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Hormônios, tabus e a pressão dos próprios amigos ... - CNM/CUT

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ConteúdoBrasil 10Orientações e investimentos quemudaram a cara da Polícia FederalPolítica 14O insaciável Daniel Dantas ergueuseu império na era da privatariaJustiça 18Colarinho branco manipula até aprincipal taxa de juros do mundoEntrevista 20Os desafios e as conquistas <strong>dos</strong>trabalhadores nos 25 anos da <strong>CUT</strong>Saúde 24Os perigos de trocar uma boa ecorreta alimentação por vitaminasMundo 26Aquecimento global causa uma novaGuerra Fria no hemisfério norteAmbiente 30Principais represas que abastecema Grande São Paulo pedem águaEsporte 36Verba que leva delegação recorde àChina gera poucas oportunidades aquiCapa0Moçada tem cada vez mais pressapara chegar nos finalmentesKeliane:trabalho eentusiasmoem Palmas,TocantinsViagemHistórias de quem escolheu o maisnovo estado para mudar de vidaseçõesCartas 4Resumo 6Ponto de Vista 7Pasquale 35Curta Essa Dica 48Crônica 50OtAvio ValleCarta ao LeitorDantas: desenvoltura dentro do aparato do Estado e da mídia desde o governo Fernando HenriqueSilêncio nada inocenteNos primeiros meses do governo Lula, em 2003, o sociólogo Francisco de Oliveiraconcedeu uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo classificando ossindicalistas que haviam assumido ministérios, diretorias de estatais e fun<strong>dos</strong>de pensão como uma “nova classe social”, batizada de neopetismo, e oslistou: Luiz Gushiken, Sérgio Rosa, Wagner Pinheiro, Ricardo Berzoini, entreoutros. O sociólogo mudou-se para o PSOL, o jornal não se preocupou em investigar asafirmações, já que o mais importante era colar mais uma desqualificação no novo governo,e a tese continuou aberta à procura de uma antítese ou síntese.A história da Operação Satiagraha é muito diferente no modo como os principais jornaise revistas que compõem o PIG (partido da imprensa golpista) trataram o assunto, comosendo “fruto do mensalão”. O inquérito da Polícia Federal, entretanto, aponta para mais algumasdezenas de desdobramentos, a maioria relacionada ao período em que Daniel Dantasmontou seu aparato dentro do governo FHC.Dantas e o banco Opportunity eram bastante conheci<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> sindicalistas, aqueles queo sociólogo chamou de “nova classe”. Quando o assunto previdência complementar passoua fazer parte da pauta sindical, inúmeros dirigentes estudaram o assunto com afinco,para fazer frente aos representantes patronais e ao assédio de banqueiros nos fun<strong>dos</strong>. Aomesmo tempo, as “privatarias” – expressão cunhada pelo jornalista Aloysio Biondi –, alémde movimentar bilhões, prejudicaram os trabalhadores. Os sindicatos denunciaram incessantementeo jogo de interesses. Sempre foram ignora<strong>dos</strong> pela grande mídia, que apoiou avenda do patrimônio público.Agora, não há como negar a história. É fato: gestores <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de pensão, ainda no governoFHC, alertaram sobre o risco Dantas; e, sob o governo Lula, se fortaleceram para forçara saída do Opportunity e acirrar conflitos que levassem o banqueiro a expor-se e baixara guarda. E o fizeram menos por decisão de governo e mais por índole pessoal. A Revistado Brasil conversou com algumas dessas personalidades. Os integrantes da tal “nova classe”,não quiseram gravar entrevistas, mas não conseguem conter uma silenciosa satisfação,sinônimo de um delicioso prato que se come frio.Danilo Verpa/Folha Imagem2008 agosto REVISTA DO BRASIL


ResumoPor Vitor Nuzzi (resumo@revistadobrasil.net)Trabalho x capitalA Confederação Nacional <strong>dos</strong> Metalúrgicos (<strong>CUT</strong>) ea Confederação Nacional <strong>dos</strong> Trabalhadores Metalúrgicos(Força Sindical) decidiram entrar com recurso noSupremo Tribunal Federal contra uma decisão de – ele– Gilmar Mendes. O ministro concedeu liminar à ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI) suspendendo aaplicação da Súmula 228, do Tribunal Superior do Trabalho(TST), que alterou a base de cálculo do adicional deinsalubridade. A decisão do presidente do STF faz comque o adicional seja calculado sobre o salário-base do trabalhador,e não mais sobre o salário mínimo.Juros a 2% ao anoÉ a taxa nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Por aqui, em 24 de julhoo Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu aumentara Selic pela terceira vez seguida, em 0,75 ponto percentual,para 13% ao ano. Dia 10 de setembro tem mais.divulgaçãoHá muito tempo nas águas da Guanabara Líder da chamada Revolta da Chibata, em1910, João Cândido, o Almirante Negro, teve a sua anistia decretada quase 100 anos depois. O decreto saiu em 24 de julho. Milhares demarinheiros se amotinaram na Baía da Guanabara, então capital do país, contra os castigos físicos que eram impostos a eles. Expulso dacorporação, João Cândido foi estivador e camelô. Morreu em 1969, aos 89 anos.Democratizar a economiaExpresso 2222 “O governo Lula tem acapacidade de fazer o país compreendera transformação, é uma refazendaextraordinária” Gilberto Gil, em sua despedida do Ministério da CulturaO Brasil já avançou na democracia política, mas ainda precisa avançar muito nademocracia econômica. O movimento sindical já olha pra isso. “Os assalaria<strong>dos</strong> sãoas grandes vítimas da concentração de capital. Por isso, os sindicatos têm todo o interesseem apoiar a economia solidária e apoiar todo o processo de levar a democraciapara além da política, mas também na economia, na saúde e educação”, disse osecretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer,durante seminário internacional sobre o tema. O evento, no final de julho em SãoPaulo, promoveu o intercâmbio de experiências da Cooperativa Central de Créditoe Economia Solidária (Ecosol), da Agência de Desenvolvimento Solidário da <strong>CUT</strong>e da Unisol, pelo lado brasileiro, e da província de Quebec, no Canadá. A Confederaçãode Sindicatos Nacionais, com 2.800 sindicatos filia<strong>dos</strong>, mostrou trabalhos definanciamento e apoio a empreendimentos de diversos segmentos.Singer:democraciatambém naeconomia, saúdee educaçãojailton Garcia REVISTA DO BRASIL agosto 2008


ponto de vistaA corrupção planejadaOs teóricos da moeda e os operadores das privatizações fecharamo círculo para o assalto ao Estado, com apoio decisivo do entãopresidente FHC, aquele que se definiu como “mais inteligente doque vai<strong>dos</strong>o” Por Mauro SantayanaAprivatização do Estado era coisa de amadores.Passou a ser negócio organizado,com planejamento técnico e jurídico,quando alguns jovens “gênios” das finançasforam convoca<strong>dos</strong> pelo senhor FernandoHenrique Car<strong>dos</strong>o, a fim de criar o Plano Real,a partir do Plano Schacht, da Alemanha <strong>dos</strong> anos 20.Eles perceberam, na reforma monetária, a sua oportunidadede ascensão ao mundo <strong>dos</strong> grandes negócios. Ese uniram a Daniel Dantas, protegido do senhor AntonioCarlos Magalhães – o poderoso e temido senador –,que criaria, no mesmo ano de 1994, oinstrumento adequado: o Fundo Opportunity.Contavam com forte bancada noCongresso constituída <strong>dos</strong> representantes<strong>dos</strong> bancos, do agronegócio e dasmultinacionais, to<strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong> nasreformas constitucionais que favorecessemas privatizações. Ao mesmo tempocriaram outras instituições para atuar nomercado de capitais e no programa deprivatizações, que cresceram em meses,graças às informações privilegiadas deque dispunham como mentores da políticaeconômica e financeira.Os teóricos da moeda e os operadoresdas privatizações fecharam, dessa forma,o círculo para o assalto ao Estado. Osdois grupos contavam com o apoio decidido do entãopresidente da República. Alguns que o conhecem deperto acham que se deixou perder pela vaidade. Umadas gravações divulgadas pelos meios de comunicação– e não desmentidas – mostra como eles sabiam envolvê-lo.O consórcio comprador que pretendiam favorecer– em que se encontrava Daniel Dantas e seuOpportunity – dependia da Previ, o fundo de pensões<strong>dos</strong> funcionários do Banco do Brasil. Mas a Previ tinhaas suas razões para desconfiar do grupo. Era precisoquebrar as resistências. O então presidente do BNDES,André Lara Resende, telefona a Fernando Henrique:ALR – Então, o que nós precisaríamos é o seguinte:com o grupo do Opportunity, nós até poderíamos turbiná-lo,via BNDES-Par. Mas o ideal é que a Previ entrecom eles lá./ FHC – Com o Opportunity?/ ALR – ComO grande negóciode DanielDantas – o daparticipaçãona telefonia,com menos de1% <strong>dos</strong> capitaisenvolvi<strong>dos</strong> – sófoi possível como dinheiro <strong>dos</strong>fun<strong>dos</strong> de pensãodas empresasestataiso Opportunity e os italianos./ FHC – Certo./ ALR – Perfeito?Porque aí esse grupo está perfeito./ FHC – Mas epor que não faz isso?/ ALR – Porque a Previ tá, tá do outrolado./ FHC – A Previ?/ ALR – Exatamente. Inclusivecom o Banco do Brasil, que ia entrar com a seguradoraetc., que diz ‘não, isso aí é uma seguradora privada porque...’/FHC – Não./ ALR – Então, é muito chato./ FHC– Muito chato./ ALR – Olha, quase.../ FHC – Cheira amanobra perigosa./ ALR – Mas é quase explícito./ FHC –Eu acho./ ALR – Quase explícito./ FHC – Eu acho./ ALR– Então, nós vamos ter uma reunião aqui, estive falandocom o Luiz Carlos, tem uma reunião hojeaqui às 6h30. Vem aqui aquele pessoal doBanco do Brasil, o Luiz Carlos etc. Agora,se precisarmos de uma certa pressão.../FHC – Não tenha dúvida./ ALR – A idéiaé que podemos usá-lo aí para isso./ FHC– Não tenha dúvida.Não tiveram dúvida. Iniciou-se a partirdaí, com a aprovação do presidente, aliquidação <strong>dos</strong> bens do Estado, sem levarem conta as leis anteriores nem as regraselementares de licitude administrativa e deética. Ao falar no Senado sobre o processode privatizações, o ministro encarregadoLuiz Carlos Mendonça de Barros disse quea situação era sui generis e, portanto, nãoestava sujeita a regras anteriores.O grande negócio de Daniel Dantas – o da participaçãona telefonia, com menos de 1% <strong>dos</strong> capitais envolvi<strong>dos</strong>– só foi possível com o dinheiro <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong>de pensão das empresas estatais.Segundo as investigações da Polícia Federal, oOpportunity conseguiu envolver nas teias de seus interesseshomens com respeitáveis biografias, como exmilitantesde esquerda e conheci<strong>dos</strong> acadêmicos. Entreesses, contratou, como seu advogado nos Esta<strong>dos</strong>Uni<strong>dos</strong>, por US$ 2 milhões, o senhor Mangabeira Unger.Além disso, montou seu sistema de espionagem, aocontratar a Kroll, que chegou a monitorar até mesmo ogabinete presidencial.Enfim, como to<strong>dos</strong> deviam saber, o mundo se divideentre os capitalistas e os trabalhadores. Os capitalistassempre se unem. Os trabalhadores, nem sempre.MauroSantayanatrabalhou nosprincipais jornaisbrasileiros apartir de 1954.Foi colaboradorde TancredoNeves e adidocultural do Brasilem Roma nosanos 19802008 agosto REVISTA DO BRASIL


EmTransePor Rodrigo Savazoni (emtranse@revistadobrasil.net)Chegou por aqui o 3GFalar ao telefone vendo quem está na outra ponta da linha. Navegarna internet com rapidez e baixar arquivos de áudio, vídeo ou texto.Os serviços da terceira geraçãodo celular, a 3G, já estão aí.Mas ainda custammuito caroOnde tem 3G?O site Tecnologia 3G reúne boas informaçõespara quem quer entendermais. É feito por gente que quer vendero serviço, mas mesmo assim ajuda bastante.Um <strong>dos</strong> recursos mais bacanasque oferece é um mapa da tecnologiaem todo o país. No endereço www.tecnologia3g.com.br/operadoras.phpvocê descobre se em sua cidade já hácobertura, os custos e como fazer paracontratar a banda larga móvel.Em vários lugares do mundo essatecnologia está mudando razoavelmentea vida das pessoas.Como aponta o pesquisadorFernando Firmino, da UniversidadeFederal da Bahia, o trabalho é um<strong>dos</strong> primeiros campos a serem afeta<strong>dos</strong>,porque, com o celular permanentementeconectado à internet, quem trabalha acessandoa rede pode realizar suas tarefas dequalquer lugar. Em cidades de trânsito caótico,é uma mão na roda.Outra mudança sensível ocorre no consumode notícias e entretenimento. Passeandopor aí, é possível baixar um vídeobacana (um DVD inteiro, por exemplo),encontrar aquela música que, de repente,não sai da sua cabeça ou enviar e-mails eler notícias. Quem chacoalha por horas noônibus até chegar em casa poderá dedicaro horário do Jornal Nacional aos filhos ouconversar com o marido, porque já se informouusando seu 3G.O lado ruim da história é que essa tecnologiadeve demorar um pouco para chegaràs mãos da maioria das pessoas. Na ava-liação de Firmino, os custos <strong>dos</strong> celulares e<strong>dos</strong> planos das operadoras de telefonia aindasão muito eleva<strong>dos</strong> no Brasil. O pesquisadoracredita que a opção por um aparelho 3G fazmais sentido para a pessoa cujo trabalho exijao registro de imagens e vídeos, navegaçãoconstante na web e outras atividades atreladasà velocidade de transmissão no celular.“Para um usuário comum, que praticamentesó utiliza o recurso de voz e não navega na internetregularmente, não compensa manterplanos para o 3G”, diz. “O melhor seria esperarbaixar mais um pouco, com a demanda,os preços <strong>dos</strong> aparelhos e <strong>dos</strong> planos. Então,a pergunta a ser feita é: você realmente podeou precisa ter um celular 3G? Se sim, compre,porque a experiência é superior.”Mesmo distante da maioria <strong>dos</strong> brasileiros,a tecnologia 3G pode ser o principalcaminho para a inclusão digital no país.Atualmente, existem cerca de 130 milhõesde linhas de celular em operação, segundoa Agência Nacional de Telecomunicações(Anatel), número três vezes maior que o depessoas com acesso à internet. Se cada umvier a ter um celular com banda larga, a internetse tornará a mídia de maior alcanceno país, superando até a televisão. REVISTA DO BRASIL agosto 2008


A garota sem fioA dentista quevirou expert emmídias móveisBia Kunze é dentista e trabalha como consultora de mídias móveis. Mora emCuritiba. Há cerca de seis anos montou o blog Garota Sem Fio (www.garotasemfio.com.br),para falar sobre sua experiência de ser uma andarilha conectada,que usa a tecnologia para viver de forma diferente. Ela também ajuda outrosprofissionais a não ficar presos ao escritório, tendência cada vez mais comumem grandes cidades.Que dicas você daria para quem for comprar hoje um aparelho 3G?Analisar bem to<strong>dos</strong> os modelos e sistemas operacionais. De preferência, mexerem vários antes de comprar, seja em lojas, seja emprestando de <strong>amigos</strong>. E decidirque uso se quer fazer dele, para não gastar demais num aparelho subutilizadonem comprar um modelo barato que não supre as necessidades.Qual o aspecto mais bacana das conexões móveis de alta velocidade?É poder declarar independência <strong>dos</strong> computadores de casa ou do escritório etrabalhar ou se divertir onde quiser. Como sou uma profissional itinerante, usoesse tipo de conexão desde 2002. Mas nada comparado ao que temos hoje.Como uma conexão 3G pode mudar a vida de alguém?Descobrindo novos mo<strong>dos</strong> de trabalhar e novos nichos de mercado só possíveiscom a tecnologia móvel. Como no meu caso, atendendo pacientes em domicílioe casas de repouso. Também é um belo meio de encurtar distâncias, quandopessoas que se amam estão longe.divulgaçãoVocê, uma TVA mais fascinante inovação que já encontrei na internet é o site Qik (www.qik.com), serviço detransmissão ao vivo de imagens usando o celular. Você baixa um aplicativo e sai filmando. As imagensproduzidas pela TV Você são transmitidas no site da empresa. Seu vídeo fica disponível paraconsulta no perfil criado por você. Antes, no entanto, de colocar seu chefe grosseiro ao vivo nainternet, lembre que os custos são eleva<strong>dos</strong> e dependem do pacote que você contratou com suaoperadora. Mas com uma conexão 3G ilimitada pode ser fascinante.Celulares e motoboysUm <strong>dos</strong> exemplos de mudança social promovida pelas mídias móveis é o projeto Canal Motoboy (www.zexe.net/SAOPAULO/intro.php?qt=), que reúne um grupo de 12 motoqueiros profissionais para documentar suas andanças em São Paulo, gerando um outrotipo de comunicação. Este trecho, copiado do site, explica a proposta: “As últimas gerações de telefonia celular permitem a publicaçãoimediata na internet de conteú<strong>dos</strong> multimídia a partir de telefones celulares com câmera integrada. Este contexto possibilita acriação itinerante e remota de canais audiovisuais na internet, prescindindo <strong>dos</strong> sofistica<strong>dos</strong> e custosos equipamentos de gravaçãoe emissão, como os tradicionalmente usa<strong>dos</strong> em televisão”. Ou seja, com um celular 3G, nasce a Motoboy TV.2008 agosto REVISTA DO BRASIL


