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Adeus à razão? - juliana hidalgo

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DISCIPLINA<br />

História e Filosofi a da Ciência<br />

<strong>Adeus</strong> <strong>à</strong> <strong>razão</strong>?<br />

Autores<br />

Juliana Mesquita Hidalgo Ferreira<br />

André Ferrer P. Martins<br />

aula<br />

12


Coordenadora da Produção dos Materiais<br />

Vera Lucia do Amaral<br />

Coordenadora de Revisão<br />

Giovana Paiva de Oliveira<br />

Coordenador de Edição<br />

Ary Sergio Braga Olinisky<br />

Projeto Gráfi co<br />

Ivana Lima<br />

Revisores de Estrutura e Linguagem<br />

Eugenio Tavares Borges<br />

Janio Gustavo Barbosa<br />

Jeremias Alves de Araújo<br />

José Correia Torres Neto<br />

Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade<br />

Thalyta Mabel Nobre Barbosa<br />

Revisora das Normas da ABNT<br />

Verônica Pinheiro da Silva<br />

Revisores de Língua Portuguesa<br />

Cristinara Ferreira dos Santos<br />

Emanuelle Pereira de Lima Diniz<br />

Janaina Tomaz Capistrano<br />

Kaline Sampaio de Araújo<br />

Governo Federal<br />

Presidente da República<br />

Luiz Inácio Lula da Silva<br />

Ministro da Educação<br />

Fernando Haddad<br />

Secretário de Educação a Distância<br />

Carlos Eduardo Bielschowsky<br />

Reitor<br />

José Ivonildo do Rêgo<br />

Vice-Reitora<br />

Ângela Maria Paiva Cruz<br />

Secretária de Educação a Distância<br />

Vera Lucia do Amaral<br />

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)<br />

Revisoras Tipográfi cas<br />

Adriana Rodrigues Gomes<br />

Margareth Pereira Dias<br />

Nouraide Queiroz<br />

Arte e Ilustração<br />

Adauto Harley<br />

Carolina Costa<br />

Heinkel Hugenin<br />

Leonardo Feitoza<br />

Roberto Luiz Batista de Lima<br />

Diagramadores<br />

Elizabeth da Silva Ferreira<br />

Ivana Lima<br />

José Antonio Bezerra Junior<br />

Mariana Araújo de Brito<br />

Priscilla Xavier<br />

Adaptação para Módulo Matemático<br />

Joacy Guilherme de A. F. Filho<br />

Divisão de Serviços Técnicos<br />

Catalogação da publicação na Fonte. Biblioteca Central Zila Mamede – UFRN<br />

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida<br />

sem a autorização expressa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)


1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

Apresentação<br />

Na aula anterior, apresentamos a perspectiva oferecida por Thomas Kuhn para a análise<br />

do desenvolvimento histórico da ciência. Conceitos como paradigma, ciência normal,<br />

comunidade científi ca, incomensurabilidade, entre outros, surgem em apoio a uma<br />

descrição da construção do conhecimento científi co como um processo de sucessivas rupturas<br />

e revoluções.<br />

Nesta aula, traremos outros dois olhares <strong>à</strong> prática da ciência, propondo um diálogo em<br />

torno da ideia de “racionalidade” ou não do empreendimento científi co, entre outros aspectos.<br />

Objetivos<br />

Apresentar as principais características do pensamento<br />

de Paul Feyerabend.<br />

Apresentar as principais características do pensamento<br />

de Imre Lakatos.<br />

Evidenciar semelhanças e diferenças entre as perspectivas<br />

teóricas de Feyerabend e Lakatos, principalmente no que<br />

diz respeito <strong>à</strong> defesa da “racionalidade” na ciência.<br />

Reconhecer a possibilidade de uma “leitura feyerabendiana”<br />

de episódios da História da Ciência.<br />

Reconhecer a possibilidade de uma “leitura lakatosiana”<br />

de episódios da História da Ciência.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

1


2<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Começando...<br />

Nesse nosso caminhar pela Filosofi a da Ciência, partimos de uma visão bastante difundida<br />

(e superada!) do fazer científi co – aquela que denominamos de empírico-indutivista –<br />

até chegarmos <strong>à</strong> abordagem sociológica de Thomas Kuhn, apresentada na aula anterior.<br />

No meio do caminho, tivemos a oportunidade de discutir o refutacionismo de Popper, que se<br />

insere na perspectiva do racionalismo crítico.<br />

Espero que você tenha percebido como a indução fi cou para trás, enquanto método único<br />

de obtenção de conhecimento científi co e, consequentemente, critério de demarcação entre<br />

ciência e não-ciência. O refutacionismo lançou luzes sobre tudo isso, evidenciando a limitação<br />

do pensamento indutivo e do papel da “verifi cação” na ciência. Seu potencial descritivo e<br />

explicativo do fazer científi co, entretanto, fi ca obscurecido diante do impacto da proposta de<br />

Kuhn que, como vimos, analisa o processo de desenvolvimento histórico da ciência enfatizando<br />

aspectos mais propriamente sociológicos e psicológicos.<br />

Mas, Kuhn não colocou um ponto fi nal em todas essas questões! A ciência (e a História<br />

da Ciência), justamente por ser uma atividade humana complexa, permite diversas leituras e<br />

interpretações. É essa riqueza que faz com que a Filosofi a da Ciência seja um campo aberto<br />

do conhecimento.<br />

Dentre o conjunto de outras possíveis análises da ciência e de seu desenvolvimento,<br />

apresentaremos a seguir aspectos centrais da abordagem de Paul Feyerabend. Veremos como<br />

esse autor “incendeia” ainda mais o debate fi losófi co, levando a ciência a lugares inesperados...


