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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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prévio prestígio político, confia<strong>da</strong> a terra não ao cultivador<br />

eventual, mas ao senhor de cabe<strong>da</strong>is ou titular de serviços<br />

públicos". Instaura-se plenamente a figura dominante <strong>da</strong><br />

“sesmaria de engenho. 75 ”<br />

Daí também que, na medi<strong>da</strong> em que os riscos de per<strong>da</strong> <strong>da</strong> hegemonia e do<br />

domínio territorial <strong>da</strong> Colônia sejam superados, ocorram as reitera<strong>da</strong>s tentativas,<br />

mediante os diferentes Alvarás que, em distintos períodos e conjunturas econômicas,<br />

são propostos com o objetivo de fazer o instituto <strong>da</strong>s sesmarias retornar ao seu eixo<br />

primitivo de garantir, apenas, as concessões territoriais condiciona<strong>da</strong>s à ocupação<br />

produtiva <strong>da</strong> terra e ao cumprimento <strong>da</strong>s demais cláusulas de resolubili<strong>da</strong>de,<br />

particularmente, no tocante ao pagamento de foros e tributos que, paulatinamente, são<br />

acrescidos ao primitivo dízimo <strong>da</strong> Ordem de Cristo, sobretudo na medi<strong>da</strong> em que a<br />

economia colonial crescia e se tornava mais complexa e importante para o Orçamento<br />

Metropolitano. Entretanto, apesar de todos os possíveis desvirtuamentos e crises, uma<br />

característica, efetivamente a mais importante do instituto de sesmarias, é manti<strong>da</strong> - pelo<br />

menos formalmente 76 - em todo o período de aproxima<strong>da</strong>mente cinco séculos: a de não<br />

possibilitar a absolutização (embora, não também, o enfeu<strong>da</strong>mento) <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

territorial, especialmente, a rural, no caso do Brasil 77 . Especialmente a partir de meados<br />

do século XVIII, quando, diante <strong>da</strong> anarquia reinante na estrutura fundiária, começa a<br />

impor limitações muito rigorosas ao reajustamento produtivo <strong>da</strong> economia às novas<br />

condições de produção, situação esta que se tornará insustentável nas primeiras déca<strong>da</strong>s<br />

do século XIX. O enquadramento legal dessa característica <strong>da</strong> Colônia, frontalmente<br />

contrário às Ordenações Filipinas, é exposto sucintamente por Ruy Cirne Lima, quando<br />

afirma:<br />

75 Op. cit., p. 407.<br />

76 Aqui se diz "formalmente" no sentido de que a exigência é legalmente assegura<strong>da</strong>, portanto se constituindo em<br />

condição "sine qua non" à legalização <strong>da</strong>s possíveis ocupações territoriais que, de fato, isto é, à margem <strong>da</strong>s normas<br />

reguladoras do acesso à proprie<strong>da</strong>de, nunca deixaram de ocorrer. Entretanto, ao serem formalmente, isto é,<br />

legalmente, manti<strong>da</strong>s as normas reguladoras do acesso e legitimação <strong>da</strong>s terras, de fato, era cria<strong>da</strong> uma situação, na<br />

qual, as apropriações que não se ajustassem a essa exigência, também apenas "aparentemente" se constituíam em<br />

ver<strong>da</strong>deiras proprie<strong>da</strong>des, posto que dependiam sempre de confirmação, isto é, reconhecimento, por parte do Estado.<br />

Isso fazia com que todo o processo retornasse aos termos do instituto de sesmarias, portanto podendo, nestes casos,<br />

fazer valer as exigências formais, e implicar, assim, o confisco <strong>da</strong> terra e, mais que isso, até a prisão, dependendo <strong>da</strong><br />

conjuntura e do "status" do ocupante ou posseiro. Portanto, esse "formalismo jurídico" em sua contradição com o fato<br />

concreto <strong>da</strong>s ocupações, era uma carta forte na manga do Estado Colonial, sobretudo porque, mesmo as concessões<br />

legalmente feitas, não asseguravam a absolutização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de. Tratava-se de um duplo artificio legal a impedir a<br />

efetivação do processo de apropriação. Esta característica do instituto jurídico <strong>da</strong> sesmaria dá razão a Faoro ao<br />

defender a tese de que, em Portugal, a proprie<strong>da</strong>de territorial, nos termos do instituto <strong>da</strong> sesmaria, bloqueia o<br />

enfeu<strong>da</strong>mento; e a Roberto Smith ao referir-se ao fato de que a proprie<strong>da</strong>de territorial, neste contexto, tanto em<br />

Portugal como no Brasil, não se absolutiza: isto é, que embora não sendo feu<strong>da</strong>l, também, não assume o caráter<br />

absoluto, mercantil, <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de burguesa. Este ponto de vista é aqui defendido, constituindo-se num dos<br />

pressupostos básicos <strong>da</strong> hipótese de trabalho.<br />

77 Sim, porque a proprie<strong>da</strong>de imobiliária urbana estava igualmente sujeita ao mesmo instituto em Portugal e, depois,<br />

no Brasil Colonial. As implicações e relevância desse fato, será claramente senti<strong>da</strong> no Brasil, em 1808, com a<br />

chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Corte portuguesa após à fuga decorrente <strong>da</strong> invasão <strong>da</strong>s tropas de Junot, quando diversas residências,<br />

sítios, quintas e até fazen<strong>da</strong>s, são simplesmente requisitados pelo Poder Real, para alojar a Corte, passando a ser<br />

efetivamente incorpora<strong>da</strong> ao patrimônio <strong>da</strong> Coroa, embora sob determina<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> arbitra<strong>da</strong> pelo Estado, com a<br />

simples afixação <strong>da</strong>s iniciais "PR" (Proprie<strong>da</strong>de Real) em suas facha<strong>da</strong>s. Esse fenômeno será, desde então marcado<br />

no imaginário e na consciência "nativista" brasileira, em relação à sujeição "reinol" e será um dos móveis ideológicos<br />

<strong>da</strong> resistência que permeará to<strong>da</strong> a crise que levou a independência e ao Segundo Reinado.<br />

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