crônicas. Decorre daí o conceito <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l, ou seja,a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter as habilida<strong>de</strong>s físicas e mentais necessárias parauma vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônoma (Gordiliho et al., 2000).Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, a capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l surgecomo o conceito <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mais a<strong>de</strong>quado para instrumentar e operacio<strong>na</strong>lizaruma política <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> do idoso. Ações <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,assistenciais e <strong>de</strong> reabilitação em saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem objetivar melhorarou manter a capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l e, sempre que possível, recuperar acapacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l perdida pelo idoso. É um enfoque que transcen<strong>de</strong> osimples diagnóstico e tratamento <strong>de</strong> doenças específicas.


424Re<strong>na</strong>to P. VerasUma política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do idoso <strong>de</strong>ve, portanto, ter como objetivomaior a manutenção da máxima capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l do indivíduoque envelhece, pelo maior tempo possível. Isto significa a valorizaçãoda autonomia ou auto<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção e a manutenção da in<strong>de</strong>pendênciafísica e mental do idoso. Sabe-se que tanto as doenças físicas como asdoenças mentais po<strong>de</strong>m levar à <strong>de</strong>pendência e, consequentemente, àperda da capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l. Tanto a <strong>de</strong>pendência física como a mentaljá mostraram ser fatores <strong>de</strong> risco importantes para a mortalida<strong>de</strong>. Maisimportantes que as próprias doenças que levaram à <strong>de</strong>pendência, já que nemtodo doente tor<strong>na</strong>-se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Dentro <strong>de</strong>ste contexto, estabelecem-senovas priorida<strong>de</strong>s e novas ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>verão nortear as políticas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste século (Katz, 1963; Mittelmark, 1994).As diretrizes básicas da Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Idososão uma tradução exemplar das preocupações com a promoção doenvelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria da capacida<strong>de</strong>funcio<strong>na</strong>l dos idosos, a prevenção <strong>de</strong> doenças, a recuperação da saú<strong>de</strong> dosque adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter a sua capacida<strong>de</strong>funcio<strong>na</strong>l restringida, que são comuns a um conjunto <strong>de</strong> técnicos que hojepensam as questões relativas ao envelhecimento humano (Gordilho et al.,2000). No apêndice <strong>de</strong>ste texto encontra-se a apresentação <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo– a Universida<strong>de</strong> Aberta da Terceira Ida<strong>de</strong> (UnATI/UERJ) – que se esforçapara colocar em prática todos estes novos conceitos.Atenção integral à saú<strong>de</strong> do idosoAs novas pesquisas <strong>de</strong>veriam estimular o setor <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> a <strong>de</strong>senhare/ou ampliar mo<strong>de</strong>los mais contemporâneos, que oferecessem maiorresolutivida<strong>de</strong> e custo mais a<strong>de</strong>quado em relação ao que é oferecido nosdias atuais (Veras 2008 et al.).Sabendo-se que é gran<strong>de</strong> a parcela <strong>de</strong> pessoas idosas nãofragilizadas– ainda com boas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, a maioria em ida<strong>de</strong>mais avançada e com renda média superior ao conjunto da população –,po<strong>de</strong>r-se-ia propor uma política com foco <strong>na</strong> manutenção da capacida<strong>de</strong>funcio<strong>na</strong>l, em programas <strong>de</strong> prevenção, no investimento <strong>de</strong> metodologiaspara a <strong>de</strong>tecção precoce <strong>de</strong> doenças, no monitoramento das doençascrônicas, no sistema do médico pessoal (o velho e bom médico da família),entre outras medidas, em lugar do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda espontânea que


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...425tem no hospital a peça central do sistema (Veras, 2007).Um exemplo emblemático das tentativas que estão sendo colocadasem prática no mercado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser observado no Reino Unido. Lá, osclientes <strong>de</strong> uma das maiores seguradoras, a PruHealth, recebem benefíciosfi<strong>na</strong>nceiros para <strong>de</strong>ixarem seus carros parados e caminharem, usando opodômetro com monitor cardíaco. Também obtêm <strong>de</strong>scontos <strong>na</strong> compra <strong>de</strong>frutas e legumes em um supermercado associado à empresa <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e háincentivo fi<strong>na</strong>nceiro para a prática <strong>de</strong> exercícios físicos em aca<strong>de</strong>mias.Todos esses fatores positivos po<strong>de</strong>m levar à redução <strong>de</strong> até cincovezes no valor da sua apólice <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> 3 . Esta experiência inglesa nãochegou ao Brasil – e não se sabe se teria efeito positivo ou aceitação dasocieda<strong>de</strong>. De qualquer forma, merece reflexão a mensagem passada: osplanos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> operam numa espécie <strong>de</strong> mutualismo, em que os menossaudáveis consomem mais serviços médicos e inflacio<strong>na</strong>m os valores pagospor quem está com sua capacida<strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>l preservada e em boa forma.Por muitos anos, tivemos dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aceitar estímulos fi<strong>na</strong>nceirospara cuidar <strong>de</strong> nossa saú<strong>de</strong> – como, aliás, é prática corriqueira entre asempresas seguradoras <strong>de</strong> carro.A aplicação do aporte epi<strong>de</strong>miológico e a ênfase em prevençãofazem com que esta nova abordagem favoreça a redução dos custosassistenciais, pois confere priorida<strong>de</strong> à tecnologia do conhecimento enão à tecnologia das máqui<strong>na</strong>s e imagens, o que implica reorganizar osserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Essas reflexões visam estimular a discussão para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>novas estratégias. Foco inovador e criativo <strong>de</strong>ve ser dirigido ao cuidado doidoso e aos portadores <strong>de</strong> doença crônica, que são os que mais sofrem osefeitos <strong>de</strong> sua fragilida<strong>de</strong> e os que mais <strong>de</strong>mandam serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>isA prevenção em todos os seus níveis é o objetivo maior da saú<strong>de</strong>pública. As ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> prevenção primária visam reduzir a incidênciadas doenças, por meio <strong>de</strong> ações voltadas para as suas causas distais. Aredução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e a melhora <strong>de</strong> comportamentos em3Ver interessante matéria publicada <strong>na</strong> revista Época Negócios, em março <strong>de</strong> 2008 (13):30: “Baratomais vigiado”.


426Re<strong>na</strong>to P. Verassaú<strong>de</strong> são exemplos <strong>de</strong> prevenção primária. A prevenção secundária tempor objetivo assistir o paciente visando reduzir as consequências mais sériasdas doenças, por meio <strong>de</strong> diagnóstico precoce e tratamento. A realização<strong>de</strong> exames <strong>de</strong> rastreamento é um exemplo da prevenção secundária. Aprevenção terciária tem por objetivo reduzir a progressão e as complicações<strong>de</strong> uma doença já sintomática, sendo um aspecto importante da terapêuticae da reabilitação.Fi<strong>na</strong>lmente, é preciso ressaltar que a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses níveis é<strong>de</strong>crescente da prevenção primária em relação à secundária e à terciária.Cabe <strong>de</strong>stacar, ainda, a existência <strong>de</strong> robustas evidências <strong>de</strong> que estratégiaspopulacio<strong>na</strong>is são mais efetivas do que aquelas voltadas para os indivíduosou grupos <strong>de</strong> alto risco (Rose, 1985). As informações apresentadas nestecapítulo mostram a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda existente entre idosos brasileiros porações preventivas em todos os níveis. O atendimento <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>manda serámais efetivo com ações intersetoriais, <strong>na</strong>s quais o Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>ocupa um espaço relevante e <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>nte.[Apêndice]UnATI/UERJ: Pioneirismo e Compromissocom o Cidadão que EnvelheceOperando como uma microuniversida<strong>de</strong> temática, a UnATI/UERJ <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino, pesquisa e extensão, semprevisando à vida com qualida<strong>de</strong> para o idoso. Seus ambulatórios, comequipes multidiscipli<strong>na</strong>res, proporcio<strong>na</strong>m anualmente em torno <strong>de</strong> 19 milconsultas, com projetos que cobrem assistência, orientação e consultas <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong> oral, programas <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mência, aulas <strong>de</strong>educação física, enfermaria com atenção integral e atendimento domiciliar.Sua produção científica é referência para as obras sobre terceira ida<strong>de</strong> noBrasil. A instituição também edita uma revista científica, publica livrospor um selo próprio e provê um portal <strong>na</strong> internet.Suas ativida<strong>de</strong>s socioculturais e educativas para a terceira ida<strong>de</strong>envolvem, a cada ano, a realização <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 240 cursos, ofici<strong>na</strong>s eworkshops e também seminários, palestras, festas, exposições, shows <strong>de</strong>dança e música e programa <strong>de</strong> voluntariado.Na área <strong>de</strong> capacitação <strong>de</strong> recursos humanos, a UnATI/


A Inclusão Social do Idoso: Promovendo Saú<strong>de</strong>, ...427UERJ <strong>de</strong>senvolve projetos <strong>de</strong> residência para profissio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,aprimoramento, atualização profissio<strong>na</strong>l e curso <strong>de</strong> especialização, além <strong>de</strong>mestrado e doutorado. Também há estágios para estudantes <strong>de</strong> graduação etrei<strong>na</strong>mento para cuidadores <strong>de</strong> idosos.No âmbito externo à universida<strong>de</strong>, sua atuação envolve atendimentosmédico, odontológico, jurídico, social, psicológico, nutricio<strong>na</strong>l e ações <strong>de</strong>cidadania. A UnATI tem gran<strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> junto à mídia e participada formulação <strong>de</strong> políticas públicas orientadas para o idoso <strong>na</strong>s esferasfe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal.Por todos esses atributos, a UnATI tem hoje o status <strong>de</strong> CentroColaborador da Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.BibliografiaASSIS, M. Aspectos sociais do envelhecimento. In: Caldas, C. P. Asaú<strong>de</strong> do idoso: a arte <strong>de</strong> cuidar. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EDUERJ, 1998.BASAGLIA, F. A instituição negada: relato <strong>de</strong> um hospitalpsiquiátrico. 2ªed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1991.BASAGLIA, F. A psiquiatria alter<strong>na</strong>tiva. Contra o pessimismo darazão, o otimismo da prática. São Paulo: Brasil Debates, 1979.BEAUVOIR, S. A velhice. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira; 1990.BOSI, E. Memória e socieda<strong>de</strong>: lembranças <strong>de</strong> velhos. São Paulo: T.A. Queiroz, EDUSP; 1987.CAMARANO, A. A., organizador. Muito além dos 60: os novosidosos brasileiros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Instituto <strong>de</strong> Pesquisa EconômicaAplicada; 1999.CERQUEIRA, M. T. Promoción <strong>de</strong> la salud y educación para lasalud: retos y perspectivas. In: Organización Mundial <strong>de</strong> la Salud. Lapromoción <strong>de</strong> la salud y la educación para la salud en América Lati<strong>na</strong>:un análisis sectorial. Genebra: Editorial <strong>de</strong> La Universidad <strong>de</strong> Puerto Rico;1997. p.7-48.1973.COOPER, D. Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva,COSTA, J. F. História da psiquiatria no Brasil: um corte i<strong>de</strong>ológico.3.ed. rev. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1981.FLETCHER, R. H., et al. Clinical Epi<strong>de</strong>miology: The Essencials. 3r<strong>de</strong>d. Baltimore: Williams & Wilkins Co; 1996.


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<strong>Trabalho</strong>, Preconceitoe a Condição do Idoso431Roberto MatosoEconomista e consultor em estratégia e educação <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res empresariais.Foi secretário do <strong>Trabalho</strong> e <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> do Ceará.Entre dois “Josés”A realida<strong>de</strong> é uma bússola mais eficaz do que qualquer mo<strong>de</strong>lo.Quando nos pren<strong>de</strong>mos a explicações lógicas, repletas <strong>de</strong> racio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s,porém distantes da vida e do curso incerto e complexo da história, corremoso risco <strong>de</strong> criarmos um “mundo virtual” no qual tudo é explicado.A lógica da realida<strong>de</strong> é bem mais difícil <strong>de</strong> explicar. Ela leva emconsi<strong>de</strong>ração as percepções exter<strong>na</strong>s e as intracepções. É a lógica do rio,que contor<strong>na</strong> os obstáculos e aproveita cada oportunida<strong>de</strong> do relevo parachegar ao mar. Como diz François Jullien, “a água não tem consistênciaprópria, ou melhor, tem uma consistência, mas essa consistência não cessa<strong>de</strong> se amoldar e <strong>de</strong> se transformar; é por isso que não se <strong>de</strong>sgasta nem se<strong>de</strong>sfaz, e a água, <strong>de</strong>finitivamente, não a per<strong>de</strong> jamais”.Por acreditar <strong>na</strong> vida mais do que nos mo<strong>de</strong>los, começo estecapítulo contando a história <strong>de</strong> um José.José Antônio, 80 anos, é um executivo atuante e produtivo <strong>de</strong> umare<strong>de</strong> <strong>de</strong> varejo <strong>de</strong> eletrodomésticos, uma das maiores ca<strong>de</strong>ias regio<strong>na</strong>is do


432 Roberto MatosoCentro-Oeste brasileiro.O leitor po<strong>de</strong> estar pensando que se trata <strong>de</strong> mais um caso <strong>de</strong>“sucesso” <strong>de</strong> um empreen<strong>de</strong>dor que dirige uma empresa familiar, mas ahistória <strong>de</strong> José é diferente. Ele não é dono da empresa, mas um funcionárioque começou sua vida profissio<strong>na</strong>l como contínuo.José Antônio, hoje diretor da área <strong>de</strong> indústria do grupo e membrodo Conselho <strong>de</strong> Administração, mantém-se em ativida<strong>de</strong> graças à suacompetência. José é jovem. No conceito do professor Américo Barreira,municipalista nor<strong>de</strong>stino, “velho é aquele que tem cumplicida<strong>de</strong> com opassado e jovem é aquele que tem compromisso com o futuro”. Nestaconcepção, José Antônio é um jovem que sempre teve compromisso como futuro <strong>de</strong>le mesmo, cuidando-se fisicamente e emocio<strong>na</strong>lmente, e com ofuturo da empresa que ele ajudou a fundar, como tantos outros funcionáriosque começaram uma empresa que hoje tem 54 anos <strong>de</strong> existência.José Antônio é um exemplo <strong>de</strong> que o trabalho, quando não ésinônimo <strong>de</strong> sacrifício e exploração, mantém um homem ou uma mulherjovens. A roti<strong>na</strong> <strong>de</strong>sse executivo é intensa: aten<strong>de</strong> fornecedores, compramilhares <strong>de</strong> itens, participa <strong>de</strong> feiras e eventos... enfim, José Antônio estálonge do pijama e <strong>de</strong> uma vida pacata <strong>de</strong> “senhor idoso”.O trabalho ajuda a manter José Antônio com uma saú<strong>de</strong> invejável.Seu raciocínio é rápido, sua memória é surpreen<strong>de</strong>nte e seu bom humortraz serenida<strong>de</strong> para as reuniões mais tensas.Ao mesmo tempo que conheço o “Zé”, conheço também inúmeros“idosos” com menos <strong>de</strong> 60 anos, cuja roti<strong>na</strong> é a expressão do tédio. Lembro,então, das palavras do médico e antropólogo mineiro professor Ely Bonini,homem com mais <strong>de</strong> 80 anos que manteve a juventu<strong>de</strong> no corpo, <strong>na</strong> mentee no espírito, quando nos alerta para nos prepararmos para uma vida comduração <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cem anos.O próprio Ely Bonini me apresentou a outro “José” que po<strong>de</strong> nosajudar nesta reflexão sobre como chegar à terceira ida<strong>de</strong> sentindo-se útil,jovem e comprometido com o futuro.O nome <strong>de</strong>sse homem é José do Egito, filho <strong>de</strong> Jacó. Sua históriaesta <strong>de</strong>scrita no primeiro livro da Bíblia, o Gênesis.A história <strong>de</strong> José do Egito acabou sendo conhecida ape<strong>na</strong>s em


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso433uma peque<strong>na</strong> parte. Foi ele quem <strong>de</strong>cifrou o sonho do Faraó que sonhavacom sete vacas gordas que eram engolidas por sete vacas magras. Todosnós conhecemos essa parte da história.José, hebreu, filho <strong>de</strong> Jacó, foi vendido pelos próprios irmãos etornou-se escravo do comandante da Guarda Real Egípcia. Como escravo,conquistou a confiança <strong>de</strong> seu senhor e tornou-se administrador <strong>de</strong> seusbens. Vítima <strong>de</strong> uma calúnia, foi preso. Na prisão, tornou-se ajudante docarcereiro. Aliás, uma das características <strong>de</strong> José ao longo <strong>de</strong> sua históriaera ser proativo em tudo que fazia (Gênesis, 39: 4).Des<strong>de</strong> criança, quando ainda vivia com sua família, José costumava<strong>de</strong>cifrar sonhos. Na prisão, <strong>de</strong>cifrou os sonhos do chefe dos garçons dofaraó, que estava preso. Quando este foi solto, esqueceu-se <strong>de</strong>le. Dois anos<strong>de</strong>pois, o faraó angustiou-se com os sonhos que vinha tendo repetidamente.Como ninguém os <strong>de</strong>cifrava, o chefe dos garçons falou ao faraó sobreJosé, o hebreu que estava preso.Imagine um preso sendo levado à presença do mais po<strong>de</strong>rosogover<strong>na</strong>nte da Terra. Imagine, também, o preconceito que o próprio faraóteve <strong>de</strong> romper para ouvir um “forasteiro”.José <strong>de</strong>cifrou o sonho respon<strong>de</strong>ndo que durante sete anos o Egitoteria fartura e nos sete anos subsequentes haveria miséria em toda aterra conhecida. Ter a consciência do problema é ótimo, mas <strong>de</strong>senvolveralter<strong>na</strong>tivas para a sua solução é melhor ainda. Esperar que os temposmu<strong>de</strong>m não é a alter<strong>na</strong>tiva sensata. Confiar <strong>na</strong> sorte ou no azar, tambémnão. “E agora, José?”Neste ponto é que José do Egito firmou-se como primeiro gran<strong>de</strong>gestor <strong>de</strong> que se tem conhecimento <strong>na</strong> história da humanida<strong>de</strong>. Joséaconselhou aos lí<strong>de</strong>res da época uma série <strong>de</strong> ações visando amenizar oproblema previsto. Encontrar um administrador geral sensato e inteligente,nomear administradores em todas as regiões, guardar um quinto daprodução durante os sete anos <strong>de</strong> fartura, armaze<strong>na</strong>r tudo em <strong>de</strong>pósitos egran<strong>de</strong>s silos.O faraó, além <strong>de</strong> ter seu sonho revelado, ouviu <strong>de</strong> José inúmerasalter<strong>na</strong>tivas. O hebreu, mais do que prever, <strong>de</strong>senvolveu idéias para provero Egito diante da seca anunciada. José tornou-se o administrador geral doEgito. Logo ele, um preso estrangeiro vendido como escravo. Segundo a


434Roberto MatosoBíblia, morreu aos 110 anos e teve êxito em toda a sua gestão.O interessante da história <strong>de</strong> José é que ela é rica em gran<strong>de</strong>sensi<strong>na</strong>mentos. Em primeiro lugar, José recebia a realida<strong>de</strong> e, a partir daí,a transformava. Vendido como escravo pelos próprios irmãos, escravo emuma terra distante, preso em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma calunia da mulher do seupatrão, José caracterizava-se por um efetivo compromisso com o “por vir”e por uma baixíssima atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lamentação ou sentimento <strong>de</strong> que sofrerainjustiça.Em todos os momentos difíceis <strong>de</strong> sua vida, José se concentravamais <strong>na</strong>s atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transformação do que <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong> explicaçõespara os seus problemas.José preparou-se para perceber alter<strong>na</strong>tivas. Não foi à toa que<strong>de</strong>cifrou os sonhos do faraó, antecipou sete anos <strong>de</strong> fartura e, após essabo<strong>na</strong>nça, sete anos <strong>de</strong> seca. José foi extremamente competente para prevero futuro.A sutileza <strong>na</strong> compreensão sobre José é que, mais que prever,ele introduziu um conceito absolutamente mo<strong>de</strong>rno, inclusive nos nossosdias: o conceito <strong>de</strong> provisão. De <strong>na</strong>da adiantaria prever e não prover -ou seja, cuidar do hoje, para que no amanhã possamos encontrar maisoportunida<strong>de</strong>s do que ameaças.A visão que José passou para o faraó sobre poupança <strong>de</strong> grãos,logística, administração <strong>de</strong> pessoas e discipli<strong>na</strong> foi tão importante que omo<strong>na</strong>rca o convidou para ser o administrador geral do Egito, reportandosesomente a ele.José do Egito teve êxito <strong>na</strong> sua administração, inclusive êxitopessoal, visto que sua história também foi um exemplo <strong>de</strong> perdão aos seusirmãos e a recuperação da “graça” e da alegria à casa <strong>de</strong> Jacó, seu pai.Existe algo em comum entre os dois “Josés”? O José do VelhoTestamento com atitu<strong>de</strong>s do Novo Testamento e o José Antônio, goianocom atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> jovem executivo aos 80 anos?Creio que a característica mais forte do jovem, <strong>de</strong> qualquer ida<strong>de</strong>,é ter vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> começar. Não estou falando <strong>de</strong> “recomeçar”, que parecenostalgia e sauda<strong>de</strong>. Falo <strong>de</strong> começar, <strong>de</strong> esquecer o que foi ou <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong>ser para ver-se inteiro hoje, com mais compromisso com o êxito do que o