O anarquismo<br />

epistemológico de Feyerabend<br />

Com formação em física e em humanidades, o austríaco Paul Karl Feyerabend (1924-<br />

1994) desenvolveu uma fi losofi a da ciência bastante peculiar. Frequentou o grupo de<br />

estudos liderado por Popper e travou intensos debates com Kuhn – e também com<br />

Lakatos, com quem manteve uma intensa polêmica até a morte prematura deste.<br />

Figura 1 – Paul Feyerabend (1924-1994)<br />

Obviamente, não pretendemos, por razões de espaço, abordar a epistemologia de<br />

Feyerabend em detalhes. Nessa breve apresentação, trataremos somente das ideias centrais<br />

presentes em uma das suas mais importantes obras: Contra o Método. O próprio título desse<br />

livro já denuncia uma das intenções do autor: contestar a existência de um “método científi co”<br />

único e defi nido.<br />

Nesse trabalho, Feyerabend defende a tese de que o único princípio capaz de não inibir<br />

o progresso científi co é: tudo vale. Sua proposta é a de um anarquismo epistemológico,<br />

baseado na ideia de que não é viável interpretar o desenvolvimento científi co <strong>à</strong> luz de um<br />

método fundamentado em princípios fi rmes e obrigatórios. A pesquisa histórica mostraria<br />

que todas as regras metodológicas foram violadas em algum momento:<br />

É claro, portanto, que a idéia de um método estático ou de uma teoria estática de racionalidade<br />

funda-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de sua circunstância social.<br />

Os que tomam do rico material da história, sem a preocupação de empobrecê-lo para<br />

agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual (que se manifesta<br />

como desejo de clareza, precisão, ‘objetividade’, ‘verdade’), esses vêem claro que só há<br />

um princípio que pode ser defendido em todas as circunstâncias e em todos os estágios do<br />

desenvolvimento humano. É o princípio: tudo vale. (FEYERABEND, 1977, p. 34).<br />

Epistemologia<br />

‘Epistemologia’ deve ser<br />

entendida, aqui, como<br />

sinônimo de “teoria do<br />

conhecimento científi co”.<br />

Nessa acepção, tem<br />

forte sobreposição com<br />

o que se entende por<br />

“Filosofi a da Ciência”.<br />

Desse modo, Feyerabend<br />

(e Kuhn, Lakatos etc.)<br />

seriam fi lósofos ou<br />

epistemólogos.<br />

Nessa breve<br />

apresentação<br />

Essa seção também é<br />

fruto (como destacamos<br />

em duas seções da<br />

aula anterior) de uma<br />

reelaboração de um texto<br />

escrito anteriormente por<br />

um de nós e que pode ser<br />

encontrado em<br />

MARTINS (1998).<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência 3


4<br />

Ad hoc<br />

Simplifi cadamente,<br />

podemos pensar em<br />

“hipóteses ad hoc”<br />

como sendo hipóteses<br />

formuladas sem que<br />

haja razões teóricas ou<br />

experimentais que lhes<br />

deem sustentação.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Feyerabend propõe que devemos agir contra-indutivamente, introduzindo concepções<br />

novas na prática da ciência, adotando uma “metodologia pluralista”, uma vez que todas as<br />

metodologias têm limitações. Nesse bojo, defi ne o papel do anarquista: “Um anarquista é como<br />

um agente secreto que participa do jogo da Razão para solapar a autoridade da Razão (Verdade,<br />

Honestidade, Justiça e assim por diante)”. (FEYERABEND, 1977, p. 43-44).<br />

Ao abandonar determinadas alternativas teóricas em função de uma única teoria, o<br />

cientista procede de maneira conservadora, não havendo <strong>razão</strong> alguma para fazê-lo. Isso leva<br />

a uma “dogmatização” da ciência, a uma transformação de uma teoria em ideologia e mito:<br />

Resumindo: Unanimidade de opinião pode ser adequada para uma igreja, para as<br />

vítimas temerosas ou ambiciosas de algum mito (antigo ou moderno) ou para os fracos<br />

e conformados seguidores de algum tirano. A variedade de opiniões é necessária para<br />

o conhecimento objetivo. E um método que estimule a variedade é o único método<br />

compatível com a concepção humanitarista. (FEYERABEND, 1977, p. 57, grifos do autor).<br />

A história, segundo Feyerabend, mostra como certas ideias consideradas “científi cas”<br />

deixaram de sê-lo, ocorrendo também o contrário. Qualquer ideia seria capaz, em princípio, de<br />

aperfeiçoar o nosso conhecimento. Apesar disso, a ciência e o cientista costumam abraçar teorias<br />

esquecendo suas difi culdades e insufi ciências, elaborando frequentemente hipóteses ad hoc.<br />

Entretanto, “nenhuma teoria está de acordo com todos os fatos de seu domínio”. Com isso,<br />

procura o autor rebater qualquer exigência metodológica, como aquela referente ao confronto<br />

teoria-experiência (base do empirismo) ou a proposta de falseamento de teorias. Para Feyerabend,<br />

o confronto com a experiência não signifi ca uma possibilidade de eliminação de teorias, pois a<br />

própria evidência pode estar “contaminada”, permeada por características histórico-fi siológicas.<br />