BrasilPolícia para qOrientada a abandonar a subserviência a interesses de governantes,a Polícia Federal passou a desbaratar quadrilhas e a perturbar gentehabituada à impunidade Por Leandro FortesAOperação Satiagraha, apesardas polêmicas em torno dela,pode ser considerada o ápiceda mudança de doutrina iniciadaem 2003 na Polícia Federal.A ação que prendeu o banqueiro DanielDantas, o megainvestidor Naji Nahas eo ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta consolidouuma política de investigação baseadaem planejamento e inteligência e fez dacorporação uma das marcas positivas daadministração Lula. Não deixa de ser irônicoque o atual presidente, no final <strong>dos</strong> anos1970, fosse um <strong>dos</strong> alvos dessa polícia. Desdejaneiro de 2003, a Polícia Federal abandonoua imagem de subserviência a interessesde governantes e ocupa o noticiário comocorporação de caráter republicano. Duranteesse período, 597 operações desbarataramquadrilhas e esquemas de corrupçãode todo tipo. Ao mesmo tempo, ocorrerammais de 120 mil outras operações de rotina.Em 2003 foram realizadas 13 operações especiais;em 2004, subiu para 42; chegaram a67 no ano seguinte. Em 2006 foram 20 operaçõesa cada dois meses. No ano passado, oritmo aumentou ainda mais, 188 operaçõese 2.876 pessoas presas. E, nos primeiros setemeses deste ano, houve 117 operações, com1.367 prisões.As ações especiais se tornaram conhecidas,também, pelos nomes inusita<strong>dos</strong> querecebem. O nome Satiagraha foi escolhido10 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


marcos Souza da Rocha/divulgaçãopelo presidente do inquérito, delegado ProtógenesQueiroz, inspirado na tradução doconceito hindu de “firmeza na verdade”, emsânscrito. Uma das mais famosas, de 2003, é aOperação Anaconda – a grande cobra que sufocae estrangula presas antes de devorá-las –,que desmantelou uma organização criminosaque atuava em São Paulo, com ramificaçõesno Pará, Alagoas, Mato Grosso e Rio Grandedo Sul. Dois delega<strong>dos</strong> e um agente da PF forampresos acusa<strong>dos</strong> de formação de quadrilha,prevaricação, tráfico de influência, corrupção,facilitação ao contrabando e lavagemde dinheiro. Em 2004, um <strong>dos</strong> destaques foia Operação Farol da Colina, desdobramentode investigações realizadas desde 1997 nocaso Banestado. Curiosas foram também asoperações Petisco e Big Brother, de 2005. Aprimeira pegou traficantes de drogas no interiordo Rio. A segunda desmembrou umaquadrilha que fraudava documentos para obterpagamento de títulos da dívida pública daPetrobras e da Eletrobrás.Muitas dessas operações partiram de crimesnão soluciona<strong>dos</strong> antes da era Lula. AOperação Terra Limpa, de dezembro de 2005,desbaratou uma quadrilha de grileiros de terraque atuava em Rondônia desde 1985. Outrade grande porte, a Concha Branca, desmobilizouação do narcotráfico montado desde1988 na Região <strong>dos</strong> Lagos (RJ).Durante os dois mandatos do ex-presidenteFernando Henrique Car<strong>dos</strong>o, doPSDB, calcula-se que a PF tenha realizadonão mais de 100 operações, em oito anos.Durante as gestões <strong>dos</strong> ministros da JustiçaMárcio Thomaz Bastos e Tarso Genro, dasquase 600 operações realizadas de 2003 atéhoje, cerca de 150 investigaram crimes ocorri<strong>dos</strong>antes de 2002. Ou seja, havia uma demandareprimida de trabalho policial, ignoradapelos governos anteriores. Apenas 30operações nos últimos três anos identificaramfraudes de R$ 56 bilhões. Em alguns casos,os esquemas de corrupção e desvios dedinheiro estavam arraiga<strong>dos</strong> na administraçãofederal, como pôde ser constatado pelasoperações Farol da Colina e Vampiro. Nestaúltima, a PF desmontou um esquema decorrupção instalado no Ministério da Saúdedesde 1997.Algema democráticaA guinada dentro da Polícia Federal foicapitaneada pelo delegado Paulo Lacerda,atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência(Abin). Escolhido por Márcio ThomazBastos em meio a uma briga de bastidoresdentro da PF, Lacerda ficou conhecidopor ter presidido o inquérito do caso PC Farias,em 1992, que resultou no impeachmentdo presidente Fernando Collor de Mello. Àépoca, o delegado imprimiu à investigaçãoum caráter até então pouco comum, de análiseexaustiva de documentos, rotinas de inteligênciae adoção de novas tecnologias.Embora tenha alcançado grande sucessono combate a organizações criminosas, auem precisaEduardo Anizelli/Folha ImagemSatiagraha O ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o doleiro Naji Nahas vestiram algemas e vão dar trabalho aos seus advoga<strong>dos</strong>ERNESTO RODRIGUES/AE2008 agosto REVISTA DO BRASIL 11


Grã-finos e desmatadores Na Daslu, templo de consumo da elite paulistana, a PF encontrou práticas de muambeiros. Na floresta...Mauricio LIMA/AFPPF também foi exposta como nunca. Lacerdapassou a ser criticado, dentro e fora dogoverno, por permitir a “espetacularização”das ações. Até ele assumir, a PF era razoavelmentedominada pela cultura da truculênciaherdada da ditadura. O ex-diretor-geral faziaparte de um grupo apelidado, pejorativamente,de “papeleiros” – gente mais interessadaem analisar e produzir provas do quechutar portas e colocar presos no pau-dearara.Sua indicação sofreu oposição interna.O ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu, porexemplo, preferia o nome do agente FranciscoGaristo, então presidente da FederaçãoNacional <strong>dos</strong> Policiais Federais (Fenapef).“A doutrina de operações baseadas emtrabalho de inteligência não tem volta”, afirmao atual presidente da Fenapef, o gaúchoMarcos Wink. “O crime se tornou inteligente,sobretudo na área financeira”, diz. Winké crítico da exposição midiática impingidaà PF durante a gestão de Lacerda, elogiaa atuação do novo diretor-geral, Luiz FernandoCorrêa, e trata o caso da Satiagrahacomo exceção. “Sou totalmente a favor dealgemar to<strong>dos</strong> os presos, do neguinho domorro ao bonitão de colarinho branco, sónão é preciso haver exposição pública, emambos os casos.”Ao se tornar ministro da Justiça, em janeirode 2003, o advogado criminalista MárcioThomaz Bastos recebeu de Lula a missão deacabar com a má fama de milícia governamentaladquirida pela PF a partir da ditadurae reforçada, por conta de vários eventos,no governo FHC. Um deles foi a OperaçãoLunus, planejada dentro do Palácio do Planalto,em 2001, que detonou a candidaturaà Presidência de Roseana Sarney, entãouma ameaça à candidatura de José Serra, doPSDB. Agentes federais entraram no escritórioda construtora Lunus, em São Luís, depropriedade de Roseana e do marido JorgeMurad, e apreenderam R$ 1,3 milhão. Odelegado encarregado foi flagrado enviandoMentorNomeado pelo então ministro daJustiça Márcio Thomaz Bastos, odelegado Paulo Lacerda é consideradoresponsável pelo atual perfil da PFde dentro da empresa um fax para FHC, noPalácio da Alvorada, dando conta do cumprimentoda missão. O caso levou o grupodo senador José Sarney, pai de Roseana, adesentender-se com os tucanos e a aderir àbase do governo Lula no Congresso.Situação semelhante ocorreu com o chamadoDossiê Cayman, em 1998 – uma papeladafalsa que insinuava existir uma conta secretada cúpula do PSDB depositada em umbanco das Bahamas, no Caribe. A investigaçãologo verificou a falsidade <strong>dos</strong> papéis.Um <strong>dos</strong> casos mais esdrúxulos ocorreu naMarcello Casal JR/ABR12 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


...os agentes da Operação Arco de Fogo fecharam madeireiras e serrarias responsáveis pela exploração ilegal de árvores na Amazôniajosé Pereira da Silva/divulgaçãoBahia, em 1995. O senador Antonio CarlosMagalhães estava sendo investigado por contada chamada “pasta rosa”, <strong>dos</strong>siê de doaçõesilegais do extinto Banco Econômico, do exbanqueiroÂngelo Calmon de Sá. ACM teriarecebido US$ 1 milhão para a campanha de1990 ao governo baiano. Ao saber que o delegadoRoberto Chagas Monteiro fora enviadoa Salvador, ACM ligou para o então diretorgeralda PF, Wilson Romão, e ameaçou usara Polícia Civil local contra Monteiro – queacabou virando adido policial na embaixadado Brasil em Buenos Aires.InvestimentosDe acordo com o banco de da<strong>dos</strong> da PF,de 2003 até 25 de julho deste ano, 9.249 pessoasforam presas por conta das operaçõesespeciais – que durante o segundo mandatode FHC deram voz de prisão a 490 pessoas.O governo Lula tem como trunfo, ainda, oBig brotherfato de algumas operações terem atingidoalia<strong>dos</strong> políticos. O ex-governador FlamarionPortela (PT-RR), foi pego na OperaçãoGafanhoto, de 2004, no desmonte de umaquadrilha que fraudava a folha de pagamentosdo estado. Operações alcançaramainda desembargadores, juízes, policiais eautoridades de to<strong>dos</strong> os níveis. A culturade separação de classes também foi rompida,como na Operação Narciso, que prendeuEliana Tranchesi, dona da Daslu, porcontrabando e sonegação fiscal; ou na Sanguessuga,que investigou quase uma centenade parlamentares acusa<strong>dos</strong> de atuarnum esquema de compra irregular de ambulâncias.“Não se pode confundir a função policialcom excessos”, avalia Sandro Avelar, presidenteda Associação Nacional de Delega<strong>dos</strong>da Polícia Federal (ADPF). Segundoele, a mudança de orientação a partir daA PF utiliza, desde 2003, o chamado Sistema Guardião, software fabricado no Brasilcom capacidade de gravar centenas de ligações telefônicas ao mesmo tempo. A PolíciaCivil paulista também usa o sistema, com um upgrade capaz de realizar, em uma só açãode rastreamento, cerca de 9.000 escutas. O diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa,foi um <strong>dos</strong> responsáveis pelo desenvolvimento do equipamento, mas, estranhamente,o sistema passou a ser vendido para a corporação. A empresa responsável pelacomercialização do Guardião, a Dígitro, cobra de R$ 500 mil a R$ 1 milhão paraimplantar o sistema. Em 2007, a Justiça autorizou 409 mil grampos no país.gestão do delegado Paulo Lacerda passoua alcançar uma parcela da população desacostumadaa ser alvo de ações policiais e aprovocar uma “comoção” nas elites.O sucesso das operações, no entanto, nãotem origem apenas na mudança de orientação.Em 2006 a PF teve um orçamentopolpudo, R$ 675 milhões, além <strong>dos</strong> recursosoriun<strong>dos</strong> de dois convênios firma<strong>dos</strong>com os governos da Alemanha e da França,o Promotec e o Proamazônia. Os acor<strong>dos</strong>foram assina<strong>dos</strong> ainda no governo FHC eprevêem empréstimo de US$ 425 milhõespara modernização da PF até 2010. Em doisanos, o orçamento mais do que quadruplicou.A previsão de recursos para 2008 é deR$ 3 bilhões. O efetivo também foi reforçado.Hoje são 14 mil policiais, entre delega<strong>dos</strong>,agentes e servidores administrativosespalha<strong>dos</strong> por 27 superintendências regionais,contra pouco mais de 8.000, antes dogoverno Lula. A PF pôde fugir da precariedaderecente, quando agentes e delega<strong>dos</strong>trabalhavam sem a certeza de ter recursospara diárias ou para o combustível. Apenasna aquisição de um microscópio eletrônicoutilizado para fazer varreduras de vestígiosde drogas, remédios e combustíveis, foraminvesti<strong>dos</strong> R$ 3,6 milhões. A construção donovo prédio do Instituto Nacional de Criminalística,em Brasília, inaugurado em2005, custou R$ 23 milhões.2008 agosto REVISTA DO BRASIL 13


políticaComo foi comAl CaponeO famoso gangster americano não titubeavaem comprar juízes, policiais, advoga<strong>dos</strong>,autoridades e jornalistas, tampouco emeliminar os inimigos. Mas não foi porisso que acabou na cadeiaAs informações resumidas nestaspágina vinham sendo publicadascom alguma freqüência,mas por poucosveículos e jornalistas. Entreeles, Mino Carta, que disponibilizou no siteda Carta Capital um <strong>dos</strong>siê completo, comtextos desde 1998; Rubens Glasberg e SamuelPossebom, que publicam a revista TeleTime, especializada na área de telecomunicaçõese alvo de seis processos movi<strong>dos</strong> pelasorganizações Dantas; Bob Fernandes, hojeno site Terra Magazine; Luis Nassif, que temem seu blog um longo estudo sobre as relaçõesde Daniel Dantas com setores da mídia,especialmente a Veja; e Paulo HenriqueAmorim. Como fonte de pesquisas da era dasprivatizações merecem ser lembra<strong>dos</strong>, ainda,os artigos do jornalista Aloysio Biondi (1936-2000) compila<strong>dos</strong> em seu livro O Brasil Privatizado(Ed. Publisher Brasil e Fundação PerseuAbramo) e no site www.aloysiobiondi.com.br, organizado por seus filhos e <strong>amigos</strong>,com mais de mil artigos. O sites www.vermelho.com.bre www.revistaforum.com.br tambémtrazem boas abordages do caso.Para os leitores que não têm acesso a essescanais, este resumo procura facilitar oentendimento do noticiário que virá daquipara a frente. Tudo o que a chamada “grandeimprensa” omitiu nos últimos anos, agora,com os desdobramentos da Operação Satiagraha,não deve ficar mais no anonimato. Osaldo da operação, resultado de quatro anosde investigações da Polícia Federal, é o indiciamentodo banqueiro Daniel Dantas e outrosdo Banco Opportunity por gestão fraudulentae formação de quadrilha.capitalismoselvagemDantas foiindiciado porformação dequadrilhaLeo Caobelli / Folha ImagemCenas de um casamento1987O Conselho Monetário Nacional edita o Anexo4, resolução que permite a pessoas residentesno exterior aplicar em fun<strong>dos</strong> de investimentosno Brasil, sem pagar imposto sobre osrendimentos.1994Daniel Dantas funda o Banco Opportunity, comfoco em gerir recursos de terceiros em fun<strong>dos</strong>de investimentos.1996Com sua irmãVerônica e com PérsioArida, Dantas cria oOpportunity Fund,amparado no Anexo 4,com sede no paraísofiscal das Ilhas Cayman,de onde aporta parao Brasil investimentosde estrangeiros e de Aridabrasileiros que moramno exterior. Com garantiade anonimato e isençãode imposto. Pérsio Aridafoi presidente do BNDESde set/1993 a jan/1995.Era casado com ElenaLandau, tambémdiretora do banco.Ambos trabalham namontagem do programaVerônicade desestatizaçãodo governo FHC. Arida presidiu-o antes dese associar a Dantas. Elena trabalhou parao Opportunity e hoje atua no escritório deadvocacia Barbosa, Müssnich & Aragão, um <strong>dos</strong>que atendem as organizações Dantas.O advogado Luiz Leonardo Cantidiano,especializado em estruturação societária,que também integrou o conselho doBNDES entre 1996 e 1998, trabalha para oOpportunity. Ele monta o complexo aparatoque dará poder de comando ao banco nasprivatizações, mesmo sendo minoritário. Erepresenta o fundo na Comissão de ValoresMobiliários (CVM), órgão federal responsávelpor fiscalizar empresas que negociam açõesem bolsas de valores.1997O Citibank se aproxima. Terceirizasua entrada nos leilões da Telebrás,como sócio oculto representado peloOpportunity. O governo FHC também daráa Dantas poder para gerir os recursos<strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de pensão das estatais nasprivatizações. Dantas será manda-chuva daBrasil Telecom mesmo detendo menos de10% do capital.Carol Carquejeiro/folha imagemJOEDSON ALVES/AE14 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


