Filosofia e Sociologia
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de comissários seus; nada podendo concluir<br />
definitivamente. É nula toda a lei que o povo diretamente<br />
não ratificar; em absoluto não é lei. O povo inglês pensa<br />
ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição<br />
dos membros do parlamento; uma vez esses eleitos, ele é<br />
escravo, não é nada. (...) A idéia de representantes é<br />
moderna; vem-nos do Governo feudal, desse governo<br />
iníquo e absurdo no qual a espécie humana só se degrada<br />
e o nome de homem cai em desonra. Nas antigas<br />
repúblicas e até nas monarquias, jamais teve o povo<br />
representantes, e não se conhecia essa palavra.<br />
(ROUSSEAU, 1987, p. 106-108)<br />
De volta à Antigüidade. Os atenienses exerciam seu<br />
poder, sua soberania, diretamente na ekklesia e faziamno<br />
porque eram iguais. Uma vez assegurada a igualdade<br />
de direitos perante a lei (isonomia) e também o igual<br />
direito ao uso público e político da palavra (isègoria) nas<br />
assembléias, os atenienses, após debates e deliberações,<br />
tomavam decisões que deveriam ser executadas. Como<br />
isso acontecia? É preciso saber que, no governo da coisa<br />
pública, os cargos fixos eram raros, em geral, os<br />
cidadãos eram encarregados de executar tarefas.<br />
De que forma se decidia a distribuição das tarefas ou dos<br />
cargos? Havia escolha, indicação, eleição?<br />
Não nos esqueçamos que, para os atenienses, a eleição<br />
era um princípio antidemocrático, portanto, deveria ser<br />
evitado. Eles entendiam que a eleição, poderia criar<br />
distinções na sociedade, afinal, escolheriam-se os<br />
melhores (princípio da aristocracia) e com isso se abriria<br />
espaço para que os interesses comuns fossem<br />
administrados por alguns (princípio da oligarquia). Por<br />
essa razão, os atenienses optavam pelo sorteio. Os<br />
críticos da democracia ficavam estarrecidos com essa<br />
prática, afinal, os cargos públicos sorteados eram muito<br />
importantes.<br />
Uma vez colocados esses pressupostos, e sendo este o<br />
princípio da democracia, são de índole democrática os<br />
seguintes procedimentos: eleger todas as magistraturas<br />
entre todos os cidadãos; governar todos a cada um, e<br />
cada um a todos, em alternância; sortear as magistraturas<br />
ou na totalidade, ou então só as que não exijam<br />
experiência ou habilitação; não estipular qualquer nível<br />
de riqueza para se aceder às magistraturas, ou então<br />
estipular um limiar muito baixo; impedir que o mesmo<br />
cidadão exerça duas vezes a mesma magistratura, a não<br />
ser em raras circunstâncias e apenas naquelas escassas<br />
magistraturas que não se relacionam com a guerra;<br />
reduzir ao mínimo o período de vigência de todas as<br />
magistraturas, ou então, do maior número possível delas;<br />
atribuir administração da justiça a todos os cidadãos<br />
escolhidos entre todos, discernindo as questões em litígio<br />
ou a maioria delas, e entre essas as mais importantes e<br />
decisivas, como sejam, por exemplo, as relacionadas à<br />
fiscalização de contas públicas, com a constituição, e<br />
com os contratos do foro privado; depor a supremacia<br />
das decisões nas mãos da assembleia no tocante a todos<br />
os assuntos (...). Outro aspecto decisivo é o fato de<br />
nenhuma magistratura ser vitalícia e, no caso de um<br />
determinado cargo ter resistido a uma antiga reforma, ser<br />
democrático o facto de restringir o seu poder fazendo que<br />
a magistratura seja ocupada por sorteio em vez de<br />
eleição. (ARISTÓTELES, Política, p. 445. 1317 b – 18 a<br />
28; 1318 a)<br />
Considerando-se a enorme responsabilidade do exercício<br />
da cidadania e as responsabilidades implicadas, o sorteio<br />
só poderia ser realizado se o candidato fosse voluntário e<br />
capaz de uma rigorosa auto avaliação. Uma vez disposto<br />
a exercer a cidadania, o candidato era submetido à<br />
dokimasia, que era “um exame, não das suas<br />
competências, mas das suas virtudes cívicas” (ibid, 2003.<br />
p. 38).<br />
Outro procedimento adotado na democracia ateniense era<br />
que os cargos eram assumidos de forma colegiada, com o<br />
objetivo de salvaguardar o poder das deliberações<br />
coletivas e minimizar os possíveis equívocos individuais<br />
na condução dos trabalhos; “por fim, cada magistrado<br />
poderia ser suspenso em curso de mandato, por um voto<br />
da Assembleia”.<br />
A I m<br />
p or t â n cia d a R et ó r ica p ar a os A t en ien ses<br />
Um dos grandes méritos da democracia ateniense era o<br />
fato que ela não valorizava apenas o resultado final da<br />
ação política, ou seja, as decisões tomadas e executadas<br />
valorizavam, sobretudo, o processo de constituição e<br />
fortalecimento da democracia por meio das assembleias,<br />
dos debates públicos e da defesa argumentada das<br />
posições dos cidadãos.<br />
Ora, se a autoridade era pública e coletiva, e não privada,<br />
se as deliberações se davam coletivamente, então pensar,<br />
falar e discutir bem, para poder persuadir o opositor,<br />
eram condições absolutamente necessárias à participação<br />
na política. Por isso, a retórica ocupava um papel central<br />
na vida política de Atenas e estava na base da sua<br />
educação.<br />
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