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A representação do medo na descrição da peste em Atenas (V ...

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História, imag<strong>em</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

assi<strong>na</strong>lável sobre um único indivíduo. O grupo encontra nela to<strong>da</strong>s as<br />

interrogações que traz <strong>em</strong> si mesmo (pois é <strong>em</strong> situações desse tipo, de desespero,<br />

e melhor, desorientação, que v<strong>em</strong> à to<strong>na</strong> to<strong>do</strong>s os preconceitos e me<strong>do</strong>s.)”<br />

(REVEL & PETER, 1976, p.142).<br />

Desta forma, o acontecimento epidêmico caracteriza-se como um lugar privilegia<strong>do</strong> de<br />

visualização <strong>do</strong>s mecanismos e práticas <strong>da</strong> população afeta<strong>da</strong>, servin<strong>do</strong> como espelho refletor <strong>da</strong><br />

imag<strong>em</strong> que a socie<strong>da</strong>de t<strong>em</strong> de si mesma.<br />

A descrição que Tucídides realiza <strong>do</strong> ataque de <strong>peste</strong>, comporta el<strong>em</strong>entos de uma níti<strong>da</strong><br />

manifestação <strong>do</strong> me<strong>do</strong> entre os atenienses. Os t<strong>em</strong>ores coletivos são evidencia<strong>do</strong>s pela<br />

desconfiança <strong>na</strong>quilo que antes, oferecia certezas. Encontramos assim, dúvi<strong>da</strong>s <strong>na</strong> relação entre<br />

homens e deuses, <strong>na</strong> d<strong>em</strong>ocracia, nos saberes, principalmente <strong>na</strong> arte médica, como evidencia o<br />

trecho abaixo:<br />

“Diz<strong>em</strong> que ela [<strong>peste</strong>] apareceu anteriormente <strong>em</strong> vários lugares (<strong>em</strong> L<strong>em</strong>nos e<br />

outras ci<strong>da</strong>des), mas <strong>em</strong> parte alguma se tinha l<strong>em</strong>brança de <strong>na</strong><strong>da</strong> comparável<br />

como calami<strong>da</strong>de ou <strong>em</strong> termos de destruição de vi<strong>da</strong>s. N<strong>em</strong> os médicos eram<br />

capazes de enfrentar a <strong>do</strong>ença, já que de início tinham de tratá-la s<strong>em</strong> lhe conhecer<br />

a <strong>na</strong>tureza e que a mortali<strong>da</strong>de entre eles era maior, por estar<strong>em</strong> mais expostos a<br />

ela, n<strong>em</strong> qualquer outro recurso humano era <strong>da</strong> menor valia. As preces feitas nos<br />

santuários, ou os apelos aos oráculos e atitudes s<strong>em</strong>elhantes foram to<strong>da</strong>s inúteis e,<br />

afi<strong>na</strong>l, a população desistiu delas, venci<strong>da</strong> pelo flagelo.” (TUCÍDIDES. II. 47)<br />

V<strong>em</strong>os assim que a <strong>peste</strong> é, “quase s<strong>em</strong>pre, um el<strong>em</strong>ento de desorganização e<br />

reorganização social” (REVEL & PETER, 1976, p.144), ou seja, devi<strong>do</strong> à sua característica<br />

súbita, quase s<strong>em</strong>pre as técnicas existentes não são suficientes ou até mesmo adequa<strong>da</strong>s para<br />

contê-la ou exterminá-la. No caso ateniense, tor<strong>na</strong>-se necessário, assim, desconstruir to<strong>do</strong> um<br />

pensamento relativamente estável como se encontrava o pensamento médico e político <strong>na</strong> Grécia,<br />

no V século a.C., devi<strong>do</strong> às bases hipocráticas e à d<strong>em</strong>ocracia sob o governo de Péricles, para se<br />

construir outros suportes. Porém, esse movimento não se completa de forma imediata, e enquanto<br />

t<strong>em</strong>os essa tentativa de reestruturação, v<strong>em</strong>os instala<strong>da</strong> a desorientação e o caos.<br />

Nas palavras de Tucídides: “de um mo<strong>do</strong> geral a <strong>peste</strong> introduziu <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de pela primeira<br />

vez a a<strong>na</strong>rquia total” (TUCIDIDES. II. 53). No âmbito político, o aparecimento <strong>da</strong> epid<strong>em</strong>ia,<br />

possibilitou um revigoramento no <strong>em</strong>bate entre Cléon, hábil ora<strong>do</strong>r, e Péricles. O flagelo <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>ença agravava o furor popular já açula<strong>do</strong> pela presença <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de uma enorme massa de<br />

refugia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s campos devasta<strong>do</strong>s pelos peloponésios. Os atenienses censuravam Péricles (que<br />

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