As difi culdades enfrentadas pela teoria de Copérnico seriam um exemplo disso.<br />

Feyerabend analisa longamente o trabalho de Galileu, procurando mostrar como ele<br />

foi levado a introduzir uma nova “interpretação natural” para concretizar sua oposição aos<br />

aristotélicos com referência <strong>à</strong> mobilidade da Terra. Qualquer “fenômeno” constitui-se de aparência<br />

mais enunciado, havendo uma conexão profunda entre ambos, fruto de um longo aprendizado:<br />

Os fenômenos são o que os enunciados associados asseveram que eles sejam. A<br />

linguagem que ‘falam’ está, naturalmente, infl uenciada pelas crenças de gerações<br />

anteriores, mantidas há tanto tempo que não mais parecem princípios separados,<br />

apresentando-se nos termos do discurso cotidiano e parecendo, após o treinamento<br />

natural exigido, brotar das próprias coisas. (FEYERABEND, 1977, p. 106-107).<br />

O que Feyerabend quer destacar é que não há “fatos puros”, no sentido de observações<br />

“neutras” que independam de nossas pré-concepções. Nosso olhar é, desde o princípio,<br />

direcionado por modelos pré-existentes, havendo um forte vínculo entre sensação e linguagem.<br />

Isso estaria na raiz dos problemas enfrentados por Galileu ao combater a ideia aristotélica<br />

de imobilidade da Terra. Os “fatos” não estariam inteiramente a favor dos aristotélicos (afi nal,<br />

nós vemos todos os astros girarem ao nosso redor e não “sentimos” o movimento da Terra...)?


As evidências, sensações e observações cotidianas pesavam contra ele. Mas, Galileu introduz<br />

uma nova linguagem de observação: “A interpretação de que se vale Galileu repõe os sentidos<br />

na posição de instrumentos de exploração, mas tão-somente com respeito <strong>à</strong> realidade do<br />

movimento relativo”. (FEYERABEND, 1977, p. 114, grifos do autor).<br />

Galileu recorre a outros artifícios psicológicos, segundo Feyerabend, como a propaganda,<br />

em favor de seu modelo. Inaugura “princípios metodológicos novos” e faz uso de uma nova<br />

espécie de experiência, de natureza mais “especulativa”.<br />

O “argumento da torre”, defendido pelos aristotélicos em prol de sua teoria, precisava ser<br />

reinterpretado <strong>à</strong> luz da nova dinâmica baseada na relatividade dos movimentos. Para fazê-lo,<br />

Galileu precisou lançar mão de hipóteses ad hoc relativas ao movimento da Terra, para que<br />

houvesse espaço para a articulação das ideias heliocêntricas.<br />

Contrariamente a algumas concepções, Feyerabend defende que o uso da luneta por<br />

parte de Galileu não permitiu a refutação do geocentrismo, uma vez que o êxito do uso desse<br />

instrumento na Terra não garantia a sua aplicabilidade nos céus. Era necessário um avanço<br />

da óptica e uma nova teoria da visão. Além disso, não havia concordância relativamente <strong>à</strong>s<br />

próprias observações telescópicas! Galileu afi rmava ver o que outros não viam e negou-se a<br />

enviar a luneta a Kepler, que a pediu por intermédio de uma carta.<br />

Para Feyerabend, Galileu busca em duas concepções refutadas (a doutrina copernicana<br />

e a ideia de que os fenômenos vistos através da luneta retratam fi elmente o céu) uma<br />

complementação, no sentido de que é através de seu auxílio mútuo que procurará construir a<br />

nova mecânica. Se, isoladas, essas concepções eram indefensáveis, em conjunto contribuiriam<br />

para a – necessária – nova “interpretação natural”. O uso da luneta buscou alterar o núcleo<br />

sensorial da própria experiência cotidiana, enquanto a nova dinâmica (com o princípio da<br />

relatividade do movimento), alterava os componentes conceituais dessa experiência.<br />

Há certo “movimento de recuo”, no sentido de que dados que apoiavam uma antiga<br />

concepção são abandonados em favor de uma teoria de menor conteúdo empírico. O trabalho<br />

de Galileu torna claro, para Feyerabend, que:<br />

[...] a adesão <strong>à</strong>s novas idéias terá de ser conseguida por meios outros que não<br />

argumentos. Terá de ser conseguida por meios irracionais, como a propaganda, a emoção,<br />

as hipóteses ad hoc e os preconceitos de toda espécie. Tornam-se necessários esses<br />

‘meios irracionais’ para dar apoio <strong>à</strong>quilo que não passa de fé cega, até que disponhamos<br />

das ciências auxiliares, de fatos, de argumentos que transformem a fé em ‘conhecimento’<br />

bem fundado. (FEYERABEND, 1977, p. 238, grifos do autor).<br />

Em outras palavras: a teoria copernicana e outras concepções ‘racionais’ só existem hoje<br />

porque, em seu passado, a <strong>razão</strong>, em algumas ocasiões, foi posta em segundo plano.<br />

(FEYERABEND, 1977, p. 239, grifos do autor).<br />

Esse é um ponto importante da argumentação do autor, que deixa claro o papel de<br />

aspectos “não racionais” em sua análise do desenvolvimento histórico da ciência.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência 5


