www.nead.unama.brO trabalhador que se ofereceu para conduzir Magda era um mocó de vinte etantos anos, vigoroso e belo de força. Estava nu da cintura para cima e a riquezados seus músculos, bronzeados pelo sol, patenteava-se livremente com umaindependência de estátua. Os cabelos, empastados de suor e pó de pedra, caíramlhesobre a testa e sobre o pescoço, dando-lhe uma satírica feição de sensualidadeingênua.— Vamos! Vamos! Apressou o Conselheiro, entregando-lhe a filha.O rapaz passou um dos braços na cintura de Magda e com o outro asuspendeu de mansinho pelas curvas dos joelhos, chamando-a toda contra o seulargo peito nu. Ela soltou um longo suspiro e, na inconsciência da síncope, deixoupender molemente a cabeça sobre o ombro do cavouqueiro. E, seguidos de pertopelo velho, lá se foram os dois, abraçados, descendo, pé ante pé, a íngremeirregularidade do caminho.Era preciso toda atenção e muito cuidado para não rolarem juntos; o moçofazia prodígios de agilidade e de força para se equilibrar com Magda nos braços. Devez em quando, nos solavancos mais fortes, o pálido e frio rosto da filha doConselheiro roçava na cara esfogueada do trabalhador e tingia-se logo em cor derosa, como se lhe houvera roubado das faces uma gota daquele sangue vermelho equente. Ela afinal teve um dobrado respirar de quem acorda, e entreabriu comvolúpia os olhos. Não perguntou onde estava, nem indagou quem a conduzia;apenas esticou nervosamente os músculos num espreguiçamento de gozo eestreitou-se em seguida ao peito do rapaz, unindo-se bem contra ele, cingindo-lheos braços em volta do pescoço com a avidez de quem se apega nos travesseirosaquecidos para continuar um sono gostoso e reparador. E caiu depois num fundoentorpecimento, bambeando as pálpebras; os olhos em branco, as narinas e osseios ofegantes; os lábios secos e despregados, mostrando a brancura dos dentes.Achava-se muito bem no tépido aconchego daquele corpo de homem; toda ela sepenetrava do calor vivificante que vinha dele; toda ela aspirava, até pelos poros, avida forte daquela vigorosa e boa carnadura, criada ao ar livre e quotidianamenteenriquecida pelo trabalho braçal e pelo pródigo sol americano. Aquele calor de carnesã era uma esmola atirada à fome do seu miserável sangue.E Magda, sentindo no rosto o resfolegar ardente e acelerado docavouqueiro, e nas carnes macias da garganta o roçagar das barbas dele, ásperas emal tratadas, gemia e suspirava baixinho como se estivesse a acarinhá-la depois delonga e assanhada pugna de amor.Quando o moço, já em baixo, a depôs num banco de pedra que ali havia, aenferma abriu de todo os olhos, deixou escapar um grito e cobriu logo o rosto comas mãos. Agora não podia encarar com aquele homem de corpo nu que ali estavade fronte dela, a tirar com os punhos o suor que lhe escorria em bagas pela testa.Chorou de pejo.O seu pudor e o seu orgulho revoltaram-se, sem que ela soubesse determinara razão por que. Uma cólera repentina, um sôfrego desejo de vingança, enchiam-lhe agarganta com um novelo de soluços. O pranto parecia sufocá-la quando rebentou.— Eu magoei-a, ó patroazinha?... Perguntou o trabalhador, com humildade,quase sem poder vencer ainda o cansaço. E o imprudente tocou com a mão noombro de Magda, procurando, coitado, dar-lhe a perceber o quanto estavaconsumido por vê-la chorar daquele modo. Ela estremeceu toda e fugiu com o38
www.nead.unama.brcorpo, nem que se houvessem chegado um ferro em brasa; e abraçou-se ao pai,escondendo no peito deste os soluços que agora borbotavam sem intermitência.O pobre cavouqueiro, ainda com o peito para cima e para baixo, quedava-sea olhar para os dois com uma cara palerma de desgosto. E assim que ele fazia omenor movimento de corpo, a senhora retraía-se assustada e enterrava mais acabeça entre os braços do Conselheiro. Foi preciso que este o afastasse dali,dizendo-lhe que lhe aparecesse logo mais em casa para receber uma gorjeta.Mal se pilhou no quarto, Magda foi estraçalhando as roupas, como se astrouxera incendiadas; mas sentia também nos seus cabelos, no seu rosto, em todaela, o mesmo cheiro de animal suado, o mesmo enjoativo bodum de carne crua.Parecia-lhe mais — que a sua própria transpiração já tresandava àquele mesmofartum do mocó da pedreira.