encarcerado Al Capone, gangster de fama mundial (centro), é levado por delega<strong>dos</strong>federais a prisão, em 1932, para cumprir pena de 11 anos sob acusação de fraude fiscalUm ex-membro do alto escalão do governoacredita que as investigações desencadeadaspela Operação Satiagraha poderãocausar um terremoto político na história doBrasil. E que a complexa rede montada pelobanqueiro em torno de integrantes <strong>dos</strong> poderes,do mercado de capitais, jornalistase escritórios de advocacia é digna de um“Al Capone do século 21”. As organizaçõesDantas surgiram no início da era das privatizações,durante os mandatos de FernandoHenrique Car<strong>dos</strong>o.A reação aos seus méto<strong>dos</strong> começou aindadurante o segundo mandato de FHC, movidapor dois fatores: 1) as denúncias de um ex-sóciode Dantas, Luiz Roberto Demarco, de queo banqueiro agia ilegalmente no mercado defun<strong>dos</strong> de investimentos; e 2) a ofensiva dediretores <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de pensão das empresasestatais, que viam nos abusos do banqueiroum risco para os recursos <strong>dos</strong> trabalhadores.To<strong>dos</strong> os 12 fun<strong>dos</strong> de estatais foram impeli<strong>dos</strong>pelo governo FHC a se associar a consórciosque entrariam na privatização do SistemaTelebrás, em 1998. O consórcio que levou oacionista minoritário Daniel Dantas ao comandoda Brasil Telecom (BrT) tinha participaçãodo Citibank e <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong> de pensão.Luiz Gushiken foi um <strong>dos</strong> dirigentes partidárioscom origem no movimento sindicalque apoiou a ação <strong>dos</strong> fun<strong>dos</strong>. Deputado federalpor três mandatos, até 1998, presidiu oPT e coordenou as campanhas de Lula. Especializou-seem assuntos previdenciários emontou empresa de consultoria. Organizoucursos para preparar dirigentes a lidar com otema. Em 2002, comandou a equipe de transiçãode governo e em 2003 tornou-se ministroda Secretaria de Comunicação e GestãoEstratégica (Secom).Procurado pela Revista do Brasil, Gushikendisse que não pretende dar entrevistas.O ex-ministro arrumou muitos inimigos eviveu dias tensos. Sofreu tentativas de assaltoem sua casa, em Indaiatuba (SP), onde moracom a mulher Elizabeth, mãe de seus três filhos.Lá, ergueu os muros, instalou cerca elétrica,infra-vermelho, câmeras, adotou cãesde guarda e passou a ter seguranças arma<strong>dos</strong>.Pessoas próximas ao ex-ministro revelamainda outros receios, como o de nuncasaber se o entrevistador é jornalista ou lobistado banqueiro.goger Viollet/AfpO começoDaniel Dantas era filho de um empresárioíntimo da família de Antonio Carlos Magalhães.Aluno do ex-ministro Mário HenriqueSimonsen, tornou-se assessor econômico doPFL e quase foi ministro de Collor. Trabalhouno Bradesco, fundou o Icatu e, em seguida, oOpportunity. O banco de investimentos repeteno setor financeiro a aliança entre PSDB ePFL na política. No Opportunity Fund, abertonas Ilhas Cayman, teve como sócio o tucanoPérsio Arida. Especializou-se em geriraplicações de não-residentes no país. E também,segundo o inquérito que o investiga,em tirar dinheiro não declarado do Brasil ereintroduzi-lo por meio de aplicações isentasde impostos e de declarações de procedência.Pelas mãos de Simonsen, que era do Citibank,aproximou-se do banco norte-americano,seu sócio nas privatizações. Para setornar um poderoso gestor das empresas detelefonia abocanhadas nas privatizações, em1998, mesmo sendo minoritário, Dantas teveconsultoria de grandes escritórios de advocaciaespecializa<strong>dos</strong> em montar complexas estruturassocietárias. O banqueiro contou coma ajuda desses escritórios para abrir mais deuma centena de empresas, <strong>dos</strong> mais diversosramos, muitas delas apenas “empresas de papel”,para intermediar negócios entre si oupara ser acionadas quando preciso. É acusadode “controlar” juízes, políticos, jornalistase outras autoridades para atingir objetivos.Com os fun<strong>dos</strong> de pensão associa<strong>dos</strong> aoOpportunity e ao Citibank, Dantas assumiuo comando da Brasil Telecom (BrT). Aindano governo FHC, representantes <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong>nos conselhos de administração <strong>dos</strong>fun<strong>dos</strong> de pensão resistem às ações de Dantas.E a partir de 2003, no início do governoLula, avançam sobre o Opportunity paratirá-lo do comando da telefônica. A queda debraço dura dois anos e a destituição de Dantasse efetiva em 2005, depois de ganharemo Citibank como aliado. Os presidentes <strong>dos</strong>maiores fun<strong>dos</strong> de pensão – Sérgio Rosa (Previ/BB),Wagner Pinheiro (Petros/Petrobras)e Guilherme Lacerda (Funcef/Caixa Federal)– foram para o ataque nas CPIs do Mensalãoe <strong>dos</strong> Correios, onde sustentaram a posiçãode suas gestões. Juntos, elaboraram um documentointitulado O Caso Brasil Telecom,no qual explicam a intrincada teia societáriaque deu tanto poder ao Opportunity e o quechamam de “situação em que um mero gestorjulgou-se com mais poder sobre os negóciosdo que os acionistas controladores”.Dantas é suspeito de ter desviado, via BrT,R$ 2 bilhões para paraísos fiscais. Há quemestime que chegue a R$ 3 bilhões. “Na horaque os juízes investigarem vai explodir parato<strong>dos</strong> os la<strong>dos</strong>, inclusive no nosso”, diz umex-integrante da cúpula governista. “O AlCapone do século passado não foi preso pormatar inimigos, comprar juízes, policiais ejornalistas, mas por sonegar impostos. Restasaber por quais brechas a Justiça chegaráa esse Al Capone do século 21.”16 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


justiçaO colarinho brancoEssas modalidades de crime são regra, e não exceção. Vão da trivialevasão de divisas, com ou sem lavagem de dinheiro, à manipulaçãoda principal taxa de juros do mundo Por Bernardo KucinskiQuanto mais imponente é a sede de umbanco, mais malandragens ele pode estarescondendo. Muitos e muitos bancos,antes do Opportunity, foram indicia<strong>dos</strong>por crimes financeiros. Recentemente,antes do caso Daniel Dantas, foram processa<strong>dos</strong> EdemarCid Ferreira, do Banco Santos, e executivos brasileirosda União <strong>dos</strong> Bancos Suíços (UBS). Antes deles,além de Salvatore Cacciola, do Marka, foram enquadradasfamílias tradicionais, como os Calmon de Sá,do Econômico, na Bahia, e os Magalhães Pinto, do Nacional,de Minas Gerais. Com a exceção do UBS, to<strong>dos</strong>esses imponentes bancos viraram pó. E com a exceçãode Cacciola, que fez a besteira de fugir, nenhum dessesbanqueiros está preso.O mais comum crime do colarinho branco é a remessailegal de dólares para o exterior, de onde retornamao Brasil travesti<strong>dos</strong> de aplicações de estrangeiros,isentas de impostos. Por isso, há quase sempre umdoleiro envolvido. O próprio Banco Central estimuloua malandragem, ao dar isenção de imposto de rendaaos estrangeiros. Passa por trouxa o banqueiro que nãousar esse truque.Mas a evasão de divisas é fichinha frente à recente denúnciapublicada pelo Wall Street Journal de que bancosrespeitáveis manipularam a principal taxa de juros domundo, a chamada taxa Libor (pronuncia-se “láibor”;a sigla vem de London Interbank Offered Rate, taxa deoferta do mercado interbancário de Londres). A Liborincide sobre a maior parte <strong>dos</strong> financiamentos inter-18 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


nacionais, incluindo boa parte da dívida externa brasileira.Um estoque de capital estimado pela AssociaçãoBritânica <strong>dos</strong> Bancos (ABB) em US$ 350 trilhões. Apesarde grave, a denúncia do Wall Street foi espremidaem cantos de página nos nossos jornais de referêncianacional. Apenas o especializado Valor Econômico deuo destaque merecido.O uso da taxa Libor nos empréstimos de longo prazopara países periféricos foi uma invenção diabólica dobanqueiro britânico Minos Zombanakis, lá pelo final<strong>dos</strong> anos 1960. Com a expansão frenética das multinacionaisamericanas, havia muitas transações em dólarespassando por filiais européias de bancos americanose até bancos ingleses e japoneses. Como se aproveitardesses depósitos que às vezes ficavam para<strong>dos</strong> umasemana, um mês?Os banqueiros bolaram o chamado “empréstimo sindicalizado”,no qual vários bancos entravam cada umcom uma fatia, formando um grande bolo para ser emprestado.Com a ajuda obsequiosa do Banco Mundiale do FMI, convenciam governos do chamado TerceiroMundo – entre os quais o Brasil – a tomar empréstimosgigantes para grandes “projetos de desenvolvimento”.Coisa de US$ 1 bilhão para cima. Para reforçar o “convencimento”,ofereciam comissões e bônus irresistíveisaos negociadores desses países.O pulo-do-gato <strong>dos</strong> contratos estava na taxa de juros:muito sagaz, Zombanakis inventou um contratopadrão que obrigava o tomador a pagar, nas datas devencimentos <strong>dos</strong> juros, em geral duas vezes por ano, ataxa mais alta do mercado naquele dia, aquela que osbancos eram obriga<strong>dos</strong> a pagar quando se socorriammutuamente por apertos de caixa. Essa era a Libor. Seuvalor médio era publicado na manhã seguinte no jornalFinancial Times.Com esses contratos, todo o risco ficava com o cliente.Além de aplicar a empréstimos de longo prazo umataxa formada no curtíssimo prazo, o que já é uma malandragem,se houvesse de repente uma crise de liquidezbraba, faltando dinheiro em muitos bancos, e a taxadesse um salto, o tomador trouxa antecipadamente jáhavia se comprometido a cobrir a alta.E foi o que aconteceu. Depois da segunda crise do petróleo,os americanos levaram a taxa de juros do dólar a15% e até 18% ao ano – e a Libor acompanhou, subindoà estratosfera. A dívida externa brasileira se tornouimpagável. A taxa de juro ficou maior que a taxa de retornodo capital das empresas que haviam tomado osempréstimos. Algo semelhante ao que aconteceu comos mutuários do antigo Banco Nacional da Habitação(BNH), que ficaram inadimplentes quando a correçãomonetária das prestações ficou maior do que os reajustesde salários. Quebraram as empresas que tomaram osempréstimos inventa<strong>dos</strong> por Zombanakis e quebrou oBrasil, por falta de dólares para cobrir as remessas extravagantesde juros. Foi preciso pedir moratória e emseguida negociar um reescalonamento da dívida.O desastre levou-me a escrever um livro sobre a dívidaexterna, em parceria com a jornalista inglesa SueBranford (A Ditadura da Dívida, ed. Brasiliense, 1987).Ao estudar, logo depois, o contrato de reescalonamento,uma maçaroca de mais de 100 páginas, fiquei espantadocom a cláusula <strong>dos</strong> juros: continuava sendo a Libor,e quem comunicava qual havia sido a Libor médiado dia eram os próprios bancos credores. O Chase, oLloyds, o Morgan Guarantee, o Citi... Um escândalo.Para o meu pós-doutorado em Londres, em 1991,propus como projeto de pesquisa ao CNPq averiguarse poderia haver manipulação da Libor. Era muito simples.Se a taxa era formada pela média das taxas detransações entre bancos e depois aplicada aos títulos dadívida, a alguns bancos bastava inflar transações entresi no dia do vencimento de grandes parcelas de jurospara engordar seus ganhos.Ao consultar o professor da Faculdade de Economiae Administração da USP Stephen Kanitz, ele disse quecorria no mercado o boato de que havia uma “horado Brasil”. Era a hora de determinação da Libor, queiria prevalecer sobre os pagamentos de juros da dívidabrasileira. Para minha pesquisa, Kanitz indicou umgrande especialista no mercado financeiro de Londres,Job Matts.Quando expliquei a Matts meu projeto ele riu naminha cara. Acusou minha teoria de conspiratória.“É totalmente impossível manipular o mercado interbancáriode Londres”, disse ele, porque são milharesde tomadores e emprestadores .“A rainha da Inglaterratoma dinheiro nesse mercado,” disse, referindo-semetaforicamente ao Banco da Inglaterra. Desacorçoado,ainda gastei uns meses na biblioteca da LondonSchool of Economics levantando bibliografia e estudandoo mercado do dólar. Mas aos poucos fui substituindoo projeto por outro, mais factível no prazode um ano. Hoje me arrependo. Deveria ter sido maispersistente.É essa taxa, “impossível de ser manipulada”, que foifalseada por grandes bancos. Aperta<strong>dos</strong> pela crise dashipotecas americanas, para esconder o seu sufoco, osprincipais bancos de Londres informavam à ABB taxasinferiores às que estavam de fato pagando. O especialistado Citicorp nesse mercado, Scott Peng, estimoua diferença em até 0,3 ponto percentual. No mêspassado a ABB, numa admissão tácita de que houvemanipulação, ampliou o painel de bancos informantesda taxa Libor e introduziu vários novos mecanismosde controle e rechecagem. As novas regras estão emwww.bba.org.uk.É verdade que os bancos manipularam a Libor parabaixo – para esconder a gravidade de sua crise de liquidez.Mas quem pode manipular para baixo pode manipularpara cima. Imaginem quando a dívida externabrasileira era da ordem de US$ 130 bilhões, sendo60% dela referenciada na Libor? Um empurrãozinhode 0,3% na taxa teria inflado nossa conta anual de jurosem mais de US$ 200 milhões. Se aconteceu ou não,nunca se vai saber. Mea culpa.Com aexceção deSalvatoreCacciola,que fez abesteirade fugir,nenhum <strong>dos</strong>banqueirosquecometeramcrimescontra osistemafinanceiroestá preso2008 agosto REVISTA DO BRASIL 19


entrevistaGOVERNO EM DISPUTANos 25 anos da <strong>CUT</strong>, seu presidente, Artur Henrique da Silva Santos,avalia que os trabalhadores tiveram ganhos com o governo Lula eque é preciso disputar a hegemonia na sociedade com formaçãoe comunicação Por Paulo Donizetti de SouzaHojevocê cria umsindicato, faz oestatuto comoquer, é o únicoque poderepresentaraquela basee ainda temdinheirogarantido.É mais fácilcriar sindicatono Brasildo que umamicroempresa,e dá maisdinheiroSocialista sim, embora reconheça as limitaçõese o reformismo da atividade sindical.Passa<strong>dos</strong> 25 anos, a polêmica persiste,dentro e fora da <strong>CUT</strong>. O atual presidente daCentral, Artur Henrique da Silva Santos, 47anos, estampa em sua sala uma foto de Che Guevara,“símbolo da transformação da sociedade”. Para ele, a lutasindical pode ajudar a construir bases nessa direção, mastem seus limites. Foi para romper com pelo menos partedessas barreiras que nasceu a <strong>CUT</strong>, em agosto de 1983.Era o começo da consolidação de um processo iniciadodois anos antes, com a Conferência Nacional da ClasseTrabalhadora (Conclat), fruto da rearticulação do movimentosindical, ainda em tempos de absoluta falta deliberdade política e de inflação que, no ano de fundaçãoda <strong>CUT</strong>, passaria de 200%. Em 1983, Artur engatinhavana militância e nem de longe desconfiava que umdia comandaria a maior central do país, com mais de3.400 entidades filiadas e 22 milhões de trabalhadoresrepresenta<strong>dos</strong>, com suas permanentes discussões internas,expostas em 9 congressos e 12 plenárias nacionais,incluindo a deste agosto, mês do 25º aniversário.Pela primeira vez – depois de passar por Figueiredo,Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique –, a Centrallida com um presidente cuja candidatura apoioudesde o princípio. Para Artur, no início do primeiromandato havia duas visões equivocadas. Do lado da<strong>CUT</strong>, de quem acreditava que os problemas estariamresolvi<strong>dos</strong> com um “companheiro” no poder. Do ladodo governo, de quem achava que os trabalhadores abririammão de suas lutas. “Não deixamos de fazer nossopapel. Mas também não somos daquele movimentosindical que tem de chamar uma greve geral por mês.”Ele observa que se trata de um governo “em disputa”,entre as pressões pelo viés econômico/financeiro e as dequem defende uma visão mais social. O papel da <strong>CUT</strong>é claro: pressionar e criticar o governo. Isso não significa,segundo seu presidente, que não tenha um lado.Por isso, a Central não hesitou em ir às ruas em 2005,quando detectou sinais de golpe para derrubar Lula.Ele avalia que muito mais coisa poderia ter sido feitana área trabalhista. O tripé da ultrapassada estruturasindical – unicidade, imposto sindical e poder normativoda Justiça do Trabalho –, por exemplo, ainda semantém, contribuindo para manter dirigentes e entidadesque não precisam de base para existir. E Arturalerta que isso acontece, em boa parte, porque os conservadoresainda predominam no movimento sindical– inclusive cutistas, acrescenta. “Há muita briga pelafrente. Mas são 25 anos em que a <strong>CUT</strong> se transformouno principal instrumento de luta e de organização daclasse trabalhadora.”Onde você estava no dia 28 de agosto de 1983?Não estava nem perto da fundação da <strong>CUT</strong>. Estavano Conselho <strong>dos</strong> Representantes <strong>dos</strong> Emprega<strong>dos</strong> daCPFL. A partir daí, a gente constituiu a oposição ao sindicato.Em 1984, ganhamos a eleição, mas não levamos– nos roubaram aqueles votos por correspondência queexistiam na época. Em 1987 a gente ganhou. Fui diretor-suplentedo Sindicato <strong>dos</strong> Eletricitários de Campinas,depois secretário-geral, tesoureiro e presidente,em dois mandatos. Sabia do processo de construção da<strong>CUT</strong> por outros companheiros. Foi um momento rico,um clima muito intenso de discussão, das relações detrabalho e das questões gerais de cidadania, de participaçãopolítica, de abertura, da luta contra a ditadura. Acriação da <strong>CUT</strong> foi parte desse processo. Nem me passavapela cabeça que depois de 25 anos eu estaria aqui.E ao promovermos essa nova organização deparamoscom um processo que inviabilizava disputar as direções<strong>dos</strong> sindicatos que vinham de um momento de subordinaçãoao regime militar. Então a gente já discutia queera preciso mudar também a estrutura sindical.E mudou?Muito pouca coisa, infelizmente.Nem com a Constituinte de 1988, nem com a eleiçãode um presidente operário?Existem ainda muitas forças conservadoras ligadas aomovimento sindical, e muitos parlamentares eleitos como apoio dessas forças. Além disso, ainda há uma discussãomuito parecida com a que a gente tinha em 1983,quando nasceu a <strong>CUT</strong>. Havia duas grandes visões. Umadefendia entrar na estrutura existente – sindicato, federaçãoe confederação, sistema confederativo, impostosindical, unicidade – e democratizá-la por dentro. Outrogrupo defendia montar uma estrutura paralela, constituira central e organizar os departamentos de cada ramode atividade. Passa<strong>dos</strong> 25 anos continua a estrutura sindicaloficial, com mudanças importantes, mas poucas.20 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Se nãoinvestir emformação e emcomunicação,você nãovai disputarhegemonianem com asoutras centraissindicais,muito menoscom os outrosprojetos nasociedadebrasileirajailton Garcia2008 agosto REVISTA DO BRASIL 21