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso435“sucesso”, que é uma mera percepção exter<strong>na</strong>.No livro “Quando Tudo Não é o Bastante”, Harold Kushner fazuma releitura do Eclesiastes, ressaltando a frase bíblica “vai e come teupão com alegria”. Ou seja, ao viver o agora <strong>de</strong> forma consciente e solidária,nos sentiremos mais completos. Com os “Josés” apren<strong>de</strong>mos a acrescentarum novo conceito: as boas escolhas nos ajudarão a ter pão e alegria, acada dia, no futuro.Reflexões sobre o trabalhoAntes <strong>de</strong> refletimos sobre o trabalho <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>, vamospensar sobre o trabalho e seus <strong>de</strong>safios no Brasil.Tive a missão <strong>de</strong> ocupar, por quatro anos, a Secretaria <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong>e <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong> do Estado do Ceará. Mergulhei totalmente <strong>na</strong> difíciltarefa <strong>de</strong> minimizar a angústia das pessoas que não têm trabalho ou cujotrabalho é <strong>de</strong>gradante. Posso enumerar algumas gran<strong>de</strong>s questões:a) O emprego cresce, mas nem tanto.Nos últimos anos, o Brasil tem aumentado o saldo <strong>de</strong> empregos.O Ministério <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e Emprego divulga, mensalmente, o resultadoda geração líquida <strong>de</strong> empregos com carteira assi<strong>na</strong>da no Brasil e emcada estado brasileiro. Justiça seja feita: o Brasil tem alcançado númerosrecor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vagas. A questão é que, mesmo crescendo o número <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s, a população economicamente ativa (PEA) é acrescida,anualmente, por jovens que buscam colocação no mercado <strong>de</strong> trabalho,muitas vezes prematuramente. Em uma linguagem popular, é como“enxugar gelo”: o emprego é gerado, mas não consegue diminuir o“estoque“ <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados e subempregados.Outro fator importante é a evolução da tecnologia <strong>na</strong> produção,que gera empresas mais produtivas e menos intensivas <strong>de</strong> “mão <strong>de</strong> obra”.b) A renda familiar aumentou, mas a pressão pelo consumo também.Vamos nos lembrar <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> classe média há vinte anos.Os custos com transporte eram proporcio<strong>na</strong>lmente menores, os custos comescolas particulares <strong>de</strong> ensino superior não existiam, os eletrodomésticoseram poucos e, <strong>de</strong> preferência, um <strong>de</strong> cada tipo por residência.Faça uma viagem no tempo, novamente, e chegue ao presente <strong>de</strong>uma família <strong>de</strong> classe média.Em primeiro lugar, os custos com transportes são altos, existem


436Roberto Matosonovos custos, como a faculda<strong>de</strong> particular, a prestação do computador, oconsórcio do carro, os “amigos da onça” chamados <strong>de</strong> cartões <strong>de</strong> crédito,entre outros.Enquanto algumas famílias melhoraram <strong>de</strong> vida, cresceram tambémas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo e as novas <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> lazer, vestuário,tecnologia e educação.Certa vez indaguei a um jovem <strong>de</strong> 15 anos por que ele queriaencontrar um emprego antes <strong>de</strong> entrar em uma faculda<strong>de</strong>. A resposta foirápida: “Quero comprar um tênis, e meu pai não po<strong>de</strong>”. Os jovens estãoentrando mais cedo no mercado <strong>de</strong> trabalho, e os idosos não po<strong>de</strong>m sair,pois são fundamentais para o orçamento familiar.A questão fundamental é que no passado um só trabalhador po<strong>de</strong>riamanter uma família, embora mo<strong>de</strong>stamente. Hoje todos os familiaressão chamados a compartilhar as <strong>de</strong>spesas, visto que novos custos foramincorporados, <strong>de</strong>finitivamente, ao orçamento familiar.c) Entre os pobres é muito pior.A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma família pobre é muito diferente. Os paisincentivam os filhos a procurar trabalho ou “bico” para ajudar em casa. Osaposentados sustentam filhos, netos e, às vezes, agregados.Existem muitas cida<strong>de</strong>s brasileiras que vivem da folha da prefeiturae da aposentadoria dos idosos.Existe um agravante: os jovens estão cada vez mais <strong>de</strong>screntes<strong>de</strong> que as escolas públicas po<strong>de</strong>m levá-los a uma vida melhor. Alguns sereferem ao término do Ensino Médio como “formatura”, usam a expressão“eu já me formei”, visto que o Ensino Superior tornou-se um sonhodistante.As famílias pobres, que moram em favelas, estão imersas em ummundo paralelo on<strong>de</strong> a economia gerada pela droga cria novos valores <strong>de</strong>ascensão social e iniciativa pessoal.d) Não basta ter quantida<strong>de</strong>, é preciso qualida<strong>de</strong>.A questão do trabalho e do emprego não é só uma questãoquantitativa. Existem pessoas que trabalham em situações sub-huma<strong>na</strong>s.A informalida<strong>de</strong> é a “mãe” do trabalho <strong>de</strong>gradante, da falta <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> notrabalho e da falta <strong>de</strong> respeito e dignida<strong>de</strong>.Às vezes, a cultura vigente usa expressões como “é melhor queestar roubando” ou “fique satisfeito com isso, porque muitos gostariam <strong>de</strong>estar em seu lugar”. Este raciocínio é capaz <strong>de</strong> justificar o trabalho infantil,como se os filhos das classes pobres só tivessem duas opções: o crime ouo trabalho <strong>de</strong>gradante.


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso437e) Ser um trabalhador do conhecimento é ficção para milhões<strong>de</strong> trabalhadores.Peter Drucker consi<strong>de</strong>rava que o trabalhador do conhecimento “éaquele que sabe o que fazer”. Ao contrário do que se pensa usualmente,o trabalhador do conhecimento não é ape<strong>na</strong>s o intelectual, o teórico, oestudioso. É aquele que, mesmo <strong>na</strong> linha <strong>de</strong> produção, sabe antecipar,planejar, inovar e <strong>de</strong>cidir com qualida<strong>de</strong>.Vamos pensar nos milhões <strong>de</strong> trabalhadores que não tiveramacesso a boas escolas e a bons cursos profissio<strong>na</strong>lizantes.Vamos pensar, ainda, nos trabalhadores “a<strong>na</strong>lfabetos digitais”,que não sabem utilizar a tecnologia para o seu <strong>de</strong>senvolvimento. Parte<strong>de</strong>ste contingente está trabalhando hoje, mas potencialmente terá sériasdificulda<strong>de</strong>s para uma eventual recolocação no mundo <strong>de</strong> trabalho.f) Como existe preconceito no ambiente <strong>de</strong> trabalho!Os jovens se queixam das entrevistas <strong>na</strong>s empresas. Dizem queperguntam sobre a experiência. Como ter experiência sem uma primeirachance?Os maduros consi<strong>de</strong>ram que as entrevistas discrimi<strong>na</strong>m os quetêm mais <strong>de</strong> 40 anos. As mulheres, por sua vez, são excluídas <strong>de</strong> algumasfunções a priori. E os homens afirmam que somente mulheres sãopromovidas para alguns cargos. Enfim, já ouvi inúmeros relatos <strong>de</strong> pessoasque foram discrimi<strong>na</strong>das por terem uma opção religiosa diferente ou teremoutra opção sexual ou por não terem a chamada “boa aparência”.É fato que as empresas fazem parte <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> marcadapelo autoritarismo e pelo preconceito. Os processos seletivos são “ótimasoportunida<strong>de</strong>s” para colocar em prática estas duas mazelas.É a lógica do mo<strong>de</strong>lo vencendo a lógica da realida<strong>de</strong>. Muitasempresas procuram mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> pessoas e seus comportamentos e excluemaquelas que fogem <strong>de</strong>sses paradigmas. Muitas empresas obrigam oscandidatos a passarem por constrangimentos como dinâmicas <strong>de</strong> grupoinvasivas ou se submeterem como “lagostas no aquário ao gosto do cliente”.É comum enviar os candidatos <strong>de</strong> um lado para o outro, <strong>na</strong> premissa <strong>de</strong>que ter uma vaga é dar direito para humilhar um profissio<strong>na</strong>l.Reflexões sobre trabalho e li<strong>de</strong>rançaMesmo tendo um bom emprego aos olhos das outras pessoas, nemsempre o trabalhador se sente bem <strong>na</strong> empresa. Existem organizações quegeram gran<strong>de</strong>s sofrimentos por terem <strong>na</strong> sua cultura algumas distorções


438Roberto Matosoquanto ao papel dos lí<strong>de</strong>res do nível operacio<strong>na</strong>l, gerencial ou diretivo.Valem a pe<strong>na</strong> algumas reflexões sobre essas atitu<strong>de</strong>s.O lí<strong>de</strong>r é <strong>na</strong>to? Nasce com uma estrela <strong>na</strong> testa, pre<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>doà li<strong>de</strong>rança? Des<strong>de</strong> cedo, já <strong>de</strong>monstra características especiais? Taisperguntas nos levam a uma reflexão do psica<strong>na</strong>lista Roberto Crema, quediz que todos nós <strong>na</strong>scemos lí<strong>de</strong>res. Aliás, esta abordagem é semelhanteà visão bíblica <strong>de</strong> que todos nós possuímos talentos. Talentos que sãodiferentes. Mas todos nós po<strong>de</strong>mos exercer, em algum momento, o papel<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res.A gran<strong>de</strong> questão é saber como impedir que o potencial <strong>de</strong>cada um seja inibido. Neste ponto, o papel dos pais é muito importante,pois nem sempre o filho possui o talento exato que eles <strong>de</strong>sejam.No entanto possui outros talentos que <strong>de</strong>vem ser incentivados.Quando se tem a visão simplista <strong>de</strong> que o lí<strong>de</strong>r é alguém que <strong>na</strong>sce “pronto”,passamos a não assumir a responsabilida<strong>de</strong> por formar novas li<strong>de</strong>ranças.Com este paradigma, supomos que gerir é encontrar “pessoas <strong>de</strong> talento”,como quem escolhe “craques” para um time <strong>de</strong> futebol. Em uma visãomais avançada, gerir é encontrar “talentos <strong>na</strong>s pessoas” e fazer com queelas trabalhem juntas e <strong>de</strong> forma produtiva. Aliás, o futebol está repleto <strong>de</strong>fracassos por conta <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> “craques” que não formam um time.Daí <strong>na</strong>sce o conhecido “salto alto”, que atinge atletas, executivos, políticose lí<strong>de</strong>res em geral.Às vezes, ouvimos expressões como “trabalhar com gente édifícil” e nos perguntamos: se não com gente, com quem trabalharíamos?O talento do lí<strong>de</strong>r está em gerir pessoas e formar equipes. Nem semprepossuímos condições i<strong>de</strong>ais para isso. Em alguns momentos, o caminhoé difícil e exige recomeçar, como a reconstrução <strong>de</strong> um castelo <strong>de</strong> cartasque <strong>de</strong>smoronou. Substitua a expressão “trabalhar com gente é difícil” por“trabalhar com gente é <strong>de</strong>safiador...”Desenvolver novos lí<strong>de</strong>res é a gran<strong>de</strong> “prova dos nove”. Hoje,algumas empresas começam a incluir um novo critério para a promoção<strong>de</strong> um executivo, que é a formação do próprio substituto. Isto proce<strong>de</strong>,visto que quem não prepara outro nome para a sua posição é porque nãopreten<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-la nunca. Logo, não po<strong>de</strong> ser convidado para um cargosuperior.


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso439As organizações bem administradas <strong>de</strong>vem manter para cadaposição ocupada uma pessoa como reserva técnica, que po<strong>de</strong> ser requeridadiante <strong>de</strong> uma eventualida<strong>de</strong>. É preciso trei<strong>na</strong>r para formar profissio<strong>na</strong>ismultifuncio<strong>na</strong>is. Isto vale para todos os níveis da hierarquia, pois existemempresas em que, caso o presi<strong>de</strong>nte tenha algum impedimento, a própriaorganização é colocada em xeque. Qual a segurança <strong>de</strong> uma empresa que<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vida do lí<strong>de</strong>r para continuar viva?O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novos lí<strong>de</strong>res envolve algunsfatores fundamentais:a) Preparar o novo lí<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> qualquer ida<strong>de</strong>, para apren<strong>de</strong>rconstantemente e sem preconceitos.b) Desenvolver competências periféricas, ou seja, não limitar-se àsua área, mas ter uma visão sistêmica.c) Gerar <strong>de</strong>safios práticos que <strong>de</strong>senvolvam a flexibilida<strong>de</strong> e acriativida<strong>de</strong>Confúcio (551-479 a.C.), certa vez, foi indagado por um dos seusdiscípulos: “Por que o mar é gran<strong>de</strong>?” Passado certo tempo, o mestrerespon<strong>de</strong>u: “O mar é gran<strong>de</strong> porque tem a humilda<strong>de</strong> do receber. Paratanto, coloca-se um pouco abaixo dos rios”.Confúcio associou força e humilda<strong>de</strong>. Encontramos abordagemsemelhante em Teresa D’Ávila (1515-1582), que orientava às suas monjastrês pontos: o amor, o <strong>de</strong>sapego e a verda<strong>de</strong>ira humilda<strong>de</strong>.Diante da complexida<strong>de</strong> do estágio atual da raça huma<strong>na</strong>, a postura<strong>de</strong> humilda<strong>de</strong> dos lí<strong>de</strong>res propicia uma maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizadoe, consequentemente, <strong>de</strong> acerto <strong>na</strong> condução <strong>de</strong> grupos e processos.O lí<strong>de</strong>r sem humilda<strong>de</strong> não ouve, não pergunta, não percebe suasautolimitações - enfim, não evolui. Precisamos, mais do que nunca, <strong>de</strong>lí<strong>de</strong>res que tenham a coragem <strong>de</strong> romper com o mo<strong>de</strong>lo “estou acima”e assumam uma postura <strong>de</strong> “estou à frente” - interagindo, ensi<strong>na</strong>ndo eapren<strong>de</strong>ndo.Na nossa cultura autoritária, o estereótipo do lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidido,orientador, condutor e que exige obediência é muitas vezes consi<strong>de</strong>rado oúnico mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança que po<strong>de</strong> garantir resultados. Tal visão, muitopresente <strong>na</strong>s organizações privadas e públicas, inibe o <strong>de</strong>senvolvimento


440Roberto Matoso<strong>de</strong> novos lí<strong>de</strong>res, favorece a formulação <strong>de</strong> estratégias frágeis e nãogera comprometimento no conjunto <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rados. Não raro encontramosgrupos com lí<strong>de</strong>res sobrecarregados e, no entanto, com subordi<strong>na</strong>dos malaproveitadosem suas potencialida<strong>de</strong>s.A humilda<strong>de</strong>, ao contrário daquela visão <strong>de</strong> resig<strong>na</strong>ção esubserviência, <strong>de</strong>ve ser encarada como condição para que uma pessoali<strong>de</strong>re um grupo, pois quem não a tem tor<strong>na</strong>-se incapaz <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rcontinuamente. Como disse o professor Murilo Men<strong>de</strong>s, “os <strong>de</strong>usessão a<strong>na</strong>lfabetos não por preguiça, comodida<strong>de</strong> ou ignorância, mas por<strong>de</strong>sprezo”.Infelizmente, temos mais facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer a falta <strong>de</strong>humilda<strong>de</strong> nos outros do que em nós mesmos. André Comte Sponville, emseu livro “Tratado das Gran<strong>de</strong>s Virtu<strong>de</strong>s”, provoca com muito humor: “Ahumilda<strong>de</strong> é uma virtu<strong>de</strong> humil<strong>de</strong>: ela até duvida <strong>de</strong> que seja uma virtu<strong>de</strong>.Quem se gabasse da sua mostraria simplesmente que ela lhe falta”.Sponville ainda afirma que quem diz “sou muito humil<strong>de</strong>” expressauma contradição, ao passo que quem afirma “falta-me humilda<strong>de</strong>” encontrasemais perto <strong>de</strong>la.Neste início <strong>de</strong> século, precisamos <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res que tenham maisperguntas do que respostas, que ouçam mais e falem menos, que reconheçamos seus limites, que assumam suas dúvidas e que saibam <strong>de</strong>ixar que a luzdos outros possa brilhar também.Vivemos tempos <strong>de</strong> incerteza. Pessoas que tenham consciência doque sabem, mas, principalmente, que reconheçam o que não sabem po<strong>de</strong>mcontribuir para a construção <strong>de</strong> ambientes baseados <strong>na</strong> complementarida<strong>de</strong>e <strong>na</strong> cooperação.Nas empresas, nos governos, nos sindicatos, enfim, <strong>na</strong>s maisdiversas organizações, a resposta <strong>de</strong> Confúcio aos discípulos continuaválida. A humilda<strong>de</strong>, longe <strong>de</strong> ser associada à fraqueza e ao comodismo, éa mais revolucionária e duradoura virtu<strong>de</strong> que o lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ve ter.Em resumo, <strong>de</strong>vemos apren<strong>de</strong>r com a máxima do experienteconsultor André Leite Alckmim, que diz que “o lí<strong>de</strong>r não é o que maisensi<strong>na</strong>, mas o que mais apren<strong>de</strong>”. Isto fará com que o trabalho seja menosassociados a sacrifício e mais associado ao <strong>de</strong>senvolvimento.


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso441São os bons lí<strong>de</strong>res que rejeitam o preconceito e abrem espaçospara os competentes e inovadores <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s.Reflexões sobre trabalho e preconceitoDando continuida<strong>de</strong> ao eixo do raciocínio sobre preconceito, inicioeste nosso quarto momento com uma questão: quem é a maior vítima dopreconceito nos processos seletivos do mercado <strong>de</strong> trabalho?Quando estava à frente da Secretaria <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>do Estado do Ceará, percebi que quatro públicos sofrem as consequências<strong>de</strong> uma enorme carga <strong>de</strong> estereotipia e preconceito. Em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente,eram os seguintes públicos:- Os egressos do sistema pe<strong>na</strong>lParticipei <strong>de</strong> diversos encerramentos <strong>de</strong> cursos profissio<strong>na</strong>lizantes<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>dos a ex-presidiários. Eram momentos emocio<strong>na</strong>ntes, em que vifamiliares abraçarem com esperança homens e mulheres com certificado<strong>na</strong> mão. Notei em muitos o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudar e começar uma vida nova.Mas a realida<strong>de</strong> para quem sai da prisão é quase tão cruel como a realida<strong>de</strong>do cárcere. A socieda<strong>de</strong> cristalizou uma premissa <strong>de</strong> que os presídios setor<strong>na</strong>ram “pós-graduações” do crime. Para quem está longe <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong>,“todos os gatos são pardos”.As portas se fecham para quase todos que saem do sistema pe<strong>na</strong>l.Qual a consequência disso? A resposta é simples e dura: muitos voltampara <strong>de</strong>linquência, mesmo sem <strong>de</strong>sejarem inicialmente.- Pessoas com <strong>de</strong>ficiênciaA lei que estipula cotas para as empresas empregarem pessoas com<strong>de</strong>ficiência representou um avanço. Como existem pessoas produtivas,competentes e motivadas com algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência! Já vi empresas emque o portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência impulsio<strong>na</strong>va o grupo a superar <strong>de</strong>safios. Ahistória está repleta <strong>de</strong> pessoas geniais que não estão no padrão massificadorda “normalida<strong>de</strong>” física ou mental. Muitas empresas pensam assim, paraoutras, no entanto a lei representa um problema, uma obrigação, umaburocracia. Os processos seletivos, então, mais uma vez, se prestam aopapel <strong>de</strong> disfarçar a estereotipia. Algumas empresas passam a procurar<strong>de</strong>ficiências “leves”, com a alegação <strong>de</strong> que alguns tipos são mais difíceispara o convívio no ambiente <strong>de</strong> trabalho.


