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Versao em Pdf (3,14 mb) - Ministério Público de Santa Catarina

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78<br />

<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s ne varietur. Ou, segundo pensa Nietzsche, quando adquiriu<br />

a má consciência – “a profunda doença que o hom<strong>em</strong> teve <strong>de</strong> contrair<br />

sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu – a mudança<br />

que sobreveio quando ele se viu <strong>de</strong>finitivamente encerrado no â<strong>mb</strong>ito<br />

da socieda<strong>de</strong> e da paz” 7 –, o hom<strong>em</strong> domou a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sbragada,<br />

transformou o não-egoísmo <strong>em</strong> valor moral, feriu-se grav<strong>em</strong>ente como<br />

se fosse um escultor <strong>de</strong> cinzel à mão dando a si próprio uma nova forma,<br />

esta que <strong>de</strong>verá ser consentânea com as verda<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>smentíveis,<br />

criadas, contudo, sob o signo <strong>de</strong> divinda<strong>de</strong>s míticas, cuja autorida<strong>de</strong><br />

não permite que se duvi<strong>de</strong>.<br />

As pon<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Ferreira da Cunha acabam, no entanto, numa<br />

perturbadora reticência: afinal, se duvidarmos da natureza humana,<br />

como justificar<strong>em</strong>os os aspectos somáticos, a inteligência, a capacida<strong>de</strong><br />

para adaptação, o raciocínio, que compõ<strong>em</strong> os caracteres dignificantes<br />

da espécie humana? Então, ter<strong>em</strong>os <strong>de</strong> admitir que o hom<strong>em</strong> possui<br />

uma constituição própria, que o torna diferente dos d<strong>em</strong>ais seres vivos,<br />

e que po<strong>de</strong> – por que não? – ser <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> natureza humana. Mas,<br />

diferent<strong>em</strong>ente, não possui o aparato instintivo: nasce <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><br />

uma natural orientação para enfrentar o meio, contando, tão somente,<br />

com sua aptidão racional para dar orientação à sua vida. O hom<strong>em</strong>, por<br />

outras palavras, encontra um mundo a <strong>de</strong>sbravar – s<strong>em</strong>pre a <strong>de</strong>sbravar<br />

– e sua missão é justamente ter <strong>de</strong> enfrentá-lo, pavimentando seus<br />

caminhos ou escolhendo aqueles já sedimentados, mas, <strong>em</strong> todo caso,<br />

tendo <strong>de</strong> fazer escolhas, que é isto o que lhe resta e dá substância à sua<br />

natural missão, que é ter <strong>de</strong> viver. Parafraseando Ortega y Gasset, diríamos<br />

que a vida do hom<strong>em</strong> se conjuga no gerúndio e, por isso, ela é um<br />

constante faciendum. São significativas, a este respeito, as observações<br />

<strong>de</strong> Baptista Machado:<br />

[...] o organismo humano carece <strong>de</strong> meios biológicos necessários<br />

para proporcionar estabilida<strong>de</strong> à sua conduta.<br />

Por isso mesmo, não t<strong>em</strong> um “mundo próprio”, como<br />

os outros animais, isto é, não se acha enclausurado num<br />

“envolvimento” natural biologicamente fundado. Neste<br />

aspecto, aparece-nos como um ser <strong>de</strong>ficiente, caracterizado<br />

7 NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Tradução, notas e<br />

posfácio <strong>de</strong> Paulo César <strong>de</strong> Souza. 3. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras,<br />

1998, p. 72. Título original: Zur Genealogie <strong>de</strong>r Moral.

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