Se odirigente seafastar muitodo local dotrabalho,vai acabarem cima docaminhãofazendodiscurso praninguém. Acategoria vaiestar com acabeça emoutras coisas,sua realidadeé diferentePor exemplo?A possibilidade de ter federações e confederações porramo, além daquelas oficiais, oriundas da era Vargas. Etambém o reconhecimento das centrais sindicais. Mascontinua tendo unicidade <strong>dos</strong> sindicatos, continua tendoimposto e poder normativo da Justiça do Trabalho.Esses três pilares da velha estrutura continuam. Porquehá dirigentes acomoda<strong>dos</strong> na máquina <strong>dos</strong> sindicatos,que facilita muito para quem quer se manter no poder.Dirigentes cutistas também?Também. Tem muito dirigente cutista acomodado.Hoje você não precisa ter sócios. Aliás, quanto menos,melhor, sócio dá trabalho. Aí, você trata muito bem ospoucos sócios, mas recebe dinheiro de to<strong>dos</strong> os outrospor meio do imposto sindical. Então, tem garantia definanciamento e na hora da eleição eu trato bem aqueles500 ou 1.000 associa<strong>dos</strong>, numa base de 40 mil.Nessa discussão do imposto, não ficou a impressãode que as centrais brigaram apenas para manter odinheiro e deixaram para lá a reforma estrutural?No Brasil, a gente ouve muito falar sobre a estruturasindical do lado <strong>dos</strong> trabalhadores, mas pouco da estruturado lado <strong>dos</strong> empregadores. A emenda propostaacabava com o imposto sindical só para o lado <strong>dos</strong> trabalhadores,mas mantinha toda a estrutura do SistemaS e do imposto sindical para os empregadores. Acabarcom o imposto, ok, mas não permitir mais nada no lugarsignifica que teria apenas sindicato financiado pelamensalidade sindical. E não tem acordo só para sócio.O sindicato investe muito na campanha salarial. Defendemosque a mesma assembléia que aprova o acordoaprove uma contribuição, para que to<strong>dos</strong> os beneficia<strong>dos</strong>pela campanha compartilhem sua sustentação. Apontamospara uma grande campanha neste ano e no ano quevem. Agora, do outro lado vão estar outras cinco centraislutando para manter como está, e os empresários também,porque não querem democracia nem liberdade.Hoje você tem um sindicato, faz o estatuto como quer,tem o monopólio da representação e ainda tem dinheirogarantido. É mais fácil criar um sindicato no Brasil doque uma microempresa, e dá mais dinheiro.O movimento tem conseguido se reciclar e acompanharas mudanças no mundo do trabalho?O novo sindicalismo, além da combatividade, obrigouos dirigentes a sair do castelo, a sede do sindicato, e ir paraa porta das empresas. Agora, apenas estar na porta daempresa não basta. Tem de estar dentro, é lá que as mudançasacontecem. Tem trabalhador achando que tudoo que a empresa tem de bom foi ela que deu. É precisoum intenso diálogo, formação e comunicação até pararesgatar a história de como chegaram ali coisas comotrabalhar menos de 8 horas, férias, cesta básica, aumentoreal, PLR – para ninguém acreditar que o patrão umbelo dia resolveu ser bonzinho. Teve gente que morreu,desapareceu, perdeu emprego por essas conquistas.Por outro lado, hoje um dirigente sindical é constantementeinstigado a não dizer somente “não” para ascoisas, mas “por que não” e qual é a alternativa. É bomter gente boa de discurso, de microfone. Mas tambémprecisa ter gente dentro do local de trabalho acompanhandoassédio moral, perseguição da chefia, as mudançasna gestão. Responsabilidade social e empresarial,que até algum tempo atrás não ia além de peçade marketing, está virando um conjunto de obrigaçõespara uma empresa. O movimento sindical tem de estarapto para dizer “essa empresa é responsável socialmente;essa não é, por isso e aquilo”. Então, os desafios <strong>dos</strong>sindicalistas de hoje são diferentes, complexos.A <strong>CUT</strong> apoiou o governo Lula desde o começo? Comolidar com o carimbo de “chapa branca” e qual opapel da central em relação ao governo?Nenhum setor do movimento sindical que se opõe à<strong>CUT</strong> tem alcançado acor<strong>dos</strong> coletivos como os obti<strong>dos</strong>pelos sindicatos cutistas. Nestes seis anos quem maisfez greves, seja servidor público federal, de bancos, setorelétrico, Petrobras, foram sindicatos filia<strong>dos</strong> à <strong>CUT</strong>.Não deixamos de fazer nosso papel. Mas também nãosomos daquele movimento sindical que tem de chamaruma greve geral por mês. Como se a massa estivesse aponto de ser chamada por uma liderança para fazer arevolução. Uma coisa é acumular força, construir basede apoio e disputar hegemonia para transformar a sociedade.Agora, não vai ser no próximo domingo.Muitas pessoas que passaram pela <strong>CUT</strong> durante suahistória assumiram tarefas no governo. No início, achavamque íamos “entender” que elas não poderiam atendera todas as nossas reivindicações. E também teve gentedo lado de cá que achava que eleger o Lula resolviato<strong>dos</strong> os problemas. Que ele daria uma canetada, “artigo1º, instale-se o socialismo; artigo 2º, revogam-se as disposiçõesem contrário”, e não precisaria mais luta, greve,mobilização. Duas visões erradas. Trata-se de um governoem disputa. Ganhamos a eleição, não o poder. A gentedeixou claro a independência e a autonomia. Mas nãovamos permitir um processo de golpe, como foi tentadopor grande parte da mídia e da direita, para derrubar oLula. Para eles o Lula presidente é um pesadelo.Mas a <strong>CUT</strong> era mais barulhenta antes.No governo Fernando Henrique Car<strong>dos</strong>o fizemos aMarcha <strong>dos</strong> 100 mil à Brasília. Uma baita marcha, importantíssimado ponto de vista de chamar atenção, masque resultou em nada. Ano passado pusemos 25 mil trabalhadoresem Brasília, pouco depois teve 40 mil mulheresna Marcha das Margaridas, depois outra marcha dascentrais sindicais. E por que não sai uma linha se colocamos100 mil pessoas em Brasília em dois meses, e com resulta<strong>dos</strong>concretos na negociação do salário mínimo, databela do imposto de renda, do aumento do Pronaf? Háuma disputa dentro do governo e na sociedade. Nossodesafio é não permitir que esses avanços, essa discussãoque alia pressão com negociação, acabe em 2010.22 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Você acredita que adianta procurar a Fiesp, como a<strong>CUT</strong>-SP fez, para discutir o combate à inflação?Era preciso fazer um movimento primeiro mostrandoque a inflação de hoje não é a que alguns veículos decomunicação estão tentando disseminar. Outro dia viuma reportagem com a maquininha de remarcar preçosde supermercado, um desserviço. Lançamos a campanha“Menos Juros, Mais Desenvolvimento, Menosespeculação, Mais Produção”. Não concordamos com apolítica do Banco Central de aumentar os juros. Vamoscontinuar batendo, como no dia 17 de junho, na frentedo BC, junto com a Coordenação <strong>dos</strong> MovimentosSociais. Ninguém deu uma linha. Mas não é só o BC.Fizemos ato na frente da Fiesp para denunciar a especulaçãopor parte de empresários. E vamos fazer em frentea um grande banco, a um grande supermercado, a umgrande produtor de alimentos. Tem muito empresárioreclamando <strong>dos</strong> juros, mas está todo dia na porta doBNDES tomando empréstimo. Qual é a contrapartida?Vai aumentar preços? Vai pegar dinheiro sem dar garantiade emprego com carteira assinada?E não seria papel do governo essa iniciativa?É coisa que o governo não fez ainda. Fez em algumasáreas, mas queremos mais, contrapartida em to<strong>dos</strong> os empréstimos.Não sai um centavo sem retorno social e de emprego.Esse é o embate. Agora, há muito exagero de parteda mídia em criar um clima, expectativa de inflação, remarcaçãode preços. O Brasil é o único lugar do mundoque só discute meta de inflação. Estamos há alguns anoscobrando a ampliação do Conselho Monetário Nacional,com participação de trabalhadores e empresários, parapoder incluir o setor produtivo nas decisões, e incluir outrasmetas a levar em conta. A mesma obsessão que a políticamonetária tem hoje em relação à questão da inflaçãodeveria ter em relação ao crescimento e ao emprego.E conter os salários faz parte da meta?Esse é o discurso do BC. Os reajustes de salários atétêm conseguido vencer a inflação, mas estão perdendopara os ganhos de produtividade. O aumento realque temos não alcança o que os empresários ganharamem produtividade. É absurdo alguém dizer que saláriocausa inflação.Você se queixa da mídia, mas o que impede a <strong>CUT</strong>de investir mais e melhor em comunicação?Do ponto de vista legal, nada. Neste mandato, temosconsiderado duas prioridades. Se não investir em formaçãoe em comunicação, você não vai disputar hegemonianem com as outras centrais sindicais, nem comos outros projetos na sociedade brasileira. O que criticona mídia não é que tenha a sua posição ideológica. É aausência de jornalismo. Você pode dar um espaço de10%, 20%, 30% de determinado acontecimento e usar70% do espaço para fazer a sua análise ideológica dele.Mas dê o acontecimento. Aqui, nem isso. Logo depoisda eleição, a Rede Globo começou a fazer campanhacolocando os informais contra os formais. O centro dodebate era “a maioria <strong>dos</strong> brasileiros não tem direitosporque não tem carteira assinada, e não tem por culpa<strong>dos</strong> que têm muitos direitos”. Então, precisa tirar umaparte <strong>dos</strong> direitos de quem tem. Fizeram uma semanade reportagens. Ficaram aqui duas horas gravando sobreessa questão da informalidade, falei sobre um monte decoisas. E dão 10 segun<strong>dos</strong> para uma frase de efeito dopresidente da <strong>CUT</strong>, “continuaremos lutando pela manutençãode direitos adquiri<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> trabalhadores”. Depoisaparece o José Pastore, consultor independente…da Confederação Nacional da Indústria, falando como“economista e professor” sobre o “peso <strong>dos</strong> encargos”.E essa foto do Che Guevara na parede, o que significaesse personagem para você?Eu sou sociólogo formado pela PUC de Campinas,além de ser técnico eletrotécnico. Sempre gostei muitode ler. Acabei lendo muito Marx, Gramsci, Che, atéFernando Henrique eu li. O Che Guevara carrega muitosimbolismo. Daquele processo histórico que aconteceuem Cuba a uma visão mais ampla, de integração da AméricaLatina, tendo como fio condutor o sonho da transformaçãoda sociedade. Continuo acreditando nesse sonho.Mesmo sabendo que estou no movimento sindical,que, na prática, é reformista e tem seus limites.E como relacionar os últimos 25 anos e, por quenão, os próximos 25 com esse sonho?Se você pegar processos revolucionários que acontecerame as falhas que aconteceram depois… Voltamosàquela discussão da correlação de forças, da formaçãode uma base social. O governo Lula está fazendo umasérie de coisas importantes. Eu tenho medo de que duasou três eleições depois a gente perca o que penamostanto para alcançar. Que democracia é essa? Tem muitacoisa para debater ainda do ponto de vista da democracia.E muita briga pela frente. Mas são 25 anos em que a<strong>CUT</strong> se transformou no principal instrumento de lutae de organização da classe trabalhadora. Mesmo comtudo isso que eu falei da imprensa, a população enxergaa marca <strong>CUT</strong> como algo forte, ligado à defesa <strong>dos</strong>trabalhadores. Vamos viver os próximos 25 para fazeruma disputa maior. Hoje eu faço ato junto com a ForçaSindical, a UGT e tem dirigente sindical que não sabequal é a diferença que tem entre a <strong>CUT</strong> e a Força. Porquê? Porque estamos há muito tempo sem fazer formaçãosindical, com medo de renovar, daí a acomodação– “eu não faço formação porque você vai ficar melhordo que eu e vai querer meu lugar”. Essa mudança nósestamos fazendo. E vai ter renovação. Eu estou no primeiromandato, espero ser reconduzido no próximo,não sei se vão querer. Mas não posso continuar aqui 9,12, 18 anos? Tem de reciclar, sair, fazer outras coisas,conhecer outros lugares, outras realidades.Como o Che?É.Uma coisaé acumularforça,construirbase de apoioe disputarhegemoniaparatransformara sociedade.O socialismoestá colocadono estatutoda <strong>CUT</strong>. Masnão vai seralcançadono próximodomingofotos: Jailton Garcia2008 agosto REVISTA DO BRASIL 23


saúdeTrocar alimentação adequada porcápsulas e cápsulas de suplementospode pôr a saúde em riscoPor Cida de OliveiraDevagar comas vitaminasSair bem cedo sem tomar ocafé-da-manhã, trabalhar odia todo, fazer faculdade à noite,usar a hora do almoço paraestudar, voltar para casa tarde,não jantar e varar várias noites estudando.A rotina que a estudante paulistana JecileideAndrezza Araújo, 21 anos, passou a enfrentarlogo que entrou na faculdade a fezperder 10 quilos em menos de três meses.Nos fins de semana só dormia, e não sobravatempo para comer. Quando vieram tontura,fraqueza, cansaço, sonolência e quedano rendimento, Jecileide decidiu procurarum médico. O exame de sangue revelou queestava bem perto de complicações, comoanemia, por causa da falta de vitaminas eminerais. Uma especialista prescreveu primeirosuplemento vitamínico do complexoB. Dois meses depois, sulfato ferroso. Apartir daí melhoraram o apetite e a alimentação.Aos poucos o peso se normalizou eos suplementos foram suspensos.Hoje, passa<strong>dos</strong> três anos, Jecileide toma“preventivamente”, por sua conta, uma colherde um conhecido estimulante do apetiteà venda em farmácias sem necessidade de receita.“Quando percebo que estou na correriae sem comer direito, apelo para o tônico”,admite, confessando já ter tomado tambémoutro complexo vitamínico por indicação deparentes que não são médicos.Infelizmente, a maioria das pessoas querecorrem às popularmente chamadas “vitaminas”é como essa Jecileide movida aindicação de leigos ou iniciativa própria,e não como aquela Jecileide que melhoroudepois de recorrer a especialistas. Nas far-mácias, na tevê, na internet, em revistas eno chamado marketing de rede, é muitocomum a oferta de compostos que prometemvida longa, juventude, disposição, resistênciae proteção ao organismo. E tomevitaminas de todas as letras, minerais, cartilagensde vários tipos de peixe, extratosde vegetais e outras panacéias que não sãoexatamente investigadas pela ciência – nomáximo demonstraram durante testes algunsefeitos benéficos. Tudo sem receitamédica.Ao contrário da crença popular forjadapela publicidade de uma indústria quefatura alto, pesquisas científicas advertempara os riscos da ingestão descontroladade vitaminas e minerais. Uma delas, divulgadarecentemente, mostrou que algumasdoenças perigosas podem ser potencializadaspelo uso indiscriminado dessesmedicamentos. Chefia<strong>dos</strong> por Goran Bjelakovic,do Hospital Universitário de Copenhague,na Dinamarca, pesquisadoresestudaram 67 artigos científicos em que oNutro o quê?A nutrologia é uma especialidade damedicina tradicional. Já a chamadamedicina ortomolecular, que cada vezmais ganha adeptos, não é reconhecidapelo Conselho Federal de Medicina.Segundo a resolução 1.500/98 daentidade, faltam pesquisas científicas pararespaldar a eficácia e a segurança dessalinha de tratamento baseada na ingestãode grandes <strong>dos</strong>es de vitaminas, minerais eantioxidantes.Vida agitadaJecileide perdeu10 quilos emmenos de trêsmeses. Procurouum médico, quelhe prescreveusuplementosvitamínicosmauricio moraisuso de vitaminas por adultos foi comparadoao do placebo (substância inócua, usadaem testes). Descobriram também queos suplementos vitamínicos não prolongarama vida de quem buscou longevidadenas sintéticas vitaminas A e E, no betacarotenoe no mineral selênio – ti<strong>dos</strong> comopoderosos antioxidantes.“Em excesso, alguns suplementos passama ter ação pró-oxidante, em vez de antioxidante”,explica a nutróloga Eline deAlmeida Soriano, professora da Faculdadede Medicina da Universidade Estadual Júliode Mesquita Filho (Unesp), em Botucatu(SP), e diretora da Associação Brasileirade Nutrologia.A pesquisa dinamarquesa trouxe discussões.De um lado, as indústrias criticaram oestudo. De outro, cientistas apontaram descontrolena comercialização e na falta de rigornos testes toxicológicos feitos para essesprodutos. O fato é que, se há estu<strong>dos</strong> mostrandoque as deficiências vitamínicas e mineraisfacilitam o aparecimento de diversas24 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Vitamina Boa para Fontes Se faltar, pode causar ExcessoAVisão, pele e sistemaimunológico; favorece ocrescimento e a fertilidadeCegueira noturna, alteraçõescutâneasB1 outiaminaB2 ouriboflavinaB6 oupiridoxinaB12C ou ácidoascórbicoDEKPPÁcidofólicoVitaminas e seus papéisÁcidopantotênicoLeva oxigênio às células eatua no metabolismo decarboidratos, gorduras eproteínasConservação <strong>dos</strong> teci<strong>dos</strong> docorpo e saúde ocularMetabolismo <strong>dos</strong> aminoáci<strong>dos</strong> esua conversão em niacina –mostrando como uma vitaminadepende da outraFuncionamento de células <strong>dos</strong>istema digestivo, medula ósseae cérebroIntegridade <strong>dos</strong> pequenosvasos sangüíneos e <strong>dos</strong>teci<strong>dos</strong>, formação <strong>dos</strong> dentese ossos, facilita absorção deferro, aumenta a resistência ainfecçõesEssencial para a formaçãoósseaProtege as células da ação <strong>dos</strong>radicais livres, que em excessolevam ao envelhecimentoprecoceEssencial para a coagulaçãosangüíneaAtua na produção de energiapara as funções do organismoParticipa do processo dedivisão celular e na formaçãoe maturação de hemácias eleucócitos na medula ósseaEssencial para a digestãode carboidratos, gorduras eproteínasÓleo de fígado de peixe,fígado, rim, ovo, leite, óleode dendê, cenoura, couve,espinafre, manteigaCarnes bovinas, suínas,aves, vísceras, gema de ovoe os grãos integraisLeite, queijo, carnes (emespecial fígado), ovos,hortaliças de folhas verdes,cereais integrais e legumesLevedo, germe de trigo,carne de porco, fígado,cereais integrais, legumes,batata, banana e aveiaFígado, rim, leite, ovos, peixe,queijos e carnesFrutas cítricas, vegetaisfolhosos, pimentão, tomate,batata, goiaba, caju, manga,morango, mamãoÓleo de fígado de peixe,manteiga, fígado, gema deovo, leite, salmão, atum, luzsolarGerme de trigo, óleosvegetais, vegetais de folhasverdes, gordura do leite,gema de ovo e nozesVegetais verdes folhosos,brócolis, repolho, nabo,alfaceFígado, carnes, peixes,leguminosas, cereaisintegrais, leite e ovosFígado, feijão-roxo, fava evegetais folhosos verdeescuros,como espinafre,aspargo, brócolis, carnemagra, batata e produtoscom trigo integralPresente em to<strong>dos</strong> osvegetais e animais. Asmelhores fontes são ovos,fígado e salmãoBeribéri, cujos sintomas sãofadiga, instabilidade emocional,anorexia, retardamento docrescimentoLesões na língua, lábios, nariz,olhos e pele, hipersensibilidadeà luz e vascularização intensaLesões em torno <strong>dos</strong> olhos,nariz e boca, inchaço nosmembros superiores einferiores e anemiaInterferência no crescimento,anemia e outros distúrbiossangüíneos e gastrintestinaisEscorbuto (hemorragiasfreqüentes, dentes frouxos,gengivas inchadas, doresnos ossos e articulações),cicatrização retardada deferidasDesmineralização do esqueleto.Em crianças, causa raquitismo– ossos mal desenvolvi<strong>dos</strong>Fragilidade e outrasanormalidades relacionadasaos músculosHemorragias. Mas são rarasFraqueza muscular, perda deapetite, indigestão, erupções napele, estomatite, diarréia, dorde cabeçaDéficit de crescimento, anemia,distúrbios gastrintestinais. Suacarência durante a gravidezpode levar a malformaçõesfetaisDermatites, sensação dequeimação, perda de apetite,náusea, indigestão, estresseDor e fragilidade óssea,hidrocefalia e vômitosem crianças, pele seca,unhas frágeis, perda decabelo, gengivite, anorexia,irritação, fadigaO que não é absorvidoacaba expelido pelos rinsExcessos são elimina<strong>dos</strong>pela urinaFormigamento nas mãos eredução da audiçãoPodem ocorrer lesões nosistema nervoso centralCálculos renais. Muitosprodutos vendi<strong>dos</strong> têmaté 35 vezes mais que aquantidade toleradaCálculos renais,calcificação nos rins epulmões, dores de cabeça,fraqueza, vômitos enáuseaAltas <strong>dos</strong>es impedema absorção do ferropresente nos alimentosAs vitaminas K1 e K2 nãosão tóxicas; a K3 podecausar anemiaFormigamento nosmembros e sensação delatejamento na cabeçaPode causar diarréiaFonte: Associação Brasileira de Nutrologiadoenças, sobram também pesquisas dandocomo improvável a prevenção de muitosmales por meio dessas substâncias sintetizadasem laboratório. Entre médicos enutricionistas, a certeza é de que uma dietaequilibrada, incluindo frutas, verduras, legumes,carnes, grãos integrais e pouca gordura– evitando-se as de origem animal –,supre o organismo de to<strong>dos</strong> os nutrientesnecessários ao seu bom funcionamento.É claro que existem situações em que, poralguma razão, vitaminas e minerais não estejamsendo ingeri<strong>dos</strong> através <strong>dos</strong> alimentose se tornam necessárias <strong>dos</strong>es extras.Na infância e na adolescência, o desenvolvimentoósseo exige mais cálcio; durante agravidez, o ácido fólico é fundamental parao desenvolvimento do tubo neural (que recobrea medula espinhal) do bebê; depois<strong>dos</strong> 60 anos de idade, há redução da capacidadede absorção de vitamina D e cálcio;ou até mesmo em casos de queda acentuadade cabelos ou de unhas quebradiças. “Emto<strong>dos</strong> esses casos, porém, só o médico podeprescrever vitaminas ou minerais adequa<strong>dos</strong>e <strong>dos</strong>agens seguras e eficazes”, diz a nutrólogada Unesp.2008 agosto REVISTA DO BRASIL 25


