A Coroa pelo bem da agricultura e do comércio - Arquivo Nacional

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22.06.2015 Views

Considerando a agricultura como uma atividade econômica passível de regulação pelas estruturas administrativas do “império colonial” e, ao mesmo tempo, levando em conta a inexistência, durante todo o período, de um órgão sob o qual recaísse a responsabilidade pública de lidar com a questão agrícola, podemos entender a relação administrativa entre Estado e agricultura como um todo composto por duas partes que estariam em constante processo de adaptação interativa. Uma dessas partes corresponde aos mecanismos adotados pela Coroa portuguesa para controlar seus domínios ultramarinos, baseados em um modelo administrativo transposto da metrópole para a colônia, dotado de especificidades e características próprias. A outra corresponde ao papel da agricultura na formação de uma economia colonial integrada aos interesses e necessidades da metrópole. O entendimento de ambas as partes, mesmo que sucinto, nos parece necessário para uma melhor compreensão do todo que constitui nosso objeto de estudo; é o que faremos a seguir. A AGRICULTURA COMO PARTE DA ECONOMIA COLONIAL Entre os séculos XVI e XVIII prevaleceu na Europa um conjunto de ideias e práticas que hoje denominamos como mercantilistas. 2 Tal visão privilegiava o comércio e se caracterizava essencialmente (a) pelo intervencionismo do Estado na economia através de monopólios e políticas fiscais; (b) pela predominância da ideia de que a posse de metais preciosos constituía a principal forma de enriquecimentos dos Estados; e (c) pela constante busca de uma balança comercial favorável (Vainfas, 2001b, p. 392). Tais práticas se manifestavam de formas diferentes entre os Estados europeus. Para os países onde o ouro e a prata eram escassos, a solução era uma intensa atividade comercial, capaz de deslocar o fluxo de renda dos países que 2 Vainfas afirma que o termo mercantilismo surgiu com os alemães no séc. XIX, mas que, no entanto, “ainda antes dos alemães, os fisiocratas franceses do século XVIII falaram de sistema mercantil para designar o caráter comercial da economia do Antigo Regime” (Vainfas, 2001b, p. 392). 11

possuíam tais metais. É sob tal forma dominante de pensamento que se constituiu o processo expansionista lusitano e, consequentemente, a colonização brasileira. Dentro desse contexto, é importante saber que, em um primeiro momento, as novas terras descobertas na América pelo império português mostraram um potencial econômico muito reduzido em relação aos seus entrepostos asiáticos. Aqui não se encontraram inicialmente nem as especiarias comercializadas nas Índias nem o ouro e a prata descobertos pelos espanhóis nas suas posses na América. Não é à toa que somente três décadas após o descobrimento, com o estabelecimento das capitanias hereditárias, a Coroa promova o primeiro esforço de organização administrativa sistemática, preocupada menos com a exploração econômica do que com a ameaça de ocupação francesa (Taunay, 1965; Russel-Wood, 1998). Ao mesmo tempo, precisamos lembrar que as finanças do Estado português eram extremamente dependentes do comércio marítimo, que representava, no século XVI, cerca de 65% das suas rendas (Fragoso, Florentino, 2001, p. 45). Assim, a colonização brasileira foi um processo que buscava encaixar a necessidade de manter a posse das terras descobertas com a constante busca de novas fontes de renda. Podemos então entender a afirmação de Russel-Wood quando diz que: No centro das políticas metropolitanas encontrava-se a crença inabalável de que a raison d´être do Brasil era servir como fonte de matérias-primas e de impostos para a metrópole. As políticas portuguesas voltadas para o Brasil constituíram um caso clássico de mercantilismo e bulhonismo. Seu corolário era o de que nenhuma iniciativa colonial seria permitida caso tivesse o potencial de infringir negativamente os interesses ou a economia metropolitana (Russel- Wood, 1998). A partir daí podemos começar a entender que boa parte da historiografia relativa à questão da organização econômica colonial inicia-se com a teoria dos ciclos econômicos de Roberto Simonsen, no livro História econômica do Brasil, de 1937. Ali, o autor afirma que a produção constantemente voltada para exportação estabeleceu ciclos produtivos na história econômica brasileira, de acordo com o 12

Consideran<strong>do</strong> a <strong>agricultura</strong> como uma ativi<strong>da</strong>de econômica passível de<br />

regulação pelas estruturas administrativas <strong>do</strong> “império colonial” e, ao mesmo tempo,<br />

levan<strong>do</strong> em conta a inexistência, durante to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong>, de um órgão sob o qual<br />

recaísse a responsabili<strong>da</strong>de pública de li<strong>da</strong>r com a questão agrícola, podemos entender<br />

a relação administrativa entre Esta<strong>do</strong> e <strong>agricultura</strong> como um to<strong>do</strong> composto por duas<br />

partes que estariam em constante processo de a<strong>da</strong>ptação interativa. Uma dessas partes<br />

corresponde aos mecanismos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pela <strong>Coroa</strong> portuguesa para controlar seus<br />

<strong>do</strong>mínios ultramarinos, basea<strong>do</strong>s em um modelo administrativo transposto <strong>da</strong><br />

metrópole para a colônia, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de especifici<strong>da</strong>des e características próprias. A outra<br />

corresponde ao papel <strong>da</strong> <strong>agricultura</strong> na formação de uma economia colonial integra<strong>da</strong><br />

aos interesses e necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> metrópole. O entendimento de ambas as partes,<br />

mesmo que sucinto, nos parece necessário para uma melhor compreensão <strong>do</strong> to<strong>do</strong> que<br />

constitui nosso objeto de estu<strong>do</strong>; é o que faremos a seguir.<br />

A AGRICULTURA COMO PARTE DA ECONOMIA COLONIAL<br />

Entre os séculos XVI e XVIII prevaleceu na Europa um conjunto de ideias e<br />

práticas que hoje denominamos como mercantilistas. 2 Tal visão privilegiava o<br />

<strong>comércio</strong> e se caracterizava essencialmente (a) <strong>pelo</strong> intervencionismo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na<br />

economia através de monopólios e políticas fiscais; (b) pela pre<strong>do</strong>minância <strong>da</strong> ideia de<br />

que a posse de metais preciosos constituía a principal forma de enriquecimentos <strong>do</strong>s<br />

Esta<strong>do</strong>s; e (c) pela constante busca de uma balança comercial favorável (Vainfas,<br />

2001b, p. 392). Tais práticas se manifestavam de formas diferentes entre os Esta<strong>do</strong>s<br />

europeus. Para os países onde o ouro e a prata eram escassos, a solução era uma<br />

intensa ativi<strong>da</strong>de comercial, capaz de deslocar o fluxo de ren<strong>da</strong> <strong>do</strong>s países que<br />

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Vainfas afirma que o termo mercantilismo surgiu com os alemães no séc. XIX, mas que, no entanto,<br />

“ain<strong>da</strong> antes <strong>do</strong>s alemães, os fisiocratas franceses <strong>do</strong> século XVIII falaram de sistema mercantil para<br />

designar o caráter comercial <strong>da</strong> economia <strong>do</strong> Antigo Regime” (Vainfas, 2001b, p. 392).<br />

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