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25/01/12 DO MITO À ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO DO MITO À ILUSÃO DO DESENVOLVIMENTO 27-12-97 [Sociólogo italiano Arrighi encara com ceticismo idéia de um país como o Brasil sair da periferia do capitalismo] [Em 74, Furtado já dizia ser impossível generalizar o padrão de vida de países centrais para o resto do mundo] Acaba de ser lançado um livro intitulado “A Ilusão do Desenvolvimento” do sociólogo italiano Giovanni Arrighi (Vozes, 1997). Referindo-se especificamente aos países semiperiféricos, como o Brasil, o autor diz ser quase impossível cruzar o golfo que os separa da fortuna do núcleo orgânico da economia mundial, como chegou a acontecer com o Japão. Mesmo assim não considera ineficazes os esforços desses Estados, pois sem tais esforços eles cairiam na pobreza abismal dos países periféricos. Isto faz lembrar que, há mais de vinte anos, Celso Furtado publicou um livro com um título parecido, mas com argumentação bem diferente. Em “O Mito do Desenvolvimento Econômico” (Paz e Terra, 1974), Furtado defendeu a tese da impossibilidade prática de generalizar os padrões de vida característicos dos países centrais ao resto do planeta. “O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida, é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana.” (p.75) No entanto, mesmo convencido de que os povos pobres não teriam chance de desfrutar das formas de vida dos povos ricos, Celso Furtado salientava a utilidade da idéia de desenvolvimento. “Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista. Mas, como negar que essa idéia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar grandes sacrifícios, para legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo? Cabe, portanto, afirmar que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples mito.” (p.75) É interessante notar como o ceticismo de Furtado nos já longínquos anos setenta, e o de Arrighi no anos noventa, são ambos temperados pela necessidade de destacar a “utilidade” ou a “eficácia” da idéia de desenvolvimento. Certamente é porque não lhes escapou que sem ela não pode haver visão de futuro sobre a qual a sociedade estabeleça suas esperanças e seus projetos. No fundo, a ‘utilidade do mito’ em www.zeeli.pro.br/old_site/Textos/Estadao1997/20.htm 1/2

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[Sociólogo italiano Arrighi encara com ceticismo idéia de um país como o Brasil sair da periferia <strong>do</strong><br />

capitalismo]<br />

[Em 74, Furta<strong>do</strong> já dizia ser impossível generalizar o padrão de vida de países centrais para o resto <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong>]<br />

Acaba de ser lança<strong>do</strong> um livro intitula<strong>do</strong> “A Ilusão <strong>do</strong> Desenvolvimento” <strong>do</strong> sociólogo<br />

italiano Giovanni Arrighi (Vozes, 19<strong>97</strong>). Referin<strong>do</strong>-se especificamente aos países<br />

semiperiféricos, como o Brasil, o autor diz ser quase impossível cruzar o golfo que os<br />

separa da fortuna <strong>do</strong> núcleo orgânico da economia mundial, como chegou a acontecer<br />

com o Japão. Mesmo assim não considera ineficazes os esforços desses Esta<strong>do</strong>s, pois<br />

sem tais esforços eles cairiam na pobreza abismal <strong>do</strong>s países periféricos.<br />

Isto faz lembrar que, há mais de vinte anos, Celso Furta<strong>do</strong> publicou um livro com um<br />

título pareci<strong>do</strong>, mas com argumentação bem diferente. Em “O Mito <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento Econômico” (Paz e Terra, 1<strong>97</strong>4), Furta<strong>do</strong> defendeu a tese da<br />

impossibilidade prática de generalizar os padrões de vida característicos <strong>do</strong>s países<br />

centrais ao resto <strong>do</strong> planeta. “O custo, em termos de depredação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> físico,<br />

desse estilo de vida, é de tal forma eleva<strong>do</strong> que toda tentativa de generalizá-lo levaria<br />

inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pon<strong>do</strong> em risco as possibilidades<br />

de sobrevivência da espécie humana.” (p.75)<br />

No entanto, mesmo convenci<strong>do</strong> de que os povos pobres não teriam chance de<br />

desfrutar das formas de vida <strong>do</strong>s povos ricos, Celso Furta<strong>do</strong> salientava a utilidade da<br />

idéia de <strong>desenvolvimento</strong>. “Sabemos agora de forma irrefutável que as economias da<br />

periferia nunca serão desenvolvidas, no senti<strong>do</strong> de similares às economias que formam<br />

o atual centro <strong>do</strong> sistema capitalista. Mas, como negar que essa idéia tem si<strong>do</strong> de<br />

grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar grandes<br />

sacrifícios, para legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e<br />

fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de<br />

dependência que reforçam o caráter predatório <strong>do</strong> sistema produtivo? Cabe, portanto,<br />

afirmar que a idéia de <strong>desenvolvimento</strong> econômico é um simples <strong>mito</strong>.” (p.75)<br />

