19.03.2015 Views

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

"XXII - É garantido o Direito de Proprie<strong>da</strong>de em to<strong>da</strong> a sua<br />

plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e<br />

emprego <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de do Ci<strong>da</strong>dão, será ele previamente<br />

indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá<br />

lugar esta única exceção, e <strong>da</strong>rá as regras para determinar a<br />

indenização." 102<br />

É nesse contexto, de vazio <strong>da</strong> regulamentação infra-constitucional com relação,<br />

especificamente à proprie<strong>da</strong>de territorial, que se configura a situação conheci<strong>da</strong> como<br />

"Império <strong>da</strong>s Posses", ou seja, fun<strong>da</strong>do no fato de que não havia, legalmente, o<br />

estabelecimento de instrumentos legais que assegurassem a legalização <strong>da</strong>s aquisições<br />

de terras, nem regulassem o seu acesso. Neste sentido o Estado realmente, e não apenas<br />

virtualmente, retira-se <strong>da</strong> luta pela terra. Império <strong>da</strong>s Posses, sim, posto que, nesse<br />

contexto de impossibili<strong>da</strong>de de legalização e, portanto de reconhecimento formal, <strong>da</strong>s<br />

proprie<strong>da</strong>des pelo Estado, apenas era possível o acesso à terra, pela via <strong>da</strong> mera<br />

ocupação, sem nenhum limite ou restrição. Daí a agudização <strong>da</strong> profun<strong>da</strong> anarquia que<br />

já vinha ocorrendo, à margem <strong>da</strong> legislação sesmarial, antes, quando as posses sempre<br />

avançaram à revelia do instituto de sesmarias. É óbvio que, nessa conjuntura, os grandes<br />

posseiros, mais que os pequenos, tinham concretamente a possibili<strong>da</strong>de de fazer valer,<br />

pela força priva<strong>da</strong> e fun<strong>da</strong>dos no prestígio, as suas ambições e pretensões territoriais.<br />

Neste sentido, discor<strong>da</strong>-se frontalmente <strong>da</strong> noção que Maurício Vinhas de Queiroz<br />

fornece do “Império <strong>da</strong>s Posses”. Segundo a interpretação <strong>da</strong>quele autor, o vazio<br />

jurídico, a perpetuar-se num lapso de tempo maior, teria gerado uma autêntica reforma<br />

agrária, a saber:<br />

“a expansão livre e impetuosa <strong>da</strong> economia dos posseiros, os<br />

quais se atiravam sobre as terras inexplora<strong>da</strong>s em um ritmo até<br />

então desconhecido. Em 1850 esse processo - que levado às<br />

últimas consequências tornaria o Brasil um país de estrutura<br />

agrária muito diversa <strong>da</strong> atual - foi drasticamente interrompido;”<br />

e, por isso, representou uma<br />

102 ” Constituição Política do Império do Brasil", jura<strong>da</strong> em 25 de março de 1824 (In.: MEAF, 1983, p.357. Grifos<br />

nossos). Verifica-se, dessa forma que a questão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra não fica absolutamente à revelia; pelo<br />

contrário, a proprie<strong>da</strong>de é vigorosamente assegura<strong>da</strong> pela Lei Magna. O problema é que, como sempre acontecerá no<br />

Brasil, adia-se a regulamentação do preceito, jogando-a para "a Lei Ordinária", Lei essa, que como a prática histórica<br />

parlamentar demonstrou, só será aprova<strong>da</strong> em 1850 e regulamenta<strong>da</strong> apenas em 1854. Fato relevante a ser observado<br />

é que a Constituição do Império atribui valor monetário e a proprie<strong>da</strong>de absoluta à terra, incentivando, por esse meio,<br />

a especulação e a usura, já então em franco desenvolvimento no País. Por outro lado, com o vazio na regulamentação,<br />

criado pela extinção <strong>da</strong> legislação sesmarial, com a Independência, não haverá nenhuma regulamentação que limite,<br />

por um lado, as possibili<strong>da</strong>des de apossamento de terras e, por outro, lhe assegure as condições de legalização. Assim,<br />

com o direito genérico à proprie<strong>da</strong>de assegurado, e na falta <strong>da</strong> regulação estatal fará com que, na prática, subsista um<br />

espécie de "estado hobbesiano", onde imperará sempre a "lei do mais forte", o que tornará definitivamente assegura<strong>da</strong><br />

as possibili<strong>da</strong>des de hegemonia do poder local-latifundiário, sobretudo numa conjuntura de instabili<strong>da</strong>de política<br />

liga<strong>da</strong> à consoli<strong>da</strong>ção do Estado Independente, quando então, as facções em luta pela hegemonia no poder, não<br />

permitirão que o Governo se atreva a ferir interesses locais. Essa conjuntura é evidencia<strong>da</strong> pelos inúmeros levantes e<br />

conflitos rurais que ocorreram entre 1821 e 1850, que só serão efetivamente controlados, no Segundo Reinado. É<br />

obvio que nessa conjuntura, o vazio <strong>da</strong> regulamentação agrária possibilitasse, sobretudo, a consoli<strong>da</strong>ção do latifúndio<br />

e do poder local, instituindo no Brasil independente, os sistemas de cooptação entre o poder local-regional e as<br />

facções em luta pela hegemonia no poder central, que <strong>da</strong>í para frente sempre estarão presentes no cenário político<br />

brasileiro, sobretudo no Parlamento.<br />

63

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!