Versao em Pdf (3,14 mb) - Ministério Público de Santa Catarina
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razão, visando a um fim prático <strong>de</strong> convivência. Vistas assim as coisas,<br />
a primeira nota que se <strong>de</strong>ve escrever com relação à idéia da liberda<strong>de</strong><br />
arranca da questão da natureza humana. Existirá, <strong>de</strong> facto, uma natureza<br />
humana, <strong>em</strong> a qual encontrar<strong>em</strong>os certos aspectos comuns a todos,<br />
<strong>de</strong>ntre os quais a liberda<strong>de</strong> que, por isso, <strong>de</strong>ve ser entendida como<br />
el<strong>em</strong>ento inerente ou fundante da hominida<strong>de</strong>?<br />
V<strong>em</strong> a propósito <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate inesgotável, a l<strong>em</strong>brança <strong>de</strong> um<br />
capítulo escrito por Ferreira da Cunha, <strong>em</strong> o qual, tendo como alegoria<br />
uma crônica <strong>de</strong> Vinicius <strong>de</strong> Morais, pon<strong>de</strong>ra sobre a existência da<br />
natureza humana, e, referindo-se à página <strong>de</strong> nosso poeta, interroga-se<br />
se os homens estão presos a <strong>de</strong>terminadas circunstâncias, assim como<br />
Vinicius é levado a <strong>de</strong>screver a cena vivida numa praça <strong>de</strong> Florença<br />
(como se estivesse fadado a isso). Ao <strong>de</strong>screver a questão, o jurisfilósofo<br />
português lança uma síntese inquietante: “Talvez não haja mesmo uma<br />
natureza humana (mas o que significa isso <strong>de</strong> não a haver?), mas então<br />
não há, <strong>de</strong>veras, sequer Hom<strong>em</strong>.” 6 Pois b<strong>em</strong>, advogar a existência da<br />
natureza humana é aceitar o <strong>de</strong>terminismo <strong>de</strong> idéias, que condicionam<br />
os caminhos por on<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> vai espalhando suas angústias<br />
enquanto vive; e, então, os obstáculos encontrados e as escolhas tomadas<br />
constitu<strong>em</strong> a tragédia <strong>de</strong> sua existência, que foi toda <strong>de</strong>scoberta<br />
por um Shakespeare, qu<strong>em</strong> escrutinou o espírito do hom<strong>em</strong> dizendo<br />
verda<strong>de</strong>s impagáveis (e imorredouras), as mesmas sobre as quais se<br />
estruturou uma philosophia perennis; é, ta<strong>mb</strong>ém, enten<strong>de</strong>r que o hom<strong>em</strong><br />
está pre<strong>de</strong>stinado a cumprir uma missão já inscrita na natureza e que<br />
ele a <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> pelo uso da razão; e, ainda, que exist<strong>em</strong> imperativos<br />
categóricos universais, a indicar<strong>em</strong> como o hom<strong>em</strong> <strong>de</strong>ve pautar sua<br />
vida. Desta lógica <strong>em</strong>erge a aporia filosófica: se há limites naturais para<br />
o hom<strong>em</strong>, que lhe <strong>de</strong>terminam o como-viverá, então a idéia da liberda<strong>de</strong><br />
ficará bastante reduzida, justificando-se apenas na ausência <strong>de</strong> coação<br />
contra qu<strong>em</strong> se acha a exercê-la; será uma liberda<strong>de</strong> no singular, que não<br />
se compaginará, portanto, com a possibilida<strong>de</strong> das escolhas arbitrárias<br />
sobre os modos <strong>de</strong> vida, ou <strong>em</strong> dar-se vazão à criativida<strong>de</strong> (estética, v.g.,<br />
e, então a idéia <strong>de</strong> arte, já tão humilhada pelas expressões cont<strong>em</strong>porâneas<br />
– <strong>de</strong> facto, pobres <strong>de</strong> substrato estético e efêmeras – será apenas<br />
uma utopia), preferindo o hom<strong>em</strong> dogmatizar (através das asserções<br />
religiosas, morais etc.) sua existência (social) <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> um conjunto<br />
6 CUNHA, Paulo Ferreira. O ponto <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s: natureza humana, direito natural<br />
e direitos humanos. Coi<strong>mb</strong>ra: Almedina, 2001, p. 82.