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Suplemento-Especia-Final-1

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A NOVA POESIA BRASILEIRA15CACTOEm mim o tempo agarrouo princípio da distância,seu engenho de silêncio.Alheio por dentro às arestas,cada uma com seu tanto de espinhosrijos ou móveis em estado de ataque.Soldado ao sol e enterrado vivocomo um espantalho beligerante,indefeso ao mais cálido machado.Solo seco, sem artifício algum,por baixo contínuo roer de pedras,toda essa água retomada por um fio.Intangível coluna, cordão de isolamento,com rugas incidentais em arrepiocravo uma flor na hora noturna.Numa das suas entrevistas Bachelard disse que era um privilégioser leitor de um poeta, que é um título que precisamosmerecer. Pensando nisso escolhi a poesia do poeta,tradutor, crítico e historiador Ronald Polito para dar o meudepoimento sobre uma poesia que sempre me impactoupela modo que o poeta trata a lírica. Sim, a poesia de Politoé lírica, mas de uma dureza, de uma pedra não cabralina,mais Cláudio Manuel da Costa, com pinceladas da pintoramineira Fani Bracher, de quem Ronald já escreveu um longoensaio.Ler seus livros (Solo, 1996, Vaga,1997, Intervalos, 1998,De passagem, 2001 e Terminal, 2006) é tomar conhecimentode uma das posturas mais negativas que tenho conhecimentona poesia contemporânea brasileira, seja na linguagem,seja no que se pode aspirar de vida real. Mas essa“poética de gestos mínimos”, muito bem avaliada num textoda ensaísta Vera Lins, me parece confirmar que esse gestode impossibilidade nos faz pensar que a poesia de Politoé, na verdade, um brevíssimo gesto de esperança, aindaque crepuscular. O deslocamento na sua poesia perante omundo faz dialeticamente pensarmos o mundo sob outroolhar, isto é, necessitamos avaliá-lo a partir dos intervalosde silêncio, das dificuldades do inominável, das diferençasde sentimentos, do vazio que o tempo pode causar, do corpoe seus limites.Dos seus livros, Solo é o mais melancólico, e Vaga (quetem na capa um belo objeto de Fani Bracher, novamente aartista), talvez o mais radical, no sentido de cumprir o mínimotanto na forma quanto no modo com que trata os seustemas. Sempre que volto a eles, me emociono pelo refinamentoformal, o que para mim confirma a atemporalidadedesses dois livros.Escolher apenas um poema desses livros não é tarefadas mais fáceis, pois há um equilíbrio forte em ambos. Ospoemas são quase que complementares. Mas fico com“Cacto”, do primeiro livro. Este poema é uma poética, no sentidoque pode bem representar todo o percurso até agorada poesia de Polito. Nele, o sentimento de deslocamento, de“proteção”, lembra alguns sonetos do poeta Cláudio Manuelda Costa, sobretudo aqueles que tratam do sentimento deaspereza do lugar de origem. O poema “Natureza Morta”,do mesmo livro, me parece ser a confirmação desse estadotanto do poeta árcade quanto de Ronald Polito. Ambos ospoemas, mais que dialogarem, se completam.Não há espaço para um detalhamento cirúrgico sobreo poema, mas chamo atenção para o modo que o sujeito líricoquer ou deseja se proteger do mundo. O cacto, como sesabe, é uma planta resistente a quase todo tipo de tempestade.Este poema-cacto parece querer se proteger tambémde todas as tempestades da vida e do mundo.Mário Alex Rosa

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