442Roberto MatosoCabe uma reflexão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m humanista. Nenhum <strong>de</strong> nós estalivre <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>r, <strong>de</strong> uma hora para outra, uma pessoa com necessida<strong>de</strong>sespeciais.Nenhum <strong>de</strong> nós está livre <strong>de</strong> que isso ocorra com alguém <strong>de</strong>nossa família. Entretanto muitas pessoas se comportam como se fossemabsolutamente invulneráveis e a<strong>na</strong>lisam os outros como meios, objetos ourecursos que po<strong>de</strong>m estar ou não no padrão <strong>de</strong> produção ou <strong>de</strong> consumo.- Os profissio<strong>na</strong>is acima dos 40 anos e os idososSim, consi<strong>de</strong>ro que os maduros sofrem mais preconceitos que osjovens no mercado <strong>de</strong> trabalho. É bom ressaltar que o <strong>de</strong>semprego jovemé o triplo do <strong>de</strong>semprego adulto, mas o que falo é sobre preconceito,principalmente tratando-se <strong>de</strong> recolocação.O “quarentão” ou “cinqüentão” que per<strong>de</strong> o emprego tem muitomais dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar uma nova oportunida<strong>de</strong>. Na maioria dasvezes, ele ou ela representam a maior renda da família. O <strong>de</strong>semprego dochefe ou da chefe <strong>de</strong> família representa um problema muito maior do queo <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> todos os jovens da casa. É como atingir o chefe ou achefe dos “guerreiros”. A tropa toda sente o golpe.O que mais me indig<strong>na</strong> neste problema é a falta <strong>de</strong> consistência noargumento <strong>de</strong> que a partir <strong>de</strong> uma certa ida<strong>de</strong> os profissio<strong>na</strong>is mais velhosnão “servem”. Quando a revolução industrial triunfou como uma novaforma <strong>de</strong> capitalismo o conceito <strong>de</strong> “mão <strong>de</strong> obra” se tornou sinônimo <strong>de</strong>pessoas. Mas a expressão “mão <strong>de</strong> obra” representa o paradigma <strong>de</strong> quedos trabalhadores queremos as “mãos”, o esforço físico, o suor, o trabalhobraçal. Na socieda<strong>de</strong> contemporânea, precisamos <strong>de</strong> “cabeças”, “corações”,“visões” - e não só da força física para carregar peso ou consertar máqui<strong>na</strong>s.Quando alguém exclui um profissio<strong>na</strong>l idoso <strong>de</strong> fazer um trabalho cujodiferencial é o conhecimento, estamos diante <strong>de</strong> puro preconceito.- Os jovens <strong>de</strong> 16 a 24 anosComo já falei anteriormente o <strong>de</strong>semprego jovem é muito maior quequalquer outro segmento. É um contingente enorme <strong>de</strong> jovens oriundos <strong>de</strong>escolas públicas e privadas <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong>, atormentados pelos apelos<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo e pressio<strong>na</strong>dos a encontrarem sua própria


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso443renda. Alguns problemas agravam esta questão: poucas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>cursos profissio<strong>na</strong>lizantes, pouco domínio da língua portuguesa e baixaformação em matemática. Para dificultar mais ainda, são doutri<strong>na</strong>dos emcasa a procurarem um “emprego”, e muitas vezes esquecem as oportunida<strong>de</strong>sda vida empreen<strong>de</strong>dora.Como gestor público, eu sabia das dificulda<strong>de</strong>s dos jovens semnenhuma formação profissio<strong>na</strong>l para encontrar um emprego. Ao mesmotempo, percebi que aqueles “guerreiros” tinham potencial para caminharcom suas próprias per<strong>na</strong>s.Entre 2004 e 2006, <strong>de</strong>senvolvemos, pelo governo do Estado doCeará, um vigoroso programa <strong>de</strong> apoio ao empreen<strong>de</strong>dorismo, o CearáEmpreen<strong>de</strong>dor, <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do principalmente para as populações <strong>de</strong> baixíssimarenda. As ações geraram impactos econômicos e sociais e ajudaram aconstruir uma cultura <strong>de</strong> valorização das iniciativas empreen<strong>de</strong>doras.<strong>Trabalho</strong> e terceira ida<strong>de</strong>Não temos dúvidas <strong>de</strong> que o trabalho digno e <strong>de</strong>safiador contribuipara a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do idoso. Conhecemos muito exemplos <strong>de</strong>pessoas que envelhecem rapidamente quando se entregam aos “braços daaposentadoria”. O médico alemão Viktor E.Frankl, em seu livro “Em Buscado Sentido”, no qual relata sua vida (?) em um campo <strong>de</strong> concentração<strong>na</strong>zista, nos alerta para a força <strong>de</strong> uma visão <strong>de</strong> futuro capaz <strong>de</strong> nosmanter vivos. O futuro alimenta o nosso presente.Tenho <strong>de</strong>fendido a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os aposentados ingressem <strong>na</strong> vidaempreen<strong>de</strong>dora: criem pequenos negócios em casa, façam artesa<strong>na</strong>to,prestem serviços ou mantenham-se jovens a partir da volta aos bancosdas escolas.Vale a ressalva <strong>de</strong> que os investimentos para criar um novonegócio <strong>de</strong>vem ser avaliados com muita responsabilida<strong>de</strong>. Não é indicadose precipitar com os recursos e ingressar em um ramo <strong>de</strong> negócios do qualse tem pouco ou nenhum conhecimento.Mas, em se tratando <strong>de</strong> emprego com carteira assi<strong>na</strong>da, qual avantagem para a empresa em empregar pessoas idosas?Vou concentrar-me em duas questões:


444Roberto Matoso- A socieda<strong>de</strong> é formada por diferentes, e uma empresa <strong>de</strong>ve sertambém.Por que as recepcionistas <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, clinicas, companhias<strong>de</strong> aviação, cartórios, entre outras, são jovens, se a gran<strong>de</strong> parte da clientelaé idosa? Uma empresa que tem no seu quadro pessoas <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s,<strong>de</strong> diversos credos, <strong>de</strong> diversas raças, com necessida<strong>de</strong>s especiais, possuimais facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se comunicarem com uma socieda<strong>de</strong> cada vez maisheterogênea. Tenho um exemplo em casa: minha mãe, Zenil<strong>de</strong> Matoso,<strong>de</strong> 73 anos, presi<strong>de</strong> o Sindicato das Empresas <strong>de</strong> Organização <strong>de</strong> Eventos.Há alguns anos, ela iniciou um programa <strong>de</strong> incentivo à contratação <strong>de</strong>recepcionistas da 3º ida<strong>de</strong> para congressos e feiras.Parte das recepcionistas era jovem; outra parte, da terceira ida<strong>de</strong>.O resultado foi excelente, pois muitos idosos se sentem mais confortáveisao se dirigirem a pessoas da sua mesma faixa etária.- Na empresa, os idosos são fundamentais em grupos <strong>de</strong> trabalho.Como imagi<strong>na</strong>r uma equipe para resolver um problema sem aparticipação <strong>de</strong> executivos mais idosos? Além da experiência e da percepçãomais apurada, os idosos representam um “olhar” menos imediatista. Até umsimples veículo precisa <strong>de</strong> acelerador e freio para manter-se em velocida<strong>de</strong>com segurança. Gosto <strong>de</strong> afirmar que o amigo é aquele que diz o que ooutro precisa ouvir e não o que o outro quer ouvir.Para os jovens mais sábios, a participação dos idosos no trabalhoaumenta a segurança <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões.- Precisamos do trabalhador do conhecimento,mais do que o trabalhador-ferramenta.A psicóloga Eugênia Sofal, do Serviço <strong>de</strong> Informação eDesenvolvimento em Antropologia e Psicologia Aplicada (SID-APA), afirmaque “se não houver mudanças <strong>na</strong>s mentalida<strong>de</strong>s, nenhuma reestruturaçãofuncio<strong>na</strong>rá. Se não mudar a mentalida<strong>de</strong> das pessoas que trabalham, nãoadianta achatar níveis hierárquicos, reformular processos”. A professoraEugênia Sofal diferencia o trabalhador-ferramenta do trabalhador doconhecimento. Estes últimos são responsáveis pelas inovações, pelaspercepções e pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma visão sistêmica e estratégica


<strong>Trabalho</strong>, Preconceito e a Condição do Idoso445<strong>de</strong>ntro das empresas.Enquanto <strong>na</strong> visão preconceituosa do trabalhador como ferramentase busca a vitalida<strong>de</strong> física, o esforço, a continuida<strong>de</strong> da máqui<strong>na</strong>, <strong>na</strong>visão do trabalhador do conhecimento a criativida<strong>de</strong>, a proativida<strong>de</strong>, amentalida<strong>de</strong> abrangente e a eficácia não têm ida<strong>de</strong>.Encerro minhas reflexões, incentivando cada um <strong>de</strong> nós a repensarpreconceitos e mo<strong>de</strong>los. Sponville nos provoca quando afirma que,enquanto a esperança é <strong>de</strong>sejar o que não se tem, a felicida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sejar oque se tem. Acredito que tanto as empresas como os profissio<strong>na</strong>is idosospo<strong>de</strong>m, <strong>na</strong> construção renovável da esperança, manter espaços on<strong>de</strong> secultivem a felicida<strong>de</strong>.Bibliografia__________. Ceará Empreen<strong>de</strong>dor: aliando capacitação e crédito.Fortaleza: Ed UECE, 2006.__________. Compre da gente: inovação no apoio à comercialização.Fortaleza: Ed UECE, 2006.__________. Atendimento Integrado ao Trabalhador: uma visãosistêmica. Fortaleza: Ed UECE, 2006.__________. Re<strong>de</strong> Ceará <strong>de</strong> educação profissio<strong>na</strong>l: uma propostafi<strong>na</strong>nceira. Fortaleza: Ed UECE, 2006.__________. Artesa<strong>na</strong>to para um mundo globalizado. Fortaleza: EdUECE, 2006.__________. Pequeno tratado das gran<strong>de</strong>s virtu<strong>de</strong>s. São Paulo: MartinsFontes, 1999.ARAGÃO, Elizabeth F. & FEITOSA DOS SANTOS, João Bosco.A criação da Secretaria <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong> e <strong>Empreen<strong>de</strong>dorismo</strong>. Fortaleza: EdUECE, 2006.COMTE – SPONVILLE, André. A felicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sesperadamente. SãoPaulo: Martins Fontes, 2001.FRANKL, Viktor E. Em busca <strong>de</strong> sentido: um psicólogo no campo<strong>de</strong> concentração. Petrópolis: Vozes, 2008.GARCIA, Ely Bonini. Da Dialogia Possível. Belo Horizonte, In:SID-APA, Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Textos, Belo Horizonte, 1994JULIEN, Fraçois. Tratado da eficácia. São Paulo: Ed. 34, 1998.


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Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>lem RH para o Cuidador <strong>de</strong> Idoso e as NovasPerspectivas <strong>de</strong> Mercado <strong>de</strong> <strong>Trabalho</strong>no Universo do Envelhecimento Humano447Sandra RabelloCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora <strong>de</strong> Projetos <strong>de</strong> Extensão da UnATI/UERJ, membro doConselho Estadual <strong>de</strong> Defesa da Pessoa Idosa do RJ, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora do curso<strong>de</strong> Orientação e Informação para Familiares e Acompanhantes <strong>de</strong> Idosos(UnATI/UERJ).“Amar uma pessoa significa querer envelhecer com ela”. (AlbertCamus 1 )O filme Íris 2 conta a história da célebre escritora irlan<strong>de</strong>sa IrisMurdoch, professora em Oxford, <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 1950. Conhecida e admiradapor seu intenso amor à vida, que transmitia através <strong>de</strong> sua obra, reagiuheroicamente ao se <strong>de</strong>scobrir acometida pelo Mal <strong>de</strong> Alzheimer, numalonga luta contra a doença que acabaria por levá-la à morte, em 1999.Ao longo <strong>de</strong> 40 anos, um homem esteve ao seu lado, a cada um dos seuspassos: seu marido John Bailey, que, <strong>na</strong> saú<strong>de</strong> ou <strong>na</strong> doença, a amaria portoda a vida.1 ALBERT CAMUS (Mondovi, 7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1913 — Villeblevin, 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1960) foi escritore filósofo, <strong>na</strong>scido <strong>na</strong> Argélia. Nobel <strong>de</strong> Literatura, 1957.2 IRIS, Filme. Título Origi<strong>na</strong>l: Iris; Gênero: Drama; Tempo <strong>de</strong> Duração: 90 minutos; Ano <strong>de</strong>Lançamento (Inglaterra): 2001. Estúdio: Miramax Films / BBC / Intermedia Films / MirageEnterprises.Site Oficial: www.miramaxhighlights.com/iris


448Sandra RabelloFatos como esses levam-nos à reflexão sobre o processo <strong>de</strong>envelhecimento e as várias possibilida<strong>de</strong>s que nos cercam a todos quevivemos a gran<strong>de</strong> odisséia que é envelhecer.Segundo Néri (2001, p. 19), “a socieda<strong>de</strong> constrói cursos <strong>de</strong> vida<strong>na</strong> medida em que prescreve expectativas e normas <strong>de</strong> comportamentosapropriadas para as diferentes faixas etárias, diante <strong>de</strong> eventos marcadores<strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza biológica e social, e <strong>na</strong> medida em que essas normas sãointer<strong>na</strong>lizadas pelas pessoas e instituições sociais”.No contexto social, a velhice tem um referencial que diz respeitoaos diversos papéis <strong>de</strong>sempenhados pelos indivíduos. Ao ser categorizada,a velhice é vinculada ao sistema produtivo, às políticas públicas e aoor<strong>de</strong><strong>na</strong>mento jurídico. Então o conceito <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> abrange os aspectossocial, biológico e psicológico, bem como a cultura e os seus mais variadoscostumes (Debert, 1998).Sobre a vinculação do velho à ca<strong>de</strong>ia produtiva, Gusmão (2001,p.117) diz que “o caráter do mundo mo<strong>de</strong>rno em sua <strong>na</strong>tureza capitalistaestá dado pela or<strong>de</strong>m produtiva que toma o jovem e o adulto comoprodutores e compreen<strong>de</strong> o velho e a velhice como uma irrupção perigosada or<strong>de</strong>m, posto que já não produtivos para o capital. ”Mas o que dizer, sea longevida<strong>de</strong> avança progressivamente em todos os países; se os idososcontinuam sendo mantenedores do sistema, através <strong>de</strong> seus benefícios,contribuindo para circulação do capital?”É oportuno citar Kalache (apud Felix, 2007): “Kalache chama aatenção para o <strong>de</strong>safio econômico da longevida<strong>de</strong> brasileira e da gran<strong>de</strong>diferença do fenômeno do envelhecimento nos países em <strong>de</strong>senvolvimentoe o processo ocorrido <strong>na</strong>s <strong>na</strong>ções <strong>de</strong>senvolvidas: os países <strong>de</strong>senvolvidosenriqueceram e <strong>de</strong>pois envelheceram. Nós, como todos os países pobres,estamos envelhecendo antes <strong>de</strong> enriquecer. Eles tiveram recursos e tempo.A França levou 115 anos para dobrar <strong>de</strong> 7% para 14% a proporção <strong>de</strong>idosos <strong>na</strong> população. O Brasil vai fazer o mesmo em 19 anos. Uma geração.Eles levaram seis”.A população brasileira envelheceu rapidamente. A expectativa <strong>de</strong>vida do brasileiro está próxima <strong>de</strong> 71,3 anos, e o segmento <strong>de</strong> idosos acima<strong>de</strong> 60 anos foi o que mais cresceu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1980 (IBGE, 2002). A OrganizaçãoMundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> prevê que, até 2025, o número <strong>de</strong> idosos saltará <strong>de</strong> 11


Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH...449para 32 milhões. O aumento da expectativa <strong>de</strong> vida é resultado <strong>de</strong> ganhosessenciais, prioritariamente nos setores sociais e da saú<strong>de</strong>. Mas é precisorefletir sobre novas <strong>de</strong>mandas que apontam para o surgimento <strong>de</strong> serviçosespecializados no atendimento exclusivo aos mais velhos. Esses serviços<strong>de</strong>vem <strong>de</strong>correr do exercício das políticas públicas vigentes e das necessida<strong>de</strong>sda socieda<strong>de</strong> brasileira. Na Declaração <strong>de</strong> Brasília para o envelhecimentoativo, a Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) afirmou, em 1996: “Umidoso saudável é um recurso para sua família, para a comunida<strong>de</strong>, para aeconomia” (Brasilia Declaration on Ageing. World Health, 1997, nº 4: 21).O idoso e a família“Tento enten<strong>de</strong>r a vida, o mundo e o mistério, e para isso escrevo.Não conseguirei jamais enten<strong>de</strong>r, mas tentar me dá uma enormealegria. Além disso, sou uma mulher simples, em busca, cada vezmais, <strong>de</strong> mais simplicida<strong>de</strong>. Amo a vida, os amigos, os filhos,a arte, minha casa, o amanhecer. Sou uma amadora da vida.O que você nunca vai esquecer? Escutar o vento e a chuva <strong>na</strong>sárvores do imenso jardim que cercava a casa <strong>de</strong> meu pai, <strong>na</strong>minha infância” (Lya Luft 3 ).A família, em uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a expectativa <strong>de</strong> vida aumentaprogressivamente, faz com que novas situações se construam, em açõespara amparo aos seus idosos. O preparo para que os membros da famíliapossam lidar com segurança e eficiência no cuidado ao idoso é o ponto <strong>de</strong>partida <strong>na</strong> reconstrução <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> atuação que atendam ao <strong>de</strong>safio daatenção e do cuidado do familiar idoso.Conforme prescreve a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, em seu artigo229, “os pais têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assistir, criar e educar os filhos menores, e osfilhos maiores têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ajudar e amparar os pais <strong>na</strong> velhice, carênciaou enfermida<strong>de</strong>”.O cuidado com a geração velha é atribuído, ao longo da história, aos<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, ou seja, a família tem como responsabilida<strong>de</strong> satisfazer inúmerasnecessida<strong>de</strong>s, sejam elas físicas, psíquicas ou sociais (Moragas, 1997).3Lya Fett Luft (Santa Cruz do Sul, 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1938) é romancista, poetisa e tradutora. Étambém professora universitária.


450Sandra RabelloAs mudanças vividas por nossa socieda<strong>de</strong> revelam novos arranjosfamiliares, que se alteram rapidamente pela inserção da mulher no mercado<strong>de</strong> trabalho, por divórcios, recasamentos e laços <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong> e afetosconsi<strong>de</strong>rados, que vão redimensio<strong>na</strong>ndo os padrões familiares clássicos.Com todas essas alterações nos núcleos familiares, a responsabilida<strong>de</strong> pelocuidado ao idoso vem se modificando.Também as transformações das socieda<strong>de</strong>s urba<strong>na</strong>s industrializadasvêm contribuindo para que as atribuições do cuidar do idoso <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong>ser <strong>de</strong> domínio exclusivo da esfera familiar, e muitas <strong>de</strong>las estão sendo<strong>de</strong>sempenhadas por organizações alheias à família (Moragas, 1997).Frente a esta contextualização <strong>de</strong> Moragas, enten<strong>de</strong>mos que no mundoindustrializado, e com o número reduzido <strong>de</strong> membros familiares, cuidar <strong>de</strong>idosos constitui-se num gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, em virtu<strong>de</strong> da escassez do tempoe das muitas atribuições impostas pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo. Diante dadoença e da <strong>de</strong>pendência, é preciso lidar com a inversão <strong>de</strong> papéis, que, nãosendo bem conduzida, po<strong>de</strong> gerar crises familiares em gran<strong>de</strong>s proporções.Adversida<strong>de</strong>s sociais, econômicas e psicológicas po<strong>de</strong>m produzir situaçõesque impossibilitem aos filhos assumir o cuidado dos seus pais.Santos, 2003 (apud Felix, 2007, p.11) investigou a instituição dopapel do cuidador e as implicações e os significados para a saú<strong>de</strong>, a famíliae a cultura, abordando ainda outra questão econômica: os significados<strong>de</strong>ssa experiência para os próprios cuidadores, uma mão <strong>de</strong> obra cada vezmais requisitada e, em países que já atingiram o estágio do envelhecimentopopulacio<strong>na</strong>l, tão importante quanto as babás nos países ainda jovens ouem <strong>de</strong>senvolvimento. Campos, 2007 (apud Felix, 2007, p. 11), investiga anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas próprias para esta nova profissão.A construção e formação <strong>de</strong> curso universitário<strong>de</strong> cuidadores familiares e cuidadores formais <strong>de</strong> idosospara maiores <strong>de</strong> 60 anos“O que vale mais num trabalho é a <strong>de</strong>dicação do trabalhador”(Zaratustra 4 ).4 ZARATUSTRA. Profeta <strong>na</strong>scido <strong>na</strong> Pérsia (atual Irã), provavelmente em meados do século VII a.C.Foi o fundador do Mas<strong>de</strong>ísmo ou Zoroastrismo.


Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH...451A Universida<strong>de</strong> Aberta da Terceira Ida<strong>de</strong> (UnATI) iniciou suasativida<strong>de</strong>s em 1993. O professor Américo Piquet Carneiro, com suacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autovisão, reuniu, no Hospital Pedro Ernesto (HUPE), daUniversida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um grupo pioneiro <strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>isinteressados <strong>na</strong> questão do envelhecimento humano. A partir dos <strong>de</strong>batese trocas <strong>de</strong> experiências profissio<strong>na</strong>is, sistematizou-se o projeto do Núcleo<strong>de</strong> Atenção ao Idoso do HUPE, que se propunha a oferecer atenção integralà saú<strong>de</strong> do idoso, numa ação multidiscipli<strong>na</strong>r e interdiscipli<strong>na</strong>r, vendo oidoso como ser integral, com sua saú<strong>de</strong> inserida em um processo amplo <strong>de</strong>aprimoramento da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Estava, assim, concluído o embriãoda UnATI/UERJ.Os i<strong>de</strong>ais do professor Américo Piquet Carneiro vêm se consolidandoao longo das ativida<strong>de</strong>s da UnATI, que se constituiu em um dos maisavançados experimentos <strong>de</strong> uma microuniversida<strong>de</strong> temática.No esboço do projeto da UnATI, foi estabelecido um conjunto <strong>de</strong>metas para suas ações <strong>na</strong>s áreas <strong>de</strong> Ensino, Pesquisa e Extensão 5 :- promover estudos, <strong>de</strong>bates, pesquisas e assistência à populaçãoidosa da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro;- assessorar órgãos gover<strong>na</strong>mentais e não-gover<strong>na</strong>mentais emassuntos que envolvam a terceira ida<strong>de</strong>;- contribuir para a elevação dos níveis <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> física e mental<strong>de</strong> pessoas idosas, utilizando recursos e alter<strong>na</strong>tivas existentes<strong>na</strong> universida<strong>de</strong>;- promover cursos para idosos, visando atualizar seusconhecimentos para reintegrá-los à socieda<strong>de</strong> contemporânea;- prestar assistência à saú<strong>de</strong>, jurídica e mental (lato sensu) para apopulação idosa;- oferecer à população idosa uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> excelência, fazendoda UnATI uma instituição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública e, igualmente,<strong>de</strong> socioterapia, serviços comunitários, pesquisas e açõesgerontológicas, <strong>de</strong> um modo geral.5 Ações do programa UnATI, disponível emhttp://www.portaldovoluntario.org.br/pagi<strong>na</strong>.php?idconteudo=779&entrevistaAnterioresPag=4>


452Sandra RabelloA criação do curso <strong>de</strong> orientação e informação paracompanhantes e familiares <strong>de</strong> idososA necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implantação do curso <strong>de</strong> cuidadores <strong>de</strong> idosos <strong>na</strong>UnATI/UERJ surgiu em 1994, a partir da estruturação da área <strong>de</strong> Extensãodo Programa UnATI, bem como da gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda que surgia com adivulgação <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Extensão Universitária criado <strong>de</strong>ntro docampus universitário, voltado ao atendimento especializado ao idoso.O objetivo do curso era informar e trei<strong>na</strong>r, tendo em vista asnovas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento à pessoa idosa, preconizadas <strong>na</strong>Política Nacio<strong>na</strong>l do Idoso (Lei 8842, 1994). Para isto foi elaborado umprojeto multidiscipli<strong>na</strong>r que abarcasse os diversos aspectos do processo <strong>de</strong>envelhecimento.A importância do cuidador <strong>de</strong> idosos é amplamente reconhecidano âmbito da legislação vigente. A Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Idoso(Portaria 1395, 1999) <strong>de</strong>fine o cuidador como “pessoa, membro ou não dafamília, que, com ou sem remuneração, cuida do idoso doente ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteno exercício das suas ativida<strong>de</strong>s diárias, tais como alimentação, higienepessoal, medicação <strong>de</strong> roti<strong>na</strong>, acompanhamento dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>ou outros serviços requeridos no cotidiano – por exemplo, ida a bancosou farmácias –, excluídas as técnicas ou os procedimentos i<strong>de</strong>ntificadoscom profissões legalmente estabelecidas, particularmente <strong>na</strong> área daenfermagem”.No tocante à categoria profissio<strong>na</strong>l, o Ministério do <strong>Trabalho</strong> eEmprego, através da Classificação Brasileira <strong>de</strong> Ocupação, estabeleceu,pelo código 5162-10, a ativida<strong>de</strong> do cuidador <strong>de</strong> idosos (Portaria 397,2002).Os cuidadores po<strong>de</strong>m estar no mercado formal ou informal. Oscuidadores informais, geralmente, são familiares ou pessoas muito próximasao idoso. Já os cuidadores formais são pessoas contratadas conforme asnormas do Ministério do <strong>Trabalho</strong> e Emprego. A UnATI possui um projeto,<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do “Idosos Companheiros”, em que a perspectiva é estimularidosos saudáveis a <strong>de</strong>senvolverem aptidões para o cuidado informal,através da ação voluntária ao idoso institucio<strong>na</strong>lizado.O curso <strong>de</strong> orientação e informação para familiares e acompanhantes


Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH...453<strong>de</strong> idosos, criado em 1996 pela UnATI/UERJ, visa capacitar cuidadoresformais, levando em conta a sensibilização e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> técnicasvoltadas para o cuidado com idosos.Dos cerca <strong>de</strong> 240 alunos que frequentaram os cursos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suacriação, até o ano <strong>de</strong> 2008, 95% se inscreveram no curso com o objetivo<strong>de</strong> exercer ativida<strong>de</strong> formal <strong>de</strong> cuidador, 99% são do sexo feminino e 65%possuem Ensino Fundamental.O perfil feminino <strong>na</strong> formação <strong>de</strong> cuidador formal e informalé predomi<strong>na</strong>nte, marcadamente pela usual atuação da mulher comocuidadora e pelas mudanças <strong>na</strong>s conjunturas econômicas e sociais pelasquais passa a socieda<strong>de</strong> brasileira, com a participação das mulheres nosdiversos setores da socieda<strong>de</strong> ampliando-se fortemente. No contextofamiliar, o papel da cuidadora é histórico, pois a mulher sempre ocupouesse espaço em nossa socieda<strong>de</strong>.Voltando à construção do curso <strong>de</strong> orientação e informação paraacompanhantes e familiares <strong>de</strong> idosos, optamos pela elaboração <strong>de</strong> umcurso que trouxesse no seu bojo, além da construção metodológica dapreparação profissio<strong>na</strong>l para o mercado <strong>de</strong> trabalho, a capacitação emgerontologia e avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho do aluno.A capacitação dos cuidadores no curso enfatiza a responsabilida<strong>de</strong>com a missão do “cuidar” e com os compromissos éticos com o idoso esua família, ressaltando o respeito, a paciência e a compreensão com aslimitações apresentadas pelos idosos.O curso consiste no seu conteúdo programático <strong>de</strong> abordagenssocioeducativas e interdiscipli<strong>na</strong>res como objetivos fundamentais. Acapacitação é realizada por meio <strong>de</strong> diferentes abordagens, aulas teóricas,aulas práticas e dinâmicas, além <strong>de</strong> estágio supervisio<strong>na</strong>do em instituição<strong>de</strong> longa permanência para idosos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> caráter filantrópico.O conteúdo programático <strong>de</strong>scrito a seguir é ministrado por umperíodo <strong>de</strong> 70 horas pela equipe multidiscipli<strong>na</strong>r da UnATI/UERJ.


454Sandra RabelloConteúdo programático do curso Orientação eInformação para Acompanhantes e Familiares <strong>de</strong> IdososUnida<strong>de</strong> I - Aspectos Unida<strong>de</strong> biopsicossociais I – Aspectos biopsicossociais do cuidador do cuidadorTemaAbertura do curso/aspectossociais do envelhecimentoEstatuto do IdosoAspectos <strong>de</strong> violência emaus-tratos à pessoa idosaOs direitos trabalhistas do cuidadorformal da pessoa idosaInstituição da Longa Permanênciapara Pessoa Idosa (ILPI)Funções e atribuições do cuidadorRelação interpessoal cuidador-idosoe cuidador-famíliaCaracterísticas psicológicas da velhiceSexualida<strong>de</strong> e envelhecimentoÁreaServiço SocialServiço SocialServiço SocialServiço SocialServiço SocialPsicologiaPsicologiaPsicologiaPsicologiaUnida<strong>de</strong> III - Aspectos e noções teórico-práticas para o cuidadorTemaAtivida<strong>de</strong>s físicas/orientação posturalPosicio<strong>na</strong>mento no leito/transferênciaCuidados para evitar quedas/cuidados comfraturas <strong>de</strong> fêmur e bacia/adaptação doambiente em que o idoso viveExercícios físicos e ergonomia para o cuidadorLidando com a morteAvaliação e encerramento do cursoÁreaFisioterapiaFisioterapiaFisioterapiaFisioterapiaPsicologiaCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção do curso


Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH...455Unida<strong>de</strong> II - Aspectos Unida<strong>de</strong> II biopsicossociais – Aspectos biopsicossociais do cuidador do cuidadorTemaEnvelhecimento normale patológicoCuidados relativos às alteraçõesgastrintesti<strong>na</strong>is e diabetesCuidados relativos às alterações cardiovasculares(fatores <strong>de</strong> risco, hipertensão e cardiopatias)Cuidados relativos às alterações urináriasCuidados com o idoso com doença<strong>de</strong> AlzheimerCuidados com o idoso com doença<strong>de</strong> ParkinsonCuidados relativos às alterações neurosensoriais/cuiddoscom a pele e relativos àsalterações músculo-esqueléticasO idoso com doenças pulmo<strong>na</strong>resNutrição do idosoCuidados com o idoso portador <strong>de</strong>osteoporose e osteoartroseDoença <strong>de</strong> Parkinson/cuidados com o idosovítima <strong>de</strong> AVC (<strong>de</strong>rrame)Ativida<strong>de</strong>s ocupacio<strong>na</strong>is para o idoso<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e cuidados relativos às alteraçõespulmo<strong>na</strong>resÁreaMedici<strong>na</strong>EnfermagemEnfermagemEnfermagemEnfermagemEnfermagemEnfermagemEnfermagemEnfermagemFisioterapiaFisioterapiaFisioterapia


456Sandra RabelloUnida<strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> III - Aspectos III – Aspectos e noções e noções teórico-práticas para para o o cuidadorTemaAtivida<strong>de</strong>s físicas/orientação posturalPosicio<strong>na</strong>mento no leito/transferênciaCuidados para evitar quedas/cuidados comfraturas <strong>de</strong> fêmur e bacia/adaptação doambiente em que o idoso viveExercícios físicos e ergonomia para o cuidadorLidando com a morteAvaliação e encerramento do cursoÁreaFisioterapiaFisioterapiaFisioterapiaFisioterapiaPsicologiaCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção do cursoAvaliação dos alunos do curso <strong>de</strong> orientação einformação para familiares e acompanhantes <strong>de</strong> idososA avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho dos alunos do curso correspon<strong>de</strong>aos princípios e diretrizes da avaliação <strong>de</strong> recursos humanos voltadospara o mercado <strong>de</strong> trabalho, imprescindíveis à melhoria da qualificaçãoprofissio<strong>na</strong>l do cuidador <strong>de</strong> idosos, com vistas ao bom <strong>de</strong>sempenho doserviço prestado. A avaliação ocorre durante a prática profissio<strong>na</strong>l noestágio supervisio<strong>na</strong>do <strong>na</strong> instituição <strong>de</strong> longa permanência para idosos e<strong>na</strong> avaliação fi<strong>na</strong>l do curso, através <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> conclusão.A avaliação fi<strong>na</strong>l do curso tem como indicadores o <strong>de</strong>sempenhono trabalho <strong>de</strong> conclusão, bem como iniciativa, pontualida<strong>de</strong>, assiduida<strong>de</strong>,presteza, resolução <strong>de</strong> problemas e adaptabilida<strong>de</strong>.Consi<strong>de</strong>rações fi<strong>na</strong>isA UnATI, por meio do seu trabalho <strong>na</strong> capacitação <strong>de</strong> cuidadoresformais, preten<strong>de</strong> suprir a <strong>de</strong>manda do idoso e da família que necessita<strong>de</strong> serviços especializados nesta área. Vale ressaltar que a perspectiva dainserção <strong>de</strong>sses cuidadores no mercado <strong>de</strong> trabalho sempre estará presentenos objetivos propostos <strong>na</strong> construção metodológica do curso. Cabe <strong>de</strong>stacarainda que a UnATI, por meio do curso <strong>de</strong> Orientação e Informação paraFamiliares e Acompanhantes <strong>de</strong> Idosos, tem em seu eixo principal a ênfase


Trei<strong>na</strong>mento Profissio<strong>na</strong>l em RH...457<strong>na</strong> importância do ato <strong>de</strong> cuidar como um ato <strong>de</strong> tolerância, respeito,amor, <strong>de</strong>dicação, ética, responsabilida<strong>de</strong> e compromisso profissio<strong>na</strong>l. Fazsenecessário ressaltar que o foco essencial <strong>de</strong>sse curso é o cidadão idoso,que, recebendo cuidados específicos e atenção a<strong>de</strong>quada, po<strong>de</strong>rá obtermelhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, inclusão social e dignida<strong>de</strong> em sua velhice.BibliografiaBRASIL. Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Disponível em www.pla<strong>na</strong>lto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acessoem 10/5/2009.BRASIL. Lei nº 8.842, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1994. Política Nacio<strong>na</strong>ldo Idoso. Disponível em www.pbh.gov.br/leis<strong>de</strong>idosos/politicafe<strong>de</strong>rallei8842.htm.Acesso em 10/5/2009.BRASIL. Ministério do <strong>Trabalho</strong> e Emprego. Portaria nº 397,<strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2002. Classificação Brasileira <strong>de</strong> Ocupações (CBO).Disponível em www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/saibaMais.jsf. Acessoem 10/5/2009.BRASIL. Ministério da Saú<strong>de</strong>. Portaria nº 1.395, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1999. Aprova a Política Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Idoso e dá outrasprovidências. Brasília: Diário Oficial [da] República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil,Po<strong>de</strong>r Executivo, nº 237-E, pp. 20-24, 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, Seção 1.2007.CAMPOS, E.P. Quem cuida do cuidador?. São Paulo, Editora Vozes,DEBERT, Guita G. Pressupostos da reflexão antropológica sobrea velhice. In: DEBERT, G. G. Textos Didáticos. Antropologia e Velhice.IFCH/Unicamp, Campi<strong>na</strong>s, nº 13, pp. 7-27, janeiro <strong>de</strong> 1998.FELIX, J. S. O planeta dos idosos, entrevista <strong>de</strong> Alexandre Kalache,coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dor do Programa <strong>de</strong> Envelhecimento e Longevida<strong>de</strong> da OMS, SãoPaulo, Revista Fator, edição do Banco Fator, 2007. Disponível em http://www.abresbrasil.org.br/pdf/16.pdf.GUSMÃO, Neusa M. M. A maturida<strong>de</strong> e a velhice: um olharantropológico. In: NERI, Anita L. Desenvolvimento e envelhecimento:perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. Campi<strong>na</strong>s: Papirus,2001.INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.Disponível em http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/idoso/politica_do_idoso_no_brasil.html.


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O <strong>Trabalho</strong> como Fator<strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong>Terceira Ida<strong>de</strong>459Vera PedrosaPsicóloga com especialização em Psicologia do <strong>Trabalho</strong> e Gestalt-terapia.Formada pela Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, implantou oPrograma <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> do Trabalhador da UERJ.A expressão “qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida” tornou-se um i<strong>de</strong>al perseguidopelas pessoas, como se fosse um produto a ser adquirido. O marketing <strong>de</strong>diferentes produtos utiliza esta expressão para apresentá-los como algoque vai levar o consumidor à ple<strong>na</strong> felicida<strong>de</strong>. Então vemos qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida associada a carros, imóveis, roupas e muitos outros itens. Poroutro lado, as empresas enten<strong>de</strong>ram a importância <strong>de</strong> garantir a chamadaqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida aos seus empregados, <strong>de</strong> forma a retê-los e mantê-losfelizes e saudáveis em seus quadros. Esta visão gera inúmeros programassemelhantes em inúmeras empresas, oferecendo ativida<strong>de</strong>s físicas, projetosculturais e eventos para integração dos empregados. Por outro lado, com oaumento da expectativa <strong>de</strong> vida gerado pelos avanços da medici<strong>na</strong>, surge,tanto <strong>na</strong>s empresas quanto <strong>na</strong> esfera social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> dos governos, ointeresse em garantir o que consi<strong>de</strong>ram que seja a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dosidosos. Fi<strong>na</strong>lmente, este artigo mostra a importância e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>investir em programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho voltados para aterceira ida<strong>de</strong>, aliados a ações <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social empresarial.


460 Vera PedrosaAlguns conceitos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidaAs diferentes formas <strong>de</strong> aplicar a expressão qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nosleva à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> buscar referências teóricas e práticas institucio<strong>na</strong>isque situem qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho e <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>.Lyndon Johnson, então presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos, foi oprimeiro a empregar a expressão qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, ao <strong>de</strong>clarar, em 1964,que “os objetivos não po<strong>de</strong>m ser medidos através do balanço dos bancos.Eles só po<strong>de</strong>m ser medidos através da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida que proporcio<strong>na</strong>màs pessoas”.A Primeira Conferência Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l sobre a Promoção da Saú<strong>de</strong>,realizada em Ottawa em 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1986, gerou a Carta <strong>de</strong> Ottawa- um dos documentos mais importantes que se produziram no cenáriomundial sobre o tema da saú<strong>de</strong> e da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. A Carta afirma quesão recursos indispensáveis para se ter saú<strong>de</strong>:- paz- renda- habitação- educação- alimentação a<strong>de</strong>quada- ambiente saudável- recursos sustentáveis- equida<strong>de</strong>- justiça socialA <strong>de</strong>finição da Organização Mundial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS) é umareferência obrigatória para enten<strong>de</strong>r como se <strong>de</strong>senvolveram váriosconceitos e práticas relacio<strong>na</strong>dos à qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. O Grupo <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong><strong>de</strong> <strong>Vida</strong> da Divisão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental da OMS <strong>de</strong>finiu qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida como“a percepção do indivíduo <strong>de</strong> sua posição <strong>na</strong> vida, no contexto <strong>de</strong> culturae sistema <strong>de</strong> valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,expectativas, padrões e preocupações” (WHOQOL Group, 1994). Dessa


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>461forma, diferentemente <strong>de</strong> outros instrumentos utilizados para avaliação<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, este questionário baseia-se nos pressupostos <strong>de</strong>que qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida é um construto subjetivo (percepção do indivíduoem questão), multidimensio<strong>na</strong>l e composto por dimensões positivas enegativas.Este projeto foi realizado com a colaboração <strong>de</strong> 15 centros,simultaneamente, em diferentes culturas. Foram <strong>de</strong>senvolvidos, até omomento, dois instrumentos gerais <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida: o WHOQOL-100 (disponível em www.ufrgs.br/Psiq/whogol-100.html) e o WHOQOL-BREF (em www.ufrgs.br/Psiq/whoqol84.html). O WHOQOL-100 reúnecem questões que avaliam seis domínios: físico, psicológico, nível <strong>de</strong>in<strong>de</strong>pendência, relações sociais, meio ambiente e espiritualida<strong>de</strong>/crençaspessoais. Já o WHOQOL-BREF é uma versão abreviada composta pelas 26questões que obtiveram os melhores <strong>de</strong>sempenhos psicométricos, extraídasdo WHOQOL-100. A versão abreviada é composta por quatro domínios:físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.Interessante notar que este conceito já nos coloca numa perspectivabastante subjetiva sobre a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Adianta-nos quecada sujeito terá uma percepção única e exclusiva <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida e que esta é influenciada por fatores externos e internos.Sem prejuízo <strong>de</strong> inúmeras contribuições <strong>de</strong> outros teóricos,acrescento mais uma conceituação que se mostra também como fundamento<strong>de</strong> vários estudos sobre qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Trata-se da Teoria da Motivação<strong>de</strong> Maslow, que, tantas décadas <strong>de</strong>pois, ainda se apresenta atual quandoqueremos enten<strong>de</strong>r o que é qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.A Pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maslow, ou a Teoria da Hierarquia das Necessida<strong>de</strong>s,foi <strong>de</strong>senvolvida por Abraham Maslow em 1943 e estabelece uma escala <strong>de</strong>valores para as necessida<strong>de</strong>s do ser humano. Ele classifica as necessida<strong>de</strong>sem grupos caracterizados pela <strong>na</strong>tureza e pelo grau <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> dasrespectivas necessida<strong>de</strong>s.A Figura 1 reproduz a pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> hierarquia <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s comseus patamares:


462Vera PedrosaFigura 1 – Pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> MaslowTranscendênciaAutorrealizaçãoEstimaSocialSegurançaFisiológicasFazendo uma simples <strong>de</strong>scrição dos graus hierárquicos que formama pirâmi<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos dizer que da base para o topo da pirâmi<strong>de</strong> os grupostor<strong>na</strong>m-se 1. QVT como menos uma variável prioritários. (1959 a 1972) Isto significa Reação do que indivíduo as necessida<strong>de</strong>s ao trabalho. Investigava-se dos níveiscomo melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalhomais baixos têm uma priorida<strong>de</strong> sobre para os o níveis indivíduo. superiores. À medida queum nível é satisfeito em gran<strong>de</strong> parte ou em sua totalida<strong>de</strong>, a pessoa buscaalcançar 2. QVT como o uma nível abordagem imediatamente (1969 a 1974) O foco era o indivíduo, antes do resultadosuperior. Abaixo uma apresentação dosorganizacio<strong>na</strong>l. Ao mesmo tempo, buscava-sediferentes níveis da hierarquia: trazer melhorias tanto para o empregado comopara a direção.Nível Fisiológico - necessida<strong>de</strong>s básicas, associadas a fome,se<strong>de</strong>, 3. QVT sono, como um saú<strong>de</strong> método e (1972 todas a 1975) as necessida<strong>de</strong>s Um conjunto diretamente <strong>de</strong> abordagens, métodos relacio<strong>na</strong>das ou técnicas àsobrevivência do indivíduo e à preservação para melhorar da espécie. o ambiente <strong>de</strong> trabalho e torná-lomais produtivo e satisfatório. QVT era vista comoNível <strong>de</strong> Segurança - são sinônimo necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> grupos autônomos relacio<strong>na</strong>das <strong>de</strong> trabalho, comtodo risco, real ou imaginário. Fazem enriquecimento o indivíduo <strong>de</strong> cargo ou buscar <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> segurança,novasestabilida<strong>de</strong>, proteção e previsibilida<strong>de</strong>.plantasSãocom integraçãonecessida<strong>de</strong>ssocial e técnica.relacio<strong>na</strong>dascom a sobrevivência.4. QVT como um movimento (1975 a 1980) Declaração i<strong>de</strong>ológica sobre a <strong>na</strong>tureza do trabalhoNível Social - necessida<strong>de</strong>s sociais e as relações estão dos relacio<strong>na</strong>das trabalhadores com com a organização. a buscaOs termos “administração participativa” e<strong>de</strong> associação a outros indivíduos. Este nível só se tor<strong>na</strong> priorida<strong>de</strong> quando“<strong>de</strong>mocracia industrial” eram frequentemente ditosos aspectos anteriores estão totalmente,comooui<strong>de</strong>aisemdogran<strong>de</strong>movimentoparte,<strong>de</strong> QVT.satisfeitos.Nível <strong>de</strong> Estima - são necessida<strong>de</strong>s relacio<strong>na</strong>das ao ego. Quando asnecessida<strong>de</strong>s 5. QVT como tudo sociais (1979 a são 1982) atendidas, o Como indivíduo pa<strong>na</strong>céia contra passa competição a buscar estrangeira, algo mais:problemas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, baixas taxas <strong>de</strong>orgulho, autoestima, autorrespeito, progresso, confiança, reconhecimento,produtivida<strong>de</strong>, queixas e outros problemasapreciação, admiração etc. Algo que organizacio<strong>na</strong>is. o diferencie e o <strong>de</strong>staque dos<strong>de</strong>mais.6. QVT comoNível<strong>na</strong>da<strong>de</strong>(futuro)No caso <strong>de</strong> alguns projetos <strong>de</strong> QVTAutorrealização - tais necessida<strong>de</strong>s relacio<strong>na</strong>m-se com afracassarem no futuro, não passará <strong>de</strong> umbusca por realizar seu potencial <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento“modismo” passageiro.pessoal.Nível <strong>de</strong> Transcendência - <strong>na</strong> medida em que o indivíduo alcançaFonte: Nadler e Lawler, apud Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s (1996:42)sua autorrealização, passa a buscar colaborar <strong>na</strong> autorrealização <strong>de</strong> outraspessoas. Este nível não fazia parte da proposta inicial <strong>de</strong> Maslow, sendoincorporado <strong>na</strong> fase fi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> seus trabalhos.