mundoA nova GuUma nova face da Guerra Fria é mais que fria: é gelada.Ela tem como alvo um <strong>dos</strong> mais difíceis e disputa<strong>dos</strong> atalhosdo mundo: a Passagem do Noroeste, possível caminho entreAmérica do Norte e Ásia Por Flávio Aguiarporta abertaPequeno barco navegaentre o gelo na regiãooeste da GroenlândiaSLIM ALLAGUI/AFPEsse caminho foi primeiro percorrido,a partir da Europa eapenas em parte, pelos vikings,durante a Idade Média. Há umconsenso, entre cientistas dediversos campos do conhecimento, de quehouve um período de aquecimento no hemisférionorte entre os anos de 800 e 1300da era cristã. A princípio acreditava-se queesse aquecimento tivesse sido global. Hojejá há dúvidas. Em todo caso, foi nesse períodoque os vikings navegaram até a Islândia,depois até a Groenlândia e dali chegaram,ao norte, à ilha de Ellesmere – hoje parte doCanadá –, e, ao sul, ao estado da Carolinado Sul, nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Até Ellesmere,eles passaram pelo portal leste do caminho,entre a Groenlândia e o território canadense.Estabeleceram na região postos de comércio,que praticavam com os inuit (maisconheci<strong>dos</strong> como esquimós, nome que elesrejeitam, como preconceituoso, pois seriasinônimo de “canibais”).A partir de 1250 há sinais de que as geleirascomeçaram a avançar em direção ao sul,em um resfriamento progressivo, dificultandoaquele caminho. Em 1500 o resfriamentose intensifica, causando o que se chamade “Pequena Idade do Gelo”, que duraaté 1850. Esse fenômeno é documentado na26 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


erra FriaPassagem do NoroestePassagem do NordestePonte ÁrticaNo início do século 20,o explorador norueguêsRoald Amundsen levoutrês anos para percorrera passagemRússiaAlasca19792006RENAULT Philippe/AFPIlha de EllesmerePólo NorteAMÉRICA DO NORTECanadáÁSIAGroenlândiaNoruegaSuéciaFinlândiavicente mendonçaEUROPAA partebranca mostraa cobertura de gelono verão (mediçãode 2006). A linha tracejadarepresenta a área onde o gelochegava em 1979. As áreas emlaranja são permafrosts, solos típicos dasregiões árticas, misturas de gelo, rocha e água2008 agosto REVISTA DO BRASIL 27


caso se confirme o valor comercial (porora mais turístico do que outro) e militarda nova passagem. Para os Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>,reconhecida potência naval desdeos tempos da Segunda Guerra Mundial,em disputa ainda permanente com umapotência terrestre, a Rússia, o acesso oumesmo o controle sobre a passagem e aregião é vital.Vantagem em meio à desgraça O derretimento das geleiras do Pólo Norte éuma das maiores calamidades ambientais da nossa era. No entanto, as corporaçõescapitalistas enxergam ali uma forma de lucrar ainda mais, diminuindo custos comtransporte como, por exemplo, o pedágio do Canal do Panamá (ao lado)Tempo é dinheiroDe lá para cá, a Rússia, a principal repúblicada ex-URSS, recupera-se econômicae militarmente. O objetivo de cercá-la nãodesapareceu da Organização do Tratado doAtlântico Norte (Otan), liderada pelos Esta<strong>dos</strong>Uni<strong>dos</strong>, como demonstram recentestrata<strong>dos</strong> propostos à Polônia e à RepúblicaTcheca, ex-integrantes do bloco comunista,que levariam ao estabelecimento de basesda Otan em seu território. O da RepúblicaTcheca foi confirmado e só depende daaprovação <strong>dos</strong> respectivos parlamentos, oseu e o <strong>dos</strong> EUA. O da Polônia aguarda provavelmenteo resultado das eleições americanas.O objetivo anunciado dessas bases édeter possíveis mísseis do Irã sobre a Europa.Mas ocorre que o Irã não tem aindamísseis com esse alcance. A reação russafoi imediata: anunciou que haverá retaliações“técnicas e militares”, caso os trata<strong>dos</strong>sejam confirma<strong>dos</strong>.Nesse quadro de tensões novas e antigasem ascensão, as ambições de comércio eos radares e olhares militares voltaram-separa a região ártica e sua nova passagemaberta, ainda que de modo precário e porora incerto. Os russos, provocativamente,fincaram sua bandeira sob o gelo flutuantedo Pólo Norte, a 4.200 metros de profundidade.O Canadá reclama soberania, mesmoque parcial, sobre a passagem, já que amaior parte dela está entre ilhas e arquipélagosque lhe pertencem. Os EUA reivindicamlivre acesso à passagem. E a Dinamarcase moveu, pois um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> da navegaçãose dá, em parte, bordejando a Groenlândia,território seu.Do outro lado, o asiático, a China já semexe, como nova potência comercial e imperialistaem escala mundial. A Noruega,também terra <strong>dos</strong> antigos vikings, tem interessena área: sua ilha de Svalbard confrontade um lado a Groenlândia, do outroilhas russas e ao norte a placa gelada dopólo. A Suécia, antiga e pouco conhecidapotência da região, não ficará indiferentea essa disputa. Idem a União Européia,ROY Philippe/AFPPassagem para PelucidarNa literatura, as águas congeladas doPólo Norte sempre exerceram fascínio. Sucessivasexpedições para alcançá-lo forammotivo de inúmeros escritos, tanto quantoas do Pólo Sul. Segundo antigas lendas,no Pólo Norte haveria uma passagem parao estranho mundo de Pelucidar, o mundoque existiria por debaixo da crosta terrestre.Esse mundo foi tema de um <strong>dos</strong> maisfamosos livros de Julio Verne (Viagem aoCentro da Terra). Numa de suas aventuras(Tarzan no Centro da Terra), o heróide Edgar Rice Burroughs visita esse mundo,numa expedição que, por meio de umbalão, consegue “descer” por essa entradapolar até Pelucidar. O que encontram lá?Um daqueles mun<strong>dos</strong> perdi<strong>dos</strong>, cheios deanimais estranhos e homens e mulheres daidade da pedra.Agora um estranho mundo, que nãosabemos qual seja, pode estar sendo vislumbradoatravés do surgimento, ou ressurgimento,<strong>dos</strong> incríveis caminhos gela<strong>dos</strong>dessa Passagem do Noroeste. Pode sero mundo de um aquecimento catastróficocujas conseqüências não sabemos precisamentequais serão. Mas sabemos que, casoele se confirme com a dramaticidade que odegelo na passagem anuncia, elas serão terríveis.Como já se disse, os mais velhos destecomeço do século 21 talvez não vejam afutura catástrofe. Mas seguramente já estãoolhando nos olhos <strong>dos</strong> que poderão vê-la –ou sua neutralização por políticas ambientaismais consistentes e sustentáveis.Pode ser também o mundo que sucedaao eventual confronto entre as maiores potênciasmilitares e nucleares que a humanidadejá conheceu. Nesse caso, poderemoster a confirmação do pensamento deEinstein, que certa vez disse não sabermoscomo será a Terceira Guerra Mundial, mastermos certeza de como seria a Quarta: compaus e pedras, como na Idade da Pedra ouna fantasia de Pelucidar. Nesses termos, aPassagem do Noroeste é um caminho possível,mas é também uma advertência.2008 agosto REVISTA DO BRASIL 29


ambienteS.O.S. ÁGUAQuase 2 milhões de pessoas vivem às margens dasprincipais represas que abastecem a Região Metropolitana deSão Paulo. Entidades alertam para um colapso, em 10 anos, sea situação não começar a mudar agora Por Xandra Stefanel30 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Esgoto na água de beberAs margens da maior represa da RegiãoMetropolitana de São Paulo, a Billings, estãointensamente povoadas por assentamentosirregulares e sem saneamentoRegina de Grammont mônica schroeder/isaEm 1987 Rosenaidi Ribeiro deAraújo saiu de Olindina (BA)com destino a São Paulo. Moroude aluguel no Jabaquara atédescobrir, em 1991, o JardimGaivotas, no extremo sul da capital, bairroem formação às margens da Represa Billings,maior reservatório de água da RegiãoMetropolitana e um <strong>dos</strong> maiores do mundoem área urbana. Comprou de uma “imobiliária”um terreno à beira d’água por 2.500cruzeiros, moeda de então, parcela<strong>dos</strong> emtrês vezes. Em vez da escritura, obteve simplesrecibos. O que a doméstica Nadi, comoé conhecida, não sabia é que nem ela nemseus vizinhos podiam morar ali, uma áreade manancial protegida por lei.Atualmente cerca de 2 milhões de pessoasmoram em áreas de manancial queatingem as Represas Billings e Guarapiranga,que abastecem 30% da Região Metropolitanade São Paulo, onde estão 38 municípios,além da capital. A Billings leva água aaproximadamente 1,5 milhão de habitantesem Diadema, São Bernardo do Campo,Santo André, Ribeirão Pires, São Caetanodo Sul e Rio Grande da Serra. E poderia levara muito mais, se não tivesse 15% de suabacia ocupada irregularmente e, na maioriadas vezes, sem tratamento de esgoto.Ao seu redor, onde deveria haver apenasMata Atlântica, formaram-se em váriospontos verdadeiras cidades, com casas,iluminação e prédios públicos, ruas asfaltadas,comércios e indústrias. No bairrode Eldorado, em Diadema, por exemplo, averticalização é irreversível. Há “prédios”com até seis residências, uma sobre a outra.Também há casas de luxo e clubes. E novosmoradores não param de chegar.No Jardim Gaivotas ainda funcionamfossas. Nas ruas o odor é característico: brota<strong>dos</strong> canos das casas uma água turva quecorre pelo meio-fio morro abaixo, poluindoos córregos, o solo e a represa.Apesar do crescente aumento populacionalna região, o gerente do Departamentode Águas Superficiais e Efluentes Líqui<strong>dos</strong>da Cetesb, Eduardo Mazzolenis de Oliveira,garante que a qualidade da água não estácaindo. Mas admite que o custo do tratamentoé até quatro vezes maior quando hápoluição.Organizações não-governamentais queacompanham o caso <strong>dos</strong> mananciais háanos alertam para um futuro temeroso.Para Pilar Cunha, geógrafa e pesquisadorada campanha De Olho nos Mananciais, do2008 agosto REVISTA DO BRASIL 31


De onde vem a água da Grande São PauloSistemaBillings(R. Grande)Volumepor seg.PopulaçãoatendidaFonte: Secretaria do Meio AmbienteDe ondeOrganizaçãoParte da ocupação daBillings foi intermediada porassociações de moradores4,8 m 3 1,5 milhão Diadema, São Bernardo do Campo, Santo AndréGuarapiranga 13,7 m 3 3,8 milhões Zonas sul e oeste de São Paulo, Taboão daSerra, Embu e CotiaAlto Tietê 10,8 m 3 3 milhões Zona leste de São Paulo, Arujá,Itaquaquecetuba, Poá, Ferraz de Vasconcelos,Suzano e Mogi das CruzesCantareira 30,5 m 3 9 milhões Zonas norte, central, leste e oeste de São Paulo,Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras,Guarulhos, Osasco, Carapicuíba, BarueriSantana do Parnaíba e São Caetano do SulAlto e BaixoCotia1,87 m 3 700 mil Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Embu-Guaçu,Vargem Grande, Barueri, Jandira e ItapeviRio Claro 3,6 m 3 1,1 milhão Ribeirão Pires, Mauá e Santo Andrédifícil solução Rosenaide e a família do pedreiro Antônio José: medo de perder tudofotos: Regina de Grammontisso não mudar e as políticas públicas nãoforem implementadas de fato, vai ser o colapso.Mas eu não sou pessimista, acho que asociedade civil está pressionando – e é assimque as políticas públicas vêm.”Ricardo Araújo, coordenador do Programade Recuperação de Mananciais da SecretariaEstadual de Saneamento e Energia,concorda que a situação é preocupante, masdiz que o risco de colapso é baixo. “Se os órgãosresponsáveis continuarem investindo,a situação vai melhorar. Mas a guerra aindanão está ganha.” Repasses de R$ 1,22 bilhãopara esse programa de recuperação foramassina<strong>dos</strong> em maio de 2008 e contarão comverbas federal, estadual e municipais. Já foramlicita<strong>dos</strong> R$ 180,2 milhões e as obrascomeçaram no final de junho. A previsão,até 2011, é que 45 mil famílias em 45 favelase assentamentos ao redor das duas represassejam beneficiadas com obras de urbanização,saneamento e habitação.A Operação Defesa das Águas, da prefeiturae do governo de São Paulo, em andamentohá quase um ano e meio, demoliuentre muitos protestos 1.709 construçõesirregulares. Consta do projeto a transferênciade famílias para futuros conjuntos habitacionais.Apesar de as ações de fiscalizaçãoterem aumentado e se modernizado coma implantação desses programas, elas aindanão atuam com a rapidez e a eficiêncianecessárias. Para Virgílio Farias, do Movimentoem Defesa da Vida, do ABC, o problemaé que fiscalizar é atividade antieleitoral.“Tem político que diz que mato e árvorenão votam, então preferem deixar que pessoasentrem na terra e poluam a água.”De toda forma, é a primeira vez que políticasmunicipais, estadual e federal se articulamconcretamente em defesa <strong>dos</strong> mananciaissem perder de vista a qualidade devida da população ribeirinha e da água a serconsumida. Se as obras se concretizareme a oferta de habitação popular e de educaçãoforem adotadas como medidas preventivas,é consenso entre os ambientalistasque o colapso pode ser evitado. E de quebra,quem sabe, acabando também com a farra<strong>dos</strong> vendedores ilegais e do celeiro no entornodas represas.Hábitos e promessasA venda de terrenos é proibida por leifederal desde a década de 1970. É vedadaqualquer construção a até 50 metros daágua. E, depois dessa metragem, autorizadadesde que atenda a uma série de regras2008 agosto REVISTA DO BRASIL 33


