www.nead.unama.brela dizia com a maior naturalidade, enchendo não obstante de lágrimas os olhos doConselheiro e provocando no Dr. Lobão um desesperançado sacudir d'ombros. Esteúltimo se mostrava mais que nunca empenhado no tratamento da enferma, a pontode descuidar-se da própria casa de saúde — a menina dos seus olhos. "Porém nãoera, dizia ele, a filha do amigo o que tanto o prendia e interessava, massimplesmente o caso patológico. Puro interesse de médico".Justina admirava-se de ver a sua ama tão desvelada pela família do Luiz:não se passava um só dia sem que Magda lhe fizesse várias perguntas a respeitodela, principalmente sobre a noiva do cavouqueiro, a rubicunda Rosinha. Quando acriada lhe deu parte de que o casamento estava definitivamente marcado para oseguinte mês, a senhora estremeceu e encarou-a por tal modo, que a raparigajulgou vê-la cair ali mesmo com um ataque de convulsões.— E, então no mês que vem?... Interrogou depois. do abalo.— Se Deus quiser, minh'ama. E as roupas da cama estão quase prontas,que era só o que faltava. Ah! Eu penso com o Luiz que a gente não deve casar semter arranjado umas tantas coisas, como não É muito feio casar-se uma pessoa semenxoval, inda que seja um enxoval pobre, mas contanto que cheire a novo!Daí em diante a filha do Conselheiro indagava quotidianamente da criada"se o casamento era sempre no mesmo dia", como se contasse com qualquerinesperado incidente que o transferisse ou desmanchasse de um momento paraoutro. Todavia, a sua existência quimérica dos sonhos prosseguia com a mesmaregularidade: Uma vez casada com o belo e encantador príncipe, declarou ao paique não se achava disposta a abandonar a ilha, e pediu-lhe que a fosse visitar dequando em quando, visto que ele agora tencionava ficar para sempre erradio sobreas águas do mar. O Conselheiro retirou-se triste com os seus companheiros deviagem, deixando aos desposados tudo o que de supérfluo havia a bordo e a Justinapara os servir. A vida ideal dos dois amantes tornou-se então muito humana, muitodeliciosa e fácil. Comiam em baixelas de prata e em porcelanas da Índia; bebiam emtaças de cristal da Boêmia; vestiam-se confortavelmente de linho, veludo e seda;tinham leito macio e, à noite, fechados no doce aconchego do lar, Magda cantava àsvezes ao piano e de outras lia em voz alta, para entreter o marido, ou jogavam ascartas antes do chá. Luiz em breve já não era o mesmo selvagem, graças à mulher,que lhe dava lições de leitura, de escrita, de desenho e de música, o que eleaprendia tudo com um talento verdadeiramente sobrenatural.E assim viveram felizes até ao dia em que a filha do Conselheiro percebeuque ia ser mãe. Preparou-se o ninho e ela deu à luz sem a menor dificuldade, nem omais ligeiro vislumbre de dor: um parir silencioso e tranqüilo como o dos vegetais.Era menino. Forte, moreno, de cabelos e olhos pretos; o mais extraordinário,porém, é que a criança não se parecia com o pai, nem com a mãe; parecia-se com oFernando. Não o Fernando escaveirado e espetral que lhe apareceu na ilha, mas odos bons tempos de Botafogo; aquele belo moço a quem ela tanto amara e tantodesejara possuir. O pequeno tinha a mesma doçura no olhar, o mesmoenternecimento no sorriso; eram as mesmas feições e a mesma palidez aveludada efresca. Magda amamentava-o pensando no irmão.— Como havemos de chamá-lo? Perguntou Luiz.— Fernando! Está claro, respondeu ela.84
