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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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quanto internacional 87 . Uma nova ordem fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, agora, não nos enfraquecidos laços <strong>da</strong><br />

concorrência mercantilista, mas na hegemônica exigência de ampliação dos mercados<br />

(tanto consumidores quanto, sobretudo, de investimentos) no bojo <strong>da</strong> lógica do<br />

capitalismo industrial em franco desenvolvimento. É nesse novo contexto que devem<br />

ser localizados, tanto os processos de independência nas diversas colônias, e de ruptura<br />

do "pacto colonial", quanto os diferentes processos que engendraram Leis de terras em<br />

diversos países, assim como os processos abolicionistas.<br />

O regime de sesmarias, por outro lado, embora não impedisse o alargamento <strong>da</strong>s<br />

apropriações de terras pela via <strong>da</strong> posse ("extra-legal" ou ilegalmente), não permitia,<br />

entretanto, a legitimação <strong>da</strong>s terras assim obti<strong>da</strong>s 88 . A não ser em casos nos quais<br />

ficassem comprova<strong>da</strong>s a mora<strong>da</strong> habitual, a exploração efetiva e a medição <strong>da</strong>s terras<br />

ocupa<strong>da</strong>s por apossamentos. Tratava-se, outrossim, de uma excepcionali<strong>da</strong>de, como o<br />

caso ilustrado pela Resolução de julho de 1822, posto que a via normal apenas era<br />

assegura<strong>da</strong> pela concessão real. Daí que os posseiros fossem sistematicamente acusados<br />

de intrusos, invasores, sobretudo quando se tratavam de pequenas áreas. Mas esses<br />

casos estavam sempre regulados, ao nível <strong>da</strong> praxis, por um lado, pela ação dos<br />

latifúndios e, por outro, pelas dificul<strong>da</strong>des e riscos inerentes a esse processo de<br />

ocupação, que apenas poderia ocorrer em terras afasta<strong>da</strong>s, estando sempre sujeito a<br />

resistência dos indígenas.<br />

No caso <strong>da</strong>s grandes posses, apenas as dificul<strong>da</strong>des interpostas pelas terras<br />

sertanejas e pelos indígenas eram limitações a serem considera<strong>da</strong>s; dificul<strong>da</strong>des essas<br />

sempre supera<strong>da</strong>s pela prea aos indígenas e pelos sistemáticos massacres que, de resto,<br />

sempre afetaram os pequenos posseiros, quando esses se encontravam no caminho <strong>da</strong><br />

87 Trata-se, como bem registra Roberto Smith, <strong>da</strong> conjuntura do último quartel do século XVIII e <strong>da</strong>s primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s do século XIX, "onde se enquadra mais significativamente a Revolução Industrial. Diante de uma<br />

perspectiva colonial, essa é a fase <strong>da</strong> desagregação do ordem colonial, onde a Independência dos<br />

Estados Unidos é evento marcante. A Revolução Francesa, a revolta dos escravos de São Domingos e o<br />

espraiamento <strong>da</strong>s idéias igualitárias e do pensamento liberal conjugam forte inflexão histórica, revelando<br />

significativa mu<strong>da</strong>nça nas relações entre os homens e dos homens com a natureza, através <strong>da</strong> técnica e<br />

do conhecimento científico acionados para a valorização do capital. Tal mu<strong>da</strong>nça estava fa<strong>da</strong><strong>da</strong> a ter<br />

grande influência econômica e política em todo o mundo colonial.” (op. cit., p.342).<br />

88 Como oportuna e corretamente registra Roberto Smith (op. cit.,p.347), em to<strong>da</strong> a sua evolução o aparato jurídico<br />

estatal colonial não serviu aos interesses de apropriação priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> terra, dificultando sua legitimação e não<br />

permitindo sua absolutização. "O Direito público, constituiu antes, um balizamento a ser observado pelos<br />

interesses particulares e locais dos latifundiários" . Por outro lado, ain<strong>da</strong> segundo aquele autor, "os grandes<br />

proprietários... não detinham suficiente poder sobre o Estado para redirecionar o estatuto <strong>da</strong> sesmaria a<br />

seu favor."(Id. Ibidem). Entretanto, cabe registrar que isso não significa de forma alguma que as pequenas posses<br />

fossem beneficiárias do sistema. Nesse aspecto parece ter razão Faoro ao associar as dificul<strong>da</strong>des jurídicas cria<strong>da</strong>s<br />

pela legislação territorial do Reino, ao problema de assegurar, por um lado, sempre, o domínio eminente <strong>da</strong> Coroa<br />

sobre to<strong>da</strong>s as terras e, por outro, e com base no fato de que o "Rei era o maior proprietário."(Faoro, op. cit.),<br />

assegurar as condições de exploração efetiva <strong>da</strong> terra e, sobretudo, seu caráter administrativo e tributário e, dessa<br />

forma, impedir a possibili<strong>da</strong>de de qualquer espécie de enfeu<strong>da</strong>mento. No caso do Brasil o equaciomento dessa<br />

questão <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de será claramente abor<strong>da</strong>do no seio <strong>da</strong> Lei 601 de 1850 e dá razão, em sentido estritamente<br />

jurídico, às teses de Roberto Smith: pode-se observar no texto legal citado, como se verá, a distinção, aliás<br />

importantíssima, entre "Legitimação" (art. 5 o <strong>da</strong> Lei 601), destina<strong>da</strong> às posses, portanto, por suposto, considera<strong>da</strong>s<br />

ilegítimas até então; e "Revali<strong>da</strong>ção" (art. 4 o <strong>da</strong> mesma Lei), destina<strong>da</strong> às "sesmarias e outras Concessões do<br />

Governo Geral ou provincial que se acharem cultiva<strong>da</strong>s ou com princípios de cultura e mora<strong>da</strong> efetiva(...)<br />

embora não tenha sido cumpri<strong>da</strong> qualquer <strong>da</strong>s outras condições com que foram concedi<strong>da</strong>s." Como se<br />

verá, a Lei 601 assegurará a ambos os casos, o que não significa, de nenhuma forma, privilegiar a pequena posse em<br />

detrimento <strong>da</strong>s sesmarias ou latifúndios.<br />

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