Versao em Pdf (3,14 mb) - Ministério Público de Santa Catarina

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17 2.1 Portarias Judiciais A regulamentação do “toque de recolher” por meio de Portaria era prerrogativa conferida pelo “Código de Menores” ao “Juízo de Menores”, institutos esses revogados com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente no ano de 1990. Com o advento da Lei n. 8.069/1990, o caráter patriarcal do Juiz de Menores deixou de existir e, desde a sua publicação, as competências do magistrado, longe de imprecisas, foram detalhadas no texto legal. Originárias do Código de Menores, a competência para a expedição de Portarias e Alvarás, depois de receber nova roupagem, foi trazida para o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os novos contornos estabelecidos pela legislação estatutária à portaria judicial são salutares, consoante se infere da lição de Digiácomo (2009), para quem: [...] apesar de a sistemática introduzida pela Lei n. 8.069/90 ser muito mais complexa do que a anterior, é ela sem dúvida muito mais correta e acima de tudo democrática, e, uma vez fielmente observada, dará pouca ou nenhuma margem para os abusos outrora verificados e que, em última análise, foram justamente a razão dessa nova regulamentação, fazendo com que a portaria judicial deixe de ser um mecanismos de opressão de ‘menores’ para se tornar mais um instrumento de proteção de direitos de crianças e adolescentes. (p. 203) A competência da Justiça da Infância e da Juventude é delineada nos artigos 148 e 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente e não prevê a possibilidade de publicação de Portaria com o intuito de proibir a circulação generalizada de crianças e adolescentes em razão do horário. Referida afirmação é corroborada por Digiácomo (2009), quando ensina que: [...] não há mais lugar para práticas arbitrárias de outrora, como os famigerados “toque de recolher” que, embora bastante comuns à época do revogado “Código de Menores”, hoje violam de forma expressa não

18 apenas o âmbito da competência normativa da Justiça da Infância e Juventude, mas as próprias disposições contidas nos arts. 3º, 4º, caput, 5º, 15, 16, inciso I e 18, da Lei nº 8.069/90, bem como o disposto no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal, que assegura a todos, independentemente da idade, o direito de ir e vir dentro do território nacional. (p. 199) Não se confundem, portanto, com a competência legislativa para regular situações genéricas, de modo que a faculdade do magistrado para disciplinar e autorizar as situações previstas nas alíneas dos incisos I e II, do artigo 149, em verdade se restringe à aplicação das normas estatutárias à situação em concreto. Com efeito, ao estabelecer em seu art. 5º, inc. II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, a CRFB/88 sepulta a instituição do “toque de recolher” por meio de portarias judiciais. Se é certo que ao legislador ordinário não é dado o direito de restringir a liberdade de locomoção das pessoas, exceto naquelas circunstâncias ditadas pela Constituição, mais certo é que ao magistrado não é dado o poder de legislar, ainda mais em afronta a mandamento Constitucional. O inciso XV do art. 5º da CRFB/88 também não deixa margem a nenhuma interpretação no que tange à liberdade de locomoção de adolescentes, exceto se diante da prática de ato infracional. Ademais, o magistrado, ao instituir o “toque de recolher”, mobiliza e confere nova atribuição às polícias – a de recolher as crianças e os adolescentes que estejam desacompanhados em locais públicos após o horário pré-designado, o que se afigura inadmissível. Não pode o Poder Judiciário regular, por meio de portaria, as atribuições da Polícia Militar, sob pena de importar em exercício legislativo indevido, haja vista que, de acordo com o texto constitucional, é competência privativa da União legislar sobre as normas gerais de organização, convocação e mobilização das polícias militares (art. 22, inc. XXI, CRFB/88). Igualmente ilegal seria conferir tal missão à Polícia Judiciária, que, segundo dispõe o art. 144, § 4º, CRFB/88, é incumbida da “apuração de infrações penais”. Contudo, às portarias judiciais expedidas, caso a caso, aos estabelecimentos, assim como aos proprietários e responsáveis, é que devem ser direcionadas as ações fiscalizatórias e repressoras a fim de se apurar

18<br />

apenas o â<strong>mb</strong>ito da competência normativa da Justiça<br />

da Infância e Juventu<strong>de</strong>, mas as próprias disposições<br />

contidas nos arts. 3º, 4º, caput, 5º, 15, 16, inciso I e 18,<br />

da Lei nº 8.069/90, b<strong>em</strong> como o disposto no art. 5º,<br />

inciso XV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que assegura a<br />

todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da ida<strong>de</strong>, o direito <strong>de</strong> ir<br />

e vir <strong>de</strong>ntro do território nacional. (p. 199)<br />

Não se confund<strong>em</strong>, portanto, com a competência legislativa para<br />

regular situações genéricas, <strong>de</strong> modo que a faculda<strong>de</strong> do magistrado<br />

para disciplinar e autorizar as situações previstas nas alíneas dos incisos<br />

I e II, do artigo <strong>14</strong>9, <strong>em</strong> verda<strong>de</strong> se restringe à aplicação das normas<br />

estatutárias à situação <strong>em</strong> concreto.<br />

Com efeito, ao estabelecer <strong>em</strong> seu art. 5º, inc. II, que “ninguém<br />

será obrigado a fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei”,<br />

a CRFB/88 sepulta a instituição do “toque <strong>de</strong> recolher” por meio <strong>de</strong><br />

portarias judiciais. Se é certo que ao legislador ordinário não é dado<br />

o direito <strong>de</strong> restringir a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção das pessoas, exceto<br />

naquelas circunstâncias ditadas pela Constituição, mais certo é que ao<br />

magistrado não é dado o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislar, ainda mais <strong>em</strong> afronta a<br />

mandamento Constitucional.<br />

O inciso XV do art. 5º da CRFB/88 ta<strong>mb</strong>ém não <strong>de</strong>ixa marg<strong>em</strong><br />

a nenhuma interpretação no que tange à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção <strong>de</strong><br />

adolescentes, exceto se diante da prática <strong>de</strong> ato infracional.<br />

Ad<strong>em</strong>ais, o magistrado, ao instituir o “toque <strong>de</strong> recolher”, mobiliza<br />

e confere nova atribuição às polícias – a <strong>de</strong> recolher as crianças e os<br />

adolescentes que estejam <strong>de</strong>sacompanhados <strong>em</strong> locais públicos após o<br />

horário pré-<strong>de</strong>signado, o que se afigura inadmissível. Não po<strong>de</strong> o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário regular, por meio <strong>de</strong> portaria, as atribuições da Polícia Militar,<br />

sob pena <strong>de</strong> importar <strong>em</strong> exercício legislativo in<strong>de</strong>vido, haja vista que,<br />

<strong>de</strong> acordo com o texto constitucional, é competência privativa da União<br />

legislar sobre as normas gerais <strong>de</strong> organização, convocação e mobilização<br />

das polícias militares (art. 22, inc. XXI, CRFB/88). Igualmente ilegal seria<br />

conferir tal missão à Polícia Judiciária, que, segundo dispõe o art. <strong>14</strong>4,<br />

§ 4º, CRFB/88, é incu<strong>mb</strong>ida da “apuração <strong>de</strong> infrações penais”.<br />

Contudo, às portarias judiciais expedidas, caso a caso, aos estabelecimentos,<br />

assim como aos proprietários e responsáveis, é que <strong>de</strong>v<strong>em</strong><br />

ser direcionadas as ações fiscalizatórias e repressoras a fim <strong>de</strong> se apurar

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