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A representação do medo na descrição da peste em Atenas (V ...

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História, imag<strong>em</strong> e <strong>na</strong>rrativas<br />

N o 4, ano 2, abril/2007 – ISSN 1808-9895<br />

pode suportar o infortúnio de seus habitantes <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, mas o indivíduo não<br />

pode resistir ao dela, to<strong>do</strong>s certamente dev<strong>em</strong> defendê-la...” (TUCÍDIDES. II. 60).<br />

Essa imag<strong>em</strong> de Ate<strong>na</strong>s como uma uni<strong>da</strong>de, como modelo de pólis u<strong>na</strong>, indivisível e<br />

equilibra<strong>da</strong>, configura-se, segun<strong>do</strong> Nicole, como um modelo historicamente construí<strong>do</strong> para uso<br />

<strong>do</strong>s atenienses e nosso, ou seja, é provável que, celebran<strong>do</strong> uma pólis conforme seus desejos, os<br />

atenienses tenham elabora<strong>do</strong>, para uso próprio e para uma possível posteri<strong>da</strong>de, uma figura de si<br />

mesmos, que influenciou e influência ain<strong>da</strong> hoje to<strong>da</strong> a história de Ate<strong>na</strong>s 8 (LORAUX, 1994, p.<br />

23). Percebe-se aí uma espécie de função <strong>do</strong> discurso fúnebre no interior <strong>da</strong> pólis, pois se o<br />

discurso é inventa<strong>do</strong> pelos atenienses, contribui reciprocamente <strong>na</strong> constituição identitária de<br />

Ate<strong>na</strong>s, atuan<strong>do</strong> como prática <strong>do</strong>ta<strong>da</strong> de senti<strong>do</strong>.<br />

Em Tucídides 9 , v<strong>em</strong>os um ex<strong>em</strong>plo claro dessa descrição de si próprio enquanto ateniense<br />

e <strong>do</strong> ideal de uni<strong>da</strong>de, vislumbra<strong>do</strong> explicitamente no discurso de Péricles <strong>em</strong> decorrência <strong>da</strong><br />

quanti<strong>da</strong>de de mortos <strong>na</strong>s batalhas e no ataque de <strong>peste</strong>.<br />

Estão presentes também, <strong>na</strong> História <strong>da</strong> Guerra <strong>do</strong> Peloponeso, el<strong>em</strong>entos visíveis que<br />

caracterizam os âmbitos <strong>do</strong> público e <strong>do</strong> priva<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> Serge Moscovici a relação entre o<br />

individual e o coletivo é uma reali<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> socie<strong>da</strong>de. Segun<strong>do</strong> este autor<br />

“to<strong>da</strong>s as culturas possu<strong>em</strong> instituições e normas formais que conduz<strong>em</strong> , de uma<br />

parte à individualização, e de outra, à socialização. As representações que elas<br />

elaboram carregam a marca desta tensão, conferin<strong>do</strong>-lhe um senti<strong>do</strong> e procuran<strong>do</strong><br />

mantê-la nos limites <strong>do</strong> suportável. Não existe sujeito s<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>a n<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>a<br />

s<strong>em</strong> sujeito. O papel <strong>da</strong>s representações partilha<strong>da</strong>s é o de assegurar que sua<br />

coexistência seja possível.”(MOSCOVICI, 2002, p. 12).<br />

Na socie<strong>da</strong>de grega o âmbito <strong>do</strong> público, reside <strong>na</strong> figura <strong>da</strong> pólis, enquanto que o priva<strong>do</strong><br />

encontra sua manifestação <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> lar. Na obra de Han<strong>na</strong>h Arendt, encontramos uma<br />

discussão bastante profícua <strong>em</strong> relação a esses ambientes. A autora estabelece a idéia de que o<br />

próprio surgimento <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de-Esta<strong>do</strong> significou que hom<strong>em</strong> recebera, além de sua vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>,<br />

uma espécie de segun<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> o seu bios politikos, haven<strong>do</strong> uma grande diferença entre aquilo que<br />

lhe é próprio (idion) e o que lhe é comum (koinon) (ARENDT, 2005, p. 33). Desta forma, a<br />

8 Mesmo sen<strong>do</strong> formula<strong>da</strong>s <strong>em</strong> 1981, as questões, presentes <strong>na</strong> obra de Nicole Loraux: A ivenção de Ate<strong>na</strong>s,<br />

concernentes à influência <strong>do</strong> discurso oficial <strong>na</strong> compreensão <strong>do</strong>s epitáphioi, vali<strong>da</strong>m-se ain<strong>da</strong> hoje.<br />

9 A despeito <strong>da</strong>s questões críticas acerca <strong>da</strong> precipita<strong>da</strong> postura de considerar os discursos fúnebres <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas<br />

atenienses como um bloco, desenvolvi<strong>da</strong>s por Nicole Loraux, é necessário focar nosso estu<strong>do</strong> às manifestações<br />

tucididea<strong>na</strong>s acerca <strong>do</strong> fenômeno.<br />

http://www.historiaimag<strong>em</strong>.com.br<br />

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