www.nead.unama.brdesenvolver-se o demônio daquela beatice, que só por si era mais que suficientepara derreter os miolos a qualquer mulher?!Uma tarde, na semana santa, ela saiu em companhia da velha e voltou semsentidos no fundo de um carro. Tinham ido ouvir um sermão na Capela Imperial, eMagda fora aí mesmo acometida por um ataque de convulsões em delírio.O Conselheiro revoltou-se formalmente contra a irmã:Aquilo era um abuso que orçava pela petulância! Era um desrespeito ao queele determinara dentro de sua casa e com relação à sua própria filha! Por mais deuma vez havia declarado já que a Sra. D. Madalena não podia ir à igreja e muitomenos demorar-se aí horas e horas; e fazia-se justamente o contrário! Se D. Camilanão podia passar sem isso, que fosse sozinha! Podia lá ficar o tempo que quisesse,fartar-se de sermões e rezas, deliciar-se com aquela bela atmosfera impregnada deincenso e bodum de negros! Que fosse; ninguém se privava de ir, mas, com ummilhão de raios! Não arrastasse consigo uma pobre doente para pô-la naqueleestado! Era muito bonito, não tinha dúvida! Ele em casa a desfazer-se com cuidadosde meses e meses para minorar os sofrimentos da filha, a fazer sacrifícios para a verboa; e a besta da irmã a destruir tudo isso em poucas horas! Não! Não tinha jeito! Acontinuarem as coisas por aquele modo, ele ver-se-ia obrigado a tomar sériasprovidências contra semelhante abuso! Se D. Camila não se queria conformar com oque ditava o bom senso, que tivesse paciência, mas voltaria por uma vez para oconvento!E o que mais o irritava era o modo fraudulento porque tudo aquilo se fazia;eram as confidências secretas, as combinações em voz misteriosa, a espécie deconspiração que havia contra ele, entre Magda e a velha. Enganavam-no: saiampara "dar um passeio pela praia", e agora ficava descoberto o que eram os taispasseios! Roubavam-lhe até o amor e a confiança de sua filha! — Dantes, Magdanão dava um passo, nem mesmo pensava em fazer fosse o que fosse, sem primeiroconsultá-lo, ouvi-lo; e agora — evitava-o; falava-lhe em meias palavras; parecia tersegredos inconfessáveis! Dissimulava!— Tudo isso é da moléstia! Explicou o Dr. Lobão, cujas visitas à casa doConselheiro rareavam ultimamente, porque o feroz médico vivia muito preocupadocom o estabelecimento de uma casa de saúde, que acabava de montar fora dacidade. Mas o pobre pai não se consolava com a explicação do doutor e sofria cadavez mais por amor da sua estremecida enferma. Magda, com efeito, estava agoratoda cheia de dissimulações e reservas; parecia viver só exclusivamente para umaidéia secreta, um ideal muito seu, que ela colocava acima de tudo e de todos. Faziasemuito manhosa, muito amiga de sutilezas, de disfarce, empenhando-se emesconder as suas mais simples e justificáveis intenções e fazendo acreditar queexistiam outras de grande responsabilidade. Os passeios clandestinos quecontinuava a dar coma tia, cegando a vigilância do Conselheiro, para estar algumtempo na igreja, tinham para ela um irresistível encanto de fruto proibido, e apreocupação em esconde-los constituía o melhor interesse de sua existência.As duas saíam em passo de quem vai espairecer um pouco pelas imediaçõesde casa, mas a certa distância aceleravam a marcha, apressavam-se, conversandoem segredo em segredo os seus assuntos religiosos. A rapariga, à medida que seaproximava do templo, ia ficando excitada, palpitante, olhando repetidas vezes paratrás, como se receasse que a seguissem. Afinal chegava, ofegante, com o coração na26
www.nead.unama.brgarganta e, depois de verificar que não erra seguida por ninguém, entrava na igreja,trêmula e assustadiça, como se entrasse no latíbulo de um amante. E aquele silênciodas naves; aquela meia sombra em que rebrilhavam os ouros dos altares; aquelasolidão compungida; o ar fresco dos lugares de teto muito alto; tudo isso lhe punha nocorpo um meigo quebranto de volúpia sobressaltada.Ajoelhava sempre num ponto certo; tinha já a sua imagem predileta, era umgrupo de Mater Dolorosa, de tamanho natural, com o Cristo deitado ao colo, morto,todo nu, os braços pendentes, o sangue a escorrer-lhe pelas faces e pela ebúrnearigidez do corpo. Adorava este Cristo, amava-o, preferia-o, tinha íntimas predileçõespor ele; achava-o mais formoso do que todas as outras imagens sagradas.Embriagava-se com ver-lhe aquele rosto muito pálido, aqueles olhos de pálpebrasmal fechados, adormecidos no negrume dos martírios, aqueles lábios roxos,imóveis, aqueles longos cabelos que lhe caíam pelos ombro, aquela barba nazarenaque parecia ter bebido de cada mulher da terra uma lágrima de amor.E Ela, no murmúrio das suas orações, dizia-lhe ternuras de esposa; pedialheconsolos e confortos, que ele não lhe podia dar; falava-lhe com o magoadoorientalismo do "Cântico dos Cânticos"; e suas palavras eram quentes como beijos eternas e doloridas como suspiros de quem ama. Por aquela imagem queridaacentuava na sua imaginação e melancólica figura desse ente perfeito e desejado,de que na Bíblia lhe falavam as filhas de Jerusalém. Era esse o amado que, emsonhos, lhe pedia para pedir a porta, porque lhe estavam correndo pelos anéis docabelo as gotas da noite; esse era o amado cândido e rubicundo, escolhido entremilhares; era esse, cujos olhos são ternos e doces, nem como as pombas que,tendo os ninhos ao pé do regato das águas, estão lavadas em leite e se acham deassento junto das mais largas correntes dos rios; era esse o amado, cujas faces sãoiguais a canteiros de flores aromáticas e cujos lábios destilam a mais preciosa mirra;era esse de mãos superfinas, feitas ao torno, cheias de jacintos; esse de ventre demarfim, guarnecido de safiras; esse de pernas de mármore sustentadas sobre basesde ouro; esse que era escolhido como os cedros e cuja figura a chorosa e lânguidasulamita comparava ao Líbano.Era esse que ela supunha amar; a quem supunha dar tudo o que seucoração e alma possuíam; e, vendo-se descoberta e proibida de ir às místicasentrevistas com ele, foi tomada por um grande desgosto, sobrevindo as convulsões,e tendo de guardar a cama por muitos dias, porque lhe apareceu então uma febre decaráter especial, apresentando todos os sintomas da pirexia comum, mas quetodavia não se subordinava aos medicamentos que a esta combatem.— Ora aí tem! É a febre histórica! Classificou logo o Dr. Lobão. E, emresposta às perguntas do Conselheiro, despejou um chorrilho de nomes técnicos,dizendo que: "Aquilo não podia ser febre tifóide, nem ter sua origem na flegmasiaencefálica, nem tão pouco na alteração de algum órgão esplâncnico, porque umameningite, ou uma encefalite ou mesmo a febre tifóide comum não poderia chegaràquele grau, por que não havia doente capaz de resistir!"O certo é que Magda, ao levantar-se da tal febre, estava reduzida a umafraqueza extrema. Voltaram-lhe a dor da espinha, a tosse e a inapetência completa;se insistia em comer, vomitava incontinente. O Dr. Lobão, na sua venerávelpretensão de médico antigo, declarou sem cerimônia que, "pela contração tônica dosmúsculos, pressentia a aproximação da letargia".27
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