Filosofia e Sociologia
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liberdade, exige-se a administração dos conflitos, de tal<br />
modo que não se permita o crescimento do poder de um<br />
determinado grupo em detrimento de outro, o que levaria<br />
a perda da liberdade. Para Maquiavel os homens não<br />
desejam a liberdade do mesmo modo e também a<br />
liberdade é objeto de uma paixão. Alguns querem<br />
liberdade para estar seguros e outros para dominar. Por<br />
isso, “tudo o que é capaz de unir os homens e de subtraílos<br />
ao temor que eles se inspiram mutuamente é,<br />
portanto, um bem; a política é sua prática, pois se trata de<br />
uma arte cujo objetivo é garantir “para sempre a<br />
tranquilidade do Estado e a felicidade das pessoas.”<br />
(SPITZ, 2003, p. 126).<br />
“Nada faz com que um príncipe seja mais estimado do<br />
que os grandes empreendimentos e os altos exemplos<br />
que dá.” (MAQUIAVEL, 2005, p. 130).<br />
Estes empreendimentos referem-se às grandes conquistas<br />
militares e aos exemplos do seu poderio. Orienta ainda<br />
que “é muito útil também para o príncipe dar algum<br />
exemplo notável de sua grandeza no campo da<br />
administração interna”. (MAQUIAVEL, 2005, p. 131).<br />
Maquiavel alerta que “nenhum Estado deve crer que<br />
pode sempre seguir uma política segura”, mas “ao<br />
contrário, deve pensar que todos os caminhos são<br />
duvidosos.” (MAQUIAVEL, 2005, p. 134) Para bem<br />
administrar o Estado é preciso entender a natureza das<br />
coisas, o fato de que não se consegue evitar uma<br />
dificuldade sem cair em outra. A prudência do príncipe<br />
consiste em saber reconhecer estas questões e escolher<br />
entre o que é menos mau para a sociedade.<br />
Por fim, Maquiavel propõe o apreço pelas virtudes e<br />
praticamente uma participação popular de tempos em<br />
tempos, construindo assim a ideia de solidariedade e<br />
generosidade por parte do príncipe.<br />
Para o pensador italiano, Antônio Gramsci, “em todo o<br />
livro, Maquiavel mostra como deve ser o Príncipe para<br />
levar um povo à fundação do novo Estado, e o<br />
desenvolvimento é conduzido com rigor lógico, com<br />
relevo científico”. (GRAMSCI, 1991, p. 4) Maquiavel<br />
trata com seriedade a política e sente-se parte do povo<br />
que ele supõe constituirá este novo Estado. Como<br />
esclarece Gramsci, “Maquiavel faz-se povo, confunde-se<br />
com o povo, mas não com um povo ‘genericamente’<br />
entendido, mas com o povo que Maquiavel convenceu<br />
com o seu desenvolvimento anterior, do qual ele se torna<br />
e se sente consciência e expressão, com o qual ele se<br />
sente identificado”. (GRAMSCI, 199, p. 4) Neste<br />
sentido, toda lógica em Maquiavel parece atender a uma<br />
reflexão do povo, de “um raciocínio interior que se<br />
manifesta na consciência popular e acaba num grito<br />
apaixonado, imediato”. (GRAMSCI, 1991, p. 4) No<br />
pensamento gramsciano há uma verdadeira perspectiva<br />
de “manifesto político” na obra de Maquiavel. Não é<br />
algo que vem de fora, de teóricos, de tratados políticos,<br />
mas do próprio pensamento popular interpretado por<br />
Maquiavel. Ainda com Gramsci podemos entender que<br />
“a doutrina de Maquiavel não era, no seu tempo, uma<br />
coisa puramente ‘livresca’, um monopólio de pensadores<br />
isolados, um livro secreto que circula entre iniciados”<br />
(GRAMSCI, 1991, p. 10). Escrevendo coisas aplicáveis,<br />
Maquiavel pretende ensinar, educar, mas não a quem já<br />
sabe, ou que estaria numa “elite dominante”<br />
necessariamente. Para Gramsci não parece este o intento<br />
de Maquiavel.<br />
Em Maquiavel, há uma construção da política de forma<br />
autônoma, fundada na realidade, mas também na<br />
necessidade de mudar esta realidade para conseguir o<br />
intento maior: a unificação da Itália e a fundação do<br />
Estado italiano.<br />
Maquiavel apresenta-se tão atual quanto no momento em<br />
que escreve O Príncipe. Dentro desta atualidade do<br />
pensamento maquiaveliano, e agora podemos afirmar<br />
não maquiavélico, não validamos uma política<br />
despreocupada com valores, mas propõe-se uma política<br />
que seja efetiva, que resolva os problemas e construa<br />
valores práticos. Não é validada a esperteza sem sentido<br />
algum e nem tampouco a bondade sem coerência e<br />
domínio de poder do governante.<br />
Não basta um governante honesto, com uma excelente<br />
proposta política, mas que escolhe mal seus ministros e<br />
assessores. Neste sentido, tratar dos problemas políticos<br />
atuais à luz da leitura do pensamento de Maquiavel<br />
parece-nos uma indispensável contribuição para<br />
entendermos a política de forma mais real, ou seja, como<br />
ela é, como se faz, como se costura em conchavos e<br />
alianças. Menos iludidos, mais realistas, podemos<br />
perceber a importância da política e dos nossos políticos.<br />
Com certeza também poderemos agir de forma<br />
esclarecida quanto aos nossos direitos e deveres,<br />
principalmente no trato com o poder que delegamos aos<br />
nossos representantes.