Área preservada A proteção pode aumentar com a votação da Lei Específica da Billings– como não exceder a 20% da área do terreno.Mesmo assim surgiram loteamentosclandestinos, oferecendo áreas de 125metros quadra<strong>dos</strong>, acessíveis a pessoas debaixa renda. De acordo com a Cetesb, 90%<strong>dos</strong> casos de ocupação da Billings na décadade 1980 foram intermedia<strong>dos</strong> por associaçõesde moradores, que compravame dividiam os lotes com a “supervisão” depolíticos, que prometiam a breve regularização<strong>dos</strong> terrenos.Para aumentar o cerco e determinar oslimites das áreas de proteção, está para servotada na Assembléia Legislativa do Estadoa Lei Específica da Billings, que definirá diretrizes,normas ambientais e urbanísticasde acordo com as características particularesda represa, a exemplo da Lei Específi-mônica schroeder/isaca da Guarapiranga, já aprovada, mas aindanão implementada. Enquanto isso nãoacontece, “imobiliárias” e agentes ilegaisainda faturam com a ilusão alheia.O pedreiro Antonio José Ferreira da Silva,35 anos, mudou-se recentemente para oJardim Gaivotas com a mulher e três filhos.Em janeiro de 2008 comprou à vista, porR$ 7.000, uma casa pronta a 20 metros daágua. Ele garante que não sabia da proibição.“Depois que entrei ouvi boatos de queiam derrubar tudo. Penso em sair, mas gasteitodo o meu dinheiro aqui. Agora nãoconsigo dormir tranqüilo.” Sua vizinha, acabeleireira Maria Ilza Ismério, afirma queos moradores mais antigos avisam quempretende se instalar. “A gente alerta quecomprar casa ou terreno aqui é investir noque não tem futuro. Mas não adianta.”Nadi não teve quem a avisasse. Em janeirodeste ano foi condenada por crime ambiental,teve de prestar serviços comunitáriose sabe que algum dia sua casa com vistapara a represa será demolida. “Foi um sonhoe eu acordei. Pode ser daqui a seis mesesou seis anos, mas a promotora já disseque vou ter que sair sem direito a nada.”Saiba de onde vem a águawww.mananciais.org.br/site/mergulhe_nessa/de_onde_vem_a_aguaO impacto do RodoanelDos 61 quilômetros do futuroRodoanel Mário Covas, Trecho Sul,38 estarão em área de proteçãoe recuperação de mananciais.As obras consumirão cerca deR$ 3,5 milhões, começaram emsetembro de 2006 e ainda gerammuita polêmica entre governoe ambientalistas. A rodovia saide Mauá, passa por RibeirãoPires, Santo André, São Bernardo,São Paulo, Itapecerica da Serrae encontra o Trecho Oeste emEmbu, ligando as RodoviasAnchieta e Imigrantes, que levamao Porto de Santos, e a RégisBittencourt, que liga São Pauloaos esta<strong>dos</strong> do Sul. Para isso,terá de cruzar a Guarapirangacom uma travessia de 90 metrose passar sobre a Billings comduas pontes. Por enquanto aevidência <strong>dos</strong> impactos está nodesmatamento de 212 hectarescom diversos tipos de vegetação ena construção de uma espécie depista na água.O Instituto Socioambientalgarante que haverá outrosestragos, não leva<strong>dos</strong> em contapelos estu<strong>dos</strong> de impactoambiental. A entidade alerta quea área de influência direta da obradivide ao meio fragmentos deMata Atlântica, não considera atotalidade das sub-bacias afetadase corta áreas de ocupação urbana.A Rede das Águas adverte aindaquanto ao risco de acidentescom cargas químicas que podeminterferir no abastecimento departe da região e o aumento daocupação urbana numa área semestrutura de saneamento.A geóloga Ana Cristina Costa,do Departamento de Avaliação deImpacto Ambiental da SecretariaEstadual do Meio Ambiente,garante que todas as medidaspreventivas e compensatóriasestão sendo tomadas, como oreplantio de quatro vezes a áreadesmatada, a criação de novosparques, caixas de contençãopara os casos de acidentes compoluentes, entre outras.Até agora, o Rodoanel já consumiu oequivalente a 530 campos de futebolde mata ao redor da Billingsfotos: Regina de Grammont34 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


pasqualeTrânsito lentopara a BarraCerta vez, O Globo publicou naprimeira página a frase que estáno título desta coluna. Como sedeve ler essa manchete?Por Pasquale Cipro NetoDe início, é bom dizer que o jornal acertou,como também teria acertado se tivessepublicado “pára” no lugar de “para”.Então tanto faz? Não. “Pára” é bem diferentede “para”. O que temos aí é um<strong>dos</strong> (poucos) casos em que se aplica o acento diferencialde tonicidade. O que é isso? A preposição “para”é considerada palavra átona, o que implica dizer quenenhuma de suas duas sílabas é tônica; a forma verbal“pára” é paroxítona, ou seja, sua sílaba tônica é a penúltima.“Pára” e “para” se escrevem com as mesmasletras, mas só uma tem sílaba tônica. Excepcional nessecaso, o acento agudo diferencia a palavra que temsílaba tônica (a forma verbal “pára”) da que não tem (apreposição “para”).Com a preposição, o jornal indicou que quem se dirigeà Barra encontra trânsito lento. Com a forma verbal“pára”, informar-se-ia que a Barra estaria parada por causado trânsito lento. Às vezes, um mísero acento faz muitadiferença. É bom insistir num ponto: o acento diferencialé excepcional. Palavras como “cara”, “vara”, “tara”, “ira”,“sara” e tantas outras paroxítonas terminadas em “a” nãosão acentuadas. A forma verbal “pára” só recebe acentoporque é necessário diferenciá-la da preposição.Já que falamos da preposição “para”, é bom trocarduas palavras sobre a forma “pra”, definida pelo Auréliocomo contração da preposição “para”, e pelo dicionáriode Caldas Aulete como “forma abreviada de para”.Nada de radicalismos em relação a “pra”, por favor. Nãofaltam em nossa literatura (e na portuguesa também)exemplos do emprego de “pra” no lugar de “para”. O“Aurélio” cita este, entre outros: “Deixa-me os lábiosteus, rubros de encanto, / Somente pra os meus beijos”(Junqueira Freire, Contradições Poéticas).Em linguagem escrita formal culta, ou seja, em textostécnicos, científicos, acadêmicos, jurídicos etc., nãoocorre o emprego de “pra”. Não se aconselha, pois, quese escreva “pra”, por exemplo, num artigo jornalísticoem que se discutam as razões da crise do setor energético.A mesma observação cabe para as demais contraçõesde “para” com os artigos, de que resultam asformas “pro”, “pra”, “pros”, “pras”.Alguns autores entendem que é tônico o “pra” queresulta de “para” (ou “pra”) + “a”, o que justificaria oemprego do acento agudo (“prá”). O dicionário Aurélioé um <strong>dos</strong> que defendem essa posição: “A rigor, constituindo,como constitui, um monossílabo tônico terminadoem a, devia ser acentuado”, diz o Aurélio, quefaz a observação, mas respeita o que é tido como padrão,ou seja, não registra a palavra com acento, nemno exemplo que dá (“Vou levar uma lembrança praquem está doente”).O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,da Academia Brasileira de Letras, registra várias dascontrações das preposições com outras palavras, como“dum” (“de” + “um”), “duma” (“de” + “uma”) e “num”(“em” + “um”), mas só dá a “pra” o valor de preposição,equivalente a “para”, apesar de registrar “pro”, quedá como “contração de para e o”.Em sua Moderna Gramática Portuguesa (edição revistae ampliada), publicada pela Editora Lucerna, doRio de Janeiro, Evanildo Bechara arrola as duas formaçõespossíveis de “pro”, “pra”, “pros” e “pras” (“para” ou“pra” + “o” etc.). Essa obra do querido professor Bechara,por sinal, é referência obrigatória e deve figurar naestante de quem estuda nossa língua.É bom confirmar: a forma “prá” não encontra registro,portanto deve ser evitada. Quanto aos diferenciais de tonicidade,o caso de “pára” não é o único. Entre os demais,merece destaque o que se emprega no verbo “pôr”, queo diferencia da preposição “por”. “Vou pôr aqui” é bemdiferente de “Vou por aqui”. Em tempo: nada de acentuaros deriva<strong>dos</strong> de “pôr”, ou seja, nada de acentuar “depor”,“propor”, “impor”, “repor”, “compor” etc.Pasquale CiproNeto é professorde LínguaPortuguesa,idealizadore apresentadordo programaNossa LínguaPortuguesa, daTV Cultura2008 agosto REVISTA DO BRASIL 35


esporteO desafio dechegar láO Brasil leva uma delegação recorde para Pequim,movida sobretudo a verbas estatais. Com poucodinheiro do setor privado e políticas públicasinsuficientes, o país pena para fazer do esporteum bom meio de gerar oportunidadesPor Cezar MartinsNa biografia preparada para oMuseu Olímpico, órgão oficialda memória <strong>dos</strong> Jogosmodernos, o francês PierreFrédy, o Barão de Coubertin,é descrito como um homem que acreditavano poder de transformação socialda educação. Para o fundador do ComitêOlímpico Internacional (COI) e criador daOlimpíada como a conhecemos, o esporteera a melhor maneira de despertar o interessede jovens também por artes, literaturae outras disciplinas e, assim, resgatar valoreséticos e morais sepulta<strong>dos</strong> no passadojunto com a Grécia Antiga. Coubertin nãoestava errado. Não é difícil comprovar essepotencial hoje, principalmente em paísescom carências profundas. Na delegação de277 atletas nacionais classifica<strong>dos</strong> para osJogos de Pequim, um recorde histórico, nãosão raros os exemplos de jovens nasci<strong>dos</strong>em famílias pobres que conseguiram trocarfuturos incertos pela esperançade medalha.Marta Vieira da Silva, amelhor jogadora de futeboldo mundo, é um desses casosque inspiram tantos outrosjovens. Nascida no sertãode Alagoas, a atacante encontrouno futebol o caminhopara superar obstáculos. Aos 14GarimpeiroFlavio Canto nãovai a Pequim, mas amedalha conquistadaem Atenas-2004rendeu apoio ao seuprojeto de educaçãoem comunidadescarentes doRio de Janeiro,onde tambémgarimpa futuroscampeõesJONNE RORIZ/AE36 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Nas mãos de DeusComo falta culturaesportiva no Brasil,talentos como a saltadorapernambucana Keila Costasurgem como por milagreanos viajou sozinha por três dias até o Riode Janeiro, onde conseguiu vaga na equipedo Vasco. Passou dificuldades, abriu mãode <strong>amigos</strong> e amores e, sem apoio de patrocinadoresnem da Confederação Brasileirade Futebol (CBF), tornou-se a estrela. Donade dribles rápi<strong>dos</strong> e desconcertantes, é a esperançado país de chegar ao inédito ourono futebol, já que o time masculino será,como sempre, um azarão.Vitórias solitárias como a de Marta aindasão regra em um país que tenta ser sede deuma Olimpíada. Enquanto o governo federale o Comitê Olímpico Brasileiro (COB)investem pesado para promover o Rio deJaneiro como sede <strong>dos</strong> Jogos de 2016 – oorçamento da campanha prevê gastos deR$ 66 milhões apenas na fase de candidatura,até novembro de 2009 –, programas deincentivo à prática esportiva volta<strong>dos</strong> paracrianças e jovens carentes são abasteci<strong>dos</strong>a conta-gotas. São poucos e mal pagos osprofissionais habilita<strong>dos</strong> a educar e treinargarotos que poderiam fazer parte dasfuturas delegações nacionais, em diversasmodalidades. Os espaços públicos de treinamento,como clubes municipais, costumamoferecer equipamentos sucatea<strong>dos</strong> epéssimas condições de segurança, higienee conforto, formando um cenário propíciopara o desperdício de talentos.Lalo de Almeida/ Folha ImagemDegraus acimaEm contrapartida, as empresas estataisdespontam como os principais apoiadoresde equipes e atletas olímpicos de ponta, comvultosos patrocínios. Para a preparação dotime brasileiro que vai à China, só o COBrecebeu mais de R$ 260 milhões. A maiorparte, R$ 220 milhões, proveniente do repassede 1,7% da arrecadação das loteriaspela Caixa. O restante veio de seis patrocinadoresoficiais, entre eles duas empresasligadas ao governo: Caixa e Petrobras. Ovalor gasto no ciclo de quatro anos é altoquando comparado, por exemplo, à verbade R$ 11,3 milhões destinada em 2008 aoPrograma Segundo Tempo, do Ministériodo Esporte, que oferece esporte, alimentaçãoe reforço escolar a cerca de 700 mil jovensem todo o país.Esse montante arrecadado pelo COB nãosoma ainda os contratos de patrocínio feitospelas empresas diretamente com as confederações.O Banco do Brasil, por exemplo,investe R$ 22 milhões apenas nas seleçõesmasculina e feminina de vôlei. Sem o aportefinanceiro, segundo a Confederação Bra-2008 agosto REVISTA DO BRASIL 37


sileira de Vôlei (CBV), o esporte não teriaconseguido atingir o nível atual. Sérgio Dutra<strong>dos</strong> Santos, o Escadinha, líbero da seleçãocomandada pelo técnico Bernardinho,talvez seja a personificação <strong>dos</strong> benefíciossociais que o mecenato estatal pode trazer.“A seleção de vôlei significa a minha sobrevivênciae a de muita gente que dependede mim. Tudo o que consegui devo ao vôleie, sempre que entro em quadra, lembroas dificuldades que tive”, afirma o jogador,pai de três filhos.Filho de trabalhadores rurais que cultivavamcafé em Diamantina do Norte (PR),Escadinha chegou a ser vendedor ambulante,com uma Kombi, de produtos de limpeza.Quando o primeiro filho nasceu, em1997, dividia o tempo entre os treinos e outroemprego. Só conseguiu se dedicar exclusivamenteao esporte quando as regrasmudaram e surgiu a posição de líbero, umatleta que só tem função defensiva na quadrae não pode atacar. Adaptou-se rápidoao papel. Em Pequim, será um <strong>dos</strong> astros dotime nacional e porta-bandeira do projetosocial VivaVôlei, mantido desde 1990 pelaCBV com parte do dinheiro que recebe <strong>dos</strong>patrocinadores, para ajudar na socializaçãode crianças carentes de 7 a 14 anos.Outros atletas, hoje admira<strong>dos</strong> como ídolosnacionais, têm histórias semelhantes. Osirmãos Daniele e Diego Hypólito mudarama vida de toda a família, que morava em SantoAndré (São Paulo), graças às acrobaciase piruetas que os consagraram na ginásticaartística. Além <strong>dos</strong> dois, a ginástica brasileiraserá representada pela gaúcha Daiane<strong>dos</strong> Santos, outra que ascendeu por conta dobom desempenho como atleta.Mas a delegação também sentirá a faltade atletas que poderiam chegar ao pódio enão conseguiram se classificar em decorrênciada falta de apoio. É o caso de DiogoSilva, do tae kwon do, que ganhou o ourono Pan-Americano do Rio, em 2007, e nãoconseguiu sua vaga para a Olimpíada. “Otae kwon do é a minha vida. Foi por causadele que larguei a rua e fui para o esporte.Por diversas vezes pensei em desistir, pornão ter condições de me manter”, comentao lutador, que vivia com os R$ 600 pagospelo Bolsa-Atleta, outro programa criadopelo governo federal na tentativa de incrementaro esporte no país.Iniciativa privadaSe para o governo parece ser difícil concentraresforços e verbas em políticas e programasde inclusão social por meio do esporte,para as empresas privadas o temaé praticamente um tabu. Os contratos depatrocínio são inconstantes e mal planeja<strong>dos</strong>,restritos a modalidades de massa ou aesportes com os quais diretores de marketinge relacionamento tenham afinidade. Aexpectativa é de que a Lei de Incentivo aoEsporte possa modificar esse quadro. Regulamentadaem 2007, ela permite que empresasapoiadoras de projetos sociais e esportivostenham alguma compensação noimposto de renda.A Fiat Automóveis é uma das que já sebeneficiam com a lei, formando parceriacom o Clube Atlético Mineiro. O programaoferece 2.070 vagas a estudantes de escolaspúblicas de Belo Horizonte, onde praticamfutebol de campo em horários que não estejamem aula. “A disputa em uma modalidadeesportiva é a melhor maneira de levarcrianças e adolescentes a desenvolver umChance de ouroCom ajuda do Bolsa-Atleta,Diogo Silva, do tae kwon do,foi ouro no Pan-Americano doRio, mas precisava de maiorapoio para chegar à Olimpíadaespírito de competição, com valores éticos erespeito ao próximo”, afirma Ana Luiza Veloso,coordenadora de relacionamento coma comunidade. A montadora também patrocinadesde 1998 o Programa EsportistaCidadão, em parceria com o Minas TênisClube, dirigido a jovens do Aglomerado daSerra, uma das regiões mais violentas da capitalmineira. “O incentivo ao esporte temótima relação custo–benefício. Um investimentorelativamente pequeno pode potencializargrandes efeitos de inclusão. Massão ações que precisam andar junto commelhorias nas escolas e programas sociaispúblicos”, analisa.Mesmo com o aprimoramento da legislação,programas de incentivo ao esporteno Brasil ainda são dependentes da persistênciae do voluntarismo de personalidadesligadas a alguma modalidade. O judocaFlavio Canto, bronze em Atenas-2004, masfora de Pequim nestes Jogos, é diretor-pre-Eduardo Knapp/Folha Imagem38 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