6<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Feyerabend nos propõe, então, uma epistemologia anárquica, em contraposição <strong>à</strong>s<br />

“metodologias que se prendem <strong>à</strong>s regras e <strong>à</strong> ordem”. Sua crítica é endereçada principalmente<br />

aos princípios do racionalismo crítico (falseamento de teorias, negação das hipóteses ad hoc<br />

etc.) e do empirismo lógico (ser preciso, apoiar teorias em medições etc.), pois ambos são<br />

inadequados para explicar o desenvolvimento passado da ciência e podem prejudicar seu<br />

desenvolvimento futuro:<br />

Sem ‘caos’, não há conhecimento. Sem freqüente renúncia <strong>à</strong> <strong>razão</strong>, não há progresso.<br />

Idéias que hoje constituem a base da ciência só existem porque houve coisas como o<br />

preconceito, a vaidade, a paixão; porque essas coisas se opõem <strong>à</strong> <strong>razão</strong>; e porque foi<br />

permitido que tivessem trânsito. [...] Não há uma só regra que seja válida em todas as<br />

circunstâncias, nem uma instância a que se possa apelar em todas as situações. [...] E,<br />

assim, o anarquismo não é apenas possível, porém necessário, tanto para o progresso<br />

interno da ciência, quanto para o desenvolvimento de nossa cultura como um todo.<br />

(FEYERABEND, 1977, p. 279, grifos do autor).<br />

Consequentemente, não há uma maneira racional de criticar um cientista que se apega a<br />

teorias “velhas”. Tampouco podemos descartar, por meio de qualquer padrão, novas teorias<br />

que surgem. Somente a proliferação de teorias é benéfi ca <strong>à</strong> ciência.<br />

Feyerabend também analisa o problema da incomensurabilidade. Para ele, ela ocorre<br />

já no “domínio da percepção”, onde estímulos apropriados, face a diferentes “sistemas de<br />

classifi cação”, podem produzir objetos de difícil comparação:<br />

Figura 2 – A “incomensurabilidade perceptiva”…<br />

Mas, não se limita a esse domínio (embora fundamental) a questão da incomensurabilidade.<br />

Analisando exemplos extraídos da história da arte, Feyerabend procura mostrar como os<br />

elementos de certo estilo artístico referenciam-se numa certa visão de mundo, numa certa<br />

cultura. Sua análise é “antropológica”, e é nesses termos que ele pretende que estejam apoiados<br />

os seus resultados, que apresenta em forma de teses (FEYERABEND, 1977, p. 399-401),<br />

expostas a seguir.


1) Existem “esquemas de pensamento (ação, percepção) incomensuráveis entre si”.<br />

2) O “desenvolvimento da percepção e do pensamento, no indivíduo, atravessa estágios que<br />

são mutuamente incomensuráveis”.<br />

3) As “concepções dos cientistas e, especialmente, as concepções que têm acerca de<br />

questões fundamentais são, freqüentes vezes, tão diferentes entre si quanto as ideologias<br />

subjacentes a culturas diversas. Pior ainda: existem teorias científi cas mutuamente<br />

incomensuráveis, embora aparentemente relativas ‘<strong>à</strong> mesma disciplina’”.<br />

Feyerabend defende a incomensurabilidade entre a física clássica e a relatividade,<br />

por exemplo. Afi rma que a relatividade sequer permite que “formulemos enunciados” para<br />

expressar o “estado de coisas” do mundo clássico, pois as teorias não compartilham os<br />

mesmos “princípios universais”. Tampouco podemos associar enunciados clássicos a<br />

enunciados relativistas através de uma “hipótese empírica”. Contudo, o autor não nega que<br />

haja semelhanças entre as teorias. Mas ressalta:<br />

[...] é certo que esquemas incomensuráveis e conceitos incomensuráveis podem<br />

apresentar muitas similaridades estruturais – isso, porém, não afasta o fato de que os<br />

princípios universais, próprios de um esquema, são sustados pelo outro. É esse o fato<br />

que defi ne a incomensurabilidade, a despeito de todas as similaridades que seja possível<br />

descobrir. (FEYERABEND, 1977, p. 404-405).<br />

A continuidade das relações formais entre teorias não implica a continuidade<br />

de interpretações.<br />

Por fi m, Feyerabend argumenta em favor da separação ciência-Estado, tanto devido<br />

ao caráter “dogmático” assumido pela primeira, quanto em função da estreita relação dessa<br />

atividade com a prática da religião, do misticismo etc. Além disso, a ciência seria apenas uma<br />

forma de conhecimento válido, mas não necessariamente a melhor:<br />

Não há temer que tal separação leve a um colapso da tecnologia. Sempre haverá<br />

pessoas que preferirão ser cientistas a ser donos de seus destinos e que se submeterão<br />

alegremente <strong>à</strong> mais desprezível forma de escravidão (intelectual e institucional), contanto<br />

que se vejam bem pagas e que tenham em torno de si quem lhes examine o trabalho e<br />

lhes cante louvores. (FEYERABEND, 1977, p. 454).<br />

O tratamento diferenciado recebido pela ciência deve-se ao fato, segundo Feyerabend,<br />

da ciência posicionar-se como “medida objetiva de todas as ideologias”, e não como mera<br />

ideologia. Os cientistas clamam para si uma “aura de excelência”, mas deveriam assumir<br />

