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A representação do medo na descrição da peste em Atenas (V ...

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História, imag<strong>em</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

1. lôimos<br />

“Virá um dia a guerra dória, e com ela a <strong>peste</strong>”. 1<br />

Freqüent<strong>em</strong>ente, nos deparamos com situações que abalam nossa capaci<strong>da</strong>de de<br />

percepção e representação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Na História, os ataques de <strong>peste</strong>, oferec<strong>em</strong> exatamente esse<br />

tipo de experiência, potencializa<strong>do</strong>s pela incapaci<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s seres humanos envolvi<strong>do</strong>s de<br />

resolver<strong>em</strong> a situação. Faz-se objetivo deste artigo realizar uma percepção sobre a representação<br />

<strong>da</strong> <strong>peste</strong> que assolou os atenienses, <strong>em</strong> 430 a. C., <strong>na</strong> <strong>na</strong>rrativa de Tucídides 2 , ressaltan<strong>do</strong> os<br />

el<strong>em</strong>entos de desorientação e, conseqüente, me<strong>do</strong> <strong>do</strong>s atenienses, frente ao ataque epidêmico.<br />

As pesquisas realiza<strong>da</strong>s acerca <strong>da</strong>s epid<strong>em</strong>ias que acometeram populações, converg<strong>em</strong>,<br />

<strong>em</strong> sua grande maioria, para a manifestação <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “Peste Negra”, ocorri<strong>da</strong> no século XIV,<br />

por ter si<strong>do</strong> esta, a melhor relata<strong>da</strong> e a maior <strong>em</strong> termos espaciais, alojan<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> grande parte <strong>da</strong><br />

Europa. Nas descrições que o evento <strong>da</strong> “Peste Negra” possibilitou, pod<strong>em</strong>os encontrar,<br />

entretanto, traços <strong>da</strong> <strong>na</strong>rrativa desenvolvi<strong>da</strong> por Tucídides para relatar sua própria experiência<br />

acerca <strong>da</strong> <strong>peste</strong> que assolou os atenienses <strong>em</strong> 430 a. C., durante a Guerra <strong>do</strong> Peloponeso.<br />

A própria utilização de um conceito tão carrega<strong>do</strong> de senti<strong>do</strong>, como é o termo “<strong>peste</strong>”,<br />

para traduzirmos a palavra loimôs 3 , a qual Tucídides se refere <strong>em</strong> sua obra, segun<strong>do</strong> Jean-Charles<br />

Sournia, evidencia essa relação. O termo foi transporta<strong>do</strong> para o relato <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r grego<br />

devi<strong>do</strong> às s<strong>em</strong>elhanças com os escritos sobre a “Peste Negra”. Aceita-se o fato de que Tucídides<br />

estabeleceu, desta forma, uma ver<strong>da</strong>deira tradição literária <strong>da</strong> qual muitos literatos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de<br />

Média irão se apropriar. Sournia defende a idéia de que, apesar de alguns <strong>do</strong>s sintomas<br />

aproximar<strong>em</strong>-se aos <strong>da</strong> Peste Negra, <strong>do</strong> século XIV, o flagelo ateniense não pode ser considera<strong>do</strong><br />

uma manifestação desta, pois não há a descrição de gânglios muito <strong>do</strong>lorosos: bubões que<br />

1 (TUCÍDIDES. II. 54).<br />

2 Tucídides <strong>na</strong>sceu entre os anos de 460 e 455 a. C., <strong>em</strong> Ate<strong>na</strong>s. Provavelmente entre 430 e 427 a. C., foi grav<strong>em</strong>ente<br />

atingi<strong>do</strong> pela epid<strong>em</strong>ia que assolou os atenienses, ten<strong>do</strong> se recupera<strong>do</strong> <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>. De acor<strong>do</strong> com Francisco Murari<br />

Pires, sobre o méto<strong>do</strong> tucidideano, pod<strong>em</strong>os dizer que, <strong>na</strong> tentativa de afastar o el<strong>em</strong>ento mítico, ele potencializa seu<br />

projeto historiográfico, almejan<strong>do</strong> reduzir ao máximo a distância entre o t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> acontecimento e t<strong>em</strong>po <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>rrativa, libertan<strong>do</strong> a m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po histórico <strong>da</strong> confusão de senti<strong>do</strong>s que a m<strong>em</strong>orização prolonga<strong>da</strong> favorece.<br />

Somente e tão-só através deste procedimento a ver<strong>da</strong>de histórica conseguiria sobressair-se <strong>em</strong> relação aos<br />

<strong>em</strong>belezamentos que falseiam a ver<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s fatos (PIRES, 2004, p. 96).<br />

3 Tucídides, <strong>em</strong> sua obra destaca a confusão de senti<strong>do</strong>s que o termo loimôs ocasionou <strong>na</strong> interpretação <strong>do</strong> verso:<br />

“virá um dia a guerra dória, e com ela a <strong>peste</strong>”. Segun<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r, isso se deu devi<strong>do</strong> à s<strong>em</strong>elhança <strong>da</strong> palavra<br />

loimôs (<strong>peste</strong>/<strong>do</strong>ença) com limôs (fome) (TUCÍDIDES. II. 54).<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

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