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O Homem - Unama

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www.nead.unama.brA voz da Justina despertou-a com uma vibração estranha, que a fezestremecer toda; uma voz que desafinava do resto.— Que é, mulher perguntou Magda, arregalando os olhos sobre ela.Acordara por instantes, mas não chegou a reconhecer o seu quarto da Tijuca.— Então, minh'ama não se veste?... Fica vosmecê desse modo a olhar paramim?... Vamos, prepare-se...— Sim, tens razão; são horas. Dá-me o banho.E acrescentou de si para si:— Está tudo pronto! Já chegou o padre com os seus ajudantes; meu noivodeve agora parecer lindo como um Deus! Vou perfumar-me e fazer-me bela, paraque ele mais se abrase de amor assim que me veja...Era o delírio que prosseguia, mesmo sem a intervenção do sono.A criada trouxe-lhe o banho que lhe servia todos os dias; ela, porém,supondo-se na sua casa da ilha, tinha que se lavava em águas perfumadas e quecortava e brunia as unhas, alisava os cabelos com óleo cheiroso, enchia-se dearomas finos, e em seguida que se cobria toda de rendas e cambraias e punha umvestido de veludo branco bordado de prata, calçava meias de seda finíssima,sapatinhos de cetim e guarnecia a cabeça e o pescoço com longos fios de pérolas.Mirou-se no espelho e nunca se achou tão bela.— Está pronta a noiva! Está pronta a noiva! — exclamaram de todos oslados, assim que a viram surgir à porta da habitação, acompanhada pela Justina.Os marujos soltaram gritos de entusiasmo.Magda volveu os olhos em redor de si e notou, sorrindo, que, nem só aspessoas que ali estavam, como também a natureza inteira, pareciam alegrar-se coma sua felicidade; mas deixando cair a vista para o fundo do vale, teve umsobressalto: lá em baixo, na fralda do monte, o espectro de Fernando passeavatristemente por entre as árvores, arremedando Cristo no Horto das Oliveiras; tinha ospassos lentos, a figura alquebrada, uma doce resignação na fisionomia. Viu depoisuma mulher aproximar-se dele, atirando-se ao chão para lhe beijar os brancos pésdescalços e a fímbria da sua túnica rota pelos espinhos e embranquecida pela areiadas estradas; reconheceu Rosinha. E a dura melancolia daquele canto de paisagem,mergulhado na sombra, lembrava Jerusalém; e menina do cortiço, com as suasroupas em desalinho, cabelos soltos e cobertos de terra, o rosto escorrendo delágrimas, parecia estrangulada por uma aflição profunda e fascinadora como a deMaria Madalena. A infeliz abraçava-se às pernas de Fernando, desfazendo-se emqueixas e lamentos, que Magda não conseguia ouvir; ele, afinal, ergueu-acarinhosamente, pousou-lhe a mão aberta sobre a cabeça, e, terno e comovido,tornou para o céu os olhos castos, onde havia súplicas de infinita doçura.Rosinha pôs-se então a rezar vergada sobre o peito; enquanto o outro seafastava, caminhando sutil, que nem uma sombra, por entre as árvores.Magda desceu de carreira pela encosta da montanha na direção que eletomara. O seu vulto de noiva sobressaia errante na azul penumbra dos caminhos81

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