“mais modesta posição na sociedade”. Todas as formas de conhecimento seriam igualmente<br />

válidas e deveriam ser estimuladas. Dentro dessa concepção, a separação ciência e nãociência<br />

representa um obstáculo ao progresso do conhecimento: “Se desejamos compreender<br />

a natureza, se desejamos dominar a circunstância física, devemos recorrer a todas as idéias,<br />

todos os métodos e não apenas a reduzido número deles”. (FEYERABEND, 1977, p. 462).<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência 7


8<br />

sua resposta<br />

1<br />

2<br />

3<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Atividade 1<br />

A partir da leitura da seção anterior, destaque, sinteticamente, quais seriam as<br />

principais ideias da fi losofi a de Feyerabend.<br />

Procure estabelecer semelhanças e diferenças entre a abordagem de Thomas Kuhn,<br />

apresentada na aula anterior, e as posições de Feyerabend.<br />

Você concorda com a defesa de Feyerabend de que “todas as formas de conhecimento<br />

seriam igualmente válidas”? O que você acha da separação entre ciência e não-<br />

ciência? Argumente a respeito.


Um resgate<br />

da racionalidade: Lakatos<br />

Se a perspectiva trazida por Feyerabend aprofunda, em certa medida, uma visão crítica do<br />

desenvolvimento da ciência que também estava presente em Kuhn, havendo diversos<br />

pontos de contato entre ambas as abordagens, cabe a seguinte pergunta: ainda é<br />

possível pensarmos a ciência como um empreendimento racional? Que métodos ou critérios<br />

a defi niriam enquanto corpo de conhecimentos estruturado?<br />

Como um contraponto <strong>à</strong> visão de Feyerabend, apresentaremos nesta seção um brevíssimo<br />

panorama da epistemologia de outro autor: Imre Lakatos (1922-1974).<br />

Figura 3 – Imre Lakatos (1922-1974)<br />

Lakatos foi fortemente infl uenciado por Popper, com quem costuma dividir o epíteto<br />

de “racionalista crítico”. Pretende explicar o desenvolvimento da ciência por meio da sua<br />

metodologia dos programas de pesquisa científi ca.<br />

Para Lakatos, podemos avaliar o desenvolvimento científi co em termos de mudanças<br />

dentro dos programas de pesquisa (a própria ciência, como um todo, pode ser considerada<br />

um imenso programa de pesquisa). Tais mudanças podem se dar em dois sentidos: progressivo<br />

ou regressivo. No primeiro caso, um determinado programa cresce em termos teóricos e<br />

empíricos, enquanto que, no segundo caso, ocorre o inverso (voltaremos a isso a seguir).<br />

O que caracteriza um programa de pesquisa? Um primeiro aspecto é a existência de um<br />

núcleo fi rme (ou “núcleo duro”), que é aceito incondicionalmente pelos praticantes da ciência<br />

e considerado “irrefutável”. Como exemplo, o autor cita, no caso do programa de pesquisa<br />

copernicano, a ideia de que as estrelas constituem o sistema de referência fundamental. Essa<br />

é uma hipótese que não pode ser descartada, a menos que se abandone todo o programa de<br />

pesquisa. Da mesma forma, podemos pensar na mecânica newtoniana como um programa de<br />

pesquisa cujo núcleo fi rme conteria as três leis do movimento e a lei da gravitação universal.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência 9


Heurística<br />

Segundo Comte-Sponville<br />

(2003, p. 274), ‘heurística’<br />

é o “que diz respeito <strong>à</strong><br />

busca ou <strong>à</strong> descoberta”.<br />

A palavra ‘heurística’ vem<br />

do grego ‘heuristiké’,<br />

que signifi ca “arte de<br />

encontrar”, “descobrir”.<br />

Pode ser defi nida como<br />

um “conjunto de regras e<br />

métodos que conduzem <strong>à</strong><br />

descoberta, <strong>à</strong> invenção e <strong>à</strong><br />

resolução de problemas”<br />

(FERREIRA, 1986, p. 891).<br />

10<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Além disso, haveria um cinturão protetor responsável – como o próprio nome sugere – por<br />

proteger o núcleo fi rme. Esse cinturão seria constituído por hipóteses auxiliares, metodologias<br />

etc. que poderiam ser reformuladas em função de anomalias. Dessa forma, ele pode ser alterado<br />

ou expandido sem que o núcleo seja atingido. Como exemplo “clássico”, pode-se pensar na<br />

descoberta do planeta Netuno. Havia perturbações na órbita de Urano que não correspondiam<br />

<strong>à</strong>s previsões newtonianas. Em vez de um abandono das hipóteses centrais da teoria, cogitou-se<br />

a existência de outro planeta que explicaria as perturbações. E, de fato, Netuno foi encontrado<br />

posteriormente. Isso signifi caria alterar o cinturão protetor sem afetar o núcleo.<br />

O que orienta o trabalho dos cientistas com respeito <strong>à</strong>s modifi cações do cinturão protetor<br />

é o que Lakatos denomina de heurística positiva. Seria, essencialmente, um “poderoso<br />

mecanismo para solucionar problemas” (LAKATOS, 1998, p. 16), um conjunto de regras e<br />

sugestões que orienta essa busca. É a heurística que garante que haja um caminho pelo qual<br />

se pode avançar, e sua função é transformar possíveis anomalias em algo corroborado pela<br />

teoria vigente.<br />

De modo complementar, Lakatos defi ne uma heurística negativa, responsável por<br />

estabelecer que o núcleo fi rme não sofra alterações. Nas palavras de Chalmers:<br />