sidente do Instituto Reação, ONG que ensinao esporte sobre o tatame a crianças dafavela da Rocinha e outras comunidades carentesdo Rio de Janeiro. Flavio diz que sópassou a receber mais apoio depois da medalhaconquistada há quatro anos. “Hojesão mais de mil crianças em quatro pólosde educação. Temos programas de educaçãoparalelos, com aulas de idioma, nutricionistas,fisioterapeutas. Ainda estamosprofissionalizando esse setor”, diz o judoca,orgulhoso por ter mandado duas alunasainda das categorias de base para participardo período de treinamentos no Japão juntocom a seleção brasileira, em julho. “Elas sãoexemplos que podemos dar para os outrosalunos. O judô é uma escola moral, ensinaa superar seus limites físicos e emocionaispara enfrentar um adversário em umcombate.”Os ensinamentos do judô certamente foramvaliosos para que Edinanci Silva superasseas dificuldades da infância pobrena Paraíba e chegasse a sua quarta Olimpíada.Uma das esperanças de medalha, ajudoca já foi obrigada a comprovar sua feminilidadecom testes de laboratório parapoder competir em Atlanta-1996. Está emPequim com status de melhor atleta da seleçãofeminina, e sonha com a primeiramedalha olímpica: “Chegou a hora de meutrabalho ser premiado e espero alcançar opódio”.AtletismoPoucas modalidades <strong>dos</strong> Jogos de Pequimsão tão ricas em histórias de superaçãoe inclusão social como o atletismo.Velocistas negros vítimas de racismo quese transformam em ídolos <strong>dos</strong>Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, africanos queescaparam de guerras civis echegaram a ser campeões, e tantosoutros. O Brasil tem poucaschances de ganhar uma medalhade ouro, mas seus atletas, comtrajetórias semelhantes, já podemser considera<strong>dos</strong> vitoriososapenas pelo fato de ser reconheci<strong>dos</strong>internacionalmente.Criança pobre nascida em Ceilândia,cidade-satélite do DistritoFederal, o fundista MarílsonGomes <strong>dos</strong> Santos surpreendeu o mundoao vencer a Maratona de Nova York, em2006. Recebeu como prêmio US$ 130 mile voltou para o Brasil como um <strong>dos</strong> principaisnomes da equipe de atletismo patrocinadapela BM&F. Embora importante, oapoio da Bolsa de Mercadorias & Futuros,“O incentivoao esportetem ótimarelação custo–benefício. Uminvestimentorelativamentepequeno podepotencializargrandesefeitos deinclusão”Ana Luiza Velosoque forma com a Caixa a dupla de maioresinvestidores no atletismo, é consideradopequeno demais para fazer surgir no paísuma gama de talentos capaz de competircom países que possuem maior cultura esportiva.Enquanto isso, os espectadores brasileirostorcerão para que Marílson vença a maratonadisputada nas ruas da capital chinesa.Ou então que possam chegarao pódio atletas ainda desconheci<strong>dos</strong>do grande público, como asaltadora pernambucana KeilaCosta, um talento garimpado naspistas de terra de Abreu e Lima,cidade próxima a Recife.Os esforços, investimentose programas para desenvolvero esporte nacional foram muitosdesde 2004, quando o Brasilconquistou 10 medalhas (5 deouro, 2 de prata e 3 de bronze)nos Jogos de Atenas. Dinheiropúblico e privado foi aportado em diversasiniciativas e distribuído às confederaçõesnacionais. Resta agora saberse, independentemente das medalhas dePequim, terão resultado também no desenvolvimentosocial do país nos próximosanos.Caso raroMarílson Gomessurpreende, é <strong>dos</strong>poucos atletasbrasileiros que têmpatrocínio consistenteEduardo Viana/Lancepress2008 agosto REVISTA DO BRASIL 39


capaDizer não40 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Fidinésio Mendes ri de sua primeira transa,aos 15 anos. “Eu vivia me gabando, contandohistórias de namoradas que já havia tido,mas na verdade era virgem.” Na época, umacolega mais velha, atraída pela conversa, resolveu“se dar” de presente de aniversário. “Fiz umabrincadeira com ela de dia e, à noite, ela me procurou.Quando entrei no carro não deu tempo nem de trocarum beijo: ela mandou ver. Foi muito rápido e só no diaseguinte consegui revelar que tinha sido minha primeiravez. Ela riu, e ficamos juntos por mais um ano”,conta Fid, como é chamado em Cordeirópolis (SP). Asensação, que ele acreditava que um dia teria com alguémespecial e na hora certa, foi de medo. “Na correria,não entendi nada.” Cinco anos depois ele diz queo panorama mudou. “Meninas com 15 anos já transaramcom vários caras. Quando eu tinha 15, não tinhaessa moleza”, brinca.A brincadeira não está tão longe do real. Numa pesquisado Centro Brasileiro de Análise e Planejamento(Cebrap) para o Ministério da Saúde, um em cada trêsentrevista<strong>dos</strong> entre 15 e 19 anos disse ter relações sexuaispor volta <strong>dos</strong> 15 anos – há uma década era umem cada nove. Outra pesquisa, da Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(Unesco), revela que a queda na faixa etária ocorreusobretudo entre as meninas: nos primeiros quatroanos deste século, baixou de 19 para 15 anos, em média,a idade de “estréia” das garotas.Os números mostram mais uma pequena revoluçãono comportamento da população – e revoluções sempretrazem ganhos e perdas. “Os pais estão mais permissivos.Por exemplo, entre 2001 e 2004 dobrou, de25% para 50%, o índice de adultos entrevista<strong>dos</strong> quediziam permitir que seus filhos levassem parceiros paracasa”, afirma Andrea Hercowitz, pediatra e especialistaem hebiatria (a medicina direcionada ao adolescente).“E, quando se adota essa postura, é preciso antes detudo orientar responsavelmente o jovem, com diálogoe transparência.” Andrea é médica do hospital AlbertEinstein, onde atende jovens da classe média e alta; dácursos para adolescentes no Sistema Único de Saúde(SUS); e é professora no hospital-escola do Instituto deHebiatria da Faculdade de Medicina do ABC.Pais liga<strong>dos</strong>Para que haja confiança e diálogo, o sexo não pode servisto como tabu. “Pai e mãe têm papel preponderantee, se existe diálogo e percepção da naturalidade sobre ainiciação sexual, o jovem estará bem-assessorado. Paisque não se sentem confortáveis para conversar devempedir ajuda profissional, em clínicas particulares oupostos públicos de atendimento”, defende Soraya Azzi,psicóloga da Pediatria do Hospital Albert Einstein.Maria Julia Baltar Paim Panessa, que iniciou suavida sexual com 13 anos, garante que sempre teve informaçãoem casa e na escola. “Minha mãe começoua falar sobre sexo quando eu tinha 11 anos e sempredisse que fazia questão que, quando acontecesse, fosseem casa. Ela até propunha levar café na cama”, brinca.Mesmo assim, a história só chegou aos ouvi<strong>dos</strong>da mãe depois. “Namorava havia meses e ele era maisvelho que eu. Uma hora iria rolar. Certa vez fomos aum churrasco com uns <strong>amigos</strong>, em uma chácara, eaconteceu. Contar pra minha mãe não foi fácil – foiela quem viu anticoncepcionais na minha bolsa e veioconversar. Depois ficou tranqüilo. Quando eu tinha18 anos, meu pai me ajudou a bolar um aniversário‘especial’ para um namorado meu em um motel”, conta.Hoje, aos 21 anos, acha que se precipitou. “Aos 14anos eu já tinha preocupações de mulheres adultas.Medo de engravidar, de pegar doenças. Se eu tivessecontraído uma doença sexualmente transmissível, teriade passar a vida me cuidando e me preocupandoem não transmiti-la”, raciocina.É consenso entre os médicos que o apelo da mídiae o volume de informações disponíveis em canais diversos,como a internet, influenciam a precocidade daNumapesquisa doCebrap, umem cada trêsentrevista<strong>dos</strong>entre 15 e 19anos disseter relaçõessexuais porvolta <strong>dos</strong> 15anos – há umadécada eraum emcada nove.Outrapesquisa,da Unesco,revela que aqueda na faixaetária ocorreusobretudoentre asmeninasnão é pecadoMudanças hormonais, novasSim, isso aconteceAlana, com a mãe:sensações e pressões do grupo dedepois do susto, medidaspráticas para lidar com a<strong>amigos</strong> seduzem o adolescente paragravidez precocea primeira experiência sexual, quepode trazer prazer, maturidade ouconseqüências indesejáveisPor Miriam Sangerfotos: regina de grammont2008 agosto REVISTA DO BRASIL 41


atividade sexual. Para o psicólogo especialista em sexologiaCarlos Boechat Filho, a diminuição da repressãopolítica, educacional e religiosa trouxe mudançaspositivas: “Especialmente do ponto de vista do acessoa informação e quebra de <strong>tabus</strong>”.Andrea Hercowitz concorda: “Ao se tornarem adultos,esses jovens estão mais conscientes de si e do quequerem. Têm chances de ser mais felizes”. Mas não setrata de uma regra, e sim de uma possibilidade. “Se asexualidade for exercida de forma inteligente e segura,a atual adolescente e futura mulher provavelmentepoderá ser mais feliz e não será submissa, como foramas das gerações anteriores”, avalia.Aspectos físicosFatores fisiológicos também estão se precipitando. Amenarca, primeira menstruação da mulher, que acontecepor volta <strong>dos</strong> 12 anos, já não é considerada anormala partir <strong>dos</strong> 8. O aparecimento do broto mamário,Frustração precoceMuitas escolas têm em seus currículos a matéria Educação Sexual. Mas asquestões biológicas predominam. Emoções, auto-estima, preservação do corpo,limites pessoais são pouco ou nada debati<strong>dos</strong>. “Adultos precisam ensinar a seusfilhos que eles têm direito a dizer ‘não’ e que a sexualidade não diz respeitoapenas à libido, mas também a afeto e afinidade”, afirma a hebiatra AndreaHercowitz. “Todo jovem tem seus anseios e sabe sobre contracepção, seja ele ricoou pobre. A diferença está nas conseqüências. Atendo meninas mais pobres que jáestão casadas em função da gravidez, o que é difícil de encontrar nas classes maisaltas.” No Brasil, nos últimos anos, a taxa de filhos por mulheres adultas caiu. Aúnica faixa etária em que a porcentagem cresceu foi das adolescentes.Uma pesquisa realizada pela Secretaria da Saúde do Espírito Santo constatouque o maior crescimento no número de mulheres com aids no estado se deuentre jovens com, em média, 15 anos. E 25% <strong>dos</strong> partos realiza<strong>dos</strong> pelo SUS em2006 foram em meninas com menos de 19 anos. “Meninas com 13 ou 14 anosainda não se conhecem, não fizeram escolhas nem sabem de seus limites. Nãoestarão atentas às prevenções”, constata Andrea. No entanto, segundo ela, épreciso fugir de generalizações. “É difícil dizer em qual idade se está preparadopara o início da vida sexual. Às vezes pode-se estar aos 15, e aos 25 não estar.”42 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


SegurançaElaine: “Fico tristequando vejo umaamiga transan<strong>dos</strong>em estar segura,só por medo deperder o namoradoRodrigo Zanottoque dá início ao desenvolvimento <strong>dos</strong> seios, tambémestá adiantado. Andrea já atendeu meninas de 7 anosnesse estágio. “Dentes também estão começando a cairmais cedo. Não é possível dizer se é positivo ou não.Só sabemos que tudo isso indica uma tendência genética.”Sabe-se, por exemplo, que no século 19 não erararo as adolescentes passarem pela menarca por volta<strong>dos</strong> 17 anos.Os meninos não vivenciam essas alterações físicasno mesmo ritmo das meninas. Mais marcante, neles, éa mudança comportamental e social, em grande parteresultado das mudanças vividas pelas garotas. No Brasilde décadas atrás, muitas vezes era o pai do adolescentequem o induzia à iniciação sexual. Hoje os garotosencontram seus pares dentro de seus grupos. Eas mudanças hormonais da puberdade, neles e nelas,despertam o interesse pelo sexo, sensações que antesnão existiam e a segurança – muitas vezes equivocada– de que “se tornaram grandes”. Quando a vida sexualacontece “cedo”, pode representar uma passagem precocepara a vida adulta, segundo a classe médica. Comseus malefícios e benefícios.Em seus atendimentos, a psicóloga Soraya Azzi, doAlbert Einstein, percebeu motivações diferentes entremeninos e meninas. Em geral, eles têm a primeira relação“pela experiência” e elas “por afetividade”. Mas,para ambos, uma das principais características é o naturalafastamento <strong>dos</strong> pais e a busca por um grupo socialcom o qual se identifiquem. Se colegas já tiveramexperiências sexuais, o jovem fatalmente se sentirá estimuladoa ter também, o que não é uma boa forma decomeçar. “Querendo ou não, sempre tem aquela pressão<strong>dos</strong> <strong>amigos</strong>, ‘nossa, já estão juntos há oito meses enada...’”, relata Murilo Chaguri, de 16 anos, que teve suaprimeira relação aos 15.A estudante Elaine Luque, que transou aos 13 anoscom o namorado de 19, tenta sempre “aconselhar” <strong>amigos</strong>.“Para mim, o dia em que rolou foi o mais feliz daminha vida, com direito a rosas sobre a cama dele etudo o mais. Foi tudo bonito. Fico triste quando vejouma amiga transando sem estar segura, só por medode perder o namorado: ‘Se eu não fizer, outra fará’. Jápara os <strong>amigos</strong>, aconselho sempre não forçar a barra,fazer disso um momento especial. A primeira transamarca a gente pra sempre”, acredita.As meninas, quando têm acesso a atendimento e informação,preocupam-se em saber sobre anticoncepcionaise menstruação. Já os garotos se mostram preocupa<strong>dos</strong>com temas como masturbação, tamanho dopênis, mudanças do corpo e quando vai “rolar”. Masnão é incomum o tripé formado por orientação familiar,sistema educacional e de saúde falhar. Alana KoveroffKusminsky, de 16 anos, está entre os quase 6%das meninas de 15 anos que engravidam, segundo aUnesco. Sua mãe, Luciana Vinchevichi Koveroff, de 38anos, sempre foi aberta e tratou com as duas filhas sobreo tema. Levou Alana ao ginecologista quando soubeque ela havia iniciado a vida sexual, mas a gravidez jáestava em curso, fruto de um namoro terminado doismeses antes.“Fiquei sem chão, comecei a tremer sem parar”, contaa futura avó. “E, como deve acontecer com todas asmães que passam por isso, fiquei semanas me questionan<strong>dos</strong>obre o que havia feito de errado. Constatei queela, com a arrogância típica da adolescência, pensou:‘Não, comigo isso não vai acontecer’.” Passado o susto,agora tratam de ser práticas. Alana fez um acordo coma unidade do Sesi em que estuda e cumprirá o currículoem casa, quando necessário. Com informação disponível,abertura em casa e tudo o que manda o figurino,como acontece uma gravidez indesejada? Alana explicaem parte. “Sempre é mais confortável falar com as amigasdo que com os pais, mesmo que eles estejam abertosao assunto. E decidi adotar o método da tabelinha”, aprevenção mais inadequada e ineficaz que existe.Alana conta que no grupo de amigas quem ainda évirgem fica sem graça nas conversas. “Mas, entre as meninas,não ter transado não é um pecado como é entreos meninos.” Ela, aliás, dá sinais de que já se “distanciou”de seu grupo por força da gravidez. “Todo mundoacha um horror quando falo sobre assuntos como oparto, quando digo que quero que seja normal...”experiência x afetividade Murilo: “Querendo ounão, sempre tem aquela pressão <strong>dos</strong> <strong>amigos</strong>”Rodrigo Zanotto2008 agosto REVISTA DO BRASIL 43


ViagemVim, vi evenciUm território de diversidades reúnepersonagens que há 20 anos deixaramsua região de origem para começar vidanova no mais jovem estado da UniãoPor Débora Borges. Fotos de Otavio ValleOrelógio marca 18h45 e o solainda esquenta. Nas areiasda praia da Graciosa a bolarola. O jogo é disputadíssimo.Do lado de fora, Fernandoe Cabelo aguardam. Os dois peladeirosestão no mesmo time para a próxima partida,mas nunca se viram. Fernando é comerciantede Brasília. Cabelo, de Pernambuco,se intitula “hippie”. Além da paixão pelo futebolna praia, têm outra coisa em comum:foram tentar uma nova vida em Palmas, capitaldo estado do Tocantins. A cidade e oestado são assim. Em cada lugar há alguémde alguma parte diferente do país. Criadopela Constituição de 1988, o mais novo estadoda República vai completar 20 anos nomês de outubro, e sua história se confundecom a de milhares de trabalhadores que foramtentar a sorte por lá.Nas escadarias do suntuoso Palácio doAraguaia encontro Arisoli Gomes Pereira,64 anos. Vidraceiro, pisou pela primeiravez em Palmas quando ainda nem era cidade.Na futura capital havia apenas umaárea terraplenada no meio do cerrado, commáquinas, homens e acampamentos. “Nãotinha nada aqui. Nem energia. Você olhavapara um lado só via gado passando; dooutro, só mata.”Palmas foi construída no centro geográficodo novo estado, região onde predominao cerrado, numa área entre o RioTocantins e a Serra do Carmo. E inauguradaoficialmente em 1º de janeiro de 1990.Meses depois, em maio, seu Ari chegou deCampo Grande, com um filho. Não faltaramjanelas e portas para instalar vidros.“Fui o primeiro aqui. Coloquei vidro emtudo que é casa. Até os vidros deste palácio”,conta, apontando para a sede do governoestadual. Além de enfrentar o climade duas estações, verão chuvoso e invernoseco, e as temperaturas acima <strong>dos</strong> 30 grausdurante o dia, na época em que seu Ari che-44 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Lazer de graçaFutebol na praia da Graciosa:Palmas está longe do mar, maso Tocantins é generosoSaudade Aurélio: “Vou visitar os parentesem Belém, mas não vejo a hora de voltar”gou não havia telefone, o custo de vida eraaltíssimo e os meios de transporte eram umdesafio. “Pra telefonar, a gente tinha de irpara Porto Nacional, a 60 quilômetros. Prachegar em Goiânia demorava uns dois diase os ônibus quebravam no caminho.” Hojea viagem de 890 quilômetros leva cerca de12 horas e a cidade possui rodoviária e aeroportomodernos.O vidraceiro viu centenas de pessoas desistirdo sonho de construir Palmas: “O pessoalnão suportava a distância, a poeira, ocalor e as muriçocas”. Com ele foi diferente.Em menos de um ano chegaram a mulher –professora, que em janeiro de 1991 já estavalecionando – e outros cinco filhos. A vidanova vingou. “Aqui eu fui o homem maisfeliz do mundo”, orgulha-se. O Tocantins sónão foi perfeito para Arisoli porque perdeuum filho. Túlio, de 34 anos, era seu compa-nheiro de pescaria. Capitão da polícia, umdia mergulhou para pegar um molinete caídono lago e nunca mais apareceu. “Ele eramuito bom, nadava bem, mas a água gostaé daquele que é bom.”Arco-írisAs mesmas águas que levaram o filho deAri trouxeram vida nova para a maranhenseFrancine Rodrigues, 39 anos. Com a irmãLusimar, 47 anos, tem uma barraquinha debebidas e petiscos na praia das Arnos. A praiade rio é uma opção de lazer já tradicional nojovem estado. Com o enchimento do lago apartir da construção da barragem da usinahidrelétrica de Lajeado no leito do Tocantins,novas praias foram criadas ao longo da orla,que fica à margem direita do rio. O perímetrodo lago tem um percurso de 630 quilômetros.“Eu vim de Imperatriz (MA) em 2005 visitar aminha irmã. Queria ficar apenas uns 15 dias,mas estou aqui até hoje”, conta.Fran é manicure num salão de beleza duranteo dia. À noite abre a barraca e servecervejas, salga<strong>dos</strong> e cal<strong>dos</strong>. O que a prendeunas areias escaldantes de Palmas foi a qualidadede vida: “Dá pra pescar, comer umpeixinho, tomar sol. À noite a coisa ferve”.E ferve mesmo. Se a capital, com suas ruaslargas, quadras distantes, de um ar quasedesértico, parece esconder seus 200 mil habitantes,os shows de forró, “brega do Pará”,reggae e pop à beira do lago lotam a praiadas Arnos aos domingos.O público mostra a diversidade do Tocantins.A manicure fala em terceira pessoacom muito orgulho: “A Barraca da Fran é oponto de encontro GLS da praia”. As coresdo arco-íris que incidem sobre a barracarefletem também as telas do artista plásticoparaibano Antônio Netto, de 36 anos, noTocantins desde 1996.cidade acolhedoraDiz a lenda que, quem botou ospés no Rio Tocantins uma vez,nunca mais quer sair2008 agosto REVISTA DO BRASIL 45


