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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Portanto, parece frágil a tese de que a resistência aos impostos devia-se ao fato<br />

de que os mesmos beneficiariam aos cafeicultores em detrimento de outros<br />

latifundiários, especialmente nordestinos, por se destinarem à cobertura de despesas<br />

com a migração estrangeira 127 . Simplesmente porque não era este o caso. O fato dos<br />

dois problemas aparecerem associados nos debates parlamentares não é prova suficiente<br />

de que houvesse uma associação direta entre ambos: quer dizer, o imposto de<br />

chancelaria não estava sendo criado para promover a imigração. A imigração, sim, é que<br />

seria, parcialmente, financia<strong>da</strong> com recursos advindos deste imposto, assim como <strong>da</strong><br />

ven<strong>da</strong> de terras devolutas 128 . Tratava-se, de fato, no caso do “Direito de Chancelaria”,<br />

que era o mais criticado, de um imposto de transmissão "inter vivos" sobre a<br />

proprie<strong>da</strong>de, que, como se sabe, é uma prática tributária corrente em qualquer transação<br />

mercantil-imobiliária no universo do direito burguês, que se encontrava em vias de<br />

implantação no Brasil 129 . Nesse sentido, pode-se arguir a hipótese de que a<br />

argumentação, que associava o imposto sobre a transmissão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, ao rateio de<br />

eventuais custos de imigração de estrangeiros livres para a lavoura cafeeira; que a<br />

mesma atuava com o sentido de um argumento "demagógico" contra qualquer imposto<br />

sobre a proprie<strong>da</strong>de latifundiária 130 e, em última instância, visava desviar o cerne <strong>da</strong><br />

questão, (<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de para a tributação vincula<strong>da</strong> à colonização dirigi<strong>da</strong>) na tentativa<br />

de abortá-la.<br />

A questão mais grave e mais relevante, entretanto, era a que opunha antigos<br />

sesmeiros e posseiros. Vale registrar que ambos, sesmeiros e posseiros, têm que ser<br />

claramente qualificados: tratavam-se de grandes posseiros que se estabeleceram em<br />

terras devolutas (públicas), ou “particulares” (sesmarias abandona<strong>da</strong>s) e de sesmeirios<br />

que haviam caído em comisso, por estarem suas concessões ou abandona<strong>da</strong>s, ou não<br />

confirma<strong>da</strong>s, pela falta de cumprimento <strong>da</strong>s condições legais estabeleci<strong>da</strong>s nas cláusulas<br />

resolutivas.<br />

127 Embora, é evidente, a migração de colonos pobres, de fato beneficiasse sobretudo essa cama<strong>da</strong> dos latifundiários.<br />

Mas o que fica claro nos debates e, depois no texto <strong>da</strong> Lei 601, é que a resistência estava nas restrições que a Lei 601<br />

estabelecia em relação à revali<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s sesmarias e à legitimação <strong>da</strong>s posses, sobretudo no que se referia à restrições<br />

aos tamanhos <strong>da</strong>s posses (e sesmarias em comisso), o seu condicionamento à efetiva exploração e residência habitual<br />

e à exigência do imposto de chancelaria.<br />

128 Na ver<strong>da</strong>de, segundo a lógica <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> “colonização sistemática”, então argui<strong>da</strong>, o financiamento de migrantes<br />

era assegurado pela ven<strong>da</strong> de terras aos ex-assalariados que, após fazerem um pecúlio, trabalhando para os<br />

capitalistas, e portanto, promovendo a acumulação de capital, ao pagarem pelas terras, estavam de fato, financiando,<br />

através do Estado, a vin<strong>da</strong> de seus substitutos. Logo, essa idéia de financiar migração com imposto é, realmente,<br />

estranha à tese <strong>da</strong> colonização sistemática (vide Wakefield, op. cit. e Marx, op. cit.). Aliás, o artigo <strong>da</strong> Lei 601 que se<br />

refere a esse problema afirma que os recursos advindos dos impostos de chancelaria e <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de terras serão<br />

aplicados “1 o à ulterior medição de terras devolutas e 2 o à importação de colonos livres.”<br />

129 Ver a esse respeito o excelente estudo de Roberto Smith, que procura evidenciar a relevância de Lei 601 no<br />

sentido de possibilitar, no Brasil, a gênese <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de absoluta e mercantil <strong>da</strong> terra, enquanto pressuposto à<br />

mercantilização <strong>da</strong> força de trabalho, numa perspectiva teórica enriquecedora e criativa na abor<strong>da</strong>gem deste tema.<br />

130 Embora fosse ver<strong>da</strong>deira a parte <strong>da</strong> argumentação referente ao fato de que a imigração beneficiaria especialmente<br />

os cafeicultores. Só que os objetivos perseguidos pelos que assim argumentavam era impedir a tributação <strong>da</strong> terra;<br />

não fazer oposição à imigração estrangeira, de que aliás não havia cogitação imediata, o que dá um sentido<br />

completamente distinto ao fato. Isso fica claro nos debates parlamentares <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de quarenta do século XIX (Cf.<br />

CARVALHO, op. cit.)..<br />

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