www.nead.unama.brnem por isso serás menos feliz, uma vez que já estejas na divina graça de NossoSenhor Jesus Cristo...E, depois de cruzar as mãos sobre o peito e revirar os olhos para o céu,acrescentou: — Não tenho eu vivido até hoje tão solteirinha como no dia em quenasci?... E, olha, rapariga, que o homem nunca me fez lá essas faltas! Ainda emcerta idade, quando andava no fogo dos meus vinte aos trinta, vinham-se assimumas venetas mais fortes de casamento; mas que fazia eu? — Disfarçava; metia-mecom os meus santinhos; rezava à Nossa Senhora do Amparo, e com poucas — nemmais pensava em semelhante porcaria! A coisa está em tirar uma pessoa o juízo daí!Olha: decora a oração que te vou ensinar, e reza-a sempre que sentires formigueirosna pele e comichões por dentro!A oração constava do seguinte:"Jesus, filho de Maria, príncipe dos céus e rei na terra, senhor dos homens,amado meu, esposo de minha alma, vale0me tu, que és a minha salvação e o meuamor! Esconde-me, querido, com o teu manto, que o leão me cerca! Protege-mecontra mim mesma! Esconjura o bicho imundo que habita minha carne e suja minhaalma! — Salva-me! Não me deixes cair em pecado de luxúria, que eu sinto já aslínguas do inferno me lambendo as carnes do meu corpo e enfiando-se pelasminhas veias! Vale-me, esposo meu, amado meu! Vou dormir à sombra de tua cruz,como o cordeirinho imaculado, para que o demônio não se aproxime de mim! Amadodo meu coração, espero-te esta noite no meu sonho, deitada de ventre para cima,com os peitos bem abertos, para que tu me penetres até ao fundo de minhasentranhas e me ilumine toda por dentro com a luz do teu divino espírito! Por quemés, conjuro-te que não me faltes, por que, se não vieres, arrisco-me a cair em poderdos teus contrários, e morrerei sem estar no gozo da tua graça! Vem ter comigo,Jesus! Jesus, filho de Deus, senhor dos homens, príncipe dos céus e rei na terra!Vem que eu te espero. Amém."Magda decorou isto e, desde então, todas as noites, antes de dormir, ficavahoras esquecidas ajoelhada defronte do seu crucifixo de marfim, a repetir emêxtases aquelas palavras que a entonteciam com a sua dura sensualidade ascética.E os olhos prendiam-se-lhe na chagada nudez do filho de Maria e ungiam-lheternamente as feridas, como se ela contemplasse com efeito o retrato de seuamado. Mas, naquele corpo de homem nu, ali, no mistério do quarto, trazia-lheestranhas conjeturas e maus pensamentos, que a mísera enxotava do espírito,coroando envergonhada da sua própria imaginação.Foi a partir desse tempo que deu para andar sempre vestida de luto, muitosimples, com a cabelo apenas enrodilhado e preso na nuca; um fio de pérolas aopescoço, sustentando uma cruz de ouro, e mais nenhuma outra jóia. E, assim, a suafigura ainda parecia mais delgada e o seu rosto mais pálido. A tristeza e aconcentração davam-lhe à fisionomia uma severa expressão de orgulho; dir-se-iaque ela, a medida que se humilhava perante Deus, fazia-se cada vez mais altiva esobranceira para com os homens. O todo era o de uma princesa traída pelo amante,e cuja desventura não conseguira abaixar-lhe a soberbia, nem arrancar-lhe doslábios frios numa queixa de amor ou um suspiro de saudade.Os seus atos mais simples e os seus mais ligeiros pensamentos ressentiamseagora de um grande exagero. Nunca se mostrara tão intolerante nos princípios dedignidade e na pureza dos costumes; nunca fora tão aristocrata, tão zeladora da suaposição na sociedade, nem tão convicta dos seus merecimentos e dos seus créditos.24