A heurística negativa de um programa envolve a estipulação de que as suposições básicas<br />

subjacentes ao programa, seu núcleo irredutível, não devem ser rejeitadas ou modifi cadas.<br />

Ele está protegido da falsifi cação por um cinturão de hipóteses auxiliares, condições<br />

iniciais etc. [...]<br />

A heurística negativa de um programa é a exigência de que, durante o desenvolvimento do<br />

programa, o núcleo irredutível deve permanecer intacto e sem modifi cações. (CHALMERS,<br />

1993, p. 112-113).<br />

Desse forma, Lakatos vê que os programas de pesquisa podem progredir ou regredir. Um<br />

programa progressivo caracteriza-se tanto por modifi cações no cinturão protetor que levem<br />

a novas predições (“teoricamente progressivo”) quanto pela corroboração dessas predições<br />

(“empiricamente progressivo”). Como exemplo, podemos citar a mecânica newtoniana nos<br />

séculos XVIII e XIX, que cresceu tanto do ponto de vista de sua formulação teórica quanto<br />

dos resultados experimentais.<br />

Por outro lado, um programa seria regressivo quando seu desenvolvimento teórico<br />

se atrasa em relação ao crescimento empírico. Nessas circunstâncias, a teoria acaba por<br />

explicar os resultados a posteriori, fazendo, frequentemente, uso de hipóteses ad hoc. Para<br />

Lakatos, na virada no século XIX para o XX, o programa newtoniano estava regredindo (ou “em<br />

degeneração”), enquanto a relatividade surgiu como um programa progressivo. Na medida<br />

em que cientistas deixam de trabalhar num determinado programa de pesquisa, ele começa a<br />

se degenerar e pode desaparecer ou ser arquivado.<br />

[...] num programa de investigação progressivo, a teoria conduz <strong>à</strong> descoberta de factos<br />

novos (até então desconhecidos). Nos programas degenerativos, contudo, as teorias<br />

são fabricadas meramente para enquadrar factos conhecidos. (LAKATOS, 1998, p. 18).


1<br />

2<br />

A perspectiva lakatosiana compreende o progresso do conhecimento como fruto de<br />

embates entre programas de pesquisa progressivos e regressivos. Um aspecto particularmente<br />

relevante da visão desse autor diz respeito a duas características associadas <strong>à</strong> superação de um<br />

programa por outro. Em primeiro lugar, esse seria um processo marcado pela racionalidade,<br />

ou seja, não dependeria de uma adesão cega dos cientistas ou de uma espécie de “conversão<br />

religiosa”. Aqui, Lakatos posiciona-se contra a perspectiva kuhniana de revolução científi ca,<br />

estritamente falando. As mudanças nas teorias da ciência não devem ser interpretadas de um<br />

ponto de vista sociológico ou psicológico. Vejamos o que ele diz:<br />

Ora, como é que acontecem as revoluções científi cas? Se tivermos dois programas de<br />

investigação rivais, um deles progressivo e outro degenerativo, os cientistas tendem<br />

a aderir ao programa progressivo. Esta é a base racional das revoluções científi cas.<br />

(LAKATOS, 1998, p. 19).<br />

Em segundo lugar, Lakatos defende que esse processo seja relativamente lento, ou seja,<br />

seja marcado mais pela continuidade do que pela ruptura. Programas de pesquisa progridem<br />

ou se degeneram, mas de modo gradativo e não abrupto. Nesse sentido, um conceito como o<br />

de incomensurabilidade é totalmente alheio <strong>à</strong> perspectiva trazida pelo autor.<br />

Por último, nessa breve apresentação do pensamento de Lakatos, vale destacar um<br />

elemento de sua análise que diz respeito <strong>à</strong> história da ciência. O autor afi rma que a história<br />

da ciência é a história dos programas de pesquisa. Defende que seja feita uma reconstrução<br />

racional da história, ou seja, que a história (interna) da ciência seja reconstruída de modo a<br />

evidenciar de que maneira as teorias atuais foram se consolidando. Embora Lakatos reconheça<br />

que a história da ciência é sempre mais rica que sua reconstrução racional, esse procedimento<br />

acentuaria a caracterização da ciência como um empreendimento racional. A história interna<br />

deveria ser complementada, se necessário, pela história externa.<br />

Atividade 2<br />

A partir da leitura da seção anterior, destaque, sinteticamente, quais seriam as<br />

principais ideias da fi losofi a de Lakatos.<br />

Procure estabelecer semelhanças e diferenças entre a abordagem de Thomas Kuhn,<br />

apresentada na aula anterior, e as posições de Lakatos.<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

11


12<br />

Razão foi<br />

posta de lado<br />

Outra obra bastante<br />

famosa de Feyerabend –<br />

que nos serviu de “mote”<br />

para o título desta aula –<br />

intitula-se “<strong>Adeus</strong> <strong>à</strong> <strong>razão</strong>”.<br />

Kuhn, Feyerabend, Lakatos e...<br />

possíveis leituras históricas<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Há muitos aspectos que aproximam as perspectivas de Kuhn e de Feyerabend, embora<br />

o primeiro seja mais descritivo, no sentido de uma caracterização do fazer científi co<br />

