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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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"os costumes, além do extenso território <strong>da</strong>s práticas extralegais,<br />

conservam caráter godo, sobrepondo-se, em muitos<br />

assuntos, à ordem jurídica formaliza<strong>da</strong>. De outro lado, a<br />

dispersão <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de, fenômeno geral na I<strong>da</strong>de Média,<br />

conspirava em favor do predomínio do direito costumeiro do<br />

costume <strong>da</strong> terra, réplica continental do Common Law. Sobre<br />

esse manto de muitas cores e de muitos retalhos, o direito<br />

romano já se impõe como modelo de pensamento e ideal de<br />

justiça(...) Não subsistiria se não o fecun<strong>da</strong>sse o adubo dos<br />

interesses que se aproveitaram <strong>da</strong> armadura espiritual,<br />

conservando-a por fora e dilacerando-a na intimi<strong>da</strong>de. 36 "<br />

“Conservando-a por fora e dilacerando-a na intimi<strong>da</strong>de”, assim Faoro traduz de<br />

forma contundente uma <strong>da</strong>s características mais fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção do<br />

Direito na história de Portugal e que terá continui<strong>da</strong>de zelosa na Colônia brasileira,<br />

estendendo-se pelo Império, chegando fortalecido ao Brasil republicano. É dessa forma<br />

que o Direito passa a se constituir num conjunto de normas jurídicas, "formalmente<br />

neutras" (váli<strong>da</strong>s para todos: pois "todos são iguais perante a lei") - conservado, assim.<br />

por fora, no dizer <strong>da</strong> Faoro -, mas econômica e politicamente direcionado - contexto em<br />

que é dilacerado na intimi<strong>da</strong>de, para usar os termos de Faoro. A conclusão desse<br />

raciocínio por Raymundo Faoro é cristalina:<br />

"Serviu-se para esta obra gigantesca, do Direito Romano, o qual justificava<br />

legalmente (os) privilégios, revelando-se um instrumento ideal para cumprir uma<br />

missão e afirmar um predomínio. 37 ”<br />

O que é importante reter neste momento, e ao que se retornará em outros pontos<br />

deste estudo, é que fica evidenciado na legislação sesmarial um fato <strong>da</strong> maior<br />

relevância, e que irá permear to<strong>da</strong>s as políticas de terras e to<strong>da</strong>s as legislações agrárias<br />

brasileiras até os dias atuais. Trata-se <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de proprie<strong>da</strong>de, pelo não cumprimento<br />

de sua função social, bem como de outras exigências explicita<strong>da</strong>s nos diferentes Forais e<br />

Cartas de Doação. Essas terras, devolutas, retornavam ao domínio do Estado, que<br />

promovia a sua redistribuição a quem as lavrasse, nas mesmas condições anteriores,<br />

quer se tratassem de terras sujeitas ou não a tributos. Ou seja, nesse processo de<br />

confisco de terras improdutivas pelo Estado, e sua redistribuição a terceiros, que<br />

obedecia a rito próprio e graduado de expropriação - especialmente no Reino - as terras<br />

eram redistribui<strong>da</strong>s nas mesmas condições em que se encontravam anteriormente<br />

concedi<strong>da</strong>s: se sujeitas a foro ou não, continuavam sujeitas às mesma condições. Não<br />

podiam ser grassa<strong>da</strong>s com nenhum ônus, além dos anteriormente existentes.<br />

Mantinha-se, outrossim, as mesmas exigências. Especialmente com relação ao<br />

cultivo e exploração <strong>da</strong> terra.<br />

Tratavam-se <strong>da</strong>s clausulas de resolubili<strong>da</strong>de, que eram parte relevante de todo<br />

documento de concessão de sesmarias. Eram exatamente estas cláusulas que impediam<br />

a absolutização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e que condicionavam todo o processo de sua<br />

36 FAORO (1996, p.11).<br />

37 FAORO (1996, p.11. Grifos nossos).<br />

31

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