www.nead.unama.brCAPÍTULO XVIEsta crise prostrou-a de cama por dois dias, dois dias de febre e delírios, emque ela não deu acordo de si e falava de coisas inteiramente estranhas para osmais. Sonhava-se na ilha do Segredo.— Quando, enfim, se levantou havia já entrado totalmente no terceiroperíodo da moléstia. Estava cadavérica; os olhos muito fundos; as faces cavadas e apele estalando em pequeninas rugas, como porcelana velha. Contudo, em nenhumdos seus gestos, como em nenhuma de suas palavras se lhe notava desarranjocerebral; aparentemente era a mesma em orgulho, em virtudes e em fidelidade aosseus princípios religiosos, apenas sucedia que todas estas qualidades cada vezmais se acentuavam com certo exagero progressivo. O cheiro de magnólia e o gostode sangue ainda a perseguiam com maior ou menor intensidade. De novo o queMagda apresentava agora de mais notável eram umas espécies de alucinaçõesletárgicas, muito rápidas, que a acometiam de vez em quando e nas quais reatavaquase sempre o seu último sonho; mas não falava durante essas crises, ficava numestado comatoso, estática, de olhos bem abertos, dentes cerrados, um ligeiro rubornas faces; às vezes sorrindo e às vezes deixando que as lágrimas lhe corressemsurdamente pelo rosto.O médico recomendou que não a despertassem dessas letargias."Deixassem-na lá, que por si mesma havia de recuperar a razão."Outra novidade era que já não parecia sentir, como dantes, repugnância emouvir falar no futuro cunhado de Justina; agora, ao contrário, quando esta se referiaao rapaz, a senhora escutava-a com interesse e até já lhe fazia perguntas a respeitodo pobre diabo. Uma ocasião quis saber que tal era ele de gênio; quais os seuscostumes, se bons ou maus; se estimava muito a noiva; se pretendia realizar embreve o casamento; se era homem dado a bebidas, ou ao jogo, ou a outras coisasfeias. A criada informou muito a favor do Luiz: elogiou-lhe o caráter; contou as suasboas ações; falou na sua economia, no seu amor pela mãe e pela avó, e terminoudeclarando que a Rosinha apanhara um homem às direitas. "Às direitas, como não?"À filha do Conselheiro contrariaram um tanto estes elogios. Não sabiaporque, mas intimamente desejava que aquele imbecil fosse mais desgraçado emenos digno de estima; preferia ouvir dizer pelos outros os horrores que ela tinhavontade e não podia despejar contra o miserável; preferia saber que ele era umperdido, sem a menor idéia de estabelecer família, um bêbado devorado pela vil ebaixa crápula das vendas e dos cortiços. E Magda ficava revoltada, sentia as mãosfrias de raiva, quando, ao chegar por acaso à janela, dava com o cavouqueiro que iaou vinha do trabalho, ostentando o ar satisfeito de quem traz a vida direita e andaem dia com as obrigações.— Ah! O seu desejo era descarregar-lhe um tiro na cabeça!Um domingo, em que ela espairecia à porta da chácara, o Luiz passou narua, todo chibante nas suas roupas de ver a Deus, de braço dado à noiva, e rindomuito e conversando com a mãe e com a velhinha Custódia: contentes que metiagosto vê-los. Pois a filha do Conselheiro, só por causa disso, mostrou-se contrariadae ficou pior esse dia. Tanto que, já de noite, estando a cismar na sala, com os olhosfitos num pequeno grupo de mármore que aí havia, ergueu-se, tomou-o nas mãos e,76
www.nead.unama.brdepois de o examinar com o rosto muito carregado, arremessou-o de encontro à lajeda janela. O grupo representava em miniatura: "Amor e Desejo", de Miguel Ângelo— Um casal de quinze anos preso pelos lábios em um beijo ideal e ardente. —Quando o Conselheiro, deveras contrariado, perguntou quem havia quebrado aescultura, ela respondeu sem se alterar:— Foi a Justina, papai, mas não lhe diga nada, coitada!Sim, por último dera para isto: pregar destas pequenas mentiras e, se acasoqueriam provar o contrário do que afirmava, punha-se furiosa, acabando sempre pordesabafar em soluços a sua contrariedade. Assim, tendo uma vez matado um casalde rolas que havia na sala de jantar, só porque o surpreendera em flagrante delitode procriação, não só fugiu à responsabilidade do ato como ainda afetou grandedesgosto pela morte dos brutinhos, chegado a revolucionar toda a casa paradescobrir o suposto assassino.Entretanto, os sonhos com Luiz continuavam sem interrupção, e Magda, acontra gosto, habituava-se com a sua existência em duplicata, ajeitando-se pouco apouco ao contraste daquelas duas vidas tão diversas e tão inimigas. Não podia sermais feliz do que era ao lado do seu fantástico amante; ah! mas bem caro pagavadepois essa felicidade, quando, acordada, o seu orgulho de mulher honesta abriaem luta contra as degradantes lubricidades do sono.Viviam nus desde o fatal momento em que se prenderam na ilha doSegredo. Luiz construíra uma cabana de bambu, coberta de pindoba, e fez algunsutensílios domésticos; já tinham cama, bancos, um armário para guardar frutas, edois ou três potes para conservar o mel das abelhas, o vinho do caju e o leite deuma cabra que apanharam no monte.Cercaram a choupana com valentes toros de madeira e, quando anoitecialevantavam uma fogueira defronte da porta. É que já se não sentiam tão seguroscomo dantes; Luiz temia até qualquer invasão, porque, logo que o rio se converteuem mar, estava franqueada a ilha.E, com efeito, um belo dia, passeavam os dois na praia, secando os cabelosao sol depois do banho, quando avistaram no horizonte uma vela que seaproximava. Ficaram ambos transidos de sobressalto; Luiz ordenou a Magda que semetesse em casa e não saísse sem ser chamada por ele.A filha do Conselheiro obedeceu, mas ficou espiando lá de dentro.Daí a pouco viu chegar num escaler, tripulado por quatro marinheiros, ummagote de seis pessoas que, pela distância, não podia reconhecer, distinguindoapenas que havia quatro mulheres no grupo; que um dos homens trazia farta deoficial de marinha e que o outro estava todo envolvido numa enorme capa negra,que lhe dava aparências de espectro.O oficial saltou a ilha e fez apeiarem-se as mulheres. Estas, logo que sepilharam em terra, correram de braços abertos sobre Luiz, soltando gritos decontentamento. E, depois de muitos beijos e abraços, puseram-se todos a caminharna direção da palhoça, acompanhados pelos quatro marinheiros que vinhamarmados de escopetas e machadinhas de abordagem.Magda reconheceu então que o oficial era o Conselheiro, vestido e remoçadocomo num retrato a óleo, que ele tinha no seu gabinete de trabalho em Botafogo.Tremeu, quis fugir, mas lembrou-se da ordem de Luiz e deixou-se ficar. Emuma das mulheres descobriu Justina; em outra Rosinha; nas outras a mãe e a avódo moço da pedreira. Vinham todas com as roupas do domingo; as duas velhas77
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