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A representação do medo na descrição da peste em Atenas (V ...

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História, imag<strong>em</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

Guerra e a Peste promov<strong>em</strong> o caos, porque liqui<strong>da</strong>m a fronteira entre os âmbitos, Tucídides dirá<br />

que:<br />

“as revoluções trouxeram para as ci<strong>da</strong>des numerosas e terríveis calami<strong>da</strong>des,<br />

como t<strong>em</strong> aconteci<strong>do</strong> e continuará a acontecer enquanto a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong> for a<br />

mesma;... Na paz e prosperi<strong>da</strong>de as ci<strong>da</strong>des e os indivíduos têm melhores<br />

sentimentos, porque não são força<strong>do</strong>s a enfrentar dificul<strong>da</strong>des extr<strong>em</strong>as; a guerra,<br />

ao contrário, que priva os homens <strong>da</strong> satisfação até de suas necessi<strong>da</strong>des<br />

cotidia<strong>na</strong>s, é uma mestra violenta....Na reali<strong>da</strong>de, os laços de parentesco ficam<br />

mais fracos que os <strong>do</strong> parti<strong>do</strong>, no qual os homens se dispõ<strong>em</strong> mais decidi<strong>da</strong>mente<br />

a tu<strong>do</strong> ousar s<strong>em</strong> per<strong>da</strong> de t<strong>em</strong>po, pois tais associações não se constitu<strong>em</strong> para o<br />

b<strong>em</strong> público respeitan<strong>do</strong> as leis existentes, mas para violar<strong>em</strong> a ord<strong>em</strong><br />

estabeleci<strong>da</strong> ao sabor <strong>da</strong> ambição.” (TUCÍDIDES. III. 82)<br />

O rompimento de uma ord<strong>em</strong> entre o b<strong>em</strong> <strong>da</strong> pólis e o <strong>do</strong>s indivíduos, é, de fato,<br />

explicita<strong>do</strong> nesse trecho. O <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> pólis era o espaço <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, e se havia uma relação<br />

íntima entre os <strong>do</strong>is âmbitos era que a vitória sobre as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> família constituía<br />

a condição <strong>na</strong>tural para a liber<strong>da</strong>de <strong>na</strong> pólis, sen<strong>do</strong> esta situação uma <strong>da</strong>s condições primordiais<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> grega (ARENDT, 2005, p. 40).<br />

A guerra e a <strong>peste</strong> eram exatamente o tipo de configuração que propiciava o retorno à<br />

condição huma<strong>na</strong> tucididea<strong>na</strong>, reconduzin<strong>do</strong> o hom<strong>em</strong> ao seu esta<strong>do</strong> de orig<strong>em</strong>. Nesse caso a<br />

Guerra <strong>do</strong> Peloponeso seria um ex<strong>em</strong>plo marcante de uma situação <strong>em</strong> que as forças liberta<strong>do</strong>ras<br />

<strong>da</strong> “<strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>” atingiriam suas potenciali<strong>da</strong>des, uma vez que se caracterizou pelo desejo<br />

de imperialismo e poder de um la<strong>do</strong> e pelo t<strong>em</strong>or <strong>da</strong> <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ção de outro; além de d<strong>em</strong>onstrar a<br />

cruel<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s meios de que se valeram os ci<strong>da</strong>dãos para cumprir os objetivos <strong>da</strong>s batalhas:<br />

vencer e subjugar o outro, pois, como afirma Tucídides: “é absur<strong>do</strong> e seria ingenui<strong>da</strong>de crer que a<br />

<strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, quan<strong>do</strong> se engaja afoitamente <strong>em</strong> uma ação, possa ser conti<strong>da</strong> pela força <strong>da</strong> lei<br />

ou por qualquer outra ameaça” (TUCÍDIDES. III. 45).<br />

Para Marshall Sahlins, impressio<strong>na</strong>, de maneira profun<strong>da</strong>, a quanti<strong>da</strong>de de práticas<br />

culturais e de instituições 10 que, de forma direta ou indireta, são afeta<strong>da</strong>s ou estão sujeitas aos<br />

desígnios <strong>da</strong> “<strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>”, <strong>na</strong> <strong>na</strong>rrativa tucididea<strong>na</strong> (SAHLINS, 2006, p. 116). A crença de<br />

Tucídides <strong>na</strong> regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> história refletiria a idéia de uma “<strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>” imutável. A<br />

História passa a ser concebi<strong>da</strong> como ktêma es aieí (uma possessão para s<strong>em</strong>pre) e a “<strong>na</strong>tureza<br />

10 Parentesco, amizade, afiliação étnica, império, lei, morali<strong>da</strong>de, honra, trata<strong>do</strong>s, sagra<strong>do</strong>, religião e até mesmo a<br />

linguag<strong>em</strong> estão <strong>na</strong> lista de instituições, práticas e condutas sujeitas à condição huma<strong>na</strong>. (SAHLINS, 2006: 116)<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

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