www.nead.unama.brNem mesmo a própria criada queria já suportá-la, apesar de muito bempaga. "Pois não! Era uma impertinência todo dia! Um rapelão por dá cá aquelapalha! — Se a gente não ia logo correndo saber o que serrazina queria quandochamava — tome sarabanda! — Oh! Insuportável! Uma verdadeira fúria! De mais amais a "barata velha" ultimamente também dera para ficar pior, e havia quase duassemanas que se não desgrudava da cama nem à mão de Deus Padre!"Pobre velha! Consumia-se numa infernal complicação de moléstias; eramintestinos, era cabeça, eram pernas, era o diabo! Parecia uma decomposição emvida: fedia como coisa podre! Já se não alimentava pela boca; os seus gemidoseram arrotos de ovo choco, e os humores que ela expelia por toda a parte do corpoempesteavam a casa inteira.— Essa não tem mais que esperar! Declarou bem alto o Dr. Lobão, olhandoadesdenhosamente por cima dos óculos, como se a mísera fosse já um defunto enão pudera ouvir-lhe a desumana profecia. — Está despachada! A consumpçãodeu-lhe cabo do canastro!Metia dó. Veio uma velhinha, sua camarada de muitos anos, ajudá-la amorrer, e consigo trouxe duas escravas, especialistas em servir a enfermosdesenganados, porque a senhora tinha mania de acompanhar os últimos instantesde todas as amigas que se iam antes dela. A casa parecia um hospital: sentia-secheiro de enfermaria e andavam todos sarapantados, cheios de terror pela morte; demanhã à noite faziam-se rezas em torno do doente. O Conselheiro quis que a filhase afastasse daquele espetáculo e fosse passar algum tempo em outra parte;Magda opôs-se de pé firme e deixou-se ficar ao lado da tia, rezando com tamanhoempenho que fazia crer que só com seus esforços contava para salvar-lhe a alma.O médico dissera a verdade: quatro dias depois da sentença lavrada por ele,D. Camila pediu um padre, muito aflita. Era já a morte que pegava de agoniá-la.Correu-se a chamar Nosso-Pai.Não veio logo; e a moribunda, como quem está com o pé no estribo parauma longa viagem e arrisca a partir sem levar um objeto que lhe há de fazer muitafalta em caminho, remexia inquieta a cabeça sobre os travesseiros, lançandocontínuos olhares de impaciência para a porta do quarto.O Viático demorava-se.O Conselheiro ia de vez em quando até a janela de uma das salas quedavam para a rua e passeava ansioso pelo segundo andar.— Chegou! Disse por fim, retornando ao aposento da irmã.Houve uma enternecida agitação. Ouviu-se o toque de uma campainhaecoando nos corredores da casa, e a velha Camila teve um suspiro de alívio. — Jánão partiria sem a sua extrema unção!O padre entrou com os ajudantes, muito cerimonioso debaixo do pálio,agasalhando a hóstia consagrada junto ao peito, com os cuidados de quem traz umavasilha cheia até as bordas e não quer entorná-la. Fez-se em redor dele e da pacienterespeitoso silêncio; apenas se ouviam, além dos roncos da moribunda, a voz abafadado sacerdote, que resmungava numa alternativa de sussurros, ora mais alto, ora maisbaixo, sem fazer pausas, como se estivesse contando intermináveis algarismos.A cerimônia durou pouco e, quando o religioso se retirou com a sua comitiva,a velha parecia tranqüila, nem que houvesse tomado um milagroso remédio deefeito imediato. Magda, por detrás dos pés da cama, orava, ajoelhada defronte de32
www.nead.unama.bruma mesinha coberta por alva toalha de rendas sobre a qual um crucifixo, entreduas velas de cera que ardiam com pequenos estalinhos secos; tinha os olhos muitoabertos e postos sobre a imagem do Crucificado, transbordando lágrimas que lherolavam silenciosas pela face; as mãos cruzadas sobre o peito numa postura deêxtases. O Conselheiro puxou uma cadeira para junto do leito da irmã e assentouse,colocando a sua mão direita por debaixo do úmido crânio da agonizante; estacomeçou a agitar-se de novo nos travesseiros. Então, a velhinha amiga delaajoelhou-se do lado oposto e obrigou-a a segurar nos dedos já sem vida uma dasvelas, que acabava de tirar de cima da mesa, e pôs-se a rezar em voz baixa. Camilarouquejava gemidos que iam se transformando num pigarro contínuo; as suaspupilas estavam já imóveis e veladas; escolhia-lhe das ventas e da boca aberta,como um buraco feito na cara, uma grossa mucosidade esverdeada e fedentinosa.Assim levou algum tempo, arquejando; até que afinal a respiração lhe foi aos poucosamortecendo na garganta, e até que os olhos espremeram a última lágrima e ospulmões sopraram o derradeiro fôlego.Nessa ocasião, Magda acabava de levantar-se e marcava compassos demúsica com o dedo sobre a mesinha, dançando com o corpo de um para o outrolado, numa cadência inalterável, em tirar a ponta dos pés do mesmo lugar emovendo os calcanhares suspensos do chão.