19.03.2015 Views

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

formulação de L. Trotsky sobre o “desenvolvimento desigual e combinado” para<br />

explicar o destaque do Estado português e sua política colonial no Brasil em relação à<br />

socie<strong>da</strong>de; os “saltos” <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> retar<strong>da</strong>tária em relação à evolução “normal” face aos<br />

acicates impostos pelo mercado mundial; a combinação de fases distintas e amálgama<br />

de formas “arcaicas” com modernas. Nesse novo contexto o sistema sesmarial é<br />

retomado nos contornos do colonialismo moderno, muito mais como recurso de<br />

ocupação, colonização e defesa 73 contra possíveis ingerências territoriais estrangeiras,<br />

na conjuntura do acirramento <strong>da</strong> contradições gesta<strong>da</strong>s pela concorrência internacional<br />

mercantilista, ain<strong>da</strong> que mantendo, como sempre, o seu caráter administrativo, fiscal e,<br />

sobretudo tributário.<br />

É neste sentido que, ao ser transposto para o Brasil, o instituto, necessariamente,<br />

sofrerá profun<strong>da</strong>s transformações, e não poderá, evidentemente, cumprir as suas funções<br />

e realizar os seus objetivos primitivos, sobretudo, o de garantir a legitimação, apenas,<br />

<strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des produtivas. No caso do Brasil, desde o início do período colonial, o<br />

seu objetivo fun<strong>da</strong>mental era a garantia de ocupação e defesa do território, enquanto<br />

domínio do Estado e <strong>da</strong> Coroa, muito mais do que a sua ocupação efetivamente<br />

produtiva, embora esta, é claro, fosse condição mínima necessária, fun<strong>da</strong>mental para<br />

assegurar a reprodução do sistema econômico e político como um todo. E neste sentido,<br />

estrutura-se com base na grande proprie<strong>da</strong>de escravista e mercantil agro-exportadora<br />

açucareira 74 , uni<strong>da</strong>de produtiva esta que, dita<strong>da</strong> pelas necessi<strong>da</strong>des impostas pela<br />

reali<strong>da</strong>de econômica e política <strong>da</strong> Colônia, representava, de fato, um determinado nível<br />

de desvirtuamento do Instituto, estando na origem <strong>da</strong> formação do latifúndio, sobretudo<br />

improdutivo, no Brasil.<br />

Provavelmente, esse fato, concreto, real, explique a "tolerância" por parte do<br />

Estado português, em relação a determinado nível de "desvirtuamento" do instituto<br />

sesmarial na Colônia. Segundo Raymundo Faoro,<br />

"depois de perder o caráter administrativo que lhe fora infundido<br />

pelos legisladores de Portugal, para acentuar seu conteúdo<br />

dominial, o regime de sesmarias gera, ao contrário de seus<br />

propósitos iniciais, a grande proprie<strong>da</strong>de. Para chegar a essas<br />

linhas de contorno, muito se deve ao influxo <strong>da</strong> escravidão e ao<br />

aproveitamento extensivo <strong>da</strong> pecuária, fatores que se aliam ao<br />

fato de que, para requerer e obter sesmaria, era necessário o<br />

72 FAORO (op. cit). Esse aspecto é igualmente realçado por Roberto Smith (op. cit.) Ver especialmente, as páginas<br />

343-344.<br />

73 Características essas que, aliás, também estiveram associa<strong>da</strong>s à organização primitiva do sistema sesmarial em<br />

Portugal desde o período que Virgínia Rau (op. cit.) denomina de "Reconquista". Tratava-se, portanto, de um recurso<br />

de colonização efetiva do território, inicialmente fun<strong>da</strong>do nas antigas "Presúrias", meras ocupações <strong>da</strong>s terras<br />

conquista<strong>da</strong>s aos mouros. O sistema de sesmarias, portanto, deveria, consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> a paz, constituir-se em uma política<br />

específica de colonização, fun<strong>da</strong>do em concessões de caráter administrativo e tributário, pelo Estado, e tendo como<br />

condição básica, a exploração efetiva do solo. Portanto, desde suas origens mais primitivas o instituto <strong>da</strong>s sesmarias<br />

já era estabelecido como alternativa à ocupação produtiva do solo, enquanto forma pacífica de garantir o domínio<br />

territorial pelo Estado.<br />

74 Ver a respeito dessa conjuntura: PRA<strong>DO</strong> JR (op. cit.); FAORO (op. cit.); GUIMARÃES (op. cit.); SIMONSEN<br />

(op. cit.) entre muitos outros estudiosos <strong>da</strong> História Econômica e <strong>da</strong> economia brasileira, citados no decorrer deste<br />

trabalho.<br />

51

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!