(presente e passado), e o segundo seja mais prescritivo, na medida em que faz diversas<br />

recomendações sobre como o progresso científi co poderia ser aprimorado.<br />

Um primeiro ponto em comum é a valorização da História da Ciência enquanto campo<br />

de fundamentação de seus respectivos posicionamentos no terreno fi losófi co. E ambos<br />

estabelecem uma visão descontinuísta da História da Ciência, destacando o papel das<br />

rupturas. Kuhn fala em crises e revoluções, enquanto Feyerabend aponta o surgimento de<br />

novas interpretações naturais que rompem com visões anteriores. Ambos se utilizam da noção<br />

de incomensurabilidade.<br />

Outro aspecto que os aproxima é uma visão do cientista como um “conservador”. Kuhn<br />

destaca melhor esse ponto em sua caracterização da prática da ciência normal e no caráter<br />

“dogmático” da formação dos cientistas. Já Feyerabend evidencia esse conservadorismo em<br />

alguns momentos, caracterizando-o, inclusive, como pernicioso. Salienta a resistência a novas<br />

ideias e <strong>à</strong> possibilidade de adoção de uma metodologia pluralista, bem como a atitude das<br />

instituições científi cas em face de programas de pesquisa “exóticos”. Realça as similaridades<br />

entre mito e ciência, no sentido do dogmatismo.<br />

Feyerabend e Kuhn foram acusados, por alguns críticos, de defenderem uma postura<br />

irracionalista. Em Kuhn, isso surge na ideia de adesão a um novo paradigma, por exemplo,<br />

em que deve haver uma espécie de “conversão” dos cientistas aos novos modelos. Cientistas<br />

apegados a um paradigma superado parecem agir de modo “irracional”. Por seu turno,<br />

Feyerabend defende que em diversos momentos da história a <strong>razão</strong> foi posta de lado, e que<br />

isso representou avanço. Destaca o papel da propaganda, da emoção e dos preconceitos.<br />

Esses dois autores, de certo modo, se complementam em suas análises da ciência. Já<br />

a fi losofi a de Lakatos, embora tenha semelhanças com aspectos do modelo kuhniano, dele<br />

difere em várias outras questões.<br />

Os programas de pesquisa, por exemplo, não devem ser confundidos com os paradigmas,<br />

apesar de guardarem certa semelhança com eles. A existência de programas concorrentes –<br />

progressivos e regressivos – é um aspecto que destoa da visão kuhniana de rupturas e revoluções.<br />

Lakatos nos fornece um olhar mais continuísta do desenvolvimento da ciência. Além disso,<br />

procura resgatar uma racionalidade que parece haver sido atingida por Kuhn e Feyerabend.<br />

Apesar disso, Lakatos admite que anomalias possam surgir. Sua heurística positiva orienta<br />

o cientista na busca de soluções (de modo parecido <strong>à</strong> “articulação” do paradigma kuhniano...),<br />

enquanto a heurística negativa impede que o núcleo duro seja atingido. Nesse aspecto, Lakatos


e Kuhn parecem concordar que os cientistas tentam “proteger” seus programas / paradigmas<br />

contra refutações.<br />

De uma forma mais geral, os três autores superam o ponto de vista empírico-indutivista<br />

e reconhecem a infl uência dos modelos teóricos prévios nas observações e experimentações.<br />

Também concordam no que diz respeito a um reconhecimento de que a ciência é uma construção<br />

humana coletiva, cujo desenvolvimento é infl uenciado por fatores sociais e históricos.<br />

Da mesma forma que procedemos nas aulas anteriores, cabe perguntar se leituras<br />

feyerabendianas e lakatosianas da História da Ciência seriam viáveis. Finalizaremos essa seção<br />

com algumas breves considerações a esse respeito.<br />

No caso de Feyerabend, a própria apresentação de sua perspectiva fi losófi ca já nos<br />

colocou diante dessa possibilidade, dada a análise que esse autor faz de Galileu. Vimos como<br />

Feyerabend utiliza esse personagem para defender suas teses relativas <strong>à</strong> interpretação natural,<br />

incomensurabilidade, abandono da <strong>razão</strong>, uso de propaganda etc. Certamente, há outros<br />

episódios históricos que ilustram, por exemplo, o caráter dogmático e o conservadorismo<br />

associado <strong>à</strong> prática dos cientistas (as difi culdades de aceitação da proposta heliocêntrica ou<br />

da teoria da relatividade entram aqui).<br />

No caso de Lakatos, também podemos fazer uma leitura da passagem do geocentrismo<br />

ao heliocentrismo como uma transição entre dois programas de pesquisa: um progressivo (o<br />

de Copérnico) e outro regressivo (o de Ptolomeu). A proposta copernicana tinha o seu “núcleo<br />

fi rme” que, como vimos, vinculava-se ao novo referencial oferecido pelas estrelas. A heurística<br />

positiva irá atuar a partir desse núcleo central, expandindo o cinturão protetor e fazendo com que<br />

esse programa progrida tanto teórica quanto empiricamente. E, nesse sentido, Bruno, Galileu,<br />

Kepler e Newton irão desempenhar um papel central. Na medida em que os cientistas aderem<br />

ao programa copernicano e deixam de lado o programa ptolomaico, esse último se degenera.<br />