— Um! Dois! — Um! Dois! — Um! Dois!Era um novo ataque de coréia.CAPÍTULO VIIICom a morte da velha Camila, despedira-se da casa a mulher que estava aoserviço de Magda e fora substituí-la uma rapariga ali mesmo da vizinhança.— Justina, uma sua criada, para a servir.Portuguesa, das ilhas, forte, rechonchuda e muito amiga de conversar. Teriatrinta anos, era viúva, com três filhos: o mais velho já encaminhado numa oficina deencadernador; o imediato morando com a madrinha em Belém, e o mais novo, queainda mal se agüentava nas pernas, acompanhava para onde ela ia.— Não! Que isto de crianças, quando estão pequenas, as mães devematurá-las! Como não?Diziam que fora sempre mulher de bons costumes, e com efeito parecia, aomenos pela cara. Muito risonha, corada, dentes claros e olhos castanhos, um poucorecaídos para o lado de fora com uma natural expressão de lástima, que aliás nãoperturbava em nada a alegre vivacidade da sua fisionomia. Tinha papadas, e faziaroscas no cachaço; uma penugem de fruta na polpa do queixo e dois pincéis deaquarelas nos cantos da boca. Quando andava tremiam-lhe os quadris comoimensos limões de cheiro feitos de borracha.Logo às primeiras palavras que ela trocou com Magda mostrou-lhe simpatia.É que era justamente uma dessas criaturas vindas ao mundo para cuidar dedoentes; naturezas que só amam deveras àquelas a quem devem muitas canseiras;33
- Page 4 and 5: www.nead.unama.brSegundo o que sabi
- Page 6 and 7: www.nead.unama.brMagda afastou-se,
- Page 8 and 9: www.nead.unama.brO primeiro a apres
- Page 10 and 11: www.nead.unama.br— E daí?— Da
- Page 12 and 13: www.nead.unama.brO velho sentia o s
- Page 14 and 15: www.nead.unama.br— Dezessete anos
- Page 16 and 17: www.nead.unama.brmarido prático, u
- Page 18 and 19: www.nead.unama.br— É o diabo!...
- Page 20 and 21: www.nead.unama.brMuito mais! E com
- Page 23 and 24: www.nead.unama.brgraça que a Sra.
- Page 25 and 26: www.nead.unama.brUma conduta irrepr
- Page 27 and 28: www.nead.unama.brgarganta e, depois
- Page 29 and 30: www.nead.unama.brroupa e apenas enf
- Page 31: www.nead.unama.brexistência! Que a
- Page 35 and 36: www.nead.unama.brNunca entravam em
- Page 37 and 38: www.nead.unama.br— Vamos lá?...
- Page 39 and 40: www.nead.unama.brcorpo, nem que se
- Page 41 and 42: www.nead.unama.br— Piedade, meu p
- Page 43 and 44: www.nead.unama.bràs histéricas, s
- Page 45 and 46: www.nead.unama.brAo perceber uma pe
- Page 47 and 48: www.nead.unama.br— Vou comprara u
- Page 49 and 50: www.nead.unama.bracompanhou-lhe log
- Page 51 and 52: www.nead.unama.brúnico dever. Desd
- Page 53 and 54: www.nead.unama.brde suspiros estala
- Page 55 and 56: www.nead.unama.brE, uma vez deitado
- Page 57 and 58: www.nead.unama.brE notava agora na
- Page 59 and 60: www.nead.unama.brde quem admira; Ma
- Page 61 and 62: www.nead.unama.brE, apesar dos esfo
- Page 63 and 64: www.nead.unama.br— Sim, sim, mas
- Page 65 and 66: www.nead.unama.br— Voltemos para
- Page 68 and 69: www.nead.unama.brimensa túnica de
- Page 70 and 71: www.nead.unama.brE respirava alto,
- Page 72 and 73: www.nead.unama.brJustina estendeu o
- Page 74 and 75: www.nead.unama.brcarne às garras d
- Page 76 and 77: www.nead.unama.brCAPÍTULO XVIEsta
- Page 78 and 79: www.nead.unama.brtraziam lenços de
- Page 80 and 81: www.nead.unama.brlatas de bolacha i
- Page 82 and 83:
www.nead.unama.brcomo um lírio lev
- Page 84 and 85:
www.nead.unama.brela dizia com a ma
- Page 86 and 87:
www.nead.unama.brCAPÍTULO XVIIIE e
- Page 88 and 89:
www.nead.unama.brJá a gaiola de um
- Page 90 and 91:
www.nead.unama.brprecipitou-se do a
- Page 92 and 93:
www.nead.unama.brsuavam4he com o gr
- Page 94 and 95:
www.nead.unama.brbrancas. Metia gos
- Page 96 and 97:
www.nead.unama.brFoi ter à janela
- Page 98 and 99:
www.nead.unama.brreminiscência. Af
- Page 100 and 101:
www.nead.unama.br— Agora... Depoi
- Page 102 and 103:
www.nead.unama.br— Estava como lo
- Page 104 and 105:
www.nead.unama.br— Agora vai busc
- Page 106 and 107:
www.nead.unama.brO populacho do cor
- Page 108 and 109:
www.nead.unama.brOs marinheiros tin