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>463Ainda que alguns autores critiquem a estrutura proposta porMaslow, vemos que ele <strong>de</strong>senvolveu Transcendência uma teoria abrangente e <strong>de</strong> basemultidiscipli<strong>na</strong>r, e a partir <strong>de</strong>la po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r por que muitos programasAutorrealizaçãovoltados para a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do trabalhador ou para a terceira ida<strong>de</strong>não satisfazem a maioria <strong>de</strong> seus participantes. Para oferecer ativida<strong>de</strong>sEstima<strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do nível hierárquico, é preciso que a empresa tenha atendidointegralmente ou em parte Social o nível anterior.Maslow não construiu Segurançasua teoria para aplicação <strong>na</strong>s empresas, masao longo dos anos ela se tornou base <strong>de</strong> várias linhas <strong>de</strong> pensamento nosegmento <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> Fisiológicas <strong>de</strong> vida no trabalho.Tabela 1 – Evolução do conceito <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> no <strong>Trabalho</strong> (QVT)1. QVT como uma variável (1959 a 1972)Reação do indivíduo ao trabalho. Investigava-secomo melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalhopara o indivíduo.2. QVT como uma abordagem (1969 a 1974)3. QVT como um método (1972 a 1975)4. QVT como um movimento (1975 a 1980)5. QVT como tudo (1979 a 1982)6. QVT como <strong>na</strong>da (futuro)O foco era o indivíduo, antes do resultadoorganizacio<strong>na</strong>l. Ao mesmo tempo, buscava-setrazer melhorias tanto para o empregado comopara a direção.Um conjunto <strong>de</strong> abordagens, métodos ou técnicaspara melhorar o ambiente <strong>de</strong> trabalho e torná-lomais produtivo e satisfatório. QVT era vista comosinônimo <strong>de</strong> grupos autônomos <strong>de</strong> trabalho,enriquecimento <strong>de</strong> cargo ou <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> novasplantas com integração social e técnica.Declaração i<strong>de</strong>ológica sobre a <strong>na</strong>tureza do trabalhoe as relações dos trabalhadores com a organização.Os termos “administração participativa” e“<strong>de</strong>mocracia industrial” eram frequentemente ditoscomo i<strong>de</strong>ais do movimento <strong>de</strong> QVT.Como pa<strong>na</strong>céia contra competição estrangeira,problemas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, baixas taxas <strong>de</strong>produtivida<strong>de</strong>, queixas e outros problemasorganizacio<strong>na</strong>is.No caso <strong>de</strong> alguns projetos <strong>de</strong> QVTfracassarem no futuro, não passará <strong>de</strong> um“modismo” passageiro.Fonte: Nadler e Lawler, e Lawler, apud apud Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s Fer<strong>na</strong>n<strong>de</strong>s (1996:42) (1996:42)


464Vera Pedrosa<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no trabalhoA Tabela 1 nos mostra a evolução do conceito <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidano trabalho, com as diversas visões e respectivos objetivos que as empresastêm adotado ao longo das últimas décadas para dar maior satisfação aosseus funcionários.Segundo Chiave<strong>na</strong>to (2002, p. 391), “a QVT tem o objetivo <strong>de</strong>assimilar duas posições antagônicas: <strong>de</strong> um lado, a reivindicação dosempregados quanto ao bem-estar e à satisfação no trabalho; do outro,o interesse das organizações quanto a seus efeitos sobre a produção e aprodutivida<strong>de</strong>”.Na visão <strong>de</strong> Dejours (1992), “qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida é uma expressão<strong>de</strong> difícil conceituação, tendo em vista o seu caráter subjetivo, complexoe multidimensio<strong>na</strong>l. Ter qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, pois, <strong>de</strong> fatoresintrínsecos e extrínsecos. Assim, há uma conotação diferente <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida para cada indivíduo, que é <strong>de</strong>corrente da inclusão <strong>de</strong>sses <strong>na</strong>socieda<strong>de</strong>”.Feigenbaum (1994) enten<strong>de</strong> que a” QVT é baseada no princípio <strong>de</strong>que o comprometimento com a qualida<strong>de</strong> ocorre <strong>de</strong> forma mais <strong>na</strong>turalnos ambientes em que os colaboradores se encontram, intrinsecamente,envolvidos <strong>na</strong>s <strong>de</strong>cisões que influenciam diretamente suas atuações”.Um conceito importante <strong>de</strong> QVT é o <strong>de</strong> Campos (1992), que parteda premissa <strong>de</strong> que “somente se melhora o que se po<strong>de</strong> medir. Portantoé preciso medir para melhorar, sendo, assim, necessário avaliar <strong>de</strong> formasistemática a satisfação dos profissio<strong>na</strong>is da empresa. Nesse sentido, oprocesso do autoconhecimento e as sondagens <strong>de</strong> opiniões inter<strong>na</strong>s são <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> importância para <strong>de</strong>tectar a percepção dos funcionários sobre osfatores intervenientes <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> organização do trabalho”.Apesar das mudanças <strong>de</strong> enfoque ao longo <strong>de</strong> meio século, poucosprogramas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho resultaram, para as empresas,no grau <strong>de</strong> satisfação esperado <strong>de</strong> seus empregados. Muitas empresasrepetem mo<strong>de</strong>los importados <strong>de</strong> outras mais bem-sucedidas e acabam porimplantar ativida<strong>de</strong>s ou disponibilizar recursos não compatíveis com ointeresse ou mesmo com as <strong>de</strong>mandas do seu quadro <strong>de</strong> funcionários.A implantação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> QVT exige um estudo cuidadoso


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>465do perfil do cliente interno, do ponto <strong>de</strong> vista das condições físicas,emocio<strong>na</strong>is, sociais, culturais e <strong>de</strong> autoconhecimento. Por outro lado,mesmo aten<strong>de</strong>ndo a necessida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas, nem sempre a empresalibera tempo suficiente para o empregado <strong>de</strong>sfrutar das ativida<strong>de</strong>sprogramadas. Nestes casos, o risco que se corre é o do esvaziamento doprograma, com falta <strong>de</strong> participantes.Programas <strong>de</strong> QVT, para serem bem-sucedidos, precisam partir<strong>de</strong> levantamentos que avaliem o grau <strong>de</strong> satisfação dos funcionários epossam <strong>de</strong>finir em que áreas serão mais eficazes os investimentos. Eficazes,aqui, não significa aten<strong>de</strong>r às expectativas da empresa. São eficazes poraten<strong>de</strong>rem às necessida<strong>de</strong>s do empregado. Um bom programa <strong>de</strong> QVT levaem conta as percepções do indivíduo e procura se a<strong>de</strong>quar aos diversosníveis da hierarquia da pirâmi<strong>de</strong> motivacio<strong>na</strong>l.A título <strong>de</strong> ilustração, há o caso verídico da empresa que distribuiuconvites para seus empregados e acompanhantes assistirem uma peçateatral em um domingo, num teatro <strong>na</strong> Zo<strong>na</strong> Sul do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Agerente encarregada do projeto esteve no evento e verificou que nenhumfuncionário da empresa compareceu para assistir à peça teatral. Na segundafeirafoi apurado que os funcionários que receberam convites moravamtodos em áreas distantes e não dispunham <strong>de</strong> recursos para o <strong>de</strong>slocamentocom um acompanhante até o teatro. A mesma empresa implantou umprojeto <strong>de</strong> ouvidoria inter<strong>na</strong>, em que o funcionário po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>nunciarcondições i<strong>na</strong><strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> trabalho e problemas <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento coma chefia. O serviço foi extinto após três meses sem qualquer atendimento.Não basta implantar o que se supõe ou tem certeza <strong>de</strong> que o empregadoprecisa. É fundamental saber se ele quer e po<strong>de</strong> usufruir daquele recursoou daquela ativida<strong>de</strong>.Terceira ida<strong>de</strong>Tendo conceituado qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida notrabalho, vamos situar qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> e, fi<strong>na</strong>lmente,apresentar reflexões sobre qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong> no âmbitodas empresas.Cabe ressaltar que, segundo Palacios (2004), a expressão terceiraida<strong>de</strong> surge <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 90, no seio da publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cosméticos, em


466Vera Pedrosarevistas brasileiras voltadas para o público feminino, que evitam a palavravelhice em seus anúncios publicitários.“Emerge, convivendo com a interpretação tradicio<strong>na</strong>l, uma segundavisão, que aponta para a existência <strong>de</strong> uma terceira ida<strong>de</strong>. O numeralordi<strong>na</strong>l terceira nos remete a uma compreensão <strong>de</strong> sucessibilida<strong>de</strong>, ouseja, à existência <strong>de</strong> fases anteriores: a primeira e a segunda ida<strong>de</strong>s. Aterceira ida<strong>de</strong> é postulada como o ponto culmi<strong>na</strong>nte <strong>de</strong> uma linha abstrata,convencio<strong>na</strong>lmente instituída como condutora da vida. Estaria posicio<strong>na</strong>dasubsequentemente a uma segunda ida<strong>de</strong>, que compreen<strong>de</strong> a maturida<strong>de</strong>,e uma primeira ida<strong>de</strong>, que compreen<strong>de</strong> a infância. Ainda que aponte paraa etapa fi<strong>na</strong>l da vida, a nomenclatura terceira ida<strong>de</strong> faz <strong>de</strong>saparecer aalusão direta a vocábulos tão semanticamente marcados, como velhice,senilida<strong>de</strong> e envelhecimento”.Talvez pela gran<strong>de</strong> utilização da expressão terceira ida<strong>de</strong>, hoje, emtodos os contextos, e não só <strong>na</strong> publicida<strong>de</strong>, novas expressões começam asurgir, como Ida<strong>de</strong> Dourada, Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro, Melhor Ida<strong>de</strong> e outros termose mesmo trocadilhos para substituir as palavras tradicio<strong>na</strong>is, que traduzema condição <strong>de</strong> pessoas com mais <strong>de</strong> 60 anos.Então, <strong>na</strong> percepção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, háuma gran<strong>de</strong> influência do fator preconceito em relação à condição <strong>de</strong>idoso. Interessante notar que o uso da palavra “velho” não só é evitadocomo repudiado em campanha <strong>de</strong>senvolvida pela Promotoria do Idoso doMinistério Público Estadual do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em que se lê: “Velho é o seupreconceito”. A mudança da palavra não muda a condição e certamentenão muda a percepção que o idoso tem <strong>de</strong> sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.Assim verificamos que percepção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida para oidoso envolve outras questões além daquelas normalmente consi<strong>de</strong>radaspelo adulto saudável. É preciso consi<strong>de</strong>rar também que visão o idoso temda faixa etária a que pertence e que percepção ele tem da forma com aspessoas em torno <strong>de</strong>le percebem esta ida<strong>de</strong>. Isto influencia diretamente suaautoestima e sua percepção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.Em função da relação estreita entre autoimagem e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida do idoso, po<strong>de</strong>-se afirmar que uma percepção positiva da própria ida<strong>de</strong>,aceitando-a não como o fim da vida, mas como um estágio do viver, po<strong>de</strong>prolongar a vida <strong>de</strong>ste idoso e mesmo melhorar suas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>467<strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no trabalho para a terceira ida<strong>de</strong>Como já exposto, os programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>na</strong>s empresasprecisam levar em conta os interesses dos empregados, suas capacida<strong>de</strong>s epossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> usufruir dos recursos disponibilizados. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>quase perso<strong>na</strong>lizar as ações, oferecendo um cardápio <strong>de</strong> opções. A partirdas opções oferecidas, o empregado po<strong>de</strong> montar seu próprio programa.Particularmente em relação aos empregados em vias <strong>de</strong> seaposentar, é indispensável fazer parte do programa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidaum projeto <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria. O simples <strong>de</strong>sligamento daempresa, sem uma transição planejada e supervisio<strong>na</strong>da, po<strong>de</strong> ter efeitos<strong>de</strong>vastadores sobre a autoestima e a percepção que o empregado recémaposentadopassa a ter <strong>de</strong> si mesmo.A aposentadoria é cercada <strong>de</strong> fantasias quanto a “livrar-se dotrabalho” e das obrigações <strong>de</strong>correntes, como executar tarefas, cumprirhorários e prazos, aten<strong>de</strong>r a chefes etc. Até que atenda às condiçõesexigidas para a aposentadoria, o empregado sonha com o dia em que nãomais precisará trabalhar. Quando, porém, este sonho se materializa, durapouco tempo o prazer tão esperado. Logo a falta <strong>de</strong> comprometimentocom algum novo projeto leva o aposentado à <strong>de</strong>smotivação, ao <strong>de</strong>sânimo,à <strong>de</strong>pressão.Um projeto <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria acompanha oempregado um período antes da aposentadoria e algum período <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>forma a garantir qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida nesse período. Obrigatoriamente, sãoincluídas ativida<strong>de</strong>s que possam adaptar o aposentado à roti<strong>na</strong> <strong>de</strong> umacasa - ele que, antes, só participava <strong>de</strong>ssa roti<strong>na</strong> em fi<strong>na</strong>is <strong>de</strong> sema<strong>na</strong>.São inegáveis os benefícios que advêm, para o empregado, <strong>de</strong>um programa <strong>de</strong> preparação para a aposentadoria, mas <strong>na</strong>turalmentevem a pergunta sobre os benefícios que po<strong>de</strong>m advir para a empresa queo implanta. Ainda que recente, o conceito <strong>de</strong> Responsabilida<strong>de</strong> SocialEmpresarial (RSE) está bastante difundido <strong>na</strong>s gran<strong>de</strong>s empresas brasileirase tem gerado uma postura mais responsável em suas ações.A idéia da responsabilida<strong>de</strong> social aliada aos negócios levaa empresa a buscar melhor performance, o que acaba gerando maiorlucrativida<strong>de</strong>. É importante relacio<strong>na</strong>r algumas características da adoção


468Vera Pedrosada responsabilida<strong>de</strong> social empresarial:- Pluralida<strong>de</strong>: responsabilida<strong>de</strong> social empresarial implica prestarcontas não só aos acionistas, mas a empregados, governo,socieda<strong>de</strong> organizada e comunida<strong>de</strong>s com que a empresa serelacio<strong>na</strong>.- Abrangência: todo o processo produtivo <strong>de</strong>ve ser avaliadosegundo parâmetros ambientais e sociais, e a todo tempo temosos empregados atuando e se beneficiando das ações <strong>de</strong> RSE.- Sustentabilida<strong>de</strong>: responsabilida<strong>de</strong> social está intrinsecamenteligada ao <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, evitando <strong>de</strong>sperdíciose a escassez <strong>de</strong> recursos. Além <strong>de</strong> tudo, promove uma ótimaimagem da empresa.- Transparência: a tendência é que a empresa divulgue seusrelatórios socioambientais, o que por si só gera um retornopositivo e favorece o incremento <strong>de</strong> mais ações <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> social e <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.Assim, vemos que um programa <strong>de</strong> preparação para a aposentadoriapo<strong>de</strong> ser incluído <strong>na</strong>s ações <strong>de</strong> RSE, trazendo retorno a curto prazo, pois oempregado se sente mais importante no processo produtivo, o que aumentasignificativamente sua motivação e produtivida<strong>de</strong>.Também é fundamental que o programa <strong>de</strong> preparação para aaposentadoria inclua uma ativida<strong>de</strong> voluntária, que se inicie antes do<strong>de</strong>sligamento do empregado, criando um novo vínculo a ser estreitadoposteriormente pelo aposentado.


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>469Tabela 2 – Sugestões <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> QVT para a terceira ida<strong>de</strong>Tabela 2 – Sugestões <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> QVT para a terceira ida<strong>de</strong>Tipo <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>sFisiológicasPrograma ou ações sugeridasOrientação nutricio<strong>na</strong>l, antitabagismo, saú<strong>de</strong> bucal,ativida<strong>de</strong>s físicas, esportes, caminhadas, vaci<strong>na</strong>ção, doação <strong>de</strong>sangue, prevenção à obesida<strong>de</strong>, diabetes, colesterol, riscocardíaco, se<strong>de</strong>ntarismo, estresse, câncer, drogas.Ginástica laboral, espaço <strong>de</strong> relaxamento, ioga, quick-massage.SegurançaSocialEstimaHorário flexível, orientação à gestante, gestão do orçamentofamiliar, palestras sobre saú<strong>de</strong> e prevenção <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes,palestras sobre direção preventiva.Comemorações, encontros <strong>de</strong> lazer, sessão <strong>de</strong> cinema mensal,grupo coral, passeios com familiares, curso <strong>de</strong> teatro,curso <strong>de</strong> dança, happy-hour mensal.Comemorações <strong>de</strong> Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia da Secretária,Dia da Criança, aniversariantes do mês, Natal.Café da manhã com o RH, integração <strong>de</strong> novos colaboradores,day-off no aniversário, valorização <strong>de</strong> talentosartísticos, mural <strong>de</strong> fotos.AutorrealizaçãoTranscendênciaVoluntariado, ginca<strong>na</strong>s para arrecadação <strong>de</strong> do<strong>na</strong>tivos,Construindo uma Nova <strong>Vida</strong>, concursos literários, arte-terapia,exposições culturais.Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> autoconhecimento e crescimento pessoal, açõesque privilegiem as relações do empregado consigo mesmo e <strong>de</strong>lecom os colegas e levem a uma compreensão <strong>de</strong> uma relação<strong>de</strong>le com os <strong>de</strong>mais habitantes do Planeta.Ações <strong>de</strong> QVT para a terceira ida<strong>de</strong>Um programa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida no trabalho precisa ter umrol <strong>de</strong> ações que possam aten<strong>de</strong>r ao máximo <strong>de</strong> dimensões da vida dosempregados. Desta forma, a Tabela 2 apresenta ações que se enquadram emaspectos aqui apresentados anteriormente. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> outrosautores e classificações citados, e buscando uma abordagem didática,as sugestões estão relacio<strong>na</strong>das aos níveis hierárquicos da Pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong>Maslow.


