O significado do HIV/AIDS no processo de envelhecimento

O significado do HIV/AIDS no processo de envelhecimento O significado do HIV/AIDS no processo de envelhecimento

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Artigo <strong>de</strong> PesquisaOriginal ResearchArtículo <strong>de</strong> InvestigaciónEnfrentan<strong>do</strong> a soropositivida<strong>de</strong>: dificulda<strong>de</strong>se mecanismos <strong>de</strong> proteçãoA quinta categoria refere-se às reações das pessoasi<strong>do</strong>sas frente ao diagnóstico da infecção pelo <strong>HIV</strong>. A <strong>de</strong>scobertada condição <strong>de</strong> soropositivo ocorre, com frequência,em função <strong>do</strong> surgimento <strong>de</strong> alguns sintomas, não haven<strong>do</strong>a percepção <strong>de</strong> risco ou <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> ao <strong>HIV</strong>.Quan<strong>do</strong> eu tive o diagnóstico fiquei muito surpresa. Euquase pensei que ia morrer <strong>do</strong> dia pra <strong>no</strong>ite. Aí fiqueipreocupada com minha filha, minha família [...] (S 1,50 a<strong>no</strong>s, femini<strong>no</strong>)Po<strong>de</strong>-se <strong>no</strong>tar que a primeira reação <strong>do</strong> paciente éum esta<strong>do</strong> temporário <strong>de</strong> choque, <strong>do</strong> qual ele se recuperagradualmente. A negação inicial se mostra evi<strong>de</strong>nteentre os sujeitos estuda<strong>do</strong>s.Normal, não me <strong>de</strong>sesperei porque aconteceu, sabe, naépoca teve muita gente quan<strong>do</strong> eu <strong>de</strong>scobri. Teve genteque entrou em <strong>de</strong>sespero, sabe. Aconteceu comigo, o queeu posso fazer. As pessoas queriam se matar sabe. Eu agi<strong>no</strong>rmalmente. Eu falei: eu vou me tratar [...] Agora voume tratar até o dia que pu<strong>de</strong>r. (S 7, 56 a<strong>no</strong>s, masculi<strong>no</strong>).O impacto da <strong>no</strong>tícia <strong>do</strong> diagnóstico e a convivênciacom a <strong>do</strong>ença são, às vezes, carrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sentimentosintensos e angustiantes, on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mortecom a intenção <strong>de</strong> por fim a um tormento e a vivência<strong>de</strong> <strong>de</strong>struição pessoal estão presentes 19-21 .Quan<strong>do</strong> eu saí da sala ao saber <strong>do</strong> diagnóstico, minhavonta<strong>de</strong> era <strong>de</strong> me jogar pela janela. Eu tive vonta<strong>de</strong>. Maseu fiquei <strong>do</strong>is dias sem comer, fiquei internada sem comer,sem falar com ninguém. (S 10, 60 a<strong>no</strong>s, femini<strong>no</strong>).Portanto, o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> adaptação e <strong>de</strong> aceitação implicaem reações que emergem quan<strong>do</strong> os i<strong>do</strong>sos <strong>de</strong>scobremque são soropositivos, chegan<strong>do</strong> à busca <strong>de</strong> <strong>no</strong>rmalida<strong>de</strong>e <strong>de</strong> aceitação da <strong>do</strong>ença, sem fazerem associaçõescom os problemas cro<strong>no</strong>lógicos advin<strong>do</strong>s com a ida<strong>de</strong> 19-20 .(Con)viver/estar com <strong>HIV</strong>: <strong>envelhecimento</strong>dig<strong>no</strong> para cidadão <strong>do</strong> futuroA sexta categoria possui 125 UR, o que correspon<strong>de</strong>a 15,91%. Das temáticas apreendidas, as que emergiramnesta categoria foram: reconhecer o <strong>HIV</strong> na terceira ida<strong>de</strong>como <strong>no</strong>rmal e ocupar o tempo livre com ativida<strong>de</strong>s.Apesar <strong>do</strong>s me<strong>do</strong>s e das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> convivência comalguns elementos estressores <strong>do</strong> dia a dia e da própria<strong>do</strong>ença, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> viver e <strong>de</strong> aproveitar a vida ainda sãopreserva<strong>do</strong>s, originan<strong>do</strong> sentimentos <strong>de</strong> esperança. Ossujeitos afirmam buscar aproveitar o tempo com ocupaçõese distrações, além <strong>de</strong> construir uma forma particular<strong>de</strong> conviver com o <strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong>.Eu quero viver, eu sinto vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver. Eu sinto que souútil. Eu sinto que faço muita coisa para alguém. Sinto esse<strong>de</strong>sejo ainda <strong>de</strong> fazer, então, eu sinto vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver. Eunão sei se tem outra coisa a mais que me impe<strong>de</strong>, mas eu sósinto vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver. (S 2, 70 a<strong>no</strong>s, femini<strong>no</strong>)Esses resulta<strong>do</strong>s expressam que o conviver com<strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong> na terceira ida<strong>de</strong> estrutura-se na interfaceOliveira DC, Oliveira EG, Gomes AMT, Teotônio MC, Wolter RMCPda pluralida<strong>de</strong> e da complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> funcionamento <strong>de</strong>elementos comportamentais em busca <strong>de</strong> viver comqualida<strong>de</strong>, mesmo diante da cronicida<strong>de</strong> e da incerteza<strong>do</strong> diagnóstico.O cotidia<strong>no</strong> <strong>de</strong> pessoas porta<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> <strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong>:utilização <strong>do</strong> antirretroviralA última categoria <strong>de</strong> análise foi uma das me<strong>no</strong>res,com 42 UR e um percentual <strong>de</strong> 5,35%, e revelou que a aceitação<strong>do</strong> tratamento traz concepções contraditórias. No início<strong>do</strong> tratamento, os medicamentos antirretrovirais são representa<strong>do</strong>scomo uma tortura e usa<strong>do</strong>s como meio <strong>de</strong> negação<strong>do</strong> <strong>HIV</strong>, o que favorece o crescimento das dificulda<strong>de</strong>svivenciadas <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>. Com relação aos efeitos colaterais<strong>do</strong>s medicamentos, a vinculação <strong>de</strong> estereótipos físicos aosporta<strong>do</strong>res i<strong>do</strong>sos <strong>do</strong> <strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong>, como magreza ou <strong>de</strong>ficiênciafísica, aparece <strong>no</strong>s discursos <strong>do</strong>s atores sociais:Eu não precisava estar toman<strong>do</strong> remédio nenhum, nãoestava sentin<strong>do</strong> nada, eu estava muito bem. E estes remédiospara mim foi a morte, porque não estou sentin<strong>do</strong> nadae, agora, estou toman<strong>do</strong> isso aí, aí estou pior [...] Eu nãoaceitava estar toman<strong>do</strong> remédio. Tive uma lipodistrofia efiquei nisso aqui que eu estou hoje. Não posso nem meolhar <strong>no</strong> espelho mais. (S 6, 55 a<strong>no</strong>s, femini<strong>no</strong>).Observou-se, então, que os sujeitos possuem representaçõessobre o tratamento que parecem ambíguas,mas que justificam atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior ou <strong>de</strong> me<strong>no</strong>r a<strong>de</strong>são,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> que estão viven<strong>do</strong>, <strong>de</strong> uma formamais geral, e não só em relação ao tratamento em si. Poroutro la<strong>do</strong>, essas representações são acompanhadas <strong>de</strong>mecanismos psicológicos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, tais como a negociação,a negação e a sublimação, entre outros.CONCLUSÃOPor meio das representações sociais <strong>do</strong> <strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong>apresentadas neste estu<strong>do</strong>, pô<strong>de</strong>-se ter acesso às crenças,às interpretações e à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> simbolizações construídaspara explicar esse objeto social. Essas representações englobamnão só o aspecto biológico, mas também o aspectopsicossocial da <strong>do</strong>ença, como o preconceito, a segregação,o estigma, a negação e a inserção social. Foi possívelobservar, também, como essas representações influenciame orientam as condutas <strong>de</strong>stes atores sociais em relaçãoà a<strong>de</strong>são, ao relacionamento interpessoal e/ou aoscomportamentos sexuais. Observa-se que a <strong>AIDS</strong> vemsen<strong>do</strong> ancorada nas <strong>do</strong>enças crônicas, tais como o câncer.Essa ancoragem é proveniente da terapêutica antirretroviralque possibilitou colocar a <strong>AIDS</strong> <strong>no</strong> rol <strong>de</strong>ssas<strong>do</strong>enças e também pelo mecanismo <strong>de</strong> naturalização dasíndrome, vivencia<strong>do</strong> por pessoas soropositivas com maiortempo <strong>de</strong> diagnóstico.Assim, mais <strong>do</strong> que <strong>de</strong>finições conclusivas, esteestu<strong>do</strong> proporcio<strong>no</strong>u o contato com óticas diferentes,mas sobretu<strong>do</strong> com pessoas que superam a cada diasuas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da ida<strong>de</strong> e os problemasrelaciona<strong>do</strong>s ao <strong>HIV</strong> e ao uso <strong>do</strong>s antirretrovirais, pro-Recebi<strong>do</strong> em: 25/07/2010 – Aprova<strong>do</strong> em: 10/12/2010 Rev. enferm. UERJ, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2011 jul/set; 19(3):353-8. • p.357


<strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong> e <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>envelhecimento</strong>curan<strong>do</strong> se recolocar <strong>no</strong> mun<strong>do</strong> em função <strong>do</strong> que sãoe não <strong>do</strong> estereótipo que a socieda<strong>de</strong> atribuiu ao <strong>processo</strong><strong>de</strong> <strong>envelhecimento</strong> e especialmente às pessoasna terceira ida<strong>de</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, a implementação <strong>de</strong>programas volta<strong>do</strong>s para o atendimento <strong>de</strong> pessoas daterceira ida<strong>de</strong> porta<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> <strong>HIV</strong>/<strong>AIDS</strong> <strong>de</strong>veria valorizaras questões relativas à sexualida<strong>de</strong>, comprometimentoconjugal e relações <strong>de</strong> gênero e <strong>de</strong> estigma, além<strong>de</strong> promover a inclusão <strong>do</strong> i<strong>do</strong>so como alguém quepossui <strong>de</strong>sejo e pla<strong>no</strong>s <strong>de</strong> vida.REFERÊNCIAS1. Steinke E. Sexuality in aging: implications for nursing facilitystaff. The journal of continuing education in nursing. 1997;28(2):59-632. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. Departamento<strong>de</strong> População e Indica<strong>do</strong>res Sociais. 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