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A representação do medo na descrição da peste em Atenas (V ...

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História, imag<strong>em</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

huma<strong>na</strong>”, constituí<strong>da</strong>, por vingança, inveja, esperança e “várias outras paixões igualmente<br />

irreprimíveis” (TUCÍDIDES. III. 45), seria condicio<strong>na</strong><strong>da</strong> a leis necessárias e universais,<br />

funcio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> como motor <strong>do</strong>s acontecimentos devi<strong>do</strong> ao seu caráter irrefreável.<br />

4. Conclusão<br />

Nas palavras de Tucídides: “...fora de to<strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong>de, a <strong>peste</strong> caiu sobre nós<br />

[atenienses] – único acontecimento que transcendeu a nossa expectativa.”(TUCÍDIDES. II. 64).<br />

Assim, a epid<strong>em</strong>ia <strong>em</strong> questão representa um el<strong>em</strong>ento lídimo de desestruturação simbólica,<br />

senão <strong>do</strong> cotidiano ateniense, ao menos dessa construção de Ate<strong>na</strong>s como ideal de pólis , <strong>em</strong>bora<br />

estes âmbitos estejam <strong>em</strong> profun<strong>da</strong> relação, ou seja, não há uma separação níti<strong>da</strong> entre uma<br />

“ideali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pólis” e uma “reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pólis”. Visto desta forma, o advento <strong>da</strong> <strong>peste</strong>, ao<br />

ocasio<strong>na</strong>r uma ruptura nos costumes fúnebre, oblitera a fronteira existente entre o público e o<br />

priva<strong>do</strong> e interfere <strong>na</strong> história que os atenienses há mais de c<strong>em</strong> anos antes <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> historiografia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l contavam a si próprios, durante os funerais públicos, onde a pólis<br />

assumia o papel de protagonista (LORAUX, 1994, p. 23).<br />

Como os imaginários interfer<strong>em</strong> ativamente <strong>na</strong> m<strong>em</strong>ória <strong>do</strong> grupo, para qual os<br />

acontecimentos “...contam muitas vezes menos <strong>do</strong> que as representações a que dão orig<strong>em</strong> e que<br />

os enquadram” (BACZKO, 1985, p. 321), faz-se visível o enorme peso que eles exerc<strong>em</strong> sobre as<br />

práticas coletivas, pois constitu<strong>em</strong> pontos de referência num sist<strong>em</strong>a simbólico mais amplo,<br />

produzi<strong>do</strong> pela coletivi<strong>da</strong>de. Os imaginários atuam então como uma força regula<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

coletiva e uma situação de caos, como o ataque <strong>da</strong> <strong>peste</strong> <strong>em</strong> questão, ao ocasio<strong>na</strong>r uma condição<br />

desorienta<strong>do</strong>ra no que concerne à percepção de si e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, promove aquilo que Tucídides que<br />

se refere como sen<strong>do</strong> “grande d<strong>em</strong>ais para ser suporta<strong>da</strong> pela <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>” (TUCÍDIDES. II.<br />

50).<br />

Se a situação epidêmica provoca o me<strong>do</strong>, excessivamente compartilha<strong>do</strong>, <strong>da</strong> morte, é<br />

também um perío<strong>do</strong> de solidão força<strong>da</strong>, de “abolição <strong>da</strong> morte perso<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>.” (DELUMEAU,<br />

1989, p. 123). As necessi<strong>da</strong>des para sobrevivência, pertencentes ao âmbito <strong>do</strong> familiar, <strong>da</strong> casa,<br />

no t<strong>em</strong>po de <strong>peste</strong>, extrapolam o priva<strong>do</strong> e encontram-se no <strong>do</strong>mínio público, uma vez que a<br />

morte configura-se como possibili<strong>da</strong>de constante, alteran<strong>do</strong> o mo<strong>do</strong> de li<strong>da</strong>r com o social. O<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

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