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115 Santos – não é capaz de pôr cobro aos localismos, embora os aspectos locais cada vez mais se nos pareçam vulneráveis diante daquele fenômeno. A tentativa de unificarem-se a ortografia e regras de acentuação gráfica da língua portuguesa entre os países da chamada comunidade lusófona, v.g., que não considera os particularismos no modo de falar de cada povo, nem mesmo os traços psicológicos que aí se denotam, fazendo com que o português do Brasil seja sensivelmente diferente do que se fala em Portugal ou em Angola, é uma tentativa mal arremedada de aproximação cultural que, no entanto, vem sofrendo forte e legítima resistência por parte dos falantes de além mar; mas o acordo está já em vigor, atropelando, de maneira brutal, aspectos culturais dos povos de língua portuguesa, que não se sabe até quando resistirão à força do decreto. Por outras palavras, podemos dizer que existe um movimento que se pode chamar de contraglobalização, baseado na justa renitência de certos localismos (que é justa por estar fundada na tradição cultural dos povos) 87 . Isto implica reconhecer uma tensão que atualmente existe entre localismos e globalização, às vezes expressada de forma dramática quando um aspecto cultural, v.g., tenta resistir à pressão de uma cultura hegemônica. Embora o direito à cultura esteja previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em Constituições contemporâneas, como a nossa, e que as legislações européias têm destinado especial atenção a determinados aspectos culturais, como os lingüísticos, não duvidamos que o fenômeno da globalização possa, ainda, abrir uma nova fronteira para divisarmos direitos e garantias fundamentais relacionados 87 Ao tratar do fenômeno de massificação (de padronização) num âmbito menor – o da Europa da era comunitária –, mas que não deixa de ser expressão de globalização, que, para lembrar de uma metáfora do crítico literário Harold Bloom, parece com o tanque Merkavah do exército israelense, passando por cima de tudo e de qualquer obstáculo, Touraine refere que os europeus enfrentaram o drama do “[...] abandono de todo o nacionalismo, abertura à diversidade do mundo, mantendo-se contudo profundamente ligados ao país que os modelou, tanto pelas suas instituições, pela sua língua, pela sua literatura como pela sua história.”, de forma que o cidadão europeu da contemporaneidade continua, no fundo, cidadão francês, italiano, espanhol, português, e mais que isso, continua preso às tradições locais, falando o dialeto que teima em resistir à língua nacional e preservando seus costumes (cf. TOURAINE, Alain. Um novo paradigma. Para compreender o mundo de hoje. Tradução de Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005, p.49. Título original: Un nouveau Paradigme.). A expressão contraglobalização é nossa, mas se aproxima daquilo que Sousa Santos denomina de globalização contra-hegemônica, fundamentada no direito à diferença, no respeito às minorias, inclusive culturais (cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo, cit., maxime p. 194 e ss.).
116 à proteção dos nacionalismos, dos regionalismos, dos localismos, que são aspectos de identidade dos povos e sem os quais sequer se pode pensar em programas políticos, jurídicos e econômicos para os Estados. III.2 A irrenunciabilidade dos direitos ancestrais como fundamento de sentido e ordem para o homem e a necessária positivação na Constituição Há quem condene a expressão geração de direitos preferindo referir sobre suas dimensões que, segundo se percebe do percurso histórico, se amalgamam de tal forma que quase se tornam indissociáveis, como se fosse um organismo vivo do direito, de modo que ao se falar da cláusula de proibição de arbitrariedade na prisão, prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. IX), imediatamente poderemos relacioná-la a uma série de garantias fundamentais de índole processual presentes nas Constituições; dizem os estudiosos que o vocábulo geração faz supor a sucessão de períodos, como se cada um se sobrepusesse ao outro em importância, o que para nós é equivocado. De facto, se pensarmos na idéia de geração cunhada por Ortega y Gasset, teremos de reconhecer que ela significa uma variedade humana datada e, por isso, diretamente relacionada com cada hic et nunc histórico. Insere-se, pois, na ordem de sucessões históricas, permitindo-nos divisar aspectos marcantes em cada uma. Mas não só. Ao tratar do tema relacionado com a evolução dos povos segundo o reconhecimento de gerações, diz Ortega que “[...] essas mesmas diferenças de estaturas supõem que se atribua aos indivíduos um mesmo ponto de partida, uma linha comum, sobre a qual uns se elevam mais, outros menos, e vem a representar o papel que em topografia é o nível do mar.” 88 , deixando entredito, pois, que as gerações se inscrevem dentro de um sistema histórico, em o qual uma geração não deve prescindir da outra. Mais adiante, o filósofo espanhol refere que “[...] cada geração representa uma certa altitude vital, a partir da qual se sente a existência de uma determinada maneira. Se tomamos a evolução de um povo em seu conjunto, cada uma de suas gerações apresenta-se como um momento de sua vitalidade, como uma 88 ORTEGA Y GASSET, José. El tema de nuestro tiempo. In Obras completas, tomo III. Madrid: Taurus, 2005, p. 564. Fizemos aqui uma tradução livre do texto.
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Há qu<strong>em</strong> con<strong>de</strong>ne a expressão geração <strong>de</strong> direitos preferindo referir<br />
sobre suas dimensões que, segundo se percebe do percurso histórico, se<br />
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Universal dos Direitos Humanos (art. IX), imediatamente po<strong>de</strong>r<strong>em</strong>os<br />
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faz supor a sucessão <strong>de</strong> períodos, como se cada um se sobrepusesse ao<br />
outro <strong>em</strong> importância, o que para nós é equivocado.<br />
De facto, se pensarmos na idéia <strong>de</strong> geração cunhada por Ortega y<br />
Gasset, ter<strong>em</strong>os <strong>de</strong> reconhecer que ela significa uma varieda<strong>de</strong> humana<br />
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Insere-se, pois, na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> sucessões históricas, permitindo-nos divisar<br />
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diz Ortega que “[...] essas mesmas diferenças <strong>de</strong> estaturas supõ<strong>em</strong> que se<br />
atribua aos indivíduos um mesmo ponto <strong>de</strong> partida, uma linha comum,<br />
sobre a qual uns se elevam mais, outros menos, e v<strong>em</strong> a representar o<br />
papel que <strong>em</strong> topografia é o nível do mar.” 88 , <strong>de</strong>ixando entredito, pois,<br />
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espanhol refere que “[...] cada geração representa uma certa altitu<strong>de</strong> vital,<br />
a partir da qual se sente a existência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada maneira. Se<br />
tomamos a evolução <strong>de</strong> um povo <strong>em</strong> seu conjunto, cada uma <strong>de</strong> suas<br />
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88 ORTEGA Y GASSET, José. El t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> nuestro ti<strong>em</strong>po. In Obras completas, tomo<br />
III. Madrid: Taurus, 2005, p. 564. Fiz<strong>em</strong>os aqui uma tradução livre do texto.