www.nead.unama.brUma conduta irrepreensível! Se sofria ou não para sustentar os deveres demulher honesta só o sabia a discreta imagem de marfim, a quem unicamenteconfiava os segredos das suas lutas interiores; os desesperos e as misérias da suacarne; se tinha desejos, tragava-os em silêncio com a mais inflexível nobreza e omais afinado orgulho. Ao vê-la, na singela gravidade do seu trajo, o rostodescolorido pela moléstia, os movimentos demorados e sem vida, sentia a gente porela um profundo respeito compassivo, uma simpatia discreta e duradoura. O triste arde altiva resignação que se lhe notara nos olhos, outrora tão ardentes e tão talhadospara todos os mistérios da ternura; a desdenhosa expressão de fidalguia daqueleslábios já sem cor, instrumentos que a natureza havia destinado para executar amúsica ideal dos beijos e cujas cordas pareciam agora frouxas e embambecidas;aquela respiração curta e entrecortada de imperceptíveis suspiros; aquela voz,poderosa na expressão e fraca na tonalidade, onde havia um pouco de súplica e umpouco de arrogância — súplica para Deus e arrogância para os homens; enfim —tudo que respirava da sua adorável figura de deusa enferma: tudo nos conduzia aamá-la em segredo reverentemente, como um soldado a sua rainha.Agora a bem poucos dava a honra de uma conversa; falava sempre semgesticular e em voz baixa, e ninguém, a não ser o pai, lhe alcançava um sorriso. Adança, o canto, o piano, tudo isso foi posto à margem; as partituras dos seus autoresfavoritos já não se abriam havia longos meses; a sua caixinha de tintas vivia noabandono; os seus pincéis de aquarela, dantes tão companheiros dela, já lhe nãomereciam sequer um beijo. Iam-se-lhe agora os dias quase que exclusivamenteconsumidos na leitura, lia mais que dantes, muito mais, sem comparação, mas tãosomente livros religiosos ou aqueles que mais de perto jogavam com os interessesda igreja; gostava de saber as biografias dos santos, deliciava-se com a "Imitação deJesus Cristo", e não se fartava de ler a Bíblia, o grande manancial da poesia queagora mais a encantava; decorara o "Cântico dos Cânticos" de Salomão,principalmente o capítulo V que principia deste modo:“Venha o meu amado para o seu jardim, e coma o fruto das suas macieiras”.“Eu vim para o meu jardim, irmã minha esposa; seguei a minha birraaromática; comi o favo com o mel; bebi o meu vinho com o meu leite”. Comei,amigos, e bebei, e embriagai-vos, caríssimos!"Eu durmo e o meu coração vela; eis a voz do meu amado que bate; dizendo:— Abre-me, irmã minha pomba minha, imaculada minha, porque sinto a cabeça cheiade orvalho, e me estão correndo pelos anéis do cabelo, as gotas da noite."E estes, como todos os outros versículos de Salomão, lhe punham noespírito uma embriagues deliciosa, atordoavam-na como o perfume capitoso emelífluo de flores orientais ou como um vinho saboroso e tépido que a ia penetrandotoda, até a alma, com a sua doçura aveludada e cheirosa. E, de pois de repeti-losmuitas e muitas vezes, corria a tomar nas mãos a imagem de Cristo, e abraçava-a, ecobria-a de beijos, soluçando e murmurando: "Meu amado, meu irmão, meuesposo!" E dizia-lhe em segredo, num delírio crescente: "Eu sou a tua pombaimaculada; sou o mel de que teus lábios gostam; sou o leite fresco e puro com quetu te acalmas; tu és o vinho com que me embriago!"— Isto acaba mal! Isto com certeza acaba muito mal! Exclamava entretantoo Dr. Lobão, furioso contra o Conselheiro, sobre quem ele fazia recair toda aresponsabilidade do estado de Magda. — Pois já não bastavam os terríveiselementos que havia para agravar a moléstia?... Como então deixou nascer e25
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