É interessante notar como o ceticismo de Furta<strong>do</strong> nos já longínquos anos setenta, e o<br />

de Arrighi no anos noventa, são ambos tempera<strong>do</strong>s pela necessidade de destacar a<br />

“utilidade” ou a “eficácia” da idéia de <strong>desenvolvimento</strong>. Certamente é porque não lhes<br />

escapou que sem ela não pode haver visão de futuro sobre a qual a sociedade<br />

estabeleça suas esperanças e seus projetos. No fun<strong>do</strong>, a ‘utilidade <strong>do</strong> <strong>mito</strong>’ em<br />

www.zeeli.pro.br/old_site/Textos/Estadao19<strong>97</strong>/<strong>20</strong>.htm<br />

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Furta<strong>do</strong>, como a ‘eficácia da ilusão’ em Arrighi, são provas de que a idéia de<br />

<strong>desenvolvimento</strong> continua a ser aquela que melhor exprime a utopia da sociedade<br />

moderna (entenden<strong>do</strong>-se utopia em seu senti<strong>do</strong> filosófico e não em sua versão vulgar na<br />

qual é sinônimo de sonho ou fantasia).<br />

O que continua a dar força à idéia de <strong>desenvolvimento</strong> é a esperança de uma vida<br />

melhor para os desvali<strong>do</strong>s, e não possíveis sonhos e fantasias sobre as chances <strong>do</strong>s<br />

países semiperiféricos entrarem no primeiro mun<strong>do</strong>, ou sobre a possibilidade de<br />

generalização <strong>do</strong>s padrões de vida <strong>do</strong> núcleo central. Por isso, enquanto não surgir uma<br />

noção que melhor sintetize essa esperança, não há motivo para se dispensar a idéia de<br />

<strong>desenvolvimento</strong>, por mais ambiguidades que ela possa conter.<br />

Foi essa esperança que levou outros intelectuais à elaboração de indica<strong>do</strong>res de<br />

<strong>desenvolvimento</strong> que pudessem combinar objetivos sociais e metas de crescimento.<br />

Alian<strong>do</strong> o otimismo da vontade ao pessimismo da razão, estudiosos como Amartya Sen<br />

e Michael Lipton ajudaram a lançar, em 1990, da melhor medida disponível de<br />

<strong>desenvolvimento</strong>: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Hoje, a ONU não<br />

somente define, como avalia o <strong>desenvolvimento</strong> pelo alargamento das escolhas das<br />

pessoas.<br />

As escolhas mais importantes são: viver uma vida longa e saudável, ser instruí<strong>do</strong> e<br />

gozar de um nível de vida adequa<strong>do</strong>. Escolhas adicionais incluem liberdade política,<br />

garantia de outros direitos humanos e vários outros elementos liga<strong>do</strong>s ao auto-respeito -<br />

incluin<strong>do</strong> o que Adam Smith chamava de capacidade de se envolver com os outros sem<br />

se ficar “com vergonha de aparecer em público”. Estas são algumas das escolhas<br />

essenciais e a sua ausência pode bloquear muitas outras oportunidades. O<br />

<strong>desenvolvimento</strong> humano é, assim, um processo de alargamento das escolhas das<br />

pessoas bem como de elevação <strong>do</strong> nível de bem-estar atingi<strong>do</strong>. (Pnud, Relatório <strong>do</strong><br />

Desenvolvimento Humano 19<strong>97</strong>, p.15)<br />

Com essa definição, qualquer país pode ser avalia<strong>do</strong> por suas realizações médias em<br />

três dimensões básicas <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong>: longevidade, conhecimento e padrão de<br />

vida. Foi assim construí<strong>do</strong> o índice composto por três variáveis relativamente simples:<br />

esperança de vida, nível educacional e PIB real per capita. As vantagens dessa<br />

abordagem sobre as anteriores são óbvias. O único problema é que existe uma<br />

inclinação da ONU a reduzir a ambição <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> a uma agenda de<br />

erradicação da pobreza. Se isso pode funcionar é tema para outro artigo.<br />

www.zeeli.pro.br/old_site/Textos/Estadao19<strong>97</strong>/<strong>20</strong>.htm<br />

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