www.nead.unama.brdeslizam voluptuosamente no espaço, descendo numa embriagadora delícia de vôocontínuo.O vôo dura um tempo infinito. E ela, como receando ficar desamparada, tratade agarrar-se ao outro o melhor que pode. Estreitam-se mais.E mais.Há já um princípio de frenesi no modo por que se estreitam. A moça procuracom ânsia unir-se bem ao corpo do cavouqueiro; quer que seus peitos lhe fiquembem colados ao peito; quer que os seus braços sintam em toda a extensão a carnedas espáduas do homem; que a sua barriga se ajuste à dele e que as suas coxaslhe apalpem os rins.E continuam a descair, a descair, sem para nunca. Magda sente nas facesuma impressão desagradável de frio; sela imediatamente o rosto contra o outrorosto, e deixa-se aquecer, ao calor de beijos. Então os seus olhos desmaiam degosto; as suas narinas arfam com mais força, porque ela não pode respirar pelaboca, que está toda tomada pela outra boca. Um arrepio percorre-lhe o corpo,agitando-o até na mais pequenina fibra; e o seu sangue enlouquece; e os suspirosquebram-se-lhe na garganta, desfazendo-se em gemidos.E estreitam-se mais. E unem-se. E confundem no ar os membros enleados etrêmulos. O cavouqueiro soluça, arqueja; ele já não tem uma só parte de si em quenão o sinta. E, de improviso, um violento sopro de vida a invade toda, esquentandoapor dentro, penetrando-lhe as vísceras, soprando-lhe nas veias um calor estranho,alheio, que a ressuscita e faz saltarem-lhe dos olhos lágrimas de gozo.Terminaram caindo, ainda abraçados, aos pés do Conselheiro, que osesperava lá em baixo, vestido com uma túnica vermelha e agitando na mão,colericamente, a sua grossa bengala de cana da Índia. Magda escondeu o rosto.Mas desta vez não era o moço da pedreira quem lhe fazia vexame, era o próprio pai;não foi, pois, o colo deste que ela agora procurou para ocultar o orvalho do seupudor, foi o colo do outro.Houve um duro silêncio, durante o qual S. Ex., cujas barbas haviam crescidomuito, e cuja calva reluzia que nem a de um patriarca da Bíblia, olhava, ora para afilha, ora para o rapaz, como se estivesse a compará-los.— Com efeito!...E sacudia a cabeça, e esticava os beiços, sem desviar a vista. No caprichodo sonho, o pobre Conselheiro tinha perdido as suas maneiras distintas e afáveis, eaté no modo de se exprimir era grosseiro e burguês.— Com efeito!... Repisou ele, estalando um riso de sarcasmo. — É até ondepode chegar o aviltamento!... Dar-se a um trabalhador da mais baixa espécie!... Éinacreditável!— A culpa não foi minha, papai...— Cale-se! Não sei onde estou, que lhe não quebre esta bengala nas costas!— Creia, patrão, que... Ia arriscar o rapaz.— Ó tratante! Berrou o velho. — Ainda te atreves a abrir o bico? Ora esperaque te ensino!E cresceu para o moço, que o esperou sem tugir nem mugir, com o aspectoresignado de uma besta que tem dono. Magda, porém, já se havia metido entre osdois e , de joelhos, chorando, abraçava-se às pernas do patriarca.40
www.nead.unama.br— Piedade, meu pai! Piedade!— Qual piedade, nem qual carapuças! Não fosse tão assanhada!— Tenha compaixão de dois infelizes, cuja falta foi só uma e única...— E acha pouco, sua desavergonhada? Acha talvez que esta não bastapara me fazer subir ao arame! Tem graça!E, enquanto a filha soluçava, sem erguer os olhos: — Ingrata! Eu a matar-mepara a fazer gente; para lhe ar uma certa educação — e ela a meter-me os pés! Criaruma filha com tanto carinho, para vê-la depois entregue a um homem de pedreira!...— Perdoe, meu pai!— Não perdôo nada!— Juro-te que não tenho culpa do que sucedeu...— Perversa! Eu a sacrificar-me a instruí-la e arranjar-lhe um futuro, e ela asujar-se de lama e a cobrir-me de vergonhas!— Não fui eu, papai, foi a minha natureza; foi a minha carne; foram os meussentidos!...— Qual carne, nem qual sentidos! A patifaria tem sempre desculpas!Fez uma pausa e prosseguiu depois, comovendo-se, mal grado seu: — Deilhetudo o que se podia desejar! Foi já o professor de piano; foi já o professor decanto; foi já o mestre de desenho! E venha o explicador de francês! E venha outropara história e geografia pátria! E outro para isto! E outro para aquilo! E compre-semais este dicionário! E assine-se mais este jornal! E corra-se aos Castelões a buscaro camarote do Lírico! E olhe o carro que não esqueça! E veja essa luva de vintebotões que saia! E venha a bela da jóia! E venha o belo vestido de seda! E olhe ochapéu à Sarah Bernhardt! E olhe as regatas! E olhe as corridas! E dêem-se festastodos os meses! E façam-se viagens à Europa! — E tudo isto afinal p’ra que? —Sim! Tudo isto p’ra que?! Só quero que me digam de que serviu tanto sacrifício!— Perdoe-me!— Não! Não perdôo, nem devo perdoar! Se queria casar, há muito tempoque o podia ter feito; o que não lhe faltou foram pretendentes! A senhora torceu onariz a todos! E, logo que o Dr. Lobão me fez ver a necessidade urgente de uni-la aalguém, trouxe-lhe o meu amigo José Furtado!— Um velho!— Não será uma criança, mas também não é nenhum bisavô! Outraqualquer a teria agarrado com unhas e dentes! Um homem de conta, peso e medida!— Pudera! Principiou a vida a limpar pesos e balanças!— E que tem isso? Um homem honrado, trabalhador e econômico. Entrouna vida com um barril nas costas, mas hoje é uma das mais sólidas fortunas do Riode Janeiro!— Não é de dinheiro que eu preciso!— Pois então casasse com o Dr. Tolentino...— Um defunto!— Defunto! Não terá uma saúde perfeita, coitado, mas é uma das mais bemconstituídas cabeças do Brasil. Muito talentoso, muito ilustrado! Membro daSociedade de Geografia de Lisboa, e consta até que vai receber diploma de sócionão sei que importante congregação científica da Bélgica!— Também não é de ciência que eu preciso!41
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