www.nead.unama.brE a partir daí, Magda vivia nos seus sonhos exclusivamente para o filho. Erafeliz, muito feliz com essa nova dedicação o que absorvia todas as outras; masacordada, uma dolorosa tristeza pungia-lhe a alma à vista dos seus mesquinhosseios, fanados e emurchecidos antes de tempo, como fruta perdida que não chegoua sazonar. Vinham-lhe lágrimas aos olhos quando comparava o seu magro corpo davida real com a opulenta carnação que na outra vida possuía; chorava contemplandoa pobreza das suas espáduas de tísica, considerando os seus quadris sem curvas, aexiguidade dos seus braços, a miséria das suas pernas de esqueleto; choravamirando no espelho o seu rosto de múmia, os seus lábios secos e estalados;chorava observando de perto as suas mãos transparentes e trêmulas.E começou então a preferir o sonho à realidade; tomava-se de amares porele à proporção que se aborrecia desta Aquela dura repugnância cheia de ódio, quesentia acordada contra o fiel companheiro dos seus delírios e contra si própria, não aexperimentava absolutamente contra o filho; ao contrário: sempre que se lembravadeste entezinho fantástico, possuía-se de ternura, como se ele com efeito lhehouvera saído das entranhas. Agora até era a primeira a provocar o sono ou aletargia. Muitas vezes, de repente, tais saudades lhe acudiam do pequenino, que ainfeliz chegava a tomar láudano para dormir mais depressa e por mais tempo; eadormecia sorrindo de contentamento e pedindo a Deus que lhe fizesse os sonhosbem longos, intermináveis; e acordava amaldiçoando a vida real, contrariada e tristesem achar consolações para a ausência do seu filhinho amado.E este amor de mãe foi crescendo tanto e enfolhando tão depressa, que oLuiz afinal se resguardava perfeitamente à sombra dele. Magda, quando acordada,já não o maldizia; já não sentia aquela negra aversão, aquele nojo, que lhe inspiravadantes o moço da pedreira. Oh! Dava-se agora justamente o oposto: quando, dajanela do seu quarto, ela via o pobre diabo passar lá em baixo para o trabalho, ficavacompungida e acompanhava-o com um enternecido olhar de bondade; tinha atédesejos de o chamar e dizer-lhe: "Olha, Luiz, deixa aquele estúpido serviço dapedreira; sobre ser muito bruto, é muito ingrato! Ali um homem está sempre com avida em perigo; a rocha é traidora! não confies na submissão com que ela consenteque lhe retalhem todos os dias o ventre; lá uma bela vez, quando menos oesperares, zanga-se, e ai de ti, meu amigo, serás devorado! O cavouqueiro é comoo domador de feras: acaba sempre nas garras da que ele explora... Olha, queressaber? Vem cá para casa; o que ai não falta são cômodos desocupados, e sobrasempre à mesa bastante comida!" E, de bom grado, Magda pediria ao Conselheiropara tomar ao seu serviço o pobre rapaz; não porque ela o quisesse perto de si —nada disso! — mas simplesmente para lhe fazer bem, para o tornar um poucomenos desgraçado. "E, como lhe querer mal?... Como não o estimar, coitado, se eleno fim de contas era o cúmplice do seu crime e ao mesmo tempo o da suafelicidade? Se não fosse Luiz, ela não possuiria um filho, e o filho era para Magda amelhor coisa do mundo!Sim, no seu espírito alucinado já não protestavam conveniências sociais,nem tradições de costumes, nem hábitos de donzela; o seu pudor despira-se; agorasó o que lhe dominava o espírito, o que lhe enchia o coração, era a idéia do filho; eraa mística loucura desse amor visionário por aquela criança de olhos meigos, queestava sempre a chamá-la de longe, lá das misteriosas margens da ilha encantadados seus sonhos; era a saudade dessa criaturinha ideal, que ela já no podia deixarde ver, não só todas as noites durante o sono, mas a todo o instante, na deliciosainsânia dos seus êxtases.O filho era a sombra de Fernando; ela vivia para esta sombra.85
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