470 Vera PedrosaConclusãoNão houve a intenção <strong>de</strong> esgotar o assunto, mas provocar umareflexão sobre o que se po<strong>de</strong> fazer pela qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida do idoso. Aqui ofoco foi o idoso inserido <strong>na</strong> empresa e que está prestes a se aposentar. Queesta reflexão possa se esten<strong>de</strong>r para a população em geral e que programaspossam ser implantados pelas empresas públicas e privadas e atinjamum gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> pessoas, aten<strong>de</strong>ndo pelo menos os primeirospatamares da Pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maslow.Qualquer pessoa a que se garanta a satisfação dos primeirospatamares, por si só, procurará satisfazer os <strong>de</strong>mais. O mais difícil égarantir pelo menos o primeiro nível – e isto <strong>de</strong>veria ser assumido pelasocieda<strong>de</strong> como lei, como <strong>de</strong>ver, como obrigação para que cada cidadãobrasileiro tivesse acesso a alimentação (quatro refeições por dia), cuidadosmédicos e um trabalho digno.BibliografiaCAMPOS, Vicente Falconi. TQC - Controle da qualida<strong>de</strong> total. 2ªed. São Paulo: Bloch, 1992.CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos. Edição compactada.3ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo da psicopatologia dotrabalho. São Paulo: Cortez/Oboré, 1992.Envelhecimento ativo: uma política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>/World HealthOrganization. Tradução Suza<strong>na</strong> Gontijo. Brasília: Organização Pan-America<strong>na</strong> da Saú<strong>de</strong>, 2005.FERNANDES, Eda. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no trabalho; como medirpara melhorar. Salvador: Casa da <strong>Qualida<strong>de</strong></strong>, 1996.FRANÇA, A. C. Limong. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no trabalho: conceitos,abordagens, inovações e <strong>de</strong>safios <strong>na</strong>s empresas brasileiras. Vol. 1. Rio <strong>de</strong>Janeiro: [s.n.], 1997.1996.MATOS, Francisco G. Empresa Feliz. São Paulo: Makron Book,NADLER, David A.; LAWLER, Edward. Quality of word life:perspectives and directions. [s.l.]: Organization Dy<strong>na</strong>nios, 1983.RODRIGUES, Marcus Vinicius Carvalho. <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> vida no


O <strong>Trabalho</strong> como Fator <strong>de</strong> <strong>Qualida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Vida</strong> <strong>na</strong> Terceira Ida<strong>de</strong>471trabalho: evolução e análise no nível gerencial. Fortaleza: UNIFOR, 1991.VIEIRA, E. B. (1996). Manual <strong>de</strong> gerontologia: um guia práticopara profissio<strong>na</strong>is, cuidadores e familiares. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Revinter.WEISS, D. Motivação e resultados: como obter <strong>de</strong> sua equipe. São Paulo:Nobel, 1991.WERTHER JR, W; DAVIS, K. Administração <strong>de</strong> pessoal e recursoshumanos. São Paulo: McGraw Hill, 1983.


472


O <strong>Trabalho</strong> Voluntárioe a Terceira Ida<strong>de</strong>473Zilda Arns NeumannCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora Nacio<strong>na</strong>l da Pastoral da Pessoa Idosa, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora efundadora inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da Pastoral da Criança, membro do Conselho <strong>de</strong>Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.Consi<strong>de</strong>rações GeraisA transformação cultural no Brasil em relação ao engajamento notrabalho voluntário no contexto familiar e comunitário tem sua históriarelacio<strong>na</strong>da com o <strong>na</strong>scimento da Pastoral da Criança, em 1983. Motivadospela construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> mais justa e solidária, os voluntários daPastoral da Criança – e, mais recentemente, os voluntários da Pastoralda Pessoa Idosa – representam um gigantesco movimento <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong>pessoas voltadas para a construção da paz, a participação <strong>na</strong>s politicaspúblicas, a prevenção <strong>de</strong> doenças, a promoção da vida e da saú<strong>de</strong>.O trabalho voluntário mundial está em fase <strong>de</strong> crescimento eproduz impacto no <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>na</strong> economia dos países. Existemestudos da Organização das Nações Unidas (ONU) que mostram o quantoo voluntário e as organizações do terceiro setor po<strong>de</strong>m influenciar no<strong>de</strong>senvolvimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, com forte impacto no Produto Interno Bruto(PIB) da <strong>na</strong>ção. No Brasil, a valorização do voluntário contou com aparticipação direta da Pastoral da Criança no processo <strong>de</strong> construção da


474 Zilda Arns NeumannLei 9.608, <strong>de</strong> 1998, que regularizou o trabalho voluntário no país. A partir<strong>de</strong>sta legislação, ficaram estabelecidas as garantias dos indivíduos e dasorganizações para ação voluntária.No início da década <strong>de</strong> 2000, o número <strong>de</strong> voluntários no Brasilera próximo <strong>de</strong> 20 milhões. A maioria <strong>de</strong>sses voluntários trabalhava emorganizações sociais, motivados principalmente por princípios religiosos,segundo pesquisa do Instituto <strong>de</strong> Geografia e Estatísitica (IBGE) <strong>de</strong> 2002 1 .Depois do Ano Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Voluntariado, em 2001, <strong>de</strong> acordocom avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU), o número <strong>de</strong>voluntários no Brasil atingiu 42 milhões <strong>de</strong> pessoas.“O trabalho voluntário sempre existiu <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> brasileira.Uma pesquisa recente mostrou que aproximadamente 25% dos brasileirosestavam envolvidos em algum tipo <strong>de</strong> trabalho voluntário. Ativida<strong>de</strong>srecentes que integraram o Ano Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Voluntariado envolveramativamente todos os segmentos da socieda<strong>de</strong>. As lições da bem-sucedidaexperiência apontam para um novo padrão <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento dasresponsabilida<strong>de</strong>s entre Estado e socieda<strong>de</strong>, em que o <strong>de</strong>ver do Estado e aresponsabilida<strong>de</strong> do cidadão aparecem como dimensões complementares <strong>de</strong>um mesmo processo <strong>de</strong> participação e <strong>de</strong>senvolvimento social.” 2Em 2005, pesquisa do IBGE constatou que existiam no Brasil 338 milorganizações sociais sem fins lucrativos. A pesquisa mostrou ainda que osvoluntários representavam 53,4% dos colaboradores <strong>de</strong>ssas organizaçoes.De acordo com o estudo, 65% das organizações estavam localizadas noSu<strong>de</strong>ste e no Sul do Brasil. Somente 4,8% estavam <strong>na</strong> Região Norte. O estado<strong>de</strong> São Paulo concentrava 22% do total das organizações 3 . Entendo que aparticipação dos voluntários não <strong>de</strong>ve competir com as responsabilida<strong>de</strong>sdo Estado em relação à garantia dos direitos da população ou diminuí-las,nem substituir trabalhadores formais por trabalhadores voluntários. Muitasorganizações têm <strong>na</strong> sua missão a participação majoritária <strong>de</strong> voluntários,como apresento adiante, ao escrever sobre a Pastoral da Pessoa Idosa.Portanto os voluntários têm a missão <strong>de</strong> colaborar para a prevençãodo sofrimento humano, promover o bem-estar e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong>s mais justas e solidárias.


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>475O voluntário idosoO envelhecimento <strong>de</strong> pessoas no país é consi<strong>de</strong>rado mo<strong>de</strong>rado eavançado, <strong>na</strong> afirmação do relatório Sintese <strong>de</strong> Indicadores Sociais 2008,do IBGE. Dentre os países <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, Chi<strong>na</strong>e Africa so Sul), o Brasil possuia 16,5 milhões <strong>de</strong> idosos em 2005. Juntos,esses países somam 273 milhões com 60 anos ou mais <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, ou seja,40,6% da população mundial. Em 2007, a Pesquisa Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Amostraspor Domicilio (PNAD) revelou a existência no Brasil <strong>de</strong> quase 20 milhões<strong>de</strong> idosos, o que significa 10,5% do total da população. A Sintese <strong>de</strong>Indicadores mostrou que 16,5 milhões <strong>de</strong>sses idosos viviam <strong>na</strong> área urba<strong>na</strong>e 3,4 milhões estavam <strong>na</strong> área rural. O rendimento domiciliar per capita dosidosos consi<strong>de</strong>rados em situação <strong>de</strong> pobreza (rendimento médio mensal percapita inferior a ½ salário mínimo) representa 12,6%. A Região Sul alcançouo menor índice <strong>de</strong> proporção (6,5%) e o Nor<strong>de</strong>ste, a maior (24,2%). 4A Pastoral da Criança, organismo <strong>de</strong> ação social da ConferênciaNacio<strong>na</strong>l dos Bispos do Brasil (CNBB), congrega atualmente uma re<strong>de</strong><strong>de</strong> 260 mil voluntários, que atuam em 4.060 municípios <strong>de</strong> todos osestados do país. Mensalmente, os voluntários acompanham 1,9 milhão <strong>de</strong>crianças menores <strong>de</strong> seis anos e gestantes. A maior parte dos voluntáriosse concentra <strong>na</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 40 a 59 anos (35%). Mas o número <strong>de</strong> voluntáriosacima <strong>de</strong> 60 anos é significativo e chega a 25 mil idosos, cerca <strong>de</strong> 9% dototal <strong>de</strong> voluntários.Este engajamento tem perso<strong>na</strong>gens como a Cristi<strong>na</strong> Roldão <strong>de</strong>Jesus Rodrigues, hoje com 93 anos. Ela foi a primeira li<strong>de</strong>r da Pastoral daCriança em São Raimundo No<strong>na</strong>to, no Piauí, há 21 anos. Des<strong>de</strong> o início,contou com a colaboração <strong>de</strong> seus filhos, netos e bisnetos. “A Pastoral daCriança é minha vida, e vou trabalhar até quando pu<strong>de</strong>r”, proclamou a ela<strong>na</strong> oportunida<strong>de</strong> em que a encontrei, o que me emocionou muito.É preciso aumentar os investimentos para envolver as pessoasidosas no trabalho voluntário. Segundo uma pesquisa sobre a situaçãosocioeconômica e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> dos idosos (pessoas acima <strong>de</strong> 60 anos) <strong>de</strong> SãoPaulo, em 2003, feita pela pesquisadora Heather Barker Dutra da Silva,somente 27% dos idosos faziam ações voluntárias. No entanto a maioria<strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s voluntárias era indireta, e os idosos preferiam fazerdoações, especialmente em dinheiro, em vez <strong>de</strong> engajarem-se diretamente


476Zilda Arns Neumannem ativida<strong>de</strong>s voluntárias. A autora da pesquisa ressalta: “Tomando ovoluntariado como um dos recursos voltados para um envelhecimento ativoe saudável, conforme preconiza o Plano <strong>de</strong> Açäo Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l sobre oEnvelhecimento, aprovado pela ONU, verifica-se a importância <strong>de</strong> políticaspúblicas que possibilitem o crescimento das ativida<strong>de</strong>s em questäo junto àpopulaçäo idosa”. 5A pesquisa mostrou que o fato <strong>de</strong> o idoso ter mais tempo disponívelnão significa necessariamente aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação ao trabalho voluntário.Além disso, a ação voluntária é mais intensa quando é feita por casais. Amaior participação é das mulheres. Na avaliação geral da pesquisa, maisda meta<strong>de</strong> dos idosos voluntários tem menos <strong>de</strong> quatro anos <strong>de</strong> estudo.Outro aspecto importante é que já está provado que o trabalhovoluntário do idoso contribui significativamente para que ele amplie suaparticipação e intervenção popular, não só em Conselhos Municipais, mastambém no âmbito da política e das reivindicações sociais. Neste sentido,a aplicação do Estatuto do Idoso está intimamento relacio<strong>na</strong>da com aparticipação dos idosos no processo <strong>de</strong> reivindicação da aplicação da Lei.Além da participação, a ocupação do idoso no serviço voluntário tor<strong>na</strong> oenvelhecimento mais equilibrado, harmonioso e saudável. É, até mesmo,um meio <strong>de</strong> prevenir ou atenuar doenças. O idoso se sente mais disposto,com mais perspectivas e sentido <strong>de</strong> vida, abando<strong>na</strong>ndo, assim, aquilo queaté pouco tempo antes era comum ver <strong>na</strong> população idosa: o isolamento,uma imagem negativa <strong>de</strong> si mesmo – ou uma imagem negativa que asocieda<strong>de</strong> fazia <strong>de</strong>le –, um ser fisicamente <strong>de</strong>sgastado, incapaz e semmetas a serem atingidas. O trabalho voluntário está sendo o diferencialpara mudar essa mentalida<strong>de</strong>.Entendo que, além do engajamento no trabalho voluntário, épreciso enfrentar as situações <strong>de</strong> exploração fi<strong>na</strong>nceira dos idosos. A falta<strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhoprovoca uma <strong>de</strong>pên<strong>de</strong>ncia agressiva dos jovens em relação aos idosos quedispõem <strong>de</strong> algum recurso <strong>na</strong> família.Esta constatação nos mostra que as estratégias para o envolvimentodo voluntário idoso <strong>de</strong>vem estar fundamentadas <strong>na</strong> realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida doidoso. Portanto, para atrair e fi<strong>de</strong>lizar o idoso, é preciso organizar ascondições para o exercício do trabalho voluntário, com material educativoapropriado e simples, valorização das habilida<strong>de</strong>s, promoção das ativida<strong>de</strong>s


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>477o mais próximo possível da sua casa, avaliação dos resultados e celebraçãodas conquistas. Este é um dos segredos do sucesso da Pastoral da PessoaIdosa.Força trasformadoraDeste a sua fundação, em 2004, os lí<strong>de</strong>res comunitários da Pastoralda Pessoa Idosa colocam em prática um conjunto <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,educação, cidadania e espiritualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma ecumênica, voltadas tantopara o idoso como para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida das famílias e dascomunida<strong>de</strong>s.Quando a família é acompanhada pelo lí<strong>de</strong>r da Pastoral da PessoaIdosa, ela apren<strong>de</strong> como cuidar do idoso. Assim toda a familia sente-seamparada e fortalecida para buscar soluções para os problemas. O lí<strong>de</strong>rconhece bem a família e a situação em que ela vive, pois lí<strong>de</strong>res e idososacompanhados pertencem à mesma comunida<strong>de</strong>. As orientações do lí<strong>de</strong>rsão sobre os cuidados em saú<strong>de</strong>, direitos e <strong>de</strong>veres do idoso. Juntos, lutampor uma melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida em todas os âmbitos da socieda<strong>de</strong>.O lí<strong>de</strong>r também contribui para prevenir a violência doméstica, além <strong>de</strong>levar a mensagem da paz, do amor, da solidarieda<strong>de</strong> e da valorização daspotencialida<strong>de</strong>s do idoso tanto <strong>na</strong> família como <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>.Jesus disse: “Ninguém acen<strong>de</strong> uma lampari<strong>na</strong> para cobrir comuma vasilha ou colocar <strong>de</strong>baixo da cama; pelo contrário, ela é colocadasobre um suporte a fim <strong>de</strong> que todos que entrem vejam a luz” (Lc 8,1;16).Esse ensi<strong>na</strong>mento orienta o trabalho do lí<strong>de</strong>r, que leva a luz do saber aosidosos <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>.A Pastoral da Pessoa Idosa está mudando a vida <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong>idosos ilumi<strong>na</strong>dos pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver, <strong>de</strong> se ajudarem reciprocamente etransformar suas comunida<strong>de</strong>s. Os protagonistas são os próprios voluntáriose as famílias <strong>de</strong> idosos acompanhados pela Pastoral da Pessoa Idosa.Um pouco <strong>de</strong> históriaDurante a quaresma <strong>de</strong> 2003, a Igreja Católica do Brasil realizoua Campanha da Fraternida<strong>de</strong> com o tema Fraternida<strong>de</strong> e os Idosos. Todasas comunida<strong>de</strong>s católicas refletiram sobre o tema e se motivaram a


478Zilda Arns Neumann<strong>de</strong>senvolver ações que pu<strong>de</strong>ssem levar às pessoas idosas ¨<strong>Vida</strong>, Dignida<strong>de</strong> eEsperança¨, que foi o lema <strong>de</strong> toda a Campanha realizada <strong>na</strong>s 289 diocesesdo Brasil e em mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil paróquias. Na Assembléia dos Bispos doBrasil, realizada em abril <strong>de</strong> 2004, foi feita uma avaliação muito positivados avanços que a Campanha da Fraternida<strong>de</strong> provocou, entre os quais apromulgação do Estatuto do Idoso, Lei 10.741, assi<strong>na</strong>da pelo presi<strong>de</strong>nteLula no dia 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003.Os bispos do Brasil viram a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar uma Pastoralque pu<strong>de</strong>sse aten<strong>de</strong>r todas as dimensões da vida das pessoas idosas. Elesescolheram a mim e a Dom Aloísio José Leal Pen<strong>na</strong> para que pudéssemosorganizar e coor<strong>de</strong><strong>na</strong>r essa nova Pastoral. Em novembro <strong>de</strong> 2004, foirealizada a Assembléia <strong>de</strong> Fundação da Pastoral da Pessoa Idosa, votadoo Estatuto, escolhidos os membros da sua Diretoria, tendo à frente DomAloísio José Leal Pen<strong>na</strong> e eu como Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora Nacio<strong>na</strong>l.ObjetivosA Pastoral da Pessoa Idosa tem por objetivo assegurar a dignida<strong>de</strong>e a valorização integral das pessoas idosas, através da promoção huma<strong>na</strong> eespiritual, respeitando seus direitos, num processo educativo <strong>de</strong> formaçãocontinuada <strong>de</strong>stas, <strong>de</strong> suas famílias e <strong>de</strong> suas comunida<strong>de</strong>s, sem distinção<strong>de</strong> raça, cor, profissão, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, sexo, credo religioso ou político,para que as famílias e as comunida<strong>de</strong>s possam conviver respeitosamentecom as pessoas idosas, protagonistas <strong>de</strong> sua auto-realização, por meiodas seguintes ativida<strong>de</strong>s: 1) promover o <strong>de</strong>senvolvimento físico, mental,social, espiritual, cognitivo e cultural dos idosos; 2) promover o respeito àdignida<strong>de</strong> e à cidadania das pessoas idosas, colaborando para a divulgaçãoe a implementação do Estatuto do Idoso - Lei nº.10.741, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> outubro<strong>de</strong> 2003; 3) promover o convívio das pessoas idosas com as <strong>de</strong>maisgerações, estimulando uma velhice ativa e buscando uma longevida<strong>de</strong>dig<strong>na</strong>; 4) estimular e respeitar a espiritualida<strong>de</strong> das pessoas idosas; 5)|valorizar a história <strong>de</strong> vida, as experiências, o ser biográfico, a sabedoriaadquirida ao longo da vida <strong>de</strong> cada pessoa idosa, respeitando-a comoguardiã da memória coletiva; 6) capacitar agentes <strong>de</strong> pastoral para oacompanhamento das pessoas idosas <strong>na</strong>s visitas domiciliares e <strong>na</strong>s outrasativida<strong>de</strong>s complementares afins; 7) organizar re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>479huma<strong>na</strong> <strong>na</strong>s comunida<strong>de</strong>s e nos diferentes níveis, para promover o bemestardos idosos; 8) incentivar a criação e participação nos conselhos<strong>de</strong> direitos do idoso em todos os níveis; 9) realizar parcerias, somandoesforços com outras pastorais, comunida<strong>de</strong> científica, associações <strong>de</strong>geriatria e gerontologia, organizações <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos dos idosos,<strong>de</strong> assistência social e outras entida<strong>de</strong>s afins; 10) manter um sistema <strong>de</strong>informação sobre a situação das pessoas acompanhadas; 11) <strong>de</strong>mocratizarnotícias e informações sobre os idosos nos meios <strong>de</strong> comunicação social;12) promover esclarecimentos sobre os preconceitos contra as pessoasidosas, a fim <strong>de</strong> que sejam superados; 13) somar esforços com iniciativas<strong>de</strong> educação continuada para cuidadores <strong>de</strong> idosos; 14) valorizar a vidaaté sua fase fi<strong>na</strong>l, apoiando os programas <strong>de</strong> cuidados paliativos, queassegurem o caráter espiritual da existência huma<strong>na</strong>. 6MetodologiaA Pastoral da Pessoa Idosa assumiu a metodologia ensi<strong>na</strong>dapor Jesus Cristo <strong>na</strong> passagem da multiplicação dos pães e dos peixes.Nela, Jesus, para não <strong>de</strong>spedir o povo que já o acompanhava por umdia, organizou grupos, abençoou os cinco pães e os dois peixes que umacriança trazia consigo e solicitou aos apóstolos que os distribuíssem àmultidão. Depois pediu para ver se todos estavam satisfeitos e, ao fi<strong>na</strong>l,eles ainda recolheram 12 cestos do que tinha sobrado.De modo análogo, a metodologia da Pastoral da Pessoa Idosaincorpora ações imprescindíveis que se dão <strong>na</strong> seguinte sequência:1) organiza a comunida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntifica lí<strong>de</strong>res comunitários;2) promove a mística cristã <strong>de</strong> fé e vida;3) os lí<strong>de</strong>res multiplicam o saber e a solidarieda<strong>de</strong> junto àspessoas idosas e suas famílias e <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>;4) cada lí<strong>de</strong>r capacitado visita mensalmente uma média <strong>de</strong> <strong>de</strong>zpessoas idosas vizinhas, acompanhando-as por meio <strong>de</strong> oitoindicadores próprios;5) mensalmente, os lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong> se encontrampara uma reunião <strong>de</strong> avaliação e reflexão <strong>de</strong> sua missão <strong>na</strong>comunida<strong>de</strong> e para sua formação contínua. Nesta reuniãoé preenchida a Folha <strong>de</strong> Acompanhamento Domiciliar dosIdosos (FADI);


