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Versao em Pdf (3,14 mb) - Ministério Público de Santa Catarina

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passando <strong>de</strong> antropocêntrica para teocêntrica. Ao criticar Cícero, a<br />

qu<strong>em</strong> jocosamente <strong>de</strong>nominava <strong>de</strong> philosophaster (um filósofo amador),<br />

Agostinho, <strong>de</strong>ixando entredita esta nova experiência cultural, refere:<br />

“Desta maneira, [Cícero] não só nega a presciência <strong>de</strong> Deus, mas ta<strong>mb</strong>ém<br />

procura <strong>de</strong>struir toda a profecia, mesmo que ela seja mais clara do que<br />

a luz, com vãos argumentos e opondo a si mesmo certos oráculos que<br />

facilmente se pod<strong>em</strong> refutar – mas n<strong>em</strong> sequer isto mesmo consegue.” 37 ,<br />

<strong>de</strong>sta forma revelando, por um lado, que Deus está no centro da vida<br />

humana – portanto, ta<strong>mb</strong>ém da vida social –, e, por outro lado, estreitos<br />

limites do <strong>de</strong>terminismo, uma vez que a promessa <strong>de</strong> graça divina ou<br />

<strong>de</strong> castigo limitarão as áreas <strong>de</strong> expansão da liberda<strong>de</strong> humana 38 . É por<br />

isso que Agostinho con<strong>de</strong>na com ve<strong>em</strong>ência o suicídio, aquele que seria<br />

o mais fundamental e individual dos gestos <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, referindo: “Só<br />

nos resta concluir que t<strong>em</strong>os <strong>de</strong> aplicar apenas ao hom<strong>em</strong> as palavras não<br />

37 Ibid<strong>em</strong>, p. 485 (a interpolação com colchetes é nossa).<br />

38 Ao tratar do pensamento <strong>de</strong> Agostinho acerca da liberda<strong>de</strong>, Brown refere: “[...] para<br />

Agostinho, a liberda<strong>de</strong> só podia ser a culminação <strong>de</strong> cura”. E, mais adiante, explica:<br />

“Em Agostinho, portanto, a liberda<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser reduzida a um sentimento <strong>de</strong><br />

escolha: trata-se <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir plenamente. Tal liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve envolver<br />

a transcendência do sentimento <strong>de</strong> opção. É que o sentimento <strong>de</strong> opção é sintoma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sintegração da vonta<strong>de</strong>: a união final do conhecimento e do sentimento envolveria<br />

<strong>de</strong> tal maneira o hom<strong>em</strong> no objeto <strong>de</strong> sua escolha, que qualquer outra alternativa<br />

seria inconcebível.” (BROWN, Peter. Santo Agostinho: uma biografia. Tradução <strong>de</strong><br />

Vera Ribeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2005, p. 465-466. Título original: Augustine of<br />

Hippo). O rigorismo do bispo <strong>de</strong> Hipona vai muito mais longe e ele ten<strong>de</strong> a reconhecer<br />

e a abandonar as tentações proporcionadas pelos sentidos. Por isso, ao falar das<br />

tentações do ouvido, refere que “Os prazeres do ouvido me prend<strong>em</strong> e escravizam<br />

com mais tenacida<strong>de</strong>. [...] Sinto que todos nossos afetos interiores encontram na<br />

voz e no canto um modo próprio <strong>de</strong> expressão, uma como misteriosa e excitante<br />

correspondência. No entanto, muitas vezes me seduz<strong>em</strong>” (AGOSTINHO, Santo.<br />

Confissões. 3. ed. Tradução <strong>de</strong> Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo: Paulus,<br />

2006, p. 307-308. Título original: Confessiones). Mais adiante, ao tratar da tentação<br />

do olhar, a concupiscentia oculorum, Agostinho é pungente: “Os olhos amam a beleza<br />

e a varieda<strong>de</strong> das formas, o brilho e a luminosida<strong>de</strong> das cores. Oxalá tais atrativos<br />

não me acorrent<strong>em</strong> a alma. [...] A própria rainha das cores, a luz que inunda tudo<br />

o que v<strong>em</strong>os, me alcança <strong>de</strong> mil maneiras, on<strong>de</strong> quer que eu esteja, durante o dia,<br />

e acaricia-me até mesmo quando me ocupo <strong>de</strong> outra coisa e <strong>de</strong>la me abstraio.” (op.<br />

cit., p. 309-310). Há uma noção do belo, do esteticamente agradável aos sentidos que,<br />

no entanto, rivaliza com outra categoria fundamental para o pensamento e cultura<br />

medievais, que é a da fé <strong>em</strong> Deus, o único ente ao qual <strong>de</strong>viam os homens aspirar<br />

a comunhão salvadora. Tal rigorismo agostiniano entra nos séculos da baixa Ida<strong>de</strong><br />

Média, com vários seguidores. Acerca disso, cf. ECO, U<strong>mb</strong>erto. Arte e beleza na<br />

estética medieval. Tradução <strong>de</strong> Mario Sabino Filho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2010,<br />

maxime p. 26 e ss. Título original: Arte e bellezza nell’estetica medievale.

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