10.07.2015 Views

O Homem - Unama

O Homem - Unama

O Homem - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.bràs histéricas, se afastava para casa, muito fresquinho e senhor de si, assoviando, decabeça impertigada, nem como se a coisa tivera sido com ele.Magda permanecia de bruços, a soluçar. Então o mocó da pedreira inclinousesobre ela e deu-lhe com toda delicadeza um ósculo nos cabelos. Depois tomou-aao colo e pôs-se a caminhar, vagarosamente, muito vagarosamente, na direção dafatal montanha onde ele trabalhava. E toda a natureza, que parecia haver entristecidoe tomado luto com a maldição do velho, começou a reanimar-se, a rir de novo,tingindo-se de luz purpúrea e entoando em voz baixa epitalâmios sensuais. E os dois,abraçados, formando um só grupo, lentamente penetraram numa deliciosa alamedade laranjeiras, cujos galhos se vergavam na sua passagem para lhes beijar a fronte,derramando-lhes sobre a cabeça uma odorífera chuva de flores desfolhadas. E do céubaixava doce harmonia religiosa, que parecia balbuciada por uma nuvem de anjos.Nisto — despertou.Circunscreveu o olhar em torno de si, reconhecendo a custo a própriaalcova. O seu pequeno relógio Luiz XV, de bronze dourado, marcava, no mostradorde porcelana de Sèvres esmaltada, meia hora depois do meio-dia. Uma cortinacinzenta, de seda de Leão, quebrava na janela a luz que batia de fora, e dava aoquarto o tom opalino de um crepúsculo de inverno. Magda suspirou, espreguiçandose.O drama fantástico de toda aquela noite dissolveu-se: teatro e personagensdesapareceram. Mal ouvia-se, ainda, bem distintamente, o tal coro religioso quebaixara dos céus para solenizar a sua passagem na encantada alameda; a moçasoergueu-se no leito, concheando a mão no ouvido que ficava do lado da janela e,meio maravilhada, pôs-se a escutar com atenção aquela tristonha cantilena quepersistia ali, na vida real, como um prolongamento do sonho.Caiu logo em si: era a toada melancólica dos trabalhadores que minavam apedreira. E ali deixou-se tombar de novo sobre os travesseiros e aí permaneceu,com os olhos muito quietos, enquanto duas lágrimas lhe serpeavam ao compridodas faces.Oh! Sentia-se profundamente envergonhada do que sonhara a noite inteira.— Minha’alma, rosnou a nova criada, afastando o reposteiro da porta com acabeça — o senhor mandou perguntar como vosmecê passou de ontem p’ra hoje.—Diga-lhe que pode vir daqui a pouco, e você volte já para me vestir.Quando se achou preparada, foi esperar o pai na sal contígua à sua alcova.— Então, minha filha, como passaste a noite.— Bem, respondeu ela, beijando-lhe a mão.— Dormiste?— Bastante.— Pareces-me, no entanto, fatigada... Como te sentes hoje de humor! — Nomesmo.— Aquela loucura de ontem...Magda estremeceu e abaixou as pálpebras. Dir-se-ia que o pai lhe lançavano rosto uma falta humilhante.— Ficaste tão apreensiva com a tal subida da pedreira que...— É melhor não falarmos mais nisso...43

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!