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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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“severa limitação dos direitos que tinham sido conquistados pelos<br />

posseiros, conduzindo destarte à gradual passagem <strong>da</strong>s formas<br />

escravistas a outras formas de trabalho no campo mais ou menos<br />

livres, dentro dos mesmos latifúndios.” 103<br />

Por outro lado, essa mesma situação <strong>da</strong>rá origem a um grave problema de<br />

legitimação de terras. Se por um lado, nesse período, não poderia ser argui<strong>da</strong> nenhuma<br />

hipótese de ilegali<strong>da</strong>de com relação aos processos possessórios, por mais que estes<br />

fossem nocivos aos interesses econômicos ou mesmo “injustos”; por outro lado, <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

essa mesma ausência de legislação específica, as terras então apropria<strong>da</strong>s, não podiam<br />

ser legaliza<strong>da</strong>s, reconheci<strong>da</strong>s formal e legalmente pelo Estado. Essa questão só retornará<br />

à ordem do dia na déca<strong>da</strong> de 1840 e após a aprovação <strong>da</strong> Lei 601, que tentará<br />

regulamentar as formas e o conteúdo do direito de proprie<strong>da</strong>de territorial na Brasil.<br />

Nesse sentido, o Império <strong>da</strong>s Posses foi, na ver<strong>da</strong>de, o império dos latifundiários<br />

e dos potentados locais: nesse período eles consoli<strong>da</strong>ram não apenas seu patrimônio<br />

territorial, mas sobretudo, o seu poder político local 104 que, <strong>da</strong><strong>da</strong>s suas articulações<br />

políticas, enquanto possível base de sustentação dos grupos no poder, esse período<br />

correspondeu, igualmente, ao <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção do papel fun<strong>da</strong>mental que passaram a<br />

ocupar os potentados locais e latifundiários, enquanto base de sustentação dos diferentes<br />

governos nacionais.<br />

Essa situação estará, <strong>da</strong>í em diante, fortemente presente nas diferentes políticas<br />

do Estado Nacional e, seu primeiro teste será realizado no debate parlamentar de 1843-<br />

1850, em relação, especificamente, ao problema <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fundiária 105 .<br />

3. A Lei de Terras: Legitimação dos Privilégios<br />

103 Maurício Vinhas de Queiroz. Notas sobre o processo de modernização no Brasil. Revista do Instituto de Ciências<br />

Sociais, 3(1). Rio de Janeiro: 1966, p. 141.<br />

104 Neste sentido, contribuiu efetivamente para a consoli<strong>da</strong>ção do poder <strong>da</strong>s oligarquias locais, a instituição <strong>da</strong><br />

Guar<strong>da</strong> Nacional, no período Regencial, que atribui formal e efetivamente aos latifundiários patentes militares (de<br />

"Coronéis"). Esse fato, associado outras mu<strong>da</strong>nças jurídicas, políticas e administrativas relevantes, promovi<strong>da</strong>s, no<br />

período Regencial, consoli<strong>da</strong>rá definitivamente o poder <strong>da</strong>s oligarquias locais latifundiárias (vide Raymundo Faoro,<br />

op. cit.).<br />

105 Um problema relevante nesse contexto é exatamente o <strong>da</strong> legitimação <strong>da</strong>s posses (grandes posses, bem<br />

entendido), contra as pretensões de antigos sesmeiros. Não se tratava, como às vezes interpretam alguns autores (Vg.<br />

Faoro, op. cit.; Passos Guimarães, op. cit.) <strong>da</strong> defesa <strong>da</strong>s posses (por suposto pequenas) contra os latifúndios<br />

(representados pelos sesmeiros). Ao contrário, representava os interesses <strong>da</strong>s grandes posses, - que se formaram no<br />

período que se estende entre o processo político <strong>da</strong> Independência e a consoli<strong>da</strong>ção do poder nacional, - contra os<br />

antigos sesmeiros, sobretudo aqueles representados por elementos ligados aos privilégios <strong>da</strong> antiga Corte portuguesa.<br />

Trata-se, sobretudo, de grandes posses que se formaram, por exemplo, entre o Rio de Janeiro, Minas e São Paulo,<br />

durante a expansão <strong>da</strong> cultura do café, que afetaram interesses de antigos sesmeiros do vale do Paraíba (Faoro, op.<br />

cit.). É nesse sentido que o problema se coloca de forma diferente no Nordeste, cuja estrutura fundiária, concentra<strong>da</strong>,<br />

fora consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> com base nas sesmarias durante o ciclo áureo <strong>da</strong> cana-de-açúcar e na região do café, que será<br />

consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> sob o "império <strong>da</strong>s posses". Por essa razão não se pode, simplesmente, como o faz Passos Guimarães, e<br />

em parte Emília Viotti <strong>da</strong> Costa, entre outros, atribuir a aprovação <strong>da</strong> Lei de Terras "aos interesses cafezistas.":<br />

tratava-se, na ver<strong>da</strong>de de uma questão que, política e economicamente, ultrapassava os interesses difusos, embora<br />

concretamente manifestados, de oligarquias locais. Na ver<strong>da</strong>de, envolvia a mu<strong>da</strong>nça de hegemonia do eixo<br />

econômico, que passa a se deslocar para a região centro-sul, desde 1808 e sobretudo na segun<strong>da</strong> metade do século<br />

XIX. E sobretudo, tratava-se de assegurar o monopólio <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de territorial: é neste sentido que a Lei 601 é uma<br />

lei de terras, muito antes de uma lei de colonização (cf. Faoro, op. cit.; Prado Jr. op. cit.; Linhares [1981], entre<br />

muitos outros).<br />

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