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O Homem - Unama

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www.nead.unama.brE a partir daí, Magda vivia nos seus sonhos exclusivamente para o filho. Erafeliz, muito feliz com essa nova dedicação o que absorvia todas as outras; masacordada, uma dolorosa tristeza pungia-lhe a alma à vista dos seus mesquinhosseios, fanados e emurchecidos antes de tempo, como fruta perdida que não chegoua sazonar. Vinham-lhe lágrimas aos olhos quando comparava o seu magro corpo davida real com a opulenta carnação que na outra vida possuía; chorava contemplandoa pobreza das suas espáduas de tísica, considerando os seus quadris sem curvas, aexiguidade dos seus braços, a miséria das suas pernas de esqueleto; choravamirando no espelho o seu rosto de múmia, os seus lábios secos e estalados;chorava observando de perto as suas mãos transparentes e trêmulas.E começou então a preferir o sonho à realidade; tomava-se de amares porele à proporção que se aborrecia desta Aquela dura repugnância cheia de ódio, quesentia acordada contra o fiel companheiro dos seus delírios e contra si própria, não aexperimentava absolutamente contra o filho; ao contrário: sempre que se lembravadeste entezinho fantástico, possuía-se de ternura, como se ele com efeito lhehouvera saído das entranhas. Agora até era a primeira a provocar o sono ou aletargia. Muitas vezes, de repente, tais saudades lhe acudiam do pequenino, que ainfeliz chegava a tomar láudano para dormir mais depressa e por mais tempo; eadormecia sorrindo de contentamento e pedindo a Deus que lhe fizesse os sonhosbem longos, intermináveis; e acordava amaldiçoando a vida real, contrariada e tristesem achar consolações para a ausência do seu filhinho amado.E este amor de mãe foi crescendo tanto e enfolhando tão depressa, que oLuiz afinal se resguardava perfeitamente à sombra dele. Magda, quando acordada,já não o maldizia; já não sentia aquela negra aversão, aquele nojo, que lhe inspiravadantes o moço da pedreira. Oh! Dava-se agora justamente o oposto: quando, dajanela do seu quarto, ela via o pobre diabo passar lá em baixo para o trabalho, ficavacompungida e acompanhava-o com um enternecido olhar de bondade; tinha atédesejos de o chamar e dizer-lhe: "Olha, Luiz, deixa aquele estúpido serviço dapedreira; sobre ser muito bruto, é muito ingrato! Ali um homem está sempre com avida em perigo; a rocha é traidora! não confies na submissão com que ela consenteque lhe retalhem todos os dias o ventre; lá uma bela vez, quando menos oesperares, zanga-se, e ai de ti, meu amigo, serás devorado! O cavouqueiro é comoo domador de feras: acaba sempre nas garras da que ele explora... Olha, queressaber? Vem cá para casa; o que ai não falta são cômodos desocupados, e sobrasempre à mesa bastante comida!" E, de bom grado, Magda pediria ao Conselheiropara tomar ao seu serviço o pobre rapaz; não porque ela o quisesse perto de si —nada disso! — mas simplesmente para lhe fazer bem, para o tornar um poucomenos desgraçado. "E, como lhe querer mal?... Como não o estimar, coitado, se eleno fim de contas era o cúmplice do seu crime e ao mesmo tempo o da suafelicidade? Se não fosse Luiz, ela não possuiria um filho, e o filho era para Magda amelhor coisa do mundo!Sim, no seu espírito alucinado já não protestavam conveniências sociais,nem tradições de costumes, nem hábitos de donzela; o seu pudor despira-se; agorasó o que lhe dominava o espírito, o que lhe enchia o coração, era a idéia do filho; eraa mística loucura desse amor visionário por aquela criança de olhos meigos, queestava sempre a chamá-la de longe, lá das misteriosas margens da ilha encantadados seus sonhos; era a saudade dessa criaturinha ideal, que ela já no podia deixarde ver, não só todas as noites durante o sono, mas a todo o instante, na deliciosainsânia dos seus êxtases.O filho era a sombra de Fernando; ela vivia para esta sombra.85

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