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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Esse argumento é perfeitamente compreensível se se tiver em consideração as<br />

imensas dimensões <strong>da</strong>s concessões de antigas sesmariais, por um lado, e o fato de que<br />

elas ocupavam, efetivamente, to<strong>da</strong>s as terras de melhor localização e fertili<strong>da</strong>de. Assim,<br />

além <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de jurídica, fun<strong>da</strong>mental, ao esquema wakefieldiano, havia a<br />

impossibili<strong>da</strong>de concreta, pela falta de terras economicamente interessantes para o<br />

Capital. Desta forma criava-se, na prática, no Brasil pós-1854, uma situação em que o<br />

capital, se se quisesse instalar no país, teria que proceder a um significativo desembolso<br />

de imobilização, na medi<strong>da</strong> em que teria que adquirir as terras nas condições correntes<br />

de um mercado que já era<br />

especulativo; e não ao Estado, como pressupunha o projeto de Wakefield. O preço<br />

suficiente <strong>da</strong> terra estatal de Wakefield, embora estivesse acima <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de<br />

aquisição dos assalariados, estaria, certamente abaixo dos preços especulativos do<br />

mercado privado de terras, ain<strong>da</strong> mais se se imaginar a situação de desorganização<br />

fundiária brasileira, na qual, poucas terras tinham “bom título” (quando tinham).<br />

Aqui começa a derroca<strong>da</strong> do projeto de colonização capitalista de Wakefield e<br />

sua reconversão em projeto de colonização dirigi<strong>da</strong> para os latifúndios.<br />

Nessas condições, nem mesmo a atração de colonos pobres poderia funcionar 166 ,<br />

haja vista os sistemáticos protestos e as proibições dos Governos de países europeus<br />

com relação a imigração para o Brasil. Na maioria dos casos, os colonos eram colocados<br />

nos latifúndios em condições quase servis de trabalho, onde os salários eram<br />

sistematicamente aviltados e corroídos por dívi<strong>da</strong>s com os patrões, em fenômeno já<br />

muito bem documentado pela historiografia. A situação mais comum, e perfeitamente<br />

ajusta<strong>da</strong> às condições do latifúndio cafeeiro, era a parceria, cujo exemplo magistral <strong>da</strong><br />

época era <strong>da</strong>do pela parcerias do Senador Vergueiro, logo generaliza<strong>da</strong>s como<br />

sistema 167 .<br />

Em suma, o projeto de colonização sistemática de Wakefield, que teria inspirado<br />

os legisladores <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de quarenta do século XIX ficou mesmo só como inspiração.<br />

A colonização foi reduzi<strong>da</strong> à mera importação de colonos pobres que deveriam servir,<br />

por certo tempo no latifúndio, não para ganharem seus salários e formarem um pecúlio<br />

para aquisições de terras 168 , no futuro previsível; mas antes, para cobrirem as dívi<strong>da</strong>s<br />

decorrentes <strong>da</strong>s despesas de viagem e contraí<strong>da</strong>s nos barracões <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s. Portanto,<br />

numa situação ain<strong>da</strong> mais desvantajosa do que a antevista por Marx, no modelo<br />

wakefieldiano, quando os colonos ao comprarem terras estavam financiando seus<br />

substitutos. Na colonização dirigi<strong>da</strong> do latifúndio brasileiro, esses colonos teriam que<br />

166 como, de fato, não funcionou.<br />

167 Ver a esse respeito os trabalhos de José Murilo de Carvalho, Roberto Smith e <strong>Alberto</strong> Passoas Guimarães, todos<br />

citados neste estudo. Ver igualmente os estudos de Paula Beiguelman, A Grande Imigração em São Paulo (I), Revista<br />

do Instituto de Estudos Brasileiros. n o 3, 1969, p. 99; Emília Viotti <strong>da</strong> Costa, Da Senzala à Colônia, Difel, São Paulo,<br />

1966, págs. 104-105; Sérgio Buarque de Holan<strong>da</strong>, Prefácio, In.: Tomás Davatz, Memórias de um Colono no Brasil<br />

(1850), Livraria Martins, 1972, pág. XLI; o próprio texto de Davatz, cit., pág. 64; Brasílio Sallum Jr., Capitalismo e<br />

Cafeicultura. Oeste paulista (1888-1930), Duas Ci<strong>da</strong>des, São Paulo, 1982, págs. 76-78.<br />

168 Embora essa aparência ou ilusão persistisse, alimenta<strong>da</strong> no ideário e na legislação. Na prática a materialização<br />

dessa possibili<strong>da</strong>de era remota ou inexistente<br />

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