Pioneiro Seu Ari: “Fui o primeiro aqui.Coloquei vidro em tudo que é casa”Diversidade Fran escolheu a Praia dasArnos para montar seu negócioA propagação de cultura e conhecimentolevou também a Palmas o professor AurélioPicanço, 32 anos, de Belém. O jovemdoutor em engenharia sanitária ingressoupor meio de concurso na Universidade Federaldo Tocantins, ativada em 2003. Auréliojá conhecia o estado, pela janela doônibus que o levava de Belém a São Carlos(SP), onde fez o doutorado. “Nunca imaginariaviver aqui.” Agora, não passa pela suacabeça sair. “Vou com minha esposa visitaros parentes em Belém, e depois de umasemana não vejo a hora de voltar pra casa.A lenda diz que, quem botou os pés no RioTocantins uma vez, nunca mais quer sair.Acho que é verdade!”, sorri o hoje diretoradministrativo da universidade.Noite de feiraA despeito da pouca variedade de opçõescomo teatro ou cinema – há apenas duas salasna cidade –, a atividade de lazer imperdívelde Aurélio é a feira. Diferentemente dasfeiras livres tradicionais no Brasil, Palmaspossui um circuito de feiras montadas emquadras especiais distribuídas pela cidade.Devido ao calor, funcionam das 19h aomeio-dia. E os palmenses, muito além dascompras, as freqüentam como a um eventosocial. A feira tem produtos de to<strong>dos</strong> oslugares do país e é ponto de encontro de<strong>amigos</strong>. “Palmas é assim. Você faz <strong>amigos</strong>Cautela Loiri com a família em sua churrascaria: “Vi muita gente ir embora sem nada”46 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


incentivoDaniela: “Palmasé favorável para oesporte. Dá pra nadar,correr e pedalar”e conhece pessoas com facilidade. Aí, umdia você vai jantar na casa de um amigopra comer tutu. Outro dia é pato no tucupi,do Pará. No outro é comida com pequi,de Goiás”, diz o professor.Sua vizinha de quitinete, a dentista DanielaCarvalho Tosin, 36 anos, em poucotempo se tornou uma amiga. E, graças aoutros novos <strong>amigos</strong> que fez, Daniela descobriuuma paixão: o triatlo. “Palmas é favorávelpara o esporte. Dá pra nadar, correre pedalar. Tem as praias, a serra ou a própriaAvenida Theotônio Segurado, que permitepedalar uns 20 quilômetros”, afirma. Danielanasceu em Piracicaba, graduou-se emCampinas e se especializou em Cirurgia eTraumatologia Bucomaxilar em Bauru (todasem SP). Passou alguns anos no México eaceitou ir trabalhar no Tocantins. Divide-seentre o trabalho no Hospital Geral de Palmas(HGP) e o Centro de Reabilitação deAnomalias Faciais do Tocantins (Craft), emAraguaína, a 376 quilômetros, que atendepacientes do Tocantins, Maranhão, Pará eAmazonas e é centro de referência da especialidadena Região Norte.O setor da saúde está em expansão. Abrasiliense Keliane de Lisboa Paiva desembarcouem Palmas em 16 de dezembro de2007, por não conseguir emprego de auxiliarde enfermagem em sua cidade. “No dia17 estava trabalhando no Hospital CristoRei. E um mês depois consegui vaga melhorno HGP”, diz. Keliane espera ainda este anoentrar na faculdade de Enfermagem. “Temmuita oportunidade. Já falei com as minhasamigas de Brasília para virem. Se Deus quiser,só volto pra lá a passeio.”Loiri Maronezi, paranaense de FranciscoBeltrão, acreditou no potencial do novoestado, mas foi mais cauteloso. Comprouterreno em 1998 e esperou a cidade se desenvolver.Quando inaugurou sua churrascaria,em 2002, a maioria <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong>era sulista. “Hoje 65% do pessoal é daqui”,afirma. Grande parte <strong>dos</strong> maitres, garçonse churrasqueiros trazi<strong>dos</strong> do Sul por Loirifixou residência no estado e acrescentouingredientes à cultura local. O paranaenseabriu o negócio de olho no público formadopor deputa<strong>dos</strong>, secretários, prefeitos dointerior, altos funcionários públicos. Hojevive com a mulher, Silmara, e a filha Valentinaem Palmas. “Vi muita gente ir emborasem nada. Quem vive aqui vem de outrascidades e conhece muita coisa. Quem nãoconhece o ramo não sobrevive. É uma cidadediferente”, conclui.E as diferenças ali se convergem. Cadanovo imigrante traz um pouco de sua origem.E faz de Palmas uma cidade bembrasileira.Separar ou não separar?Espelha<strong>dos</strong> pelas experiências<strong>dos</strong> desmembramentos de MatoGrosso e Goiás, que geraram MatoGrosso do Sul e Tocantins, grupospolíticos há décadas propõemno Congresso a criação de novasunidades federativas. No começoda atual legislatura tramitavam18 projetos. Alguns se fundirame outros acabaram arquiva<strong>dos</strong>,como o revival da extintaGuanabara e os curiosíssimosesta<strong>dos</strong> de São Paulo do Leste,Minas do Norte e Triângulo. Aindaestão no páreo 11 projetos. Seeles vingassem, surgiriam osesta<strong>dos</strong> do Tapajós e Carajás, naRegião Norte; Araguaia e MatoGrosso do Norte, no Centro-Oeste; e Maranhão do Sul, Rio SãoFrancisco e Gurguéia, no Nordeste.Pleiteiam-se ainda os territóriosfederais do Rio Negro, Juruá,Solimões e Oiapoque, to<strong>dos</strong> naAmazônia Legal.Os sete novos esta<strong>dos</strong>gerariam, por exemplo, 21 novossenadores e pelo menos 56deputa<strong>dos</strong> federais. Os quatroterritórios acrescentariam àCâmara outros 16 parlamentares.Viriam ainda os sucessivos gastospara a instalação das AssembléiasLegislativas e todo o aparatoadministrativo e burocrático,com uma série de órgãosgovernamentais, tanto estaduaiscomo federais.Rio TocantinsMTGoBrasíliaA divisão de Mato Grosso foiem 1977. Tocantins nasceucom a Constituição de 1988De acordo com um estudorealizado pela arquiteta eurbanista Ana Tereza SoteroDuarte, consultora técnica daCâmara Federal, o Tocantins éo estado que mais cresce nopaís. De 1990 até 2005 o PIBtocantinense cresceu três vezesmais que o do Brasil, com médiade 7,82% ao ano. Contudo, éapenas o 24º PIB estadual, comapenas 0,42% do volume nacional.O índice de desenvolvimentohumano (IDH) do estado, que emMTMSPalmasToBrasíliaGo1991 era de 0,560 (19ª posição noranking nacional), subiu para 0,710em 2000 (17ª).A criação de qualquer novaunidade da federação, antesde atender a alguma demandapolítica, deve pesar conseqüênciassociais, humanitárias, econômicase estratégicas. Por exemplo, orecorte de uma das áreas maispobres do Piauí, para a criaçãodo estado do Gurguéia, quantocustaria aos cofres da União?Quem ganharia com isso?2008 agosto REVISTA DO BRASIL 47


Curta Essa DicaPor Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)Ellen Page eOlivia Thirlbyem cena deJunoTudo pode dar certoA carismática Juno (Ellen Page) é uma adolescente muito prática. Quando descobre que estágrávida de seu melhor amigo (Michael Cera) toma uma decisão bastante estranha: decidecolocar o bebê para adoção e passa a freqüentar a casa <strong>dos</strong> futuros papais (Jennifer Garner eJason Bateman). Juno (Paris, 2007), dirigido por Jason Reitman e escrito pela ex-stripper DiabloCody, não é um filme de grandes emoções, mas agrada pela simplicidade com que abordao tema, pelas boas atuações, pela trilha sonora que se encaixa como uma luva e pelo enredocatártico – em que tudo o que podia dar certo dá, apesar das situações-tabu. Vencedor do Oscarde Melhor Roteiro Original, já está nas locadoras.Grande jornalismoA elite do jornalismo mundial está em OGrande Livro do Jornalismo, editado por JonE. Lewis (Ed. José Olympio, 378 pág.), queselecionou o que considera os 55 textos maisemblemáticos da história com uma variadagama de assuntos: da queda da Bolsa de NovaYork ao casamento de Grace Kelly. Passapor Um Homem É Guilhotinado em Roma,de Charles Dickens (1845), e O RelógioMarcava 7h55 – Precisamente O Momentoem Que o Míssil Explodiu, de Robert Fisk,sobre a Guerra do Iraque. Para jornalistas eadoradores de bons textos. R$ 49, em média.Informação, direito humanoMuitos Mun<strong>dos</strong>, Uma Voz, de João Freire, que o autor chama de estudo,é uma coletânea de fatos e situações que colocam em discussão a ligaçãodireta da comunicação como direito humano essencial e universal. Seutítulo é uma reaplicação do Um Mundo, Muitas Vozes, trabalho daUnesco, de 1980. O livro recolhe situações de conflitos na produçãojornalística, analisa casos, faz reflexões éticas sobre os desafios cria<strong>dos</strong>pelas modernidades tecnológicas. João Freire edita também o blog www.midiaemdebate.com.br. Contato: (63) 9207-4545 ou jlfreire@uol.com.brCentenárioPara celebrar o centenário de morte de um grande autor,está em cartaz até 26 de outubro no Museu da LínguaPortuguesa, em São Paulo, a exposição Machado de Assis:Mas Este Capítulo Não É Sério. O título remete a umcapítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, principalobra de inspiração da exposição. O visitante vai depararcom o ambiente machadiano: sua cidade, os olhos deressaca de Capitu, de Dom Casmurro, transpostos numapenteadeira, um gabinete de leitura com a presençavirtual de famosos e anônimos e a interessantíssima seção“Delyrio”, com a cronologia invertida da vida do escritor.De terça a domingo, das 10h às 18h. R$ 4 e R$ 2 – grátisaos sába<strong>dos</strong>. Metrô Luz, s/nº, (11) 3326-0775.48 REVISTA DO BRASIL agosto 2008


Mutarelli e SimoneSpoladore em cena deO Natimorto, filmebaseado em seu livroSociologia de um artista pluralUm <strong>dos</strong> mais premia<strong>dos</strong> desenhistas brasileiros, LourençoMutarelli é o que se convencionou chamar de multi. Alémde ser dono de traço e estilo únicos, que se tornaramcélebres nas histórias em quadrinhos, excursiona peloteatro, pela literatura e pelo cinema com a mesmadesenvoltura. Começou a carreira com HQs, pormeio de fanzines edita<strong>dos</strong> com tiragem baixa edistribuí<strong>dos</strong> pelo próprio autor. Passou pelo estúdiode Mauricio de Souza e, depois, seguiu pelos rumossombrios da sua imaginação.Como quadrinista publicou A Caixa de Areia,Transubstanciação, Seqüelas, Confluência daForquilha, Mundo Pet, O Dobro de Cinco, O Rei doPonto e A Soma de Tudo 1 e 2. É autor <strong>dos</strong> livros OTeatro de Sombras, Jesus Kid e de O Cheiro do Ralo,que deu origem ao espetacular filme homônimo. Seuquadrinho O Dobro de Cinco também vai virar filmeem breve, nas mãos do produtor Rodrigo Teixeira e dodiretor Dennison Ramalho.Para o teatro, escreveu O Que Você Foi QuandoEra Criança, da Cia. da Mentira, e o sufocanteO Natimorto – Um Musical Silencioso, livro jáfilmado e em fase de finalização, que chegará àstelas em 2009 com direção de Paulo Machline.Nele, divide a atuação com Simone Spoladore eBetty Gofman. No final de julho lançou pela Cia. dasLetras A Arte de Produzir Efeito Sem Causa. Comoator, escritor ou cartunista, ele transforma em artedramas que personifica, como a solidão, o trágico e ainsegurança que retratam a sociedade contemporânea.Paula Braun e Selton Meloem O Cheiro do RaloQuadrinhos, cinema,teatro, literatura...Mutarelli é perfeccionistae já trabalhou no estúdiode Mauricio de Souza2008 agosto REVISTA DO BRASIL 49


crônicaAscharadasde 1968Os cinemas, os salários, empregos, a educação, o transporte, Nixon,De Gaulle e os passatempos que não existem mais. Tudo estava nojornal censurado que não saiu Por Mouzar BeneditoMouzar Benedito,mineiro deNova Resende,é jornalista egeógrafo.Publicou várioslivros, entre eleso Anuário doSaci, ilustradopor OhiNum evento sobre 1968 realizado na CinematecaBrasileira, em São Paulo, no finalde junho, o jornal O Estado de S. Paulomontou uma banca em que distribuía, degraça, sua primeira edição censurada, de13 de dezembro de 1968, dia do famigerado AI-5. Ojornal, logicamente, foi censurado dia 12, véspera dodito cujo. Fora as causas políticas da censura, as coisasque já sabemos, foi interessante ler o jornal.Nada de saudade da ditadura, mas folhear um jornalde outros tempos traz muitas lembranças curiosas. Oscinemas não eram nos shoppings, que nem existiam. OCentro era cheio de bons cinemas, como Metro, Marrocos,Olido, Ouro, República, Ipiranga e o Comodoro,conhecido como Cinerama, que tinha três câmarase uma tela côncava, que dava a sensação de que estávamosdentro das cenas. E cines de arte como o Coral,Bijou e Pigalle. Contei to<strong>dos</strong>: havia 43 cinemas noCentro. E tudo quanto é bairro tinha os seus. Conteitambém: 122!E que filmes faziam sucesso? Barbarella, com JaneFonda, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, O Planeta<strong>dos</strong> Macacos... E era tempo <strong>dos</strong> faroestes italianos, haviavários em cartaz, entre eles Django Não Espera... Mata.Mudando de assunto, estávamos na era do cruzeironovo, cuja sigla era NCr$. O jornal não trazia o valordo salário mínimo. Um exemplar do Estadão custavanas bancas NCr$ 0,25. Eu me lembro do meu emprego,de técnico em contabilidade na Prefeitura, trabalhando6h30 por dia, em que ganhava NCr$ 441 poucomais de cem dólares, que na época custava caro, NCr$3,80. Lago, com o meu salário de emprego simplório,eu podia comprar 1.764 jornais. O Estadão custa hojeR$ 2,30. Então um sujeito, com emprego semelhante,deve ganhar R$ 4.057,20. Ganha?No caderno de anúncios de emprego, precisava-se dedatilógrafas e os salários eram de NCr$ 350 a NCr$ 400.Pegando os preços <strong>dos</strong> jornais como parâmetros, issoseria hoje de R$ 1.400 a R$ 1,600. Auxiliares de escritório,coisa de iniciante de carreira, ganhavam daí pramais. E é preciso lembrar que a ditadura já tinha baixadobastante os salários, desde 1964.Nas páginas sobre educação, a notícia era que quaseto<strong>dos</strong> os estudantes haviam sido aprova<strong>dos</strong> em português.E as provas finais de matemática também foramconsideradas muito fáceis. Algumas mães reclamavamque estavam abaixo do que deviam exigir de seus filhos,inteligentes e bem forma<strong>dos</strong>. Lembro-me agora do queos sucessivos governos (a começar pelos da ditadura)fizeram com a educação de lá pra cá...Quanto ao transporte ferroviário de passageiros, praticamenteextinto no governo FHC, anunciava-se paradali a dois dias o início das operações de um trem daMogiana de Campinas a Brasília. E uma novidade: ometrô. Um anúncio da Prefeitura informava que nodia seguinte, às 10h, começariam as obras do metrô,na Avenida Jabaquara, altura do número 1.500. Só naprimeira linha, dizia o anúncio, o metrô “transportará80 mil passageiros por hora! (o equivalente à lotaçãode 1.600 ônibus)”. O prefeito era Faria Lima – depoisMaluf seria nomeado e tiraria a Prefeitura da parceriacom o estado na construção do metrô.No noticiário internacional, os assuntos eram a formaçãodo gabinete de Richard Nixon, recém-eleito presidente<strong>dos</strong> EUA (o ex-presidente JK comentava: “Nixoné um reacionário atuante da direita”), o clima demelancolia no governo de De Gaulle, na França, depoisdo “traumatismo de maio” (a rebelião de estudantes eoperários), ataques da aviação de Israel à Jordânia e olançamento de um livro sobre a Primavera de Praga,quando a União Soviética esmagou uma tentativa demudanças na Tchecoslováquia.E, nas páginas de amenidades, havia os passatempos.Ao lado das palavras cruzadas, uma coisa que hoje poucossabem o que é: uma coluna de charadismo. Vocêsabe o que é charada?50 REVISTA DO BRASIL agosto 2008

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