480Zilda Arns Neumann6) esses dados são processados e a<strong>na</strong>lisados eletronicamente noSistema <strong>de</strong> Informação da Pastoral da Pessoa Idosa.Ativida<strong>de</strong>s do lí<strong>de</strong>r comunitárioO li<strong>de</strong>res voluntários da Pastoral da Pessoa Idosa - formada, emsua maioria, também idosos - se propõem a contribuir para a melhoriada qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da pessoa idosa, tendo como base fundamental adignida<strong>de</strong> da pessoa huma<strong>na</strong> como centro e principio <strong>de</strong> toda ativida<strong>de</strong>e como agente das transformações que <strong>de</strong>vem ser assumidas perante os<strong>de</strong>safios. Mediante as ações que executam, procuram apoiar a pessoa idosapara que a mantenham no seu entorno familiar e social com autonomia omaior tempo possível.O lí<strong>de</strong>r comunitário da Pastoral da Pessoa Idosa mora <strong>na</strong> mesmacomunida<strong>de</strong> das pessoas idosas que preten<strong>de</strong> acompanhar - e recebeucapacitação para isso. Na capacitação, que dura em média 12 horas, olí<strong>de</strong>r recebe orientação sobre como fazer uma visita domiciliar, sobre cadaindicador do acompanhamento às pessoas idosas, sobre vários temas queestão implicados em cada indicador do acompanhamento e sobre o sistema<strong>de</strong> informação: Ca<strong>de</strong>rno do Lí<strong>de</strong>r e a FADI.Qualquer pessoa po<strong>de</strong> ser voluntária em sua comunida<strong>de</strong>, paraacompanhar os idosos <strong>na</strong> Pastoral da Pessoa Idosa, <strong>de</strong>senvolvendo amissão <strong>de</strong> discípula e missionária <strong>de</strong> Jesus Cristo. O voluntário da Pastoralda Pessoa Idosa realiza as seguintes ações:- faz visita domiciliar mensal aos idosos que estão cadastrados noseu ca<strong>de</strong>rno;- visita em média <strong>de</strong>z a 12 pessoas idosas (com 60 anos ou mais)da sua vizinhança, ou do seu prédio, como voluntário, atentoaos mais necessitados- seja pela sua condição social, pelo isolamento em que vive,pela solidão que sofre, pela ida<strong>de</strong> avançada ou por <strong>de</strong>pendênciacausada por alguma enfermida<strong>de</strong>;- escuta com paciência, sabe dar atenção, tem uma posturadiscreta;- não faz distinção <strong>de</strong> pessoas, visita a todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>481seu credo religioso, sua raça, suas opções político-partidáriasou seu estilo <strong>de</strong> vida;- faz a ponte entre a família e a comunida<strong>de</strong>;- estimula o idoso a participar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s,das ativida<strong>de</strong>s da comunida<strong>de</strong>, especialmente as <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>das àspessoas idosas;- orienta sobre os serviços que estão disponíveis <strong>na</strong> comunida<strong>de</strong>para atendê-los em suas necessida<strong>de</strong>s;- orienta os idosos <strong>na</strong> questão dos direitos previstos no Estatudodo Idoso e, quando necessário, ajuda-o a reivindicá-los;- participa <strong>de</strong> uma reunião mensal com os <strong>de</strong>mais lí<strong>de</strong>rescomunitários <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, para avaliação, reflexão epara continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua formação, que <strong>de</strong>ve ser permanente.Nesta mesma reunião mensal, é feito o preenchimento daFADI a partir do ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> cada lí<strong>de</strong>r. Após preenchida, elaé enviada à coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora paroquial para revisão, assi<strong>na</strong>turae envio à Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção Nacio<strong>na</strong>l da Pastoral da Pessoa Idosa,para ser incluída no Sistema <strong>de</strong> Informação.Indicadores <strong>de</strong> acompanhamentoOs indicadores para o acompanhamento domiciliar <strong>de</strong> pessoasidosas foram <strong>de</strong>finidos nos anos 1997 e 1998, no Programa Terceira Ida<strong>de</strong><strong>na</strong> Pastoral da Criança, e assumidos integramente <strong>na</strong> Pastoral da PessoaIdosa. Esses indicadores são os seguintes:- A Pessoa Idosa fez alguma ativida<strong>de</strong> física nos últimos três dias(caminhada, compras, baile, passeio ou outros)?- A Pessoa Idosa bebeu no dia <strong>de</strong> ontem no mínimo dois litros <strong>de</strong>líquido (água, leite, suco <strong>de</strong> fruta <strong>na</strong>tural, chá, sopa)?- A Pessoa Idosa está com a vaci<strong>na</strong> da pneumonia em dia? (<strong>de</strong>cinco em cinco anos)- A Pessoa Idosa está com a vaci<strong>na</strong> contra a gripe em dia? (umavez ao ano)- A Pessoa Idosa caiu no ambiente doméstico ou comunitário nosúltimos 30 dias?- A Pessoa Idosa está com incontinência urinária (uri<strong>na</strong> solta)?- A Pessoa Idosa com uri<strong>na</strong> solta está em tratamento médico?


482Zilda Arns Neumann- A Pessoa Idosa é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (necessita da ajuda <strong>de</strong> alguémpara fazer as ativida<strong>de</strong>s básicas do dia a dia, como vestir-se ealimentar-se)?- A Pessoa Idosa morreu neste mês?Esses indicadores servem <strong>de</strong> orientação, estímulo, incentivo àspessoas idosas e também servem <strong>de</strong> base <strong>de</strong> conhecimento da comunida<strong>de</strong>sobre os seus idosos. Com estes indicadores, é possível, ainda, estimularo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> outras ações em favor das pessoas idosas <strong>na</strong>scomunida<strong>de</strong>s, <strong>na</strong>s paróquias e nos municípios.Testemunho <strong>de</strong> idosos voluntários que atuam <strong>na</strong> Pastoralda Pessoa IdosaComo voluntários, temos pessoas <strong>de</strong> todas as ida<strong>de</strong>s, mas temosum chamado todo especial para que as pessoas idosas, aquelas que já seaposentaram, possam também assumir a dimensão <strong>de</strong> voluntários. Sãomilhares <strong>de</strong> pessoas com mais <strong>de</strong> 60 anos que realizam esses trabalhosvoluntários. Lembro algumas pessoas que, com sua ida<strong>de</strong> avançada,continuam trabalhando voluntariamente a serviço <strong>de</strong> outras pessoasidosas, <strong>de</strong>senvolvendo a mística <strong>de</strong> fé e vida.Em Ponta Grossa, no estado do Paraná, a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora diocesa<strong>na</strong><strong>na</strong>sceu em 1920. Assumiu a coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da Pastoral em 2005, foireeleita em 2007 e 2009 para atuar com todos os lí<strong>de</strong>res e coor<strong>de</strong><strong>na</strong>doresparoquiais. Rosa Tomé, conhecida carinhosamente como Do<strong>na</strong> Marieta,é muito querida por toda a sua equipe. Ela irradia muita disposição paravisitar as paróquias, participar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s nos municípios em favor dosidosos, dar capacitações, viajar para as reuniões e capacitações promovidaspela Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção Nacio<strong>na</strong>l em Curitiba, levando a disposição <strong>de</strong> fazertodos os exercícios físicos e se mostrando com muita vitalida<strong>de</strong>. Além dostrabalhos pastorais ela cuida <strong>de</strong> sua irmã idosa com problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.Do<strong>na</strong> Marieta é um exemplo para muitas pessoas idosas.Apresento também o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> D. Quitéria das Neves, <strong>de</strong>81 anos, que participa da Paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus,em Maceió (AL): “Meu nome é Quitéria da Neves, tenho 81 anos e soulí<strong>de</strong>r da Pastoral da Pessoa Idosa, graças a Deus! Hoje me sinto muitofeliz e cheia <strong>de</strong> esperança. Depois que passei a fazer parte da Pastoral da


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>483Pessoa Idosa, minha vida mudou completamente. Passei a viver bem ecom o coração sempre cheio <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> para ajudar os meus irmãosidosos. Comecei acompanhando os li<strong>de</strong>res da Pastoral da Pessoa Idosadurante suas visitas aos idosos, <strong>de</strong>pois comecei a ajudar <strong>na</strong>s campanhaspromovidas pela Pastoral sobre a vaci<strong>na</strong>ção contra a gripe, pregandocartazes <strong>de</strong> conscientização sobre a importância <strong>de</strong> o idoso se vaci<strong>na</strong>r,percorri todos os mercadinhos do bairro on<strong>de</strong> moro, colocando os cartazes.Depois comecei a sentir no coração a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> servir aos meus irmãos<strong>de</strong> forma mais intensa. Foi aí que entrei com tudo <strong>na</strong> Pastoral, após passarpor uma capacitação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>res que me ajudou bastante a enten<strong>de</strong>r minhamissão já nessa fase da vida. Sou muito feliz. A Pastoral da Pessoa Idosaplantou no meu coração a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer sempre o bem, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>levar aos irmãos o maior mandamento da lei <strong>de</strong> Deus, que é o amor aopróximo. Não vou parar, só quando Deus me levar.”A Irmã Inês Weber, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora da Pastoral da Pessoa Idosa <strong>na</strong>Diocese <strong>de</strong> Rio Branco, no Estado do Acre, conta como as pessoas idosasda Amazônia se i<strong>de</strong>ntificam com o trabalho voluntário com os idosos. Umacapacitadora tem 78 anos. No mês <strong>de</strong> junho, ministrou uma capacitaçãocom a equipe em seu município. Além <strong>de</strong> dar capacitação para os lí<strong>de</strong>res,ela também faz as visitas domiciliares, participa <strong>de</strong> todas as reuniões daPastoral da Pessoa Idosa e organiza e conduz caminhadas com grupos <strong>de</strong>idosos.No estado do Paraná, on<strong>de</strong> iniciaram as primeira movimentaçõespara implantar a metodologia <strong>de</strong> visitação aos idosos, a Sra. Erothe<strong>de</strong>s eseu esposo, Do<strong>na</strong>to Ferrari, participaram das primeiras capacitações. Estecasal, que esbanja simpatia e <strong>de</strong>dicação aos idosos, ficou notabilizadosendo a capa do Manual <strong>de</strong> Bem com a <strong>Vida</strong>, do Programa Terceira Ida<strong>de</strong><strong>na</strong> Pastoral da Criança, com milhares <strong>de</strong> exemplares espalhados por todoo Brasil. Eles são capacitadores do Guia do Lí<strong>de</strong>r da Pastoral da PessoaIdosa, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>dores da região serra<strong>na</strong> da diocese <strong>de</strong> Para<strong>na</strong>guá, noestado do Paraná, mas quero <strong>de</strong>stacar com maior ênfase a participação daSra. Tedi, como é conhecida, no Conselho Estadual dos Direitos da PessoaIdosa, representando a Pastoral da Pessoa Idosa. No Conselho Estadual, elaassume várias funções e participa ativamente <strong>de</strong> caminhadas, reniões emdiversas regiões do Paraná, <strong>na</strong>s Conferências Municipais e Estadual dosDireitos dos Idosos. O testemunho é completo, com a participação do Sr.Do<strong>na</strong>to junto com ela. Ambos já passaram dos 70 anos, mas se <strong>de</strong>dicam


484Zilda Arns Neumannintegralmente em favor dos direitos das pessoas idosas. O protagonismovoluntário dos idosos é uma lição para todas as gerações.O testemunho que recebemos também dos lí<strong>de</strong>res mostra como aspessoas idosas visitadas transmitem lições <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação e amor pela vida. Oslí<strong>de</strong>res também testemunham que <strong>na</strong>s visitas domiciliares mais apren<strong>de</strong>mdo que ensi<strong>na</strong>m, ou melhor, é uma gran<strong>de</strong> troca <strong>de</strong> comprometimento emfavor das pessoas idosas e suas famílias.Relato ainda a história comovente <strong>de</strong> uma pessoa centenária querecebeu uma home<strong>na</strong>gem dos voluntários da Pastoral da Pessoa Idosa.Ela participou da missa em sua home<strong>na</strong>gem e teve uma festinha <strong>de</strong>confraternização. Contou que aquele foi o primeiro bolo <strong>de</strong> aniversárioque ganhou em toda a sua vida.São muitas lições <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong>dicação das pessoas idosas voluntárias.Contudo o que noto <strong>de</strong> mais especial é a mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong> - tantodos idosos como das pessoas com relação aos idosos. Com isso, penso queestamos abrindo novos caminhos <strong>de</strong> atenção ao idoso, não só no âmbito dasaú<strong>de</strong> ou político-social, mas no campo do próprio eu, ou seja, ao assumiro seu protagonismo, o idoso reconhece-se como pessoa importante parao meio social em que vive, estabelece relações <strong>de</strong> diálogo com o mundoà sua volta, assume compromissos voltados para a transformação ou amelhoria da realida<strong>de</strong> em que vive e faz história e garante a continuida<strong>de</strong>da história. Repassa o que viveu no passado, ajuda a fortalecer o presentee projeta o futuro numa caminhada conjunta com as novas gerações, paraque a socieda<strong>de</strong> chegue a esse i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mescla <strong>de</strong> gerações, opiniões eobjetivos e <strong>de</strong> respeito à alterida<strong>de</strong>.Bibliografia______. As fundações privadas e organizações sem fins lucrativosno Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2005.______. Síntese <strong>de</strong> indicadores sociais: uma análise das condições<strong>de</strong> vida da população brasileira 2008. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2008.IBGE - Instituto <strong>de</strong> Geografia e Estatística. As fundações privadas eassociações sem fins lucrativos no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002.PASTORAL da Pessoa Idosa. Guia do Lí<strong>de</strong>r. Curitiba, 2008.SILVA, Heather Antoinette Barker Dutra da. O voluntariado entre


O <strong>Trabalho</strong> Voluntário e a Terceira Ida<strong>de</strong>485idosos no município <strong>de</strong> Säo Paulo. São Paulo:USP, 2003.UNITED Nations. Resolution containing recommendations forvolunteer action adopted without a vote. New York, 2002. Disponível emwww.un.org/news/Press/docs/2001/GA9990.doc.htm. Acesso em 18 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 2009.


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Depoimentos487Alencar BurtiPresi<strong>de</strong>nte da Associação Comercial <strong>de</strong> São Paulo.O cidadão paulistano Alencar Burti po<strong>de</strong>ria estar ape<strong>na</strong>s usufruindodos resultados positivos alcançados ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 60 anos <strong>de</strong>trabalho. Contudo, optou por encarar os novos e complexos <strong>de</strong>safios quelhe são impostos pela presidência da Associação Comercial <strong>de</strong> São Paulo(ACSP), Fe<strong>de</strong>ração das Associações Comerciais do Estado <strong>de</strong> São Paulo(Facesp) e Confe<strong>de</strong>ração das Associações Comerciais e Empresariais doBrasil (CACB), além da participação em conselhos <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ze<strong>na</strong><strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s empresariais, assistenciais e filantrópicas.E o empreen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> sucesso Alencar Burti faz tudo isso sem<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> participar ativamente do comando <strong>de</strong> seus próprios negócios,valendo-se <strong>de</strong> toda sua experiência acumulada ao longo dos anos. Chegoua esse “preparo” porque começou ainda adolescente no setor <strong>de</strong> joalheria.Mais tar<strong>de</strong> passou para o comércio <strong>de</strong> automóveis, no qual está até hoje.Em ambos os casos tornou-se rapidamente um <strong>de</strong>stacado lí<strong>de</strong>r empresarial.Fundou a Fe<strong>na</strong>brave - Fe<strong>de</strong>ração Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Distribuição <strong>de</strong> Veículos


488Automotores.“O empreen<strong>de</strong>dor não precisa necessariamente ter uma empresa.Existe uma diferença entre empresário e empreen<strong>de</strong>dor. O empreen<strong>de</strong>doré aquele que começa a trabalhar pensando em construir uma empresaque vai dar a ele a alegria e um norte <strong>na</strong> sua vida. Não há ida<strong>de</strong> para serempreen<strong>de</strong>dor. Ele tem que ser sempre jovem <strong>de</strong> cabeça. Algumas pessoas“morrem” em vida aos 25 ou 30 anos, porque lhes falta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> crescer,outras aos 70 ou 75 anos mantêm o mesmo afã e não <strong>de</strong>sistem da vonta<strong>de</strong><strong>de</strong> vencer. Quando uma pessoa tem sucesso em um empreendimento,sente-se realizado como ser humano. Isso é o fundamental. A pessoa <strong>de</strong>vecomeçar a estudar, se aprofundar no que faz, porque empreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>fundamentalmente <strong>de</strong> conhecer o seu mercado. É preciso estudar suaspossibilida<strong>de</strong>s materiais, <strong>de</strong> crédito e mercado”.“Consi<strong>de</strong>ro que o trabalho, tanto físico quanto mental, é fundamentalpara o ser humano. Se a pessoa parar, ela fica absolutamente <strong>de</strong>fasada emtodos os aspectos, física e intelectualmente. O empreen<strong>de</strong>dorismo é comoum esporte, que exige algumas coisas além do físico, como a <strong>de</strong>dicação,pesquisa e troca constante <strong>de</strong> experiências para saber o que acontece <strong>na</strong>área dos negócios.”“Só há terceira ida<strong>de</strong> para quem não se preparou para ela, cuidandoda saú<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r acumular conhecimentos e experiências, que oconvívio dos negócios traz. Além disso, é preciso não per<strong>de</strong>r a noção <strong>de</strong>que você <strong>de</strong>ve ter muito mais preocupações com o futuro, do que com opassado. O importante é chegar a qualquer ida<strong>de</strong> buscando novida<strong>de</strong>s,atualizando-se, dormir pensando que o amanhã será sempre melhor,que há muito que apren<strong>de</strong>r, pois os <strong>de</strong>safios é que dão encanto à vidapor todo tempo”. “Encerro este <strong>de</strong>poimento com uma lição <strong>de</strong> HenryFord:‘Tudo po<strong>de</strong> ser feito melhor do que já foi feito’.”


489Jan WiegerinckPresi<strong>de</strong>nte da Gelre <strong>Trabalho</strong> Temporário S.A.Jan Wiegerinck <strong>na</strong>sceu em Gelre, <strong>na</strong> Holanda em 1927 e chegouao Brasil em 1955. É bacharel em direito (Universida<strong>de</strong> Nimega/Holanda)e pós-graduado em administração <strong>de</strong> empresas (FGV/SP). Ao chegar noBrasil trabalhou no Banco Holandês Unido, até se arriscar em ter ser próprionegócio. Naturalizou-se brasileiro e fundou, em 1963, a Organização Gelre,da qual é presi<strong>de</strong>nte. Des<strong>de</strong> então, conviveu com um país que passoupor <strong>de</strong>ze<strong>na</strong>s <strong>de</strong> transformações. Nesses 46 anos, ele já contratou mais <strong>de</strong>quatro milhões <strong>de</strong> pessoas, o que o coloca entre os maiores empregadoresdo país.A Gelre é uma empresa inovadora que <strong>na</strong>sceu <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>seu fundador — recrutamento para trabalho temporário ou terceirizado.Hoje, cerca <strong>de</strong> 30 mil funcionários têm sua carteira <strong>de</strong> trabalho assi<strong>na</strong>dapela Gelre. Essa é uma <strong>de</strong>monstração dos propósitos <strong>de</strong> Jan, que ofereceoportunida<strong>de</strong>s ao cidadão, combatendo o preconceito e a discrimi<strong>na</strong>ção.Segundo ele, há pessoas que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certa ida<strong>de</strong> não conseguem mais


490emprego apesar da competência profissio<strong>na</strong>l e da experiência.“A expressão terceira ida<strong>de</strong> é rejeitada por muitos. Pessoalmente,também não gosto <strong>de</strong>la, mas po<strong>de</strong> ser útil dividir o curso da vida em fases.A vida é um processo e há diferenças entre as diversas fases. Shakespearedividiu a vida em sete fases: infância, escolar, amante, soldado, general,estadista e sábio. É uma divisão poética que tem sentido, mas não éprática. A realida<strong>de</strong> é que em toda a história da humanida<strong>de</strong> três geraçõesconvivem: jovens, adultos e velhos. Consi<strong>de</strong>rando a expectativa atual <strong>de</strong>vida, cada grupo representa 33 anos. Até os 33, a pessoa pertence ao grupodos jovens, <strong>de</strong> 34 a 67 anos, ao grupo dos adultos. A partir daí, aos velhos.A terceira geração é a terceira ida<strong>de</strong>. Na minha visão faz sentido, mas éestranho não se falar da primeira e segunda ida<strong>de</strong>”.Balzac escreveu ’o homem morre por primeira vez quando per<strong>de</strong>o entusiasmo’. Vejo o trabalho como um meio para alimentar nossoentusiasmo. Enquanto vivemos temos uma missão. Estamos no mundonão para vegetar, mas para participar ativamente. Não é importante pensarsobre quanto tempo ainda temos para viver, mas sim nos concentrarmos <strong>na</strong>importância <strong>de</strong> nossa contribuição para o bem estar dos <strong>de</strong>mais membrosda socieda<strong>de</strong>.Por todos estes aspectos minha resposta à pergunta se a pessoa <strong>na</strong>terceira ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve trabalhar é sim, quando possível.Sob o ponto <strong>de</strong> vista individual o <strong>de</strong>sejo ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>autorrealização é central para o entendimento, porque é útil o trabalho emtodas as ida<strong>de</strong>s.Para Maslow a autorrealização se dá quando a pessoa se tor<strong>na</strong>, <strong>de</strong>fato, aquilo que é em potencial. Ortega y Gasset escreve: ’Todo ser é felizquando cumpre seu <strong>de</strong>stino. Quando está sendo o que em verda<strong>de</strong> é’.Mas não quero afirmar que o ser humano só se realiza no trabalho.Apesar <strong>de</strong> o trabalho ser necessário ao ser humano, ele não foi feito paratrabalhar. E nem é trabalhar a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua existência. EscreveuRousseau: ‘a profissão do homem é viver’.