Essa análise difere da de Kuhn, essencialmente, pelos aspectos já discutidos: porque<br />

encara a mudança não como uma revolução, em que a ruptura seja o traço essencial. Pelo<br />

contrário, vê a transição como algo temporalmente mais longo e contínuo, com a convivência<br />

de programas de investigação concorrentes. Da mesma forma, poderíamos fazer uma análise<br />

lakatosiana do surgimento da física moderna, com as teorias da relatividade e da mecânica<br />

quântica, já na virada do século XX. Ambas podem ser vistas como novos programas de<br />

pesquisa progressivos, cujos fundamentos atingiram o núcleo fi rme da mecânica newtoniana,<br />

que se tornou um programa regressivo (o que não signifi ca que ele tenha sido abandonado,<br />

devido <strong>à</strong> sua aplicabilidade em contextos apropriados).<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência 13


14<br />

sua resposta<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Atividade 3<br />

Tendo em vista os dois referenciais apresentados nesta aula (Feyerabend e Lakatos),<br />

responda ao que se pede.<br />

a) Você considera que algum deles seja mais adequado para descrever o desenvolvimento<br />

do conhecimento científi co? Por quê?<br />

b) Escolha um deles e tente relembrar de algum período / episódio histórico tratado em aulas<br />

anteriores, fazendo uma leitura feyerabendiana ou lakatosiana desse episódio.<br />

Leituras complementares<br />

PEDUZZI, L. O. Q.; BASSO, A. C. Para o ensino do átomo de Bohr no nível médio. Revista<br />

Brasileira de Ensino de Física, v. 27, n. 4, p. 545-557, 2005. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2009.<br />

Nesse trabalho, os autores analisam um texto a respeito do modelo atômico de Bohr,<br />

voltado a professores do nível médio de ensino, que tem como referência central a fi losofi a<br />

de Lakatos.


REGNER, A. C. K. P. Feyerabend e o pluralismo metodológico. Caderno Catarinense de Ensino<br />

de Física, v. 13, n. 3, p. 231-247, 1996. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2009.<br />

Esse artigo apresenta uma boa introdução ao pensamento de Paul Feyerabend e <strong>à</strong>s suas<br />

implicações para o ensino de ciências.<br />

SILVEIRA, F. L. da. A metodologia dos programas de pesquisa: a epistemologia de Imre Lakatos.<br />

Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 13, n. 3, p. 219-230, 1996. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2009.<br />

1<br />

Esse artigo apresenta uma boa introdução ao pensamento de Imre Lakatos e <strong>à</strong>s suas<br />

implicações para o ensino de ciências.<br />

Resumo<br />

Nesta aula, abordamos o pensamento de Paul Feyerabend e de Imre Lakatos. O<br />

primeiro defende o pluralismo metodológico e o anarquismo epistemológico,<br />

aproximando-se, em muitos aspectos, das posições críticas de Thomas S. Kuhn.<br />

Já Lakatos assume uma posição contrária, principalmente no que diz respeito <strong>à</strong><br />

percepção da ciência como atividade racional e a uma perspectiva continuísta de<br />

seu desenvolvimento. Ambas as fi losofi as lançam luzes sobre o fazer científi co<br />

e podem ser utilizadas na interpretação de episódios históricos. Em particular,<br />

a transição entre o geocentrismo e o heliocentrismo pode ser analisada a partir<br />

dos dois pontos de vista.<br />

Autoavaliação<br />

Com base na leitura desta aula e nas atividades desenvolvidas por você, refl ita sobre as<br />

seguintes questões.<br />

Sou capaz de perceber as principais características da fi losofi a de Paul Feyerabend?<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

15


16<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

Aula 12 História e Filosofi a da Ciência<br />

Compreendo os conceitos centrais da análise feyerabendiana da ciência?<br />

Sou capaz de perceber as principais características da fi losofi a de Imre Lakatos?<br />

Compreendo os conceitos centrais da análise lakatosiana da ciência?<br />

Sei comparar as fi losofi as de Feyerabend e de Lakatos, estabelecendo semelhanças<br />

e diferenças?<br />

Consigo realizar uma leitura da História da Ciência embasada na perspectiva de<br />

Feyerabend ou de Lakatos?<br />

Referências<br />

CHALMERS, A. F. O que é ciência, afi nal? São Paulo: Brasiliense, 1993.<br />

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. São Paulo: Nova<br />

Fronteira, 1986.<br />

FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977 [Há uma edição<br />

mais recente dessa obra, oferecida pela Editora da Unesp, 2007].<br />

LAKATOS, I. História da ciência e suas reconstruções racionais. Lisboa: Edições 70, 1998.<br />

______. Falsifi cação e metodologia dos programas de investigação científi ca. Lisboa:<br />

Edições 70, 1999.<br />

MARTINS, A. F. P. O ensino do conceito de tempo: contribuições históricas e epistemológicas.<br />

1998. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Instituto de Física, Universidade de<br />

São Paulo, São Paulo, 1998.<br />

SILVEIRA, F. L. da. A metodologia dos programas de pesquisa: a epistemologia de Imre Lakatos.<br />

Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 13, n. 3, p. 219-230, 1996. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2009.<br />

SPONVILLE, A. C. Dicionário fi losófi co. São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

ZANETIC, J. FMT405 - evolução dos conceitos da física: notas de aula. São Paulo: Instituto<br />

de Física da USP, 2008. Mimeo.

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