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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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“o espírito dominialista inspira as disposições novas: as<br />

concessões de sesmarias são meramente concessões<br />

administrativas (e não priva<strong>da</strong>s) sobre o domínio público.” 78<br />

Por outro lado, permanece, em letra de lei, a obrigação ao cultivo <strong>da</strong> terra<br />

sesmarial, como expresso no Alvará de 5 de janeiro de 1785 (que consoli<strong>da</strong> a<br />

legislação). Ao lado <strong>da</strong> concessão sesmarial, obtém-se a proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra, não<br />

legitima<strong>da</strong> pelo Estado, pelo simples apossamento. Quando a legislação de sesmarias é<br />

aboli<strong>da</strong>, em 1822, cria-se um vácuo legal que, segundo o entendimento de Cirne Lima -<br />

do qual se discor<strong>da</strong> neste trabalho - dá lugar ao apossamento de terras como único modo<br />

legítimo de apropriação, tanto mais legítimo quando a Lei de Terras de 1850 irá torná-lo<br />

legal - pelo apelo ao direito consuetudinário, conforme a argumentação de Cirne Lima -<br />

valendo-se do instituto <strong>da</strong> legitimação.<br />

Neste entendimento, esta legitimação não se ateve ao propósito tão somente de<br />

evitar uma hecatombe na grande lavoura - no caso de as grandes posses não se haverem<br />

legitimado - mas, acima de tudo porque a posse com trabalho produtivo é fonte<br />

antiquíssima de apropriação no direito português, e, pela via legítima do costume, se<br />

arraigou por igual no direito brasileiro. Provisão de 14 de março de 1822, cita<strong>da</strong> por<br />

Cirne Lima, ao regular medições e demarcações de sesmarias proíbe prejuízos a<br />

eventuais ocupantes com cultura efetiva do terreno, conservando-os em suas posses 79 .<br />

Por outro lado, como registra Smith, "a sempre presente tentativa <strong>da</strong> Coroa de<br />

disciplinar a ordem econômica gerou dois tipos de acomo<strong>da</strong>mento", por um lado,<br />

sob o amparo e proteção do Estado e, por outro, ao nível concreto, "sob um mundo<br />

situado fora <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de estatal." 80<br />

Este último se constituiu sempre, segundo aquele autor, em um campo amorfo e<br />

indefinido por onde vicejaram os interesses econômicos. "A coroa, até o fim do<br />

regime sesmarial, em 1822, vetou a grande proprie<strong>da</strong>de fundiária e procurou<br />

de certa forma proteger a pequena posse produtiva", afirma Smith, o que parece<br />

ser uma conclusão que encontra pouco fun<strong>da</strong>mento empírico, posto que o grande<br />

problema enfrentado nessa conjuntura situava-se entre grandes posseiros e antigos<br />

sesmeiros, embora a aparência, cria<strong>da</strong> pela dimensão jurídica e pelo caráter<br />

generalizante <strong>da</strong> representação normativa, dê a impressão que se tratava de assegurar as<br />

pequenas posses, o que não correspondia aos fatos concretos.<br />

Por outro lado, ao referir-se de forma abrangente à to<strong>da</strong>s as posses (incluía<br />

grandes e pequenas) e, formalmente, assegurava os interesses destas últimas. Entretanto,<br />

como a realização de um direito formalmente garantido exige, concretamente, a<br />

"provocação" de ações no judiciário, este era e continua sendo um fator impeditivo de<br />

materialização ao nível do Direito Real. Além, é claro, <strong>da</strong>s pressões efetivamente<br />

exerci<strong>da</strong>s, ao nível concreto do quotidiano, pelos grandes posseiros e sesmeiros na luta<br />

78 Pequena história territorial do Brasil. Sesmarias e terras devolutas, 2 a ed. Porto Alegre, Sulina, 1954, p.39.<br />

79 Citado em LIMA (1954, p.52).<br />

80 SMITH (1990, p.334).<br />

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