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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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embora formalmente, permanecendo na esfera do Estado, passou, na prática, para o<br />

campo de influência direta dos poderosos locais.<br />

Como ficou evidenciado no capítulo anterior, na vigência do instituto <strong>da</strong><br />

sesmaria, apesar <strong>da</strong>s amplas possibili<strong>da</strong>des abertas à incorporação latifundiária, no<br />

Brasil, a sua legitimação, ou o reconhecimento de domínio sobre as terras possuí<strong>da</strong>s,<br />

estava, ain<strong>da</strong> assim, sob o controle do Estado. Este, a qualquer momento poderia<br />

exercer o seu direito de negar, ou não, o reconhecimento <strong>da</strong>s ocupações, fun<strong>da</strong>do nos<br />

dispositivos legais e, sobretudo nas cláusulas resolutivas, que eram parte substantiva dos<br />

documentos de doação.<br />

Se, por um lado, ao nível <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, tais limitações não foram suficientes para<br />

conter o avanço desordenado <strong>da</strong>s ambições, sobretudo, latifundiárias 172 , por outro lado,<br />

ao nível jurídico e institucional, entretanto, esse avanço estava inevitavelmente limitado,<br />

ou mesmo condenado, pelo seu caráter de ilegitimi<strong>da</strong>de.<br />

Ilegitimi<strong>da</strong>de, aliás, duplamente configura<strong>da</strong>. Primeiro, juridicamente, pelos<br />

termos <strong>da</strong> própria legislação de terras, expressos nos documentos de concessão, e<br />

cabalmente caracteriza<strong>da</strong> pela ausência <strong>da</strong> confirmação explícita por parte do Estado,<br />

antes <strong>da</strong> Lei 601; e pela ausência de registros ou por tê-los feito em contradição com as<br />

normas legais, depois <strong>da</strong>quela Lei. Segundo, pela própria tradição e pelos costumes, que<br />

sempre estiveram ligados ao instituto de sesmarias, e que pressupunham a exploração<br />

efetiva <strong>da</strong> terra como única alternativa para assegurar o seu efetivo reconhecimento,<br />

pela comuni<strong>da</strong>de e, em última instância, pelo Estado 173 , princípios estes, aliás,<br />

igualmente consagrados na legislação.<br />

Esses princípios, mas, sobretudo, as exigências legais formalmente instituí<strong>da</strong>s,<br />

eram particularmente rigorosos para a situação <strong>da</strong>s terras do Brasil. Na Colônia era,<br />

explicitamente, ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de do arren<strong>da</strong>mento, ou de cessão de terras à<br />

terceiros, por parte dos beneficiários de doações de sesmarias. Tal se fun<strong>da</strong>va no<br />

pressuposto, explicitamente, aliás, colocado nos Forais, nas Cartas de Doação e nos<br />

Regimentos, de que as terras eram concedi<strong>da</strong>s para serem efetiva e diretamente<br />

explora<strong>da</strong>s, cabendo, apenas, e privativamente, aos prepostos <strong>da</strong> Coroa, o poder para<br />

arrendá-las ou doá-las. Esta regra, radicalmente diferente <strong>da</strong> que vigia em Portugal<br />

(onde era permitido, ao concessionário, ou explorar diretamente a sua sesmaria, ou fazêla<br />

explorar por terceiros, sob determina<strong>da</strong> pensão ou foro 174 ), indicava, de forma clara, o<br />

objetivo do Estado Português em relação às terras Coloniais.<br />

172 Porque, a bem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, há que se reconhecer que também ci<strong>da</strong>dãos pobres e despossuídos, igualmente tinham<br />

“o sonho <strong>da</strong> terra”, e puderam, naquela ocasião, estabelecerem-se em pequenas posses nas quais passaram a fun<strong>da</strong>r<br />

suas “roças”, <strong>da</strong>ndo origem à uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de específica de produção direta, independente, que veio a ser conheci<strong>da</strong><br />

na literatura como “agricultura de subsistência”. Ver a respeito, entre outros KARÁVAEV (1989).<br />

173 Ver a esse respeito a excelente análise feita por Virgínia Rau (op. cit.), especificamente para as sesmarias<br />

portuguesas; e Cirne Lima (op. cit.) e Costa Porto (op. cit.), para a situação específica <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong>de do instituto<br />

nas condições do Brasil Colonial. Parte dessa discussão encontra-se no capítulo 1 deste estudo.<br />

174 Carta Régia de 1375.<br />

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