— Diabo! Diabo! Diabo!E os movimentos que fazia par sacar a camisa eram tão violentos, que elaparecia querer arrancar até a própria pele do corpo.Um mal querer desnorteado, contra tudo e contra todos, apoderou-se do seuespírito. Estava furiosa e mais ainda por não saber contra quem e contra o que.Não podia queixar-se a ninguém, nem de ninguém, e sentia-se no entantoofendida, ultrajada, no seu orgulho e no seu pudor. A vontade que tinha era demandar matar no mesmo instante aquele maldito homem — para nunca mais o ver,para nunca mais o sentir.Só depois de muito bem lavada e coberta de perfumes, recolheu-se à cama,ainda estrangulada de raiva. Também, foi só adormecer e começou logo a sonharcom o amaldiçoado cavouqueiro.CAPÍTULO IXSonhou com ele a noite inteira; mas que sonhos! E o melhor é que então opobre diabo lhe já aparecia não por um prisma repugnante; ao contrário imaginandoseao lado daquele corpo robusto, Magda sentia todo o seu organismo rejubilar desatisfação; ainda melhor do que quando se aninhava no colo de Justina. Perto delegozava, em sonho, um bem-estar de calmo conforto, como o dos tísicos junto aosbois, na morna atmosfera dos currais.Tanto o amaldiçoara acordada, quanto o estremecera durante o sonho; estecontudo nem sempre foi agradável e em certas fases até pelas horripilações dopesadelo.Começou vendo-se no alto da pedreira, a olhar para o espaço, justamentecomo acontecera na realidade; mas a pedreira afigurava-se-lhe agora três ou quatrovezes maior. De repente, falta-lhe o terreno debaixo dos pés, e ela cai, não para tráse sim bem de frente — no ar. Nisto, uma garra fortíssima empolga-lhe as roupas dascostas, sustentando-lhe a vertigem da queda, sem todavia impedir que elacontinuasse a resvalar; mas já não cai, desliza suavemente, como se estivessevoando. Um braço musculoso cinge-lhe as curvas dos joelhos, outro toma-a pelacintura e o seu colo é recebido em cheio por um largo peito nu, onde há cabelos quelhe põem cócegas na pele: Magda ri com as cócegas, e sua cabeça repousa numtáureo pescoço de Hércules, cujo suor lhe umedece as faces. E, assim abraçados,39
- Page 4 and 5: www.nead.unama.brSegundo o que sabi
- Page 6 and 7: www.nead.unama.brMagda afastou-se,
- Page 8 and 9: www.nead.unama.brO primeiro a apres
- Page 10 and 11: www.nead.unama.br— E daí?— Da
- Page 12 and 13: www.nead.unama.brO velho sentia o s
- Page 14 and 15: www.nead.unama.br— Dezessete anos
- Page 16 and 17: www.nead.unama.brmarido prático, u
- Page 18 and 19: www.nead.unama.br— É o diabo!...
- Page 20 and 21: www.nead.unama.brMuito mais! E com
- Page 23 and 24: www.nead.unama.brgraça que a Sra.
- Page 25 and 26: www.nead.unama.brUma conduta irrepr
- Page 27 and 28: www.nead.unama.brgarganta e, depois
- Page 29 and 30: www.nead.unama.brroupa e apenas enf
- Page 31 and 32: www.nead.unama.brexistência! Que a
- Page 33 and 34: www.nead.unama.bruma mesinha cobert
- Page 35 and 36: www.nead.unama.brNunca entravam em
- Page 37: www.nead.unama.br— Vamos lá?...
- Page 41 and 42: www.nead.unama.br— Piedade, meu p
- Page 43 and 44: www.nead.unama.bràs histéricas, s
- Page 45 and 46: www.nead.unama.brAo perceber uma pe
- Page 47 and 48: www.nead.unama.br— Vou comprara u
- Page 49 and 50: www.nead.unama.bracompanhou-lhe log
- Page 51 and 52: www.nead.unama.brúnico dever. Desd
- Page 53 and 54: www.nead.unama.brde suspiros estala
- Page 55 and 56: www.nead.unama.brE, uma vez deitado
- Page 57 and 58: www.nead.unama.brE notava agora na
- Page 59 and 60: www.nead.unama.brde quem admira; Ma
- Page 61 and 62: www.nead.unama.brE, apesar dos esfo
- Page 63 and 64: www.nead.unama.br— Sim, sim, mas
- Page 65 and 66: www.nead.unama.br— Voltemos para
- Page 68 and 69: www.nead.unama.brimensa túnica de
- Page 70 and 71: www.nead.unama.brE respirava alto,
- Page 72 and 73: www.nead.unama.brJustina estendeu o
- Page 74 and 75: www.nead.unama.brcarne às garras d
- Page 76 and 77: www.nead.unama.brCAPÍTULO XVIEsta
- Page 78 and 79: www.nead.unama.brtraziam lenços de
- Page 80 and 81: www.nead.unama.brlatas de bolacha i
- Page 82 and 83: www.nead.unama.brcomo um lírio lev
- Page 84 and 85: www.nead.unama.brela dizia com a ma
- Page 86 and 87: www.nead.unama.brCAPÍTULO XVIIIE e
- Page 88 and 89:
www.nead.unama.brJá a gaiola de um
- Page 90 and 91:
www.nead.unama.brprecipitou-se do a
- Page 92 and 93:
www.nead.unama.brsuavam4he com o gr
- Page 94 and 95:
www.nead.unama.brbrancas. Metia gos
- Page 96 and 97:
www.nead.unama.brFoi ter à janela
- Page 98 and 99:
www.nead.unama.brreminiscência. Af
- Page 100 and 101:
www.nead.unama.br— Agora... Depoi
- Page 102 and 103:
www.nead.unama.br— Estava como lo
- Page 104 and 105:
www.nead.unama.br— Agora vai busc
- Page 106 and 107:
www.nead.unama.brO populacho do cor
- Page 108 and 109:
www.nead.unama.brOs marinheiros tin