CecÃlia Meireles - Outorga.com.br
CecÃlia Meireles - Outorga.com.br
CecÃlia Meireles - Outorga.com.br
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cecília <strong>Meireles</strong><<strong>br</strong> />
03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )<<strong>br</strong> />
Cecília <strong>Meireles</strong> I Cecília <strong>Meireles</strong> II Cecília <strong>Meireles</strong> III<<strong>br</strong> />
Como chegavas do casulo,<<strong>br</strong> />
— inacabada seda viva —<<strong>br</strong> />
tuas antenas — fios soltos<<strong>br</strong> />
da trama de que eras tecida,<<strong>br</strong> />
e teus olhos, dois grãos da noite<<strong>br</strong> />
de onde o teu mistério surgia,<<strong>br</strong> />
Choro a tua forma violada,<<strong>br</strong> />
miraculosa, alva, divina,<<strong>br</strong> />
criatura de pólen, de aragem,<<strong>br</strong> />
diáfana pétala da vida!<<strong>br</strong> />
Choro ter pesado em teu corpo<<strong>br</strong> />
que no estame não pesaria.<<strong>br</strong> />
Como caíste so<strong>br</strong>e o mundo<<strong>br</strong> />
inábil, na manhã tão clara,<<strong>br</strong> />
sem mãe, sem guia, sem conselho,<<strong>br</strong> />
e rolavas por uma escada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o papel, penugem, poeira,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> mais sonho e silêncio que asas,<<strong>br</strong> />
Choro esta humana insuficiência:<<strong>br</strong> />
— a confusão dos nossos olhos<<strong>br</strong> />
— o selvagem peso do gesto,<<strong>br</strong> />
— cegueira — ignorância — remotos<<strong>br</strong> />
instintos súbitos — violências<<strong>br</strong> />
que o sonho e a graça prostram mortos<<strong>br</strong> />
minha mão tosca te agarrou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> uma dura, inocente culpa,<<strong>br</strong> />
e é cinza de lua teu corpo,<<strong>br</strong> />
meus dedos, sua sepultura.<<strong>br</strong> />
Já desfeita e ainda palpitante,<<strong>br</strong> />
expiras sem noção nenhuma.<<strong>br</strong> />
Pudesse a etéreos paraísos<<strong>br</strong> />
ascender teu leve fantasma,<<strong>br</strong> />
e meu coração penitente<<strong>br</strong> />
ser a rosa desa<strong>br</strong>ochada<<strong>br</strong> />
para servir-te mel e aroma,<<strong>br</strong> />
por toda a eternidade escrava!<<strong>br</strong> />
Ó bordado do véu do dia,<<strong>br</strong> />
transparente anêmona aérea!<<strong>br</strong> />
não leves meu rosto contigo:<<strong>br</strong> />
leva o pranto que te cele<strong>br</strong>a,<<strong>br</strong> />
no olho precário em que te acabas,<<strong>br</strong> />
meu remorso ajoelhado leva!<<strong>br</strong> />
E as lágrimas que por ti choro<<strong>br</strong> />
fossem o orvalho desses campos,<<strong>br</strong> />
— os espelhos que refletissem<<strong>br</strong> />
— vôo e silêncio — os teus encantos,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a ternura humilde e o remorso<<strong>br</strong> />
dos meus desacertos humanos!<<strong>br</strong> />
Pesquisa: Luiz Antonio Batista da Rocha – Academia Barretense de Cultura - ABC Página 10<<strong>br</strong> />
www.outorga.<strong>com</strong>.<strong>br</strong> rocha@outorga.<strong>com</strong>.<strong>br</strong>