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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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urais na condição de trabalhadores livres e (b) à organização de colônias, pelo Estado,<br />

em determina<strong>da</strong>s regiões, sobretudo nas fronteiras 109 .<br />

Assim, na ver<strong>da</strong>de a Lei de Terras se destinava à regulamentação de duas<br />

situações distintas e não tão articula<strong>da</strong>s como é comum supor-se.<br />

1 a . A questão <strong>da</strong> legalização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, que significava reconhecer<br />

e transferir para o domínio privado, to<strong>da</strong>s as terras economicamente destina<strong>da</strong>s à<br />

exploração agropecuária; e destacar as terras remanescentes, devolutas, que deveriam<br />

funcionar como um fundo de reserva de terras a servir de atração à imigração<br />

estrangeira livre, então importante, face ao aumento <strong>da</strong>s pressões externas e internas,<br />

contra o trabalho escravo, na nova conjuntura econômica que se estruturava no país.<br />

Como se sabe, argumentação básica <strong>da</strong> tese de Wakefield 110 a respeito <strong>da</strong> "colonização<br />

sistemática" tinha como pressuposto fun<strong>da</strong>mental a existência de terras livres e estatais,<br />

que deveriam servir como meio de regulação do mercado (de terras e de trabalho), com<br />

o objetivo explícito, de facilitar a atração de colonos livres, (pobres e capitalistas) por<br />

um lado, e impedir a dispersão <strong>da</strong> força de trabalho (colonos pobres) sobre a vastidão de<br />

terras disponíveis, que segundo a argumentação wakefieldiana, dificultaria ou mesmo<br />

poderia impedir a formação e, sobretudo, o desenvolvimento, de uni<strong>da</strong>des produtivas<br />

capitalistas 111 . O controle dessa possibili<strong>da</strong>de à inversão de capital na agricultura <strong>da</strong>s<br />

colônias, segundo aquele economista, apenas poderia ser eficiente se promovido através<br />

<strong>da</strong> intervenção do Estado, pela via Legal: isto é, criando óbices jurídicos à dispersão do<br />

processo de apropriação territorial. Isto seria feito mediante o recurso à ven<strong>da</strong> de terras<br />

e, especialmente, pelo controle <strong>da</strong> emissão dos títulos legais de proprie<strong>da</strong>de 112 .<br />

No caso do Brasil esses óbices enfrentavam, a resistência imposta pelos<br />

latifundiários, que tentavam "privatizar" (em lugar do Estado) em seu beneficio próprio<br />

a quase totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s terras economicamente aproveitáveis ou importantes. Ora, na<br />

ocorrência desse fato, esvaziava-se o pressuposto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> colonização<br />

sistemática 113 , tal como teoriza<strong>da</strong> por Wakefield, que seria a existência de terras livres e<br />

109 O que já se constituía no desvirtuamento <strong>da</strong>s teses <strong>da</strong> “colonização sistemática”, tal como formula<strong>da</strong> por<br />

Wakefield como se verá oportunamente. Pode-se dizer que essa é a concepção latifundiária <strong>da</strong>s teses <strong>da</strong> colonização<br />

sistemática de Wakefield que, evidentemente tem um sentido diferente e era uma alternativa ao desenvolvimento de<br />

um projeto capitalista, onde o controle <strong>da</strong>s terras pelo Estado era condição básica para regular o mercado de terra e<br />

trabalho, em apoio a investimentos capitalistas: assegurar fluxo contínuo de mão-de-obra assalaria<strong>da</strong>, pela via <strong>da</strong><br />

imigração, custea<strong>da</strong> pelo Estado com o fundo arreca<strong>da</strong>do pela ven<strong>da</strong> de terras aos assalariados que desejassem<br />

abandonar o mercado de trabalho (que Marx dirá que corresponde ao resgate pago pelo trabalhador ao capitalista para<br />

libertar-se do trabalho assalariado); assim como reservas de terras passíveis de serem privatiza<strong>da</strong>s para eventuais<br />

investidores. (Ver a respeito: MARX, 1975; Livro I, capítulo XXV; WAKEFIELD, op. cit.; SMITH, op. cit.)<br />

110 Que serviu de inspiração às teses defendi<strong>da</strong>s no Parlamento por ocasião <strong>da</strong> discussão do Projeto de Lei que<br />

resultaria, em 1850, na Lei 601.<br />

111 As teses de Wakefield, <strong>da</strong><strong>da</strong> a sua relevância, serãp trata<strong>da</strong>s de forma específica no item 4 deste capítulo.<br />

112 Ver a respeito MARX (1975) e SMITH, (op. cit).<br />

113 Como oportunamente registra Marx (op. cit., p. 892) “se de um só golpe, se transformassem to<strong>da</strong>s as terras<br />

de proprie<strong>da</strong>de comum em terras de proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, destruir-se-ia o mal pela raiz, mas as colônias<br />

seriam também destruí<strong>da</strong>s.” Na prática, no Brasil, a negativa latifundiária em demarcar e legalizar suas terras,<br />

assim como os óbices impostos, à arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s terras devolutas do Estado, funcionaram neste sentido apontado<br />

por Marx: acabaram por impossibilitar o Estado de controlar a “emissão de bom título” preconiza<strong>da</strong> como<br />

fun<strong>da</strong>mental na estratégia de Wakefield. Era uma situação que funcionava, na prática, como se to<strong>da</strong>s as terras, ou<br />

pelo menos sua porção mais relevante, houvesse sido “privatiza<strong>da</strong>” em favor do latifúndio. Nisso reside, na opinião<br />

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