19.03.2015 Views

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

origem na legislação ou na ausência desta: ele se deve às oportuni<strong>da</strong>des abertas, com a<br />

independência política, e as novas perspectivas de desenvolvimento econômico, como<br />

será, sobretudo o caso <strong>da</strong>s terras apossa<strong>da</strong>s pelo avanço extensivo <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s de café<br />

nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A ausência ou improprie<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> legislação apenas facilitou a exacerbação do processo.<br />

A falta <strong>da</strong> regulamentação infra-constitucional, isto é de uma legislação<br />

específica que regulamentasse o acesso e o uso <strong>da</strong>s terras e que estabelecesse as<br />

condições jurídicas efetivas sob às quais o novo Estado orientaria sua política de terras,<br />

apenas criou a oportuni<strong>da</strong>de para o avanço desregrado <strong>da</strong>s posses, como de fato ocorreu<br />

no período. Neste sentido e contexto, parece plausível supor que, na ausência de uma<br />

legislação que estabelecesse limites claros e precisos ao acesso e apossamento de terra,<br />

beneficiaram-se, sobretudo na conjuntura política e econômica do Brasil <strong>da</strong> época,<br />

muito mais os latifundiários (grandes posseiros e sesmeiros) e potentados locais, do que<br />

a massa do povo que, apesar disso também tinha a oportuni<strong>da</strong>de “legal” - isto é, apenas<br />

formal - de ocupar áreas de terras 147 e nestas se manter.<br />

Entretanto, se a oportuni<strong>da</strong>de legal, é condição necessária, não é condição<br />

suficiente para o ci<strong>da</strong>dão pobre realizar seu desejo de tornar-se proprietário de terras. E<br />

menos ain<strong>da</strong> de manter a sua proprie<strong>da</strong>de. Por um lado, parece óbvio que esses ci<strong>da</strong>dãos<br />

não tinham a oportuni<strong>da</strong>de, senão provisória e eventual, de alojar-se em terras devolutas<br />

ou dos latifundiários; por outro lado, longe delas, no sertão hostil, de natureza, de<br />

segurança e sujeito aos ataques de nativos, eles igualmente teriam poucas oportuni<strong>da</strong>des<br />

de se constituírem efetivamente. Assim, o Império <strong>da</strong>s Posses foi, efetivamente, como já<br />

se registrou acima, o império do latifúndio: <strong>da</strong>s grandes posses.<br />

147 Posto que a quebra do monopólio legal imposto pelo instituto de sesmarias, muito bem captado por <strong>Alberto</strong><br />

Passos Guimarães (op. cit., p.113), não implicava, por outro lado, necessariamente, na quebra do monopólio<br />

fundiário, sempre subordinado às condições econômicas de valorização <strong>da</strong>s terras. É neste sentido que a implicação<br />

tira<strong>da</strong> por Passos Guimarães a respeito <strong>da</strong> quebra do monopólio <strong>da</strong> “aristocracia”, pelas posses, não parece ter base<br />

empírica e histórica sóli<strong>da</strong>: o monopólio passa, de fato, <strong>da</strong>s mãos <strong>da</strong> coroa concedente, para os latifundiários que o<br />

exercem com todo o rigor. Mesmo porque, pequenas posses sempre se instalaram, independentemente do monopólio<br />

estabelecido pela legislação sesmarial, e continuarão existindo sempre no Brasil. Portanto o Império <strong>da</strong>s Posses, não<br />

representou a consoli<strong>da</strong>ção e, menos ain<strong>da</strong>, a democratização do acesso à proprie<strong>da</strong>de; ao contrário, foi a grande<br />

oportuni<strong>da</strong>de para a consoli<strong>da</strong>ção definitiva do latifúndio no Brasil. Nesse particular Roberto Smith (op. cit.), ao<br />

contrário de Passos Guimarães, parece estar no rumo de interpretação mais coerente. Cirne Lima, em trecho citado<br />

por Passos Guimarães (op. cit., p.114), defende ponto de vista semelhante ao deste, ao afirmar que, “apoderar-se de<br />

terras devolutas e cultivá-las, tornou-se coisa corrente entre nossos colonizadores, e tais proporções essa<br />

prática atingiu que pôde, com o correr dos anos, vir a ser considera<strong>da</strong> como meio legítimo de aquisição<br />

de domínio, paralelamente, a princípio e, após, em substituição ao nosso desvirtuado regime de<br />

sesmarias(...). Depois <strong>da</strong> abolição <strong>da</strong>s sesmarias, então, passou a campear livremente, ampliando-se de<br />

zona para zona à proporção que a civilização dilatava a sua expansão geográfica. Era a ocupação<br />

tomando o lugar <strong>da</strong>s concessões do poder público, e era igualmente o triunfo do humilde, do<br />

rústico, sobre o senhor de engenhos e fazen<strong>da</strong>s, o latifundiário sob favor <strong>da</strong> metrópole.” (grifos<br />

nossos). Que “era a ocupação tomando o lugar <strong>da</strong>s concessões do poder público”, não resta dúvi<strong>da</strong>s. Mas que<br />

era “o triunfo do humilde, do rústico, sobre o senhor de engenhos e fazen<strong>da</strong>s”, parece não se confirmar<br />

historicamente. Aliás, o próprio Passos Guimarães (op. cit., p.118) ao afirmar que “ressalve-se, porém, que onde<br />

o velho tipo de latifúndio colonial, feu<strong>da</strong>l e escravista lançara raízes, como por exemplo no nordeste<br />

açucareiro, a posse dificilmente teria tomado, àquela época, proporções muito extensas” (grifos<br />

nossos), apenas reforça esse argumento.<br />

88

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!