491Jesus José BalesPresi<strong>de</strong>nte do Sindicato Paulista dos AuditoresFiscais do <strong>Trabalho</strong> – SINPAITJesus José Bales hoje é Presi<strong>de</strong>nte do Sinpait. Seus primeiros passosacadêmicos e “profissio<strong>na</strong>is” foram dados <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pompéia, no interior<strong>de</strong> São Paulo. No mercado <strong>de</strong> trabalho começou “varrendo” um escritório<strong>de</strong> advocacia. Foi auxiliar e, posteriormente, escrevente <strong>de</strong> cartório, on<strong>de</strong>trabalhou durante 9 anos. Nessa mesma cida<strong>de</strong>, no Colégio Ban<strong>de</strong>irantes,iniciou, aos 22 anos, seu curso gi<strong>na</strong>sial. Acabou por mudar para São Paulo<strong>de</strong> vez que aprovado em concurso, foi nomeado escriturário do Banco doBrasil. Iniciou seu curso <strong>de</strong> Contabilida<strong>de</strong> <strong>na</strong> Escola Álvares Penteado, quese encerrou no SENAC, em Marília. Foi aprovado no concurso <strong>de</strong> Fiscal daReceita Estadual, sendo classificado nos primeiros lugares, mas não tomouposse. Aprovado no concurso para Fiscal do <strong>Trabalho</strong>, assumiu o cargoem julho <strong>de</strong> 1975, ali permanecendo durante 29 anos, até a aposentadoria.Este é o seu <strong>de</strong>poimento:“Comecei a trabalhar aos 12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, tão logo terminei ochamado ‘grupo escolar’ da época”. Filho <strong>de</strong> família pobre e humil<strong>de</strong> e


492residindo em cida<strong>de</strong> peque<strong>na</strong>, on<strong>de</strong> não havia ginásio, não pu<strong>de</strong> estudar emoutro lugar, por falta <strong>de</strong> recursos. Assim, fui para o mercado <strong>de</strong> trabalho,muito cedo.Des<strong>de</strong> pequeno aprendi com meus pais que, com o trabalhoapren<strong>de</strong>mos a dar valor a todas as outras coisas da vida. Ainda com 08anos ajudava minha mãe <strong>na</strong> limpeza da casa, porque ela precisava costurar,para ajudar o meu pai <strong>na</strong> manutenção da família.Nem meu pai, nem minha mãe, jamais tiveram um emprego comcarteira assi<strong>na</strong>da. Então, o pouco <strong>de</strong> dinheiro que entrava em casa erafruto <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> cada um. Minha mãe em sua velha máqui<strong>na</strong> ‘singer’,e meu pai procurando serviços esporádicos, a fim <strong>de</strong> trazer uns ‘trocados’para casa.Já, com 40 anos, ingressei no serviço público fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong>aguar<strong>de</strong>i minha aposentadoria compulsória, porém, jamais <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong>exercer outra ativida<strong>de</strong>, ainda que não remunerada. Na verda<strong>de</strong>, mesmoapós a aposentadoria, continuei a fazer o que sempre fiz: prestar serviços<strong>de</strong>sinteressados à socieda<strong>de</strong>.Meu <strong>de</strong>sejo é que possa exercer qualquer ativida<strong>de</strong> que seja, atéque minhas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> o permitam.Pela experiência que tenho, quando a pessoa pára <strong>de</strong> uma vez<strong>de</strong> trabalhar, as doenças começam a chegar. Entendo que todos <strong>de</strong>vemexercer qualquer ativida<strong>de</strong> até que suas forças o permitam; fico muitopreocupado quando vejo colegas, ainda no vigor da ida<strong>de</strong>, solicitando suaaposentadoria.Entendo que a socieda<strong>de</strong> como um todo vem se tor<strong>na</strong>ndo cada vezmais ‘individualista’. Caso essa situação não sofra uma mudança radical,em pouco tempo não teremos mais ‘voluntários’ para trabalhar para asocieda<strong>de</strong>. Por isso, <strong>de</strong>sejo que todos tenham sempre uma fé inquebrantávelem tudo <strong>de</strong> bom que almejem <strong>na</strong> vida. Nunca esmoreçam. Busquem semprefazer as coisas bem feitas, com i<strong>de</strong>alismo, querendo sempre alcançar aperfeição. Mas, sem nunca per<strong>de</strong>r a humilda<strong>de</strong>, a simplicida<strong>de</strong>, a feiçãopor todas as pessoas do convívio próximo. ‘O trabalho nos faz felizes eotimistas, mesmo porque é a razão <strong>de</strong> nossa existência’.”


493João Batista InocentiniPresi<strong>de</strong>nte do Sindicato Nacio<strong>na</strong>l dos Aposentados.João Batista Inocentini é Presi<strong>de</strong>nte do Sindicato Nacio<strong>na</strong>l dosAposentados. Nasceu <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São João da Boa Vista, interior <strong>de</strong> SãoPaulo. Des<strong>de</strong> sempre foi criado <strong>na</strong> valorização do trabalho. Começou <strong>de</strong>criança, ajudando <strong>na</strong>s tarefas <strong>de</strong> casa e <strong>na</strong> roça. De garoto realizou tarefasdiversas em um supermercado para contribuir com o sustento da família oque lhe ajudou a <strong>de</strong>senvolver uma relação muito especial com o trabalho.Já foi motorista <strong>de</strong> caminhão: “Conheci o Brasil todo”. Nessa oportunida<strong>de</strong>viajou <strong>na</strong> boléia pelo país, ajudando seu pai. Foi uma das suas principaisexperiências <strong>de</strong> vida e que marcariam seu futuro. Posteriormente mudousepara São Paulo para ingressar no ramo metalúrgico. Participou dafundação do Partido dos Trabalhadores e da Central Sindical CUT. Nosanos 90 passou a fazer parte da Força Sindical. Hoje é um dos vicepresi<strong>de</strong>ntes.Posteriormente fundou o Sindicato Nacio<strong>na</strong>l dos Aposentadose Pensionistas da Força Sindical. Ele luta para assegurar ao idoso queos po<strong>de</strong>res públicos proporcionem direitos básicos como a assistência à


494saú<strong>de</strong>, alimentação, cultura, esporte, lazer; promovam políticas públicaspara a criação <strong>de</strong> áreas apropriadas e acessibilida<strong>de</strong> a meios <strong>de</strong> transportee estabelecimentos; recursos, enfim, que garantam o aperfeiçoamento <strong>de</strong>sua cidadania ple<strong>na</strong>.Inocentini consi<strong>de</strong>ra que “o que se aposenta é o corpo, mas amente <strong>de</strong>ve continuar produzindo. Isso é inerente ao ser humano. Não dápara parar e esperar o tempo passar. Há muito que fazer lá fora. No meucaso, os compromissos com o Sindicato não me permitem realizar todasas ativida<strong>de</strong>s que eu gostaria. Mas eu tenho claro que quando encerraras minhas ativida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>senvolverei alguma tarefa relacio<strong>na</strong>da com otrabalho voluntário. Não há nenhum problema em mudar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>.A minha vida toda sempre trabalhei <strong>na</strong>s fábricas e hoje sou o Presi<strong>de</strong>ntedo Sindicato. É uma questão <strong>de</strong> adaptação, necessária para continuar <strong>na</strong>ativa. Não passa pela minha cabeça me retirar <strong>de</strong>finitivamente, e só o fareiquando eu não tiver condições <strong>de</strong> produzir. Está claro que enquanto temosuma ativida<strong>de</strong>, tudo parece ficar melhor e é mais saudável para a mente.O trabalho, seja qualquer for, produz uma sensação <strong>de</strong> bem-estar e autoestimaque é fundamental para o ser humano. Além do mais, é necessárioter sempre em mente que em um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento as coisas po<strong>de</strong>mmudar e por isso mesmo <strong>de</strong>ve-se pensar <strong>na</strong> transição para a mudança <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> ela chegar. Devemos procurar o instinto empreen<strong>de</strong>dorque cada um tem. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da ida<strong>de</strong>, os projetos pessoaispo<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser realizados, e muito bem, após a aposentadoria. Que“não é o fim da vida, muito pelo contrário, é o começo <strong>de</strong> uma experiênciaindispensável para o avanço da socieda<strong>de</strong>”.


495Raphael MartinelliRaphael Martinelli é advogado trabalhista e foi dirigente daFe<strong>de</strong>ração Nacio<strong>na</strong>l dos Ferroviários <strong>de</strong> São Paulo. Foi um dos maisimportantes lí<strong>de</strong>res sindicais do Brasil até 1964. Após o golpe, caiu <strong>na</strong>clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> e participou da luta armada contra a ditadura pela ALN(Ação Libertadora Nacio<strong>na</strong>l).Atualmente é Presi<strong>de</strong>nte do Fórum Permanente dos Ex-Presos ePerseguidos Políticos do Estado <strong>de</strong> São Paulo. Sua missão nesse Fórum teveinício em 2001, quando ele já completara 77 anos. O Fórum Permanente dosEx-Presos e Perseguidos Políticos do Estado <strong>de</strong> São Paulo foi criado paralutar pela reparação das injustiças e contra os <strong>de</strong>smandos, a impunida<strong>de</strong> eo esquecimento dos atos praticados pela ditadura.Raphael dá ao trabalho um valor fundamental <strong>na</strong> formação moral,<strong>na</strong> discipli<strong>na</strong> e autossuficiência e faz o seguinte <strong>de</strong>poimento: “Nasci em1924 <strong>na</strong> cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo em uma família operária. Meu pai, <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<strong>de</strong> estrangeiros, trabalhou como pintor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1910 <strong>na</strong> Estrada <strong>de</strong> Ferro São


496Paulo Railway. Casou-se com uma italia<strong>na</strong>, e teve 8 filhos, sendo 7 dosexo masculino. A preocupação <strong>de</strong>les foi a <strong>de</strong> transmitir a todos nós, seusfilhos, a responsabilida<strong>de</strong> perante a socieda<strong>de</strong> e o valor do trabalho. Paracomplementar o salário baixo meu pai caçava pacas, capivaras, tatus eveados e mantinha no terreno <strong>de</strong> casa uma horta e criação <strong>de</strong> galinhas ecabras. Tudo isso era cuidado pela minha mãe, pelo meu pai em suas horas<strong>de</strong> folga e nos fins <strong>de</strong> sema<strong>na</strong>, com a ajuda <strong>de</strong> todos nós, os filhos que,apesar <strong>de</strong> crianças sabíamos a importância da cooperação.Comecei a trabalhar quando tinha ape<strong>na</strong>s 12 anos e hoje com85 ainda sinto o prazer <strong>de</strong> ser útil à socieda<strong>de</strong>. Em 1938, trabalhei comoaprendiz <strong>na</strong> fábrica <strong>de</strong> produtos químicos Sucuri, em 1939 trabalheicomo portador <strong>na</strong> vidraçaria Santa Mari<strong>na</strong>.. Entrei, então, <strong>na</strong> fábrica <strong>de</strong>Artefatos <strong>de</strong> Aço Tupi, como ajudante <strong>de</strong> ferreiro e lá permaneci até 25 <strong>de</strong>maio <strong>de</strong> 1941, quando ingressei <strong>na</strong> Estrada <strong>de</strong> Ferro São Paulo Railwaycomo aprendiz <strong>de</strong> escritório 5ª categoria. Foi nessa empresa que permaneciaté 1964 quando fui cassado por 10 anos pela ditadura militar. De 1968a 1970 trabalhei <strong>na</strong> Cooperativa União Sindical Habitacio<strong>na</strong>l. Fui presoPolítico 1970 a 1973. De 1973 a 1978 atuei como relações públicas doGrupo Norte-Nor<strong>de</strong>ste – Transporte Rodoviário. Formei-me advogado em1978 e atuei como agente comercial no Expresso Jundiaí até1979.Além do trabalho profissio<strong>na</strong>l, sempre participei do trabalhovoluntário, solidário: Diretor do Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários1952/1955 – Gerente da Cooperativa <strong>de</strong> Consumo dos Ferroviários - Estrada<strong>de</strong> Ferro Santos a Jundiaí 1955/1958; presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração Nacio<strong>na</strong>ldos Trabalhadores Ferroviários – 1959 a 1964. Não mu<strong>de</strong>i radicalmente doramo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> após 1964 (tinha 40 anos). Pelo contrário, continuei aluta pela <strong>de</strong>mocracia e contra a ditadura.Nas minhas ativida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>is como ferroviário, quandotrabalhava há mais <strong>de</strong> 38 anos, cheguei a pensar, em parar aos 62 anos.Entretanto estou <strong>na</strong> ativa até hoje e quero continuar trabalhando pelajustiça a ser dada a todos os patriotas que lutaram contra a ditadura.”


497Ozires SilvaOzires Silva, oficial da Aeronáutica e engenheiro formado peloInstituto Tecnológico <strong>de</strong> Aeronáutica (ITA), é uma perso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> singular eum exemplo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver cumprido. Os 78 anos <strong>de</strong> sua vida transcorreram emmeio a gran<strong>de</strong>s realizações. O entusiasmo, a inteligência, a competênciae a <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Ozires Silva o levaram a galgar <strong>de</strong>graus cada vezmais altos, mantendo-o em evidência e ativida<strong>de</strong> até mesmo <strong>de</strong>pois daida<strong>de</strong> em que a maioria das pessoas prefere sair do mercado <strong>de</strong> trabalho,aposentando-se e vivendo com aquilo que recebe da previdência.Ozires <strong>na</strong>sceu no dia 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1931. Estudou no Ginásio doEstado em Bauru. Era ainda muito jovem quando se interessou pela aviação.Inicialmente suas atenções se voltaram para o aeromo<strong>de</strong>lismo. Com algunscompanheiros <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong>, após as aulas do ginásio, se empenhava <strong>na</strong>construção <strong>de</strong> pequenos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> aviões baseados em plantas daquelesempregados <strong>na</strong>s frentes <strong>de</strong> combate da II Guerra Mundial. Esse foi o ponto<strong>de</strong> partida para o homem que li<strong>de</strong>rou em 1970 o grupo que promoveu a


498criação da EMBRAER uma das maiores empresas aeroespaciais do mundoe a construção do primeiro avião —”Ban<strong>de</strong>irante”.Ozires Silva presidiu a empresa até 1986, quando aceitou o<strong>de</strong>safio <strong>de</strong> ser presi<strong>de</strong>nte da Petrobras, on<strong>de</strong> atuou até 1989. Em 1990,assumiu o Ministério da Infraestrutura e, em 1991, retornou à Embraer,<strong>de</strong>sempenhando um papel importante <strong>na</strong> condução do processo <strong>de</strong>privatização da empresa, concluído em 1994.Também atuou como presi<strong>de</strong>nte da Varig por três anos (2000-2003)e criou em 2003 a Pele Nova Biotecnologia, primeiro fruto da Aca<strong>de</strong>miaBrasileira <strong>de</strong> Estudos Avançados, empresa focada em saú<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>.“Comecei a trabalhar muito cedo, apren<strong>de</strong>ndo datilografia eredigindo cartas para fornecedores da peque<strong>na</strong> loja <strong>de</strong> artigos elétricos domeu pai. Minha família, sempre voltada ao trabalho, manteve-se buscandocumprir suas responsabilida<strong>de</strong>s perante terceiros e a comunida<strong>de</strong>. Meumundo era Bauru, no interior do Estado <strong>de</strong> São Paulo, aon<strong>de</strong>, convivendocom o Aeroclube local, comecei a moldar a vocação que afi<strong>na</strong>l empolgoupraticamente toda a vida, a <strong>de</strong> fabricar aviões. Consegui, via concursopúblico, ingressar <strong>na</strong> Força Aérea Brasileira, dando partida no meu sonho,inicialmente formando-me Piloto Militar e Oficial da FAB. Morei em Belém,on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong> voar no Correio da Fronteira e conhecer bastante a Amazônia.Olhando para trás, sinto o quanto foi importante, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo e <strong>na</strong>juventu<strong>de</strong>, encontrar a certeza do que gostaria <strong>de</strong> fazer, embora os alvos quevisava, <strong>na</strong> época, pareciam distantes e mesmo impossíveis. Creio que cadaum <strong>de</strong> nós precisa encontrar seu caminho, manter o foco das aspirações,estabelecendo metas e que possam estar ligadas ao que se <strong>de</strong>seja comoresultado <strong>de</strong> uma vida, que po<strong>de</strong> ser longa. O <strong>de</strong>senvolvimento e progressopessoais, acoplados ao êxito obtido com os empreendimentos, empresas epessoas, para o bem estar da socieda<strong>de</strong>, tor<strong>na</strong>m-se partes importantes paraproduzir recordações e alegrias <strong>de</strong> momentos que valeram a pe<strong>na</strong> seremvividos.”Encerrando seu <strong>de</strong>poimento, Ozires Silva aconselha a todos:”Não parem; <strong>de</strong>diquem-se sempre, conscientes que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>na</strong>scimento,envelhecemos progressivamente. Não são os anos que nos tor<strong>na</strong>m velhos,mas a idéia <strong>de</strong> ficarmos velhos.”


499Rosi<strong>na</strong> D´Angi<strong>na</strong>Rosi<strong>na</strong> D´Angi<strong>na</strong> (Rosi<strong>na</strong> Ilda Maria D´Angi<strong>na</strong>) é jor<strong>na</strong>lista,química industrial, escritora, tradutora, editora, fotógrafa e artista plástica.Nasceu em São Paulo, no dia 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1932 em um local histórico:La<strong>de</strong>ira da Memória.Rosi<strong>na</strong> formou-se em Jor<strong>na</strong>lismo pela Escola <strong>de</strong> Jor<strong>na</strong>lismo CásperLíbero da Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica em1964 e em Química Industrialem 1951 pelo Colégio Dante Alighieri on<strong>de</strong> cursou também o segundograu. Depois <strong>de</strong> ter exercido a profissão <strong>de</strong> química, com especializaçãoem tintas e corantes, saltou para o jor<strong>na</strong>lismo trocando as exatas pelashuma<strong>na</strong>s. Atualmente é prestadora <strong>de</strong> serviços para a Serasa Experianprogramando, coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ndo e editando uma publicação especializada emTecnologia <strong>de</strong> Crédito.Há 12 anos, vem se <strong>de</strong>dicando concomitantemente à arte,realizando exposições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>de</strong> pintura e esculturasempre voltada para a ecologia e os mistérios do Universo.


500“O objetivo <strong>de</strong>ste meu <strong>de</strong>poimento é mostrar que o indivíduoconsi<strong>de</strong>rado idoso após os 60 anos po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve continuar integrado àsocieda<strong>de</strong>, seja exercendo sua profissão, seja apren<strong>de</strong>ndo outro ofício ouse <strong>de</strong>dicando a outras áreas como a das artes e das ciências. E assim semantendo, ele é aceito pelos mais jovens que se beneficiam da experiênciaadquirida durante anos e, ainda, ser acolhido pela socieda<strong>de</strong> como ummembro útil. Manterá <strong>de</strong>ssa forma a autoconfiança e a autoestima. O valor<strong>de</strong> um ser humano não se esvai com o avançar da ida<strong>de</strong>. Pelo contrário,ele aumenta e serve <strong>de</strong> exemplo às pessoas que ainda não chegaram a essaetapa da vida, mas é preciso que ele se mantenha integrado à socieda<strong>de</strong>,buscando mais conhecimento enquanto ensi<strong>na</strong>”.Começando <strong>de</strong> novo“Em 1992, com 60 anos, já aposentada, trabalhando em casa paraeditoras, fui convidada a editar um Boletim empresarial, voltado para osclientes Serasa. Já <strong>na</strong> terceira ida<strong>de</strong>, aceitei o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> voltar a trabalharfora <strong>de</strong> casa e em pouco tempo assumi a responsabilida<strong>de</strong> por todas aspublicações da Serasa e projetei e criei uma revista técnica para a empresada qual sou editora até hoje.Paralelamente, passei a me <strong>de</strong>dicar com afinco à pintura quehavia postergado para exercer as <strong>de</strong>mais profissões e especialmente a <strong>de</strong>jor<strong>na</strong>lismo que me absorvia completamente exigindo-me <strong>de</strong>slocamentos<strong>de</strong>ntro e fora do país. Logo a seguir <strong>de</strong>scobri a escultura e me <strong>de</strong>liciei aocriar figuras em pedra, argila, resi<strong>na</strong> e bronze.No ano 2.001 fiz minha primeira exposição individual <strong>de</strong> pinturaem São Paulo, com sucesso. Não abandonei minhas ativida<strong>de</strong>s profissio<strong>na</strong>ise nem meus i<strong>de</strong>ais. Prossigo em minha luta, consciente <strong>de</strong> que ainda meresta muito a apren<strong>de</strong>r e a fazer.Convivo constantemente com os mais jovens porque o contato comeles aprimora as habilida<strong>de</strong>s e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> conhecimentospelos mais velhos. E me atrevo a encerrar com uma frase <strong>de</strong> Kant:“A educação é o <strong>de</strong>senvolvimento no homem <strong>de</strong> toda a perfeição <strong>de</strong>que sua <strong>na</strong>tureza é capaz.”Organizado por: Rosi<strong>na</strong> D´Angi<strong>na</strong>.A série <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos segue através do nosso site: www.trabalhoevida.com.br.

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