10.07.2015 Views

O Homem - Unama

O Homem - Unama

O Homem - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.bruma mesinha coberta por alva toalha de rendas sobre a qual um crucifixo, entreduas velas de cera que ardiam com pequenos estalinhos secos; tinha os olhos muitoabertos e postos sobre a imagem do Crucificado, transbordando lágrimas que lherolavam silenciosas pela face; as mãos cruzadas sobre o peito numa postura deêxtases. O Conselheiro puxou uma cadeira para junto do leito da irmã e assentouse,colocando a sua mão direita por debaixo do úmido crânio da agonizante; estacomeçou a agitar-se de novo nos travesseiros. Então, a velhinha amiga delaajoelhou-se do lado oposto e obrigou-a a segurar nos dedos já sem vida uma dasvelas, que acabava de tirar de cima da mesa, e pôs-se a rezar em voz baixa. Camilarouquejava gemidos que iam se transformando num pigarro contínuo; as suaspupilas estavam já imóveis e veladas; escolhia-lhe das ventas e da boca aberta,como um buraco feito na cara, uma grossa mucosidade esverdeada e fedentinosa.Assim levou algum tempo, arquejando; até que afinal a respiração lhe foi aos poucosamortecendo na garganta, e até que os olhos espremeram a última lágrima e ospulmões sopraram o derradeiro fôlego.Nessa ocasião, Magda acabava de levantar-se e marcava compassos demúsica com o dedo sobre a mesinha, dançando com o corpo de um para o outrolado, numa cadência inalterável, em tirar a ponta dos pés do mesmo lugar emovendo os calcanhares suspensos do chão.— Um! Dois! — Um! Dois! — Um! Dois!Era um novo ataque de coréia.CAPÍTULO VIIICom a morte da velha Camila, despedira-se da casa a mulher que estava aoserviço de Magda e fora substituí-la uma rapariga ali mesmo da vizinhança.— Justina, uma sua criada, para a servir.Portuguesa, das ilhas, forte, rechonchuda e muito amiga de conversar. Teriatrinta anos, era viúva, com três filhos: o mais velho já encaminhado numa oficina deencadernador; o imediato morando com a madrinha em Belém, e o mais novo, queainda mal se agüentava nas pernas, acompanhava para onde ela ia.— Não! Que isto de crianças, quando estão pequenas, as mães devematurá-las! Como não?Diziam que fora sempre mulher de bons costumes, e com efeito parecia, aomenos pela cara. Muito risonha, corada, dentes claros e olhos castanhos, um poucorecaídos para o lado de fora com uma natural expressão de lástima, que aliás nãoperturbava em nada a alegre vivacidade da sua fisionomia. Tinha papadas, e faziaroscas no cachaço; uma penugem de fruta na polpa do queixo e dois pincéis deaquarelas nos cantos da boca. Quando andava tremiam-lhe os quadris comoimensos limões de cheiro feitos de borracha.Logo às primeiras palavras que ela trocou com Magda mostrou-lhe simpatia.É que era justamente uma dessas criaturas vindas ao mundo para cuidar dedoentes; naturezas que só amam deveras àquelas a